Vocês me pediram para falar mais sobre o autismo em meninas e mulheres, e cá estamos nós com cinco das causas mais frequentes de ansiedade em meninas autistas. E, novamente, eu preciso dizer que tudo que a gente vai conversar aqui, tudo que a gente associa às mulheres, não está restrito ao gênero feminino. Os profissionais, hoje em dia, até falam mais em diferenças de apresentação do que no próprio espectro feminino ou masculino.
Então, os meninos também podem se identificar com essas causas de ansiedade. Dito isso, vamos lá às causas do agito mental, do estresse e da ansiedade em quem tem o transtorno do espectro autista. A primeira causa, então, é a dificuldade de entender o outro, e principalmente de responder de acordo com as normas sociais.
E, para que a gente entenda aqui a ansiedade provocada por essa inabilidade social, eu vou usar o esquema do Daniel Goleman no livro "Foco". Ele fala que é preciso um foco triplo para que a gente consiga cultivar inteligência emocional. Então, para estar bem, eu preciso conseguir perceber e nomear o que eu sinto, e esse é o foco na gente mesmo.
Eu preciso também conseguir perceber os estímulos e as mudanças do ambiente; esse é o foco no contexto. E preciso também conseguir compreender a comunicação verbal e a comunicação não verbal do meu interlocutor; esse é o foco no outro. E aí, com esses três focos — em mim mesma, no contexto e no outro — a tendência é que a gente consiga ser mais assertivo.
Percebeu que a ansiedade social costuma estar aumentada nos autistas? Porque esse foco triplo é uma aquisição muito cara; é muito difícil para quase todo neurodivergente perceber tudo que está à volta dele. E, como os autistas tendem a ser mais pragmáticos, a inteligência social e a inteligência emocional podem falhar.
Por exemplo, se ele cumprimenta alguém, pergunta se a pessoa está jóia e a pessoa responde "tá tudo bem", mas com um tom mais frio ou irritado, o autista pode também ter problema com a teoria da mente. Então, talvez ele não perceba esses sinais de irritação e aí ele vai responder: "Ah, que bom! Fico super feliz que você esteja bem.
" Vai responder "sim", simplesmente porque ele aprendeu essa resposta. Agora, a questão é que esse comportamento atípico pode causar muito estranhamento nas outras pessoas, e isso é exatamente o que talvez a menina autista não vá perceber. Mas ela percebe, com certeza, o bullying, o isolamento e a raiva das outras pessoas.
E é por esse motivo que ela tende a ficar mais ansiosa, porque ela não consegue prever o resultado das interações dela; às vezes dá certo, outras vezes dá muito errado. E mesmo quando ela recebe o treinamento de ABA, por exemplo, pode ser que ela faça uma generalização muito mecanizada dos comportamentos sociais que aprendeu na terapia, e aí também não funciona sempre. A segunda causa de ansiedade é a necessidade de mascarar as próprias características.
Tem um vídeo aqui no canal falando só sobre masking, eu vou deixar nos cards, mas a camuflagem ou masking eleva muito a ansiedade por vários motivos. Só de a pessoa se apresentar, imagina como uma atriz o tempo inteiro, já gera um desgaste de energia muito grande. E as meninas costumam dizer também que elas não se sentem vistas de verdade; às vezes, elas têm medo de serem acusadas de falsas, de fingidas.
E o pior é que elas sentem que a máscara pode cair a qualquer momento, e essa síndrome do impostor costuma ser muito frequente nas autistas. Agora, a camuflagem ajuda bastante até certo ponto, porque facilita as interações, mas a partir de um determinado nível ou de tempo de socialização, a máscara pesa e a pessoa fica exausta. Eu sei que muitos de vocês são professoras, e tem gente que me pergunta se lecionar não seria incompatível com o autismo.
Justamente por isso, por causa da síndrome do impostor. Não, a máscara, às vezes, até ajuda, porque a autista pode ver a sala de aula como o território dela. Então, ela faz o script em casa, atua, faz as próprias piadinhas pré-agendadas.
Se o aluno quiser falar alguma coisa, ele tem que levantar a mão, então ela não precisa deduzir tudo como acontece numa conversa informal. Agora, é verdade que as autistas costumam ser perfeccionistas. Isso não é causa de ansiedade, sim, é causa de muita ansiedade.
Mas, depois que a aula ou a performance dela chega ao nível de exigência que ela deseja, aí a preocupação tende a diminuir, e ela às vezes se preocupa menos com os julgamentos e com os olhares dos outros do que uma pessoa neurotípica. Olha só que interessante! Ou seja, os autistas podem ser excelentes palestrantes e excelentes professores, desde que eles possam se manter isolados do mundo antes e depois da aula para que eles possam investir no hiperfoco e ter tempo para relaxar.
A terceira causa de ansiedade vai ser a alteração de rotina. E ok, essa é uma característica clássica; não tem novidade nenhuma aqui. O DSM mesmo traz essa falta de flexibilidade como um dos critérios diagnósticos.
Nós já sabemos, só que existe uma diferença de apresentação aqui entre meninos e meninas. Os meninos costumam ser mais objetivos, mais claros sobre as suas preferências e as suas rotinas, porque eles tendem a ser mais pragmáticos, enquanto as meninas costumam ter um mundo imaginário extremamente rico e cinematográfico. E isso parece ser ótimo, né?
E, sim, é maravilhoso para as criações, para as produções artísticas. O detalhe é que um incômodo por uma pequena alteração de rotina pode acionar esse mega talento para criar histórias, e aí a mente da autista mergulha em cenários catastróficos só porque alguém tirou o copo de unicórnio dela do lugar. Quem nunca, né?
A quarta causa de ansiedade é o excesso de estímulos sensoriais. As autistas costumam ser hipersensíveis, então. .
. Nós já sabemos que os sons, os aromas. Eu até tenho meu protetor auricular aqui.
A luz excessiva, as texturas dos alimentos, das roupas, os sabores, tudo isso pode sobrecarregar o sistema da pessoa autista, e o estresse desses estímulos é cumulativo durante o dia. Então, a pessoa autista pode ficar muito ansiosa se ela precisou ir ao shopping, depois teve que passar no mercado, aí depois foi cortar o cabelo, ficou muito tempo no salão, ouvindo barulho de secador, aquela luz forte, barulho de fofoca. E se tudo isso aconteceu em um único dia, é bem provável que essa moça autista vai ficar super ansiosa, com medo de que o próximo dia seja assim também.
E aí, para se recuperar desse estresse todo, a gente não pode se assustar. Talvez essa moça prefira passar um tempo muda, isolada no quarto. E agora, o problema é quando isso não é possível.
Se não houver espaço nem privacidade para a restauração de energia, ao longo dos dias, meses e anos, esse acúmulo de estresse vai deixando a pessoa mais sensível ainda. E aí ela pode passar a evitar passeios, encontros, compromissos, e ficar cada vez mais reclusa. Esse também é um dos motivos pelos quais a pessoa autista pode procurar um profissional, né, para ajudá-la só na fase adulta.
Porque às vezes ela deu conta de ir alternando as demandas com períodos de relaxamento durante a infância e adolescência. Às vezes ela tinha espaço para ficar tranquila sozinha. Mas aí vai chegando os 30, 40, e as demandas do trabalho, dos filhos, do marido vão se somando, e ela sente esse acúmulo de estresse e o desgaste físico.
O quinto motivo de ansiedade são os maus hábitos adquiridos ao longo do tempo. E aqui nós temos um ciclo do estresse. Muita gente não conhece isso, e acontece com todo mundo, tanto neurodivergentes quanto neurotípicos.
Mas como a pessoa autista pode ser considerada muito inteligente, ela consegue mascarar as próprias características. Então, o mundo não dá trégua para ela; a vida vai acontecendo, e a ansiedade sobe. Ela silencia o estresse, às vezes com açúcar, porque ela não pode ficar estalando os dedos na frente das pessoas.
O açúcar simples, a gente sabe, dá pico de glicemia, só que a glicose também cai rapidamente. Ela pode ficar meio tonta e, aí, fica com medo de ter outra crise de ansiedade. E, pelo medo, a ansiedade realmente aumenta.
Percebeu como vai fazendo um ciclo? E aí, nesse caso, ela pode começar a tomar um vinho para relaxar e só piorar a situação. Vira uma bola de neve.
Eu não sei se eu expliquei isso aqui direitinho, né, esse ciclo da ansiedade e dos maus hábitos, mas é assim. Vou repetir: por um motivo qualquer, essa moça pode começar a ter ansiedade, e essa ansiedade provoca sintomas físicos em todos nós, em todo mundo. A interpretação que ela faz, por exemplo, de uma dor na barriga, pode ser uma interpretação catastrófica, e isso faz a ansiedade aumentar.
E ela se automedica com quê? Com chocolate, que é o mais gostoso. E se ela for sensível ao leite, digamos, aí a dor de barriga vai aumentar.
E se o chocolate for muito doce, os níveis de glicose no sangue tendem a oscilar muito e ela pode ficar tonta quando cai a glicemia. E se ela se apavora com essa tontura, a ansiedade também aumenta. Pode acontecer também dela querer aplacar a ansiedade dormindo.
E dormir é maravilhoso, é excelente, mas aí, por causa dessa ansiedade, ela pode ter insônia. E aí ela pega o celular e fica lá passando as coisas, e isso piora o sono. O problema é que a luz azul inibe a produção de melatonina, e ela demora a dormir, acorda tarde, o trabalho fica acumulado, e a ansiedade também aumenta.
Ou então ela vai lá assistir a uma série na Netflix, pega lá e assiste a Round Six. Aí ganha mais material para aquelas ruminações catastróficas, passa a noite em claro, perde qualidade da atenção e da memorização no outro dia. E a questão é a seguinte: ela não imagina que o combustível da ansiedade esteja no chocolate, no glúten, no vinho, no pensamento pessimista, no hábito de assistir a filmes de suspense, de dormir além da conta.
Então, às vezes, é preciso um profissional para ajudá-la a quebrar esse ciclo, porque às vezes quem olha a situação de fora consegue perceber melhor por onde começar a mudança. E bem, essas foram as cinco causas de ansiedade em pessoas neurodivergentes, principalmente nas meninas autistas. E assim são: a dificuldade de fazer teoria da mente, o masking, as alterações de rotina, a hiperestimulação e os maus hábitos.
Pois os maus hábitos atrapalham o nosso metabolismo e o nosso funcionamento mental. E agora eu quero saber de você: o que costuma ser gatilho para elevar a sua ansiedade e o que você costuma fazer a respeito disso? Eu quero ver todo mundo aqui trabalhando por sua saúde mental, hein crianças?
Um grande abraço e até breve. Até a próxima quinta. Tchau tchau!