E aí, é uma boa tarde a todos e a todas. Nós vamos começar hoje mais uma live da AJUFE, debatendo intermar, que, na visão da Rússia, é importante; sempre foi importante, mas, de alguma maneira, ganha um contorno especial pelo momento político. Estamos vendo uma discussão que se estabelece em relações jurídicas dos poderes. A questão do modelo funcional é um tema que, aqui entre nós, pensamos que a Letícia, talvez, não tivesse tanta atualidade como acabou coincidindo com a data que essa conversa está sendo localizada. Vamos tentar tratar aqui, todo mundo de uma maneira mais informal.
O senhor Daniel chamava Daniel, professor; jogo, sabendo de João Gabriel e a doutora Letícia, de amiga Letícia, para que a gente consiga aqui fazer uma conversa mais leve. Essa é uma preocupação da Justiça. A JUCI é uma entidade de classe, obviamente, e olha que imagina a Opor ativa no sentido de defesa de direitos e prerrogativas da magistratura, porque a visão da JUCI é que a magistratura independente depende também dela. Tem uma valorização e tratamento jurídico adequado; o juiz tem um regime jurídico diferenciado em relação a limitações a direitos. Então, nós trabalhamos com a quantidade de
classe e, obviamente, nessa função. Mas a AJUFE, que completa esse ano 48 anos de história, sempre procurou, e além, né? Nós temos, entre as nossas missões estatutárias, entre os objetivos, está tudo exatamente a defesa da democracia, do Estado democrático de direito, do regime constitucional. O país vive hoje, todos nós sabemos, um grande debate. Na verdade, o mundo é, jogos escrever sobre isso. Vou poder falar com maior propriedade. Olá, tudo bem? Feito esse debate, as democracias morrem. Algum tipo de risco, o que que fenômeno político nós estamos vivendo? E, no Brasil, nós sabemos também que a
sociedade passa por uma grande polarização. A divergência é natural, é salutar, mas o que nós sempre defendemos é que essas diferenças, essas divergências se resolvam no plano dos limites da constituição. É isso que a gente tem defendido: a pluralidade, o direito da maioria, preservando as minorias, o direito à liberdade de expressão. São temas caros e, nos editados, os dermátomos e hoje temos a oportunidade de ouvir aqui dois grandes especialistas do sistema, que o Brasil é uma honra. Daniel, João, podemos aqui poder receber, e que a gente possa também ouvir um pouco dessa bom e levar
para o sucesso, depois, o que é procurar missões. É que a gente pretende exatamente fomentar o debate, fazer com que os juízes, particularmente, mas o público, né? Hoje a AJUFE acaba, minha, numa projeção política, é o vidro em vários versos, terra. Então, o que nós queremos aqui fazer, ajuste, no canal, para que essas ideias que estão repentinamente também cheguem ao número de pessoas, as pessoas que todos os pés simplesmente reflitam, dialoguem, divergindo, mas sempre respeitando os limites funcionais, limites da democracia, o limite do Estado de direito. Então, agradeço de verdade a colaboração de vocês, depois
desse tempo, para participar desse evento da JU e agradeço a Letícia, particularmente, que ajudou a formatar, convidou e vai ter o papel de fazer a condução dos debates. É para falar para você e, mais uma vez, agradeço a sua colaboração. Não é a primeira, e ter feito não será a última. Bom, ajuda a Letícia para que a gente possa dar continuidade. A pandemia trouxe muitos problemas, ainda vai trazer muitos outros, mas ela trouxe algumas coisas que são positivas, que esses tipos de debate aqui se tornam mais fáceis na medida que elas proporcionam que as pessoas
se conectem por meio dessa nova realidade virtual. Então, Letícia, obrigado. Passo a palavra para você. Oi, boa noite, Fernando. Boa noite, João Gabriel. Boa noite, professor Daniel. Vou pedir licença para chamá-los pelo primeiro nome. Eu vou ser super breve, mas estou muito feliz de estar hoje aqui ao lado de vocês, especialmente do Fernando, que se despede da AJUFE. E eu não posso deixar de mencionar que o Fernando é um democrata e tudo que ele disse sobre o equilíbrio e o diálogo ele colocou em prática nessas eleições da AJUFE. Há poucos dias antes das eleições, um
colega de outro tribunal me perguntou quem era que o Fernando estava apoiando, e eu, apesar de ter contato com ele, falei para ele com relativa frequência, me dei conta de que não sabia que o Fernando estava apoiando. Então, liguei para ele. Ele me disse que o Eduardo Andréa era integrante da diretoria que votaria nele, mas fez questão de citar outras pessoas da outra chapa. E aí, está bem, que eu tenho as pessoas muito queridas, sim, meu colega André Fonte, e isso me deu absoluta tranquilidade e aumentou minha admiração por essa postura do Fernando, né? Sempre
muito equilibrado, sempre muito elegante, sempre muito cortês. É uma proposta realmente de atuação assim inspiradora. Quanto aos outros integrantes da mesa, eu também sou absolutamente inspirada por eles. Sou cônjuge do João Gabriel durante a cadeira de direitos fundamentais da pós-graduação da UERJ, e do professor Daniel mesmo; eu vim, e fiquei absolutamente encantada. O João Gabriel é um dos jovens. Eu me permito dizer isso, não com muita alegria, porque quando nós chamamos os outros de jovens, não é um bom sinal da nossa própria idade, mas é um jovem absolutamente doce, de uma organização incrível. Nas vésperas
das aulas, dias antes das aulas, os peixes estavam todos organizados, de uma pastinha. Eu tenho até hoje. Só volta e meia eu recuo essa página, e são selecionados pelo professor Daniel. E, durante as intervenções do João Gabriel, espero, é perceptível o quão preparado e brilhante ele é, e só ficou completamente confirmado pela dissertação. É um dos trabalhos mais… Incríveis! Assim que eu li, nos últimos tempos, eu torço, João Gabriel, para você publicar logo, para eu poder parar de ficar te pedindo autorização para dar para amigos e familiares. Não vou te perturbar mais com isso. Eu
só tenho um ponto, uma reclamação para fazer sobre a sua dissertação, que você acabou aqui ali com os pontos todos que eu quis pagar; você acabou com todos e agora tem que descobrir uma papelaria aberta para ir comprar outra. O Daniel Sarmento poderia falar horas e horas, né? Mas não vou fazer isso em respeito não só ao Ateia, mas também para o Gelo e o Daniel. Eles têm tempo suficiente para não fazer lançamentos dos próprios livros. A genialidade do Daniel e a generosidade dele eu dedico, e não podia também ao Luzes, né? Pro bono, olhares
grande parte do tempo. Imagino o João também um grande lucro, né? Da UERJ, Direitos Fundamentais, e são inúmeras as ações que eles ajuizam. Mas eu quero registrar aqui a costura do Daniel, que estão bem. Muita, sei se eu posso dizer assim, humildade intelectual, assim, uma capacidade de ouvir enorme. E eu testei, falando várias bobagens, ele nunca perdeu a paciência. Ele lê com óleos de lê; ele já mudou de uma umas vezes em relação ao passado. E eu me lembro que na primeira aula desse curso, Direitos Fundamentais, ele disse que o direito constitucional não era uma
disciplina fácil de respostas. E ciclistas... e quem dissesse o contrário não estaria falando a verdade. A ideia desse webinar surgiu com a resposta do professor Manoel. É um webinar, esses aqui de tarde, realizado pelo IDP, em que estavam Fernando e também Ney Bello, que são as duas pessoas mais horas de live do país no meio jurídico. Mas eu acho que a ideia, né? E essa discussão que nós vamos ouvir hoje, para o Daniel e o João Gabriel, ela é fundamental para os juízes, não só porque nós podemos ser chamados para nos manifestar sobre o assunto
em ações populares, mas também porque nós somos grandes primeiras vítimas, muitas vezes, dos regimes autoritários. Na Nick Law, o poder judiciário como poder independente, e manter... só um cima, Hasbro. Jesus, pensa... é uma das primeiras iniciativas que os grupos autoritários adotam quando chegam ao poder. E aí não se fala de direita ou de esquerda. A Venezuela alterou o número, o dinheiro do regime escravista e, ainda depois, pode alterar o número de juízes da Suprema Corte, de vinte, trinta e dois ou mais. Já tinha tentado o Russell Neto, que uma concha americana mostrava pouco favorável ao
New Deal. E, enfim, depois o processo de seleção de juízes, os juízes provisórios confirmam-se ou não no cargo. Depois, o pro eu sou de admissão, que passou a ser precedido de um exame médico e psicológico, abrindo espaço para subjetividade. E, mais recentemente, na Turquia, foram presos dois juízes da Corte Constitucional, cinco membros do Conselho Superior de Magistratura, 2.700 juízes afastados do cargo. E mais o caso da Polônia, né, que aqui, assim, no coração da União Europeia, primeiro alterou a idade de aposentadoria dos juízes, abriu uma faculdade para o ministro da justiça confirmar os juízes que,
mesmo passando da idade de aposentadoria, interessassem ao regime, nos cargos. Mas foram, em excesso, condenados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. E agora, por último, eles estouraram uma câmara composta por juízes da Suprema Corte nomeados pelo regime, uma câmara disciplinar, e vêm punindo os juízes, o conteúdo da decisão, quantas vezes, vulcão documentos da União Europeia. Eles acabam sofrendo algum tipo de punição e têm tratado com absoluta indiferença tanto as advertências da Comissão de Veneza quanto do próprio Conselho de Ministros da Europa, né? Um argumento é supostamente legítimo de... e são órgãos constitucionais da Polônia.
Enfim, não sei se isso... vocês me corrijam se pode chamar de funcionalismo abusivo, mas, sem mais delongas, eu passo a palavra a vocês, pedindo desculpa se eu me excedi, mas esses exemplos me impressionaram muito e eu acho que servem para aqui todos nós. Juízes, prestem muita atenção ao que é hoje, brigade, em novembro. Sim, então, em primeiro lugar, eu queria agradecer e x, e não só pelo convite, mas pelos elogios que estou... e merecidos. Eu acho que sim, e anteriormente agradecer pelo Daniel Sarmento, que não só é meu orientador na pós-graduação, mas também em sim,
opario de trabalho, mentor intelectual. É... eu agradecer as luzes na pessoa do Fernando e não só agradecer a juntos pelo convite, mas também parabenizar a AJUFE, porque ontem eu acordei com notas públicas da JUCY indefesas do Supremo Tribunal Federal diante dos ataques antidemocráticos que vêm, são do tempo da restituição. E eu acho que existe uma confusão, uma confusão para mim injustificada, entre crítica e ameaça. Eu acho que todas as instituições democráticas estão sujeitas a críticas, e devem estar sujeitas a críticas. Você pode, por exemplo, criticar uma decisão de ministro do Supremo, criticar a decisão do
colegiado, sem problema nenhum, com vistas ao aperfeiçoamento dessas instituições. É... mais do que se vê atualmente. Não são críticas com vistas ao aperfeiçoamento das instituições, mas sim ataques à própria legitimidade institucional do Supremo. Eu acho que é nesse ponto e é azul que tem um papel de pato de, enquanto instituição que representa juízes federais, se posicionar em defesa daquele que é o guardião da Constituição brasileira. Eu vou então, primeiro, começar a minha sala com uma contextualização que, no final das contas, do tema, é ostracismo e crise da democracia. E, até pouco tempo, ainda não crescer
de condicionais, ajude uma época de franca consolidação e a que a gente entende como democracia constitucional, não apenas o... em todo o processo de seleção de representantes políticos, as formalidades. A mais, principalmente a substância, então, que a gente vê como a ligação entre democracia e estado de direito, a limitação do poder, que os direitos fundamentais pela existência de instituições autônomas com as funções prótese dentro do ordenamento jurídico, é, no final das contas, que os processos de transição dos países comunistas no Leste Europeu, no fim da ditadura, e latino-americanos, e o próprio acesso de independência, democratização
de vários países africanos, é o que você teve um salto histórico em termos de quantidade de regimes democráticos. O mundo inteiro praticamente dobrou a quantidade de regimes democráticos do final da década de 20 até meados da década passada. É a ouvir, inclusive, quem falasse em fim da história, né, por causa da suposta vitória do projeto da política liberal. Mas o que a gente vive hoje, ao contrário, é um tempo de regressão democrática. Os fatores variam de país para país e vão desde a crise econômica, com crescimento da insatisfação popular em relação à precarização dos padrões
de vida, até repetições de leque cultural por parte de determinados grupos sociais. E acabam se contrapondo ao sucesso de determinadas políticas sociais em prol dos movimentos marginalizados. Até a fragmentação das comunicações e redes torna mais difícil, realmente, viabilizar o diálogo entre diversos grupos em torno de uma falta de valores comuns. Mas tem um elemento que parece um pouco transversal a esse processo em vários lugares do mundo, que é o surgimento de certas lideranças autoritárias que se utilizam de um discurso tão disposto. Não é algo novo na história das ideias políticas. Então, disputa-se, de um lado,
uma certa noção difusa do que seria o verdadeiro povo e, do outro lado, uma ideia de sistema. E dentro dessa retórica, está complicado umbilicalmente ligado com a realidade supostamente corrupta. O que essas lideranças fazem, basicamente, é se aproveitar desse discurso, é exatamente fragmentador divisório, para passar agendas baseadas na intolerância a quem não pertence a essa noção difusa de povo, como, por exemplo, imigrantes. E é sempre um inimigo muito difuso e confuso de se entender. Então, imigrante, esquerdista, marxista. Do outro lado, o próprio espaço é igual das bases do estado de direito, que, de acordo com
essas lideranças autoritárias, nada mais seriam do que o aparato que legitima um sistema corrupto, e que é culpado por todas as mazelas pelas quais esse povo, esse suposto povo puro, passa. Os exemplos são mais variados: nos Estados Unidos, tem o Trump; na Europa, você tem a própria Letícia, que citou o Andrzej Duda na Polônia; tem o Orbán na Hungria; você tem na Turquia, o Erdogan; na Ásia, você tem o teste; na América Latina, você tem o Duque; e você tem também o próprio Bolsonaro. Especialmente no caso brasileiro, o discurso do Bolsonaro funciona nessa chave, nesse
código binário moralizante, que divide o mundo entre o "cidadão de bem" e o "traidor da pátria". E, nesse processo, ele mesmo se coloca como um representante do cidadão de bem. Acima das... Ah, pois ele se coloca como uma espécie de outsider em relação a esses intérpretes, ao sistema tradicional. As contradições existem, são inegáveis. Então, o Bolsonaro é um outsider, tendo passado quase três décadas no Congresso Nacional, que colocou todos os filhos em cargos dentro de órgãos políticos tradicionais. Ele está agora, no meio da crise, buscando alianças de forma profunda, concentrando-se em Roberto Jefferson e Valdemar
da Costa Neto. Existem as contradições, mas ele se vendeu na campanha, e ainda se vende para o público, sobretudo para os apoiadores mais radicais, como alguém que não fala a linguagem de políticos tradicionais. Ele não precisou de tempo em rádio e televisão; ele corta e "xingue", e fala de hemorróidas em reunião ministerial. E o Bolsonaro, nesse processo, lança desafios constantes ao Judiciário e demais órgãos. O objetivo dele é travar uma luta contra as instituições constituídas, e a estratégia dele é muito semelhante à estratégia de outros políticos autoritários ao redor do mundo, que é uma utilização
enviesada de mecanismos aparentemente legais para desmantelar as bases realmente do estado de direito. Então, ele utiliza medidas provisórias, por exemplo, para sucatear a política indigenista no Brasil ou para, basicamente, anular a atuação dos conselhos de políticas públicas. Usa decretos para sucatear a política armamentista. E é de surpreender, por exemplo, as nomeações para poder ir contra a finalidade de determinados órgãos do Ministério do Meio Ambiente, como o Ibama, a Funai, a Fundação Palmares; todas elas hoje são encabeçadas por pessoas que não têm o mínimo compromisso com o meio ambiente, a política indigenista ou a promoção de
igualdade racial no Brasil. A própria resposta do presidente à crise do coronavírus, para trazer para um debate ainda mais recente, é que ele não tardou a se chamar de "gripezinha" ou "resfriadinho". Isso pode ser interpretado sob essa chave, sobre a perspectiva de que talvez o Bolsonaro enxergue a pandemia como uma tentativa dos políticos tradicionais do sistema — como ele diz — de enquadrá-lo. Então, esse recurso, efetivamente, a lidar com os efeitos econômicos e sanitários da Covid-19. O desafio é grande porque, no final das contas, as instituições democráticas vão ter que fazer agora o que nunca
fizeram durante toda a vida pública do Jair Bolsonaro, que é sentar diretamente essa pauta, as pautas que ele defende. O Diego é a vida política; deve mostrar uma vida política de leniência institucional em razão de tudo que ele dizia. Foram muitos os processos, por exemplo, na Comissão de Ética ou mesmo perante o Supremo Tribunal Federal, e nada foi feito, apesar das provas. E as investigações, eles normalizaram assim como os... Veículos de comunicação normalizaram uma candidatura de alguém que tem declarações com o quilombola: "não serve para procriar"; que preferia ver o filho morto a ter um
filho gay; que Carlos Alberto Brilhante Ustra, até o único torturador condenado no Brasil, é um herói nacional; que a solução para o país é... E ele disse, no final de 1990, que os outros países eram uma guerra civil. Há mais de 30 mil brasileiros e, se morressem inocentes, tudo bem. Tudo quanto é guerra, o mais inocente é... A gente fala agora... Não, as inscrições estão funcionando. Os mais otimistas falam, mas, em relação ao presidente, as inscrições nunca funcionaram normalmente. Isso, no final das contas, abre margem para que nós nos indaguemos sobre até que ponto devem
ir os limites da tolerância democrática em face de quem é abertamente intolerante. É claro que uma democracia é, por definição, um regime tolerante, mas também deve ser um regime prudente e moralmente comprometido com seus ideais emancipatórios de liberdade e igualdade. Então, eu vou, depois dessa contextualização, passar um pouco a bola para o Daniel, que eu acho que eu já fui mais de dentro do meu tempo. Eu posso falar aqui com mensagens; não, eu primeiro agradeço também muito a Ju, se a pessoa do Fernando, a quem eu parabenizo pela coragem, esse tempo difícil, nessa quadra histórica,
enfim, delicadíssimo que a gente atravessa. Agradeço muito à minha queridíssima amiga Letícia, pois as palavras sempre me emocionam; parabenizo o João não só pela excelente exposição, que acaba de defender uma dissertação de mestrado mais brilhante do que o teu conhecimento sobre exatamente crise democrática, e um conceito que ele explora aí, sobre o qual prontamente vai falar mais na sua segunda intervenção, a ideia de democracia militante, os instrumentos da própria democracia, né, para combater aqueles que buscam destruí-la. E, nesta minha primeira fala, eu queria tratar um pouco de crise e falar o quê que é crise
no caso brasileiro e o que que não é crise, porque decorre, vamos assim, de males quase que perenes. Eu também falo em crise da democracia; acho que a gente atravessa uma crise da democracia, mas acho que vários dos problemas brasileiros que hoje estão sendo, vamos assim, quase que vomitados, né, diante dos nossos olhos, um tanto perplexos, eles são problemas que já existem há muito tempo e que, de certa maneira, a gente empurrava para debaixo do tapete. Então, a palavra crise, né, lab anota o mal agudo; essa é a crise, não é algo que se prolongue
por muito tempo. Eu acho que muitos dos males que hoje a gente enfrenta são quase que a condensação de uma forma extrema de males históricos. Então, o livro muito interessante da Lila Schwartz sobre o autoritarismo no Brasil, a gente percebe como é que o autoritarismo tá, enfim, sedimentado ao longo da nossa história, né? O autoritarismo, sobretudo voltando-se contra grupos mais vulneráveis, contra pobres, contra negros, não é contra os povos indígenas. E, para que a gente tenha uma ideia, não há um estudo da Oxfam, e, dois anos atrás, mostrava que as seis famílias com maior patrimônio
no Brasil têm um patrimônio igual à metade da população brasileira. A metade da população brasileira é, hoje, o segundo país mais desigual do mundo; isso é um dado do ano passado, empatando ali com Catar, já deve ter ultrapassado Catar, né? É somente um dado da realidade; é um dado que não é só desigualdade econômica, uma desigualdade econômica muito grave, mas a gente não internalizou, nos padrões da nossa sociabilidade, sequer a compreensão da igualdade formal perante a lei. É uma lei que não vale da mesma maneira para o pobre e para o rico, para o grupo
negro e para o branco, né? Dependendo da sua condição social, da sua raça, dos amigos que você tenha, nos últimos anos, da sua filiação política ideológica, você recebe um tratamento das autoridades, eventualmente do poder judiciário. Não, a gente não incorporou a dimensão, sequer, da igualdade formal perante a lei. Agora, há uma dimensão de crise. João mostrou muito bem e esse não é um fenômeno localizado, né? A gente vive hoje um momento de recessão democrática, uma ascensão de um popular pulista autoritário, né? É uma diferença em relação ao passado, e, vendo, o fato de que esses
líderes autoritários, na maior parte das vezes, chegam ao poder por via democrática, por eleições. Mais uma vez, instalados no poder, começam a minar as bases da democracia, a atentar contra direitos, a atentar contra instituições, a aparelhar. Exceções podem ser vistas em um fenômeno global, e esse é um fenômeno que vem se passando no Brasil, no governo do Jair Bolsonaro, de uma maneira, eu acho que, absolutamente clara. E eu acho que essa crise... A própria eleição do Jair Bolsonaro já revela, e aqui eu vou falar algumas coisas que talvez possam gerar polêmica ao sugerir algum tipo
de incômodo nas pessoas, dependendo de quem elas votaram. O Bolsonaro é o sujeito que passou a vida toda, três décadas, sistematicamente com manifestações de caráter racista e, como Fábio, contra as mulheres; defendendo autoritarismo, fechar o congresso, fuzilar inimigos; e, recentemente, na votação do impeachment da Dilma Rousseff, ele homenageou um torturador, do jeito que levava crianças de 4 e 5 anos de idade para ver as mães torturadas. E a população brasileira votou nele; ele se elegeu. Então, para mim, a eleição do Bolsonaro já mostra uma crise condicional. Por que que a minha percepção? Isso é a
teoria condicional que eu defendo academicamente há algum tempo: no bloco central do condicionalismo, não é um tribunal, não é o congresso, não é o executivo; são os corações e mentes das pessoas, é a cidadania, a sociedade. Agora, no momento em que a sociedade elege um sujeito e se notabiliza por todos... sua vida pública por atentar contra as bases mínimas da democracia do convencionalismo demonstra uma crise da nossa democracia condicional. Bom, né? E aí, não dá momento. Muitas pessoas cirurgião o discurso, e talvez seja uma mistura de wishful thinking com uma certa indiferença diante do sofrimento
dos grupos mais excluídos que, como já disse, só estavam funcionando. E tudo bem. Quero alternância do poder. Uberlândia à direita, mas as inscrições estarão funcionando, então esse é o primeiro ponto: os táxis hoje não estão funcionando em algumas lições. Para dentro, tá funcionando. O poder judiciário está funcionando, o Supremo Tribunal Federal tá funcionando, o Congresso está funcionando, e acho que, graças inclusive ao judiciário e ao congresso, o Brasil ainda não se tornou Hungria, né? A gente ainda somos uma democracia em crise, mas não deixamos de ser uma democracia. Mas não sei que somente de sorte
o estado brasileiro não, por exemplo, pois a extinção do estado brasileiro em que a população pobre convive diariamente é a polícia. A polícia está matando muito mais pobres. O número de homicídios aqui no meu estado do Rio de Janeiro explodiu. No ano passado, a polícia do Rio de Janeiro, só do estado do Rio de Janeiro, matou quase o dobro de toda a polícia americana. Há poucos anos, atrás, tivemos um menino de 14 anos que foi morto com tiro de fuzil pelas costas. E são as inscrições. A gente tá vendo aí a atuação da polícia brasileira
diante das manifestações, a seletividade que viu de um lado e não a tudo o outro lado. Inscrições brasileiras também. Então, por exemplo, as que virão com povos indígenas. Os povos indígenas brasileiros estão em risco de extinção, de etnocídio. Os índios isolados talvez não sobrevivam a essa epidemia. Hoje foi lançada uma campanha, vou ligar do zero, MAMIS, mostrando o risco da população morrer por isso. Embora passe por que você tem uma inscrição do estado brasileiro e foi aparelhada para destruir os índios, para não protegê-los, e no mundo todo, nesse momento de pandemia, momento dramático, né? Tem
havido uma coisa boa: diminuiu a degradação ambiental e contribui para o aquecimento global, que coloca a sobrevivência da nossa própria espécie em risco. Cortes não aconteceram no Brasil; o mapeamento da Amazônia aumentou loucamente. E a gente assistiu a uma reunião no ministério, em que o ministro do meio ambiente vai, nesse aproveitamento da pandemia, regular uma legislação para destruir mais ainda o meio ambiente. Meu Deus do céu! Outras instituições estão funcionando. As pessoas que importam, elas foram aparadas, elas não estão funcionando. E isso é um risco existencial, é muito grave, né? Eu homenageio. Acho que é
muito importante a atuação do poder judiciário. Acho que, inclusive, uma das boas coisas que ocorreu nessa crise, sobretudo neste último ano, é que eu acho que o Supremo, e enfim, e falou muitos como 11 ilhas, não é? Para usar uma expressão do ministro Sepúlveda Pertence, que o Conrado Rubi, né, popularizou. Tá falando de uma maneira, assim, mais em uníssono. Acho que o Supremo tem conseguido posicionar-se de maneira contrária a uma escalada autoritária. Assim também que o Congresso, embora hoje a gente tenha, segundo cientistas políticos, o Congresso mais conservador da história do Brasil. Não é um
Congresso fascista. A gente tem um presidente, e acho que não há outra palavra, que é fascista. O Congresso não é fascista, e alguns excessos estão sendo podados. Eu acho que a história vai lembrar de maneira muito positiva, por exemplo, uma figura como Rodrigo Maia. Tá muito longe de ser as minhas preferências políticas. O meu coração é de esquerda, Rodrigo Maia você tem à direita. Agora, ele tá sabendo, e ele é um papel importante, colocar limite ao fascismo. Eu acho que algumas instituições, de fato, estão funcionando. Eu acho também que já falei aqui, meu Deus, 10
minutos. Aí eu passo a palavra. Não sei se é leite só ao João. Daqui a pouquinho eu falo mais um pouco. João, essa é a… Não, o Daniel trouxe algumas coisas, alguns pontos extremamente importantes. Concordo plenamente com ele que eu acho que a eleição do Bolsonaro em si é uma crise, demonstra a falta de enraizamento da nossa cultura profissional. Tem um artigo muito interessante de um professor americano que morreu muito cedo, chamado Home Club, o artigo em que ele fala sobre a narrativa dentro do direito. E ele fala que toda a Constituição tem a sua
narrativa, aqui no seu eco, e a construção é, por mais que nós tenhamos optado por um modelo de transição pela transação na época da virada da ditadura militar para a nova república, é uma opção que acabou deixando um legado muito ruim. Se você tem uma narrativa, um épico estruturante da Constituição de 88, que é um e quantos autoritários, sim, tinha um eco de superação do exame de chumbo. Sim, eu acho muito engraçado que as pessoas vejam as escolhas axiológicas, o juízo de valor, que a Constituição de 88 se fez em prol da liberdade e da
igualdade, e digam: "Isso daqui é no campo da política." O técnico do direito, bom, profissional do direito é o técnico. Não vou mostrar o direito. É aquele que cumpre os valores da Constituição, é aquele que faz valer a narrativa estruturante da Constituição de 88, que é uma narrativa ágil autoritária. E aí retomo um ponto anterior da minha sala, se é sobre a questão dos limites da tolerância democrática, tendo em vista a necessidade de se reagir a um projeto que não é um plus oservador. A gente não está falando de um projeto conservador, a gente não
está falando de um projeto de direita; a gente está falando de um projeto que nega as conquistas civilizacionais mais básicas da democracia ocidental. E não haveria problema nenhum em ter um presidente de direita, o presidente mais... Conservador: um presidente que defendesse o modelo de família e costumes que fosse mais tradicional. O que não existe agora. Não é isso? E como reagir a isso? Como reagir a isso que nos é colocado? E como resgatar no país que já está selado? Porém, a amizade política e essa narrativa, que no final das contas, tem um poder de ser
a narrativa que vai pavimentar o nosso terreno comum mais uma vez. É nesse ponto que eu propus, nessa dissertação que você, Letícia, fez referência no início da sua fala, que é uma ideia de democracia que se propõe. Uma democracia que defende uma democracia que não se vê como um pacto suicida, uma missão kamikaze. Crescer de PC não existe uma fraqueza estrutural. Em relação à Fiat, é uma certa interpretação imprudente, temerária, moralmente diz que não é comprometida com os ideais da democracia e que acaba pavimentando o caminho para a ascensão desses políticos autoritários, como Bolsonaro. E
um resgate pode ser feito numa época em que a democracia ocidental também sofria certo desencantamento difuso e tinha o ataque de outras lideranças autoritárias. Como as contribuições do livro “Eles têm”, do tal livro infantil, um constante alemão famoso aqui no Brasil, a gente conhece em teoria da constituição por causa de uma classificação de construção. No final do espaço comum, de famosos, mas o nível... ele era um estudioso do autoritarismo, inclusive escreveu um livro sobre Vargas. É um pouco conhecido no Brasil, e que é bem interessante. O livro que ele desenvolveu, esse conceito de democracia militante,
é essa democracia que percebe a fraqueza e que se instrumentaliza para que essa fraqueza não se torne o seu calcanhar de Aquiles fatal. Meu objetivo na dissertação foi explorar um pouco alguns desses mecanismos. Eu dividi os mecanismos em preventivos, reativos e humanizantes. Os mecanismos preventivos são aqueles utilizados para antes que esses agentes autoritários estejam no poder. Então, um exemplo clássico dentro da teoria da democracia militante é a não concessão de registros para a parte de políticos cuja pauta seja nazista, racista, fascista, enfim, já falta, e autoritária em um sentido amplo. E, no Brasil, a gente
tem um lócus na constituição para esse tipo de medida, que é o artigo 17 da constituição, que diz que a criação de partidos políticos é livre, desde que respeitados determinados valores, como regime democrático, os direitos da pessoa humana e o pluripartidarismo. Todos esses valores são muito importantes para a democracia e o partidarismo, para garantir a competição política, direitos fundamentais, para garantir alguns direitos e garantir uma boa democracia, como a liberdade de expressão, mas também para limitar os poderes do Estado. E, se algum partido, se alguma organização partidária pretende, no seu programa, na sua agenda, ir
contra o exercício desse direito, a realização deste, você tem como preventivamente não conseguir cancelar os registros dessas. E na lógica da reação, quando os agentes autoritários, como no caso do Brasil, já estão sentados na sala de estar da democracia, você tem um sem-número de outros mecanismos, como, por exemplo, o impeachment. O substrato ideológico do impeachment é a defesa do regime democrático. A gente não pode deixar isso de lado, e por mais que a gente tenha sido recentemente um impeachment que abriu fissuras no nosso tecido social - e suas fissuras são bastante profundas - no nosso
tecido social o impeachment não pode ser um tabu, principalmente agora. Agora em que, realmente, dependendo das condições políticas, o impeachment tem que ser utilizado. A perda de mandato parlamentar é pelos livramentos da comissão de ética, seja na câmara dos deputados, seja no senado federal. Essa é a falta de decoro, porque no final das contas, o decoro parlamentar, apesar de ser uma certa conceituação difusa, não existe nada mais atentatório ao decoro parlamentar do que um senador ou deputado federal venha a utilizar seu cargo, do seu mandato democraticamente conseguido, para atentar contra a democracia. E não existe,
nesse ponto, imunidade material capaz de ser levantada favoravelmente a esse congressista. A imunidade não é blindagem. A imunidade tem a sua importância, mas é muito tarde, não pode ser utilizada de forma praticamente fraudulenta para defesas como fechamento do Congresso nacional, dentro do próprio Congresso nacional, em ações populares voltadas para a indicação de ministros ou de outros agentes públicos que claramente venham a atentar contra a finalidade democrática dos seus órgãos, como é o caso do Sérgio Camargo na Fundação Palmares e como é o caso do capitalismo no Ministério do Meio Ambiente, para citar alguns exemplos dentro
da gestão Bolsonaro. Uma medida um pouco mais polêmica, devido ao histórico dessa medida, mas uma medida que pode ser mobilizada a determinados momentos, como nesse momento que a gente vê agora, onde algumas pessoas marcham com tochas imitando a Ku Klux Klan na frente do Supremo Tribunal Federal, é a aplicação da Lei de Segurança Nacional. A Lei de Segurança Nacional, ela tem realmente um histórico autoritário, uma história que remete aos anos da nossa república e àquela ideia da doutrina de segurança nacional como argumento para a caça de inimigos internos, supostos inimigos da democracia brasileira numa época
em que a democracia quase não existia, mas é possível filtrar constitucionalmente a Lei de Segurança Nacional para redirecionar a sua aplicação para a defesa do regime democrático de fato. Essa é a lógica da prevenção e da reação. Também, uma certa preocupação com a imunização da democracia. Então, alguns assuntos que são importantes para você garantir uma democracia saudável a longo prazo, e não mais a curto prazo, mas a longo prazo. Devem ser trazidos à baila, então, como o professor de lançamentos falou, a preocupação com a igualdade material, preocupação com a redução dos índices de igualdade que
contaminam o solo democrático brasileiro há anos. O que é desigualdade é um problema crônico no Brasil e é necessário ter uma certa atenção a uma educação democrática constitucional, que não é um projeto de educação moral e cívica, como a que existia na ditadura militar. É o contrário disso: é uma educação voltada para alimentar os valores do civismo, da cidadania e do condicionalismo desde cedo. O que é uma política oficial de memória elide efetivamente com as chagas abertas na época dos anos de chumbo, que não foram saradas na nossa transição. Há em outras oportunidades, como, por
exemplo, no julgamento, além da energia, também não foram devidamente interessadas. E o João Maria Rosa, no "Grande Sertão: Veredas", tem um trecho em que se refere à democracia brasileira, lembrando que ela deve lembrar o seu passado, seu passado sombrio. Essa onda de saudosismo em relação à ditadura militar nada mais é do que fruto de uma democracia que cisma em tratar com esquecimento algo que tinha que estar à flor da pele o tempo inteiro, que é o nosso passado ditatorial e que temos que superar em prol da continuidade da ordem incondicional. Vou passar agora. Eu até
queria pedir, muito obrigada, João. Eu não sei se o professor Daniel podia se manifestar sobre dois pontos que me chamaram a atenção na dissertação do João Gabriel, e ele próprio depois. A palavra, além de tudo mais, né? Que professor! O primeiro deles tem a ver com o uso dos mecanismos da democracia militante na experiência da Alemanha e depois da Espanha, sempre para lidar com partidos. Na Alemanha, por exemplo, houve o cancelamento, a um só tempo, do partido nazista (nacional-socialista) e do partido comunista. Então, isso é uma questão; essas medidas, em menos de reação, sempre foram
voltadas contra partidos e não contra indivíduos. Esse é um primeiro ponto que me chama atenção: como é que se lida quando as ameaças provêm não de um partido, mas de um presidente? Esse, eu acho, talvez seja o maior ponto de provocação, e eu queria entender que medidas seriam essas. Bom, então vou dar continuidade ao que eu estava falando e aí respondo no meio da minha fala. Excelente pergunta da Letícia, né? Então, na primeira intervenção, de certa maneira, falei um pouco do quadro que se desenhou. Nesse segundo momento, vou buscar tratar de alguns aspectos que eu
diria ligados à reação a esse quadro, dentro do marco da nossa ordem funcional. Esta sala combina um pouco de direito constitucional, mas também com uma avaliação para a qual eu não estou gabaritado a fazer, mas que ainda assim eu faço, que é a apreciação do contexto político e de estratégias de ação política. Esse é o número um dos temas. A eleição do Bolsonaro, como João já falou muito bem, foi de reação e negação à política tradicional, muito embora ele, né, tivesse essa quase três décadas no Congresso Nacional, tivesse passado pelos partidos, talvez mais esclerosados, mas
comprometidos da nossa política. E os impactos... Eu talvez não fale isso aqui no ambiente, então é muito aplaudido. Uma parte do sucesso se deve ao rescaldo da Lava Jato e ajudou a responder na sociedade um sentimento de que antes a política, né, como se toda a política fosse podre, e aí o Bolsonaro conseguiu se vender como o... E não, pois bem. É só que, depois de um determinado momento, ele conseguiu formar uma base parlamentar, e tentando burlar isso através de atos do próprio poder executivo. Uma coisa que acho que muda perceptivelmente é que, no governo
Bolsonaro, o poder executivo perdeu completamente o controle da agenda parlamentar. O excesso político estuda o presidencialismo de coalizão brasileiro, mostrando como é que a atuação do poder executivo no Brasil, dentro do processo legislativo, era muito similar à do parlamentarismo. Era uma taxa de predominância e de êxito enorme na aprovação das leis. O poder executivo, quando queria, era implacável porque conseguia montar uma base muito ampla de apoio dentro da lógica do presidencialismo de coalizão. Contudo, Bolsonaro rejeitou isso. E aí, como é que ele fez? Ao rejeitar, ele tentava forçar sua agenda através de medidas provisórias ou
de atos infralegais, tanto que houve muito abuso na edição de decretos. Por exemplo, no caso do Estatuto do Desarmamento, o João Vitor, ele não conseguiria mobilizar o Congresso para derrubar os armamentos, e ia fazer um decreto que compraria os contrários à filosofia. Ele trabalhou muito mais nas redes sociais, etc. Então, chega um momento em que o mandato dele fica em risco, e aí ele precisa de uma base, não só para fazer avançar sua agenda legislativa, mas uma base mínima para impedir sua responsabilização, seja por impeachment ou apuração penal por crime comum, que precisa também de
autorização da Câmara. Então, ele vai buscar no centrão, que é o grupo mais tradicional da política. Né, a gente pode recordar que a musiquinha do General Heleno, tanto vou, né? Palavras do General Heleno: “Se gritar pega o Centrão, não fica um, meu irmão!” Ah, é?! Então, de certa maneira, vamos na construção ali duma, é, não coalizão para governar, mas uma coalizão de defesa. Você, de certa maneira, conquista aquilo que é necessário não para você aprovar medidas legislativas, mas para você não ser destituído. Essa é uma base bastante precária, mas que dificulta bastante a implementação de
certos mecanismos de responsabilização, né? Como ação penal, como uma ação por crime de responsabilidade. E é agora duas considerações aqui muito importantes, dele respondendo aqui à Letícia, né? Eu acho que é absolutamente correto o que você falou, e acho que a maior parte dos estudos sobre democracia militar não é o caso da brilhante prestação de mestrado do João, que em breve vai transformar em livro. Só que, muito na questão dos partidos, o que não faz muito sentido no Brasil é que a política não se organiza muito em bases partidárias. E a gente tem, como foi
bem dito, por causa do presidente Bolsonaro, que não tem nem partido hoje em dia. Como é que você faz isso? Tem outros mecanismos: impeachment, ação penal. O sujeito atenta contra a democracia. Grazi, nem pode ser a crime de responsabilidade para parlamentares individualmente. Você tem cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar, um tema que o João e eu tratamos no artigo nos Rota, é a possibilidade de você recusar o registro de candidatura de alguém que defenda a negação da democracia. Só que eu gostaria de esclarecer isso recentemente numa live. Lado me de pense, nossa arte,
que você deixou um pouco no ar. Eu acho que o João compartilha essa ideia comigo de que a gente não tem como aplicar essa inelegibilidade hoje porque não tem mais lei. É preciso, né? A Letícia também observou muito bem que o uso da democracia militante às vezes historicamente se fez de uma maneira muito seletiva. Então, citou o Partido Comunista na Alemanha, mas tem o Partido Comunista no Brasil, né? Em 1947, foi cassado o registro do Partido Comunista, uma elaboração parecida com essa. Mas eu queria chamar a atenção aqui também para dois aspectos. Eu acho que
são centrais na defesa da nossa democracia hoje. Um é o papel do poder judiciário, e aí eu acho que existem dois riscos. É um risco que a Letícia destacou ao abrir nossas discussões: tem o risco de um governo de uma maneira aparelhar o poder judiciário, se valer daquilo que o David lá dá o sabor do condicionalismo abusivo, né? Você mudar as regras do jogo aparentemente seguindo as regras do jogo, e isso deformar o nosso consórcio judicial, né? É o que aconteceu em países como Hungria, como Polônia, que você tem o judiciário hoje que não controla.
Amor, eu acho que esse é o risco que existe e que a gente tem que estar muito atento a ele. Agora, eu acho que tem um outro risco, e o Brasil passou por isso, e foi o que aconteceu com o poder judiciário brasileiro durante a ditadura militar. O poder judiciário quase que não ofereceu nenhuma resistência à ditadura militar. Os estudos que existem sobre o papel do poder judiciário na ditadura militar comparam, né, com o que houve em outros países, e muitas vezes se diz que o poder judiciário foi muito dócil durante o regime militar, né?
Isso dificultou que a gente pudesse compreender a constituição de 88 como uma ruptura com o passado, e você manteve juízes que atuavam no passado, que tinham sido dóceis ao regime. Então, eu tenho medo de aparelhamento, mas eu tenho medo de docilidade. E eu diria que eu tenho mais medo de docilidade, porque esse aparelho mesmo acho que é muito importante hoje, mais do que nunca. Os juízes têm perfeita compreensão de qual é o seu papel, esse canal nessa quadra histórica: defender a democracia é defender os direitos individuais, que é defender o condicionalismo. E isso eventualmente vai
envolver riscos, que eventualmente vai envolver pedras corporativas. Acho que esse é um momento histórico e que isso é muito importante. O outro ponto que eu queria destacar, e se volta não para o poder judiciário, mas para as forças armadas. E quando o João citou aqui o Guimarães Rosa, ele disse que é um dos livros preferidos dele, e é o meu livro preferido, né? O Grande Sertão. Estava pensando aqui em alguma outra coisa, aí me veio na cabeça um filme dos 30 e poucos anos atrás, de terror. No filme legal, Coração Satânico, tem uma frase desse
filme que me marcou: “If you dance, oh Isabele, and the devil devil and you”. Esse é o perigo de você ficar lidando com esse autoritarismo e você ir se ajustando porque é menos custoso, né? Então, eu acho que esse perigo existe com o poder judiciário. Por exemplo, é completamente equivocada a compreensão de separação de poderes do ministro Dias Toffoli, ao buscar acomodar. Eu acho que esse risco tem havido também com os militares. Há muita gente com expectativa de que as forças armadas atuem assim como um elemento de moderação dos impulsos autoritários do presidente Jair Bolsonaro
e isso não está acontecendo, e nós temos assistido a coisas muito preocupantes, a notas, por exemplo, de ministros militares, o recado ao Supremo Tribunal Federal, né? Passeatas ali com faixas de “fechar Supremo”, “fechar Congresso”, e o ministro da defesa sobrevoando ali de helicóptero junto com o presidente da República. Isso é muito preocupante. E, nesse cenário de preocupação, vemos o debate sobre a proposta da interpretação do artigo 142 da constituição. O artigo 142 fala das forças armadas e diz assim: eu tô até com ele aberto.... Forças armadas, ele diz, né? E ela se destina à defesa
da pátria, à garantia dos poderes constitucionais. Até aqui é tranquilo, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Esse texto é meio ambiguo e não sou um texto muito feliz. Quem estuda história da condição brasileira sabe que esse texto foi muito negociado, é com aqueles elementos das forças armadas, pessoalmente com o general Leônidas Pires, que à época era o comandante do exército, no governo do ministro Sarney. E ágil foi uma tentativa de acomodar, né, a pressão que essas armadas faziam, mas diante de uma construção e queria romper um regime militar e sepultar
o regime militar. A identidade constitucional foi muito bem sintetizada naquele discurso famoso de promulgação da carta. Não disse Guimarães que a condição tem ódio e nojo da ditadura? Acho que à luz desta chave, colchão tem ódio e nojo da ditadura. Tem que ser interpretado o artigo 142 em algumas vozes não muito simpáticas à democracia constitucional, ou por exemplo, o professor Ives Gandra vem dizendo que esse artigo poderia dar azo a uma intervenção militar, os militares atuando como uma espécie de poder moderador, para ao perceberem que algo poderia invadir a seara do outro. E aí tá
todo mundo hoje pensando no poder judiciário, né? Que os militares poderiam ir lá intervir, né? Eu confesso que o nome espantei de ouvir isso, vindo de Luislândia, que tem estado historicamente contra toda a agenda de promoção da Constituição de 88, cotas raciais, aborto de feto anencefálico, união homoafetiva. Tem uma causa no sentido da construção, profissão de vigilante. Até do outro lado, agora, que eu fiquei muito escandalizado ao ouvir a entrevista no Pedro Bial ontem, o procurador da República, Augusto Aras, defendendo isso. É uma vergonha, é um descalabro! O procurador-geral da República, que tem por missão
defender o estado democrático de direito, fala publicamente que militares podem intervir contra algum dos poderes do estado. Isso é poder moderador! Isso é bizarro; é inacreditável que aconteça. A interpretação correta não é essa. O que é essa possibilidade de atuar na garantia da lei e da ordem, provocando os outros poderes? Ora, a gente tem a possibilidade de que militares sejam necessários numa intervenção federal, no estado de sítio, no estado de defesa, observados os limites da Constituição, nas operações de garantia da lei e da ordem, observados os limites da Constituição — limites que podem e devem
ser fiscalizados pelo poder judiciário, se tiver algum ato dessa natureza. E pode ser submetido, por exemplo, ao Supremo Tribunal Federal, que é o guardião. Todos nós somos guardiões da Constituição. Antes, o Supremo tem essa missão. Preciso que você pare de outra condição: militares não são guardiões da Constituição. A Constituição foi criada — o nosso momento constitucional foi boa parte para dizer que o lugar de militares é nos quartéis. Os militares não são os árbitros onipotentes da vida política brasileira. Estas ideias que pareciam estar definitivamente enterradas, como muitas outras ideias perigosas, estão saindo dos esgotos e
voltando a permear a nossa esfera pública, o que é absolutamente lamentável. Peço até desculpas pelo meu tom inflamado, mas acho que o momento é de coragem, uma menta de quem defende a democracia, se inflamar. E não disse? Falar, né? Eu não sei se o Fernando tem alguma pergunta, o rapaz em um microfone, né? E, na verdade, eu queria realmente agradecer pela oportunidade do debate, e que acho que é o momento de essas reflexões serem feitas, né? Para a Tuna AJUFE, tem se posicionado exatamente nessa linha. Acho que nunca me manifestei tanto como nas últimas semanas
em notas e declarações, exatamente nessa criação da defesa. Essa questão da interpretação do artigo 142 tem gerado essa polêmica. Essa... eu não, eu confesso que não assisti à entrevista do procurador, mas já recebi isso em diversos grupos. Essa reflexão... meu medo é que não, não damos a mesma leitura em relação a isso. Eu sei também que muitos integrantes das forças armadas também não têm essa leitura. A gente tem conversado com a gente e a própria... o próprio exército não faz essa leitura. Mas não temos... sim! O professor Ives Gandra fez e tem um espelho, porém
mais. Diz como fundamento dessa questão. E não tá inflamado, não dá, né? Eu acho que é um momento realmente de chamar atenção para esse debate. Eu não fiz... não tenho receio dessa discussão. Acho que o papel é exatamente trazer esse diálogo, porque a gente... nós vivemos um momento diferenciado e tem que ser... esse ponto tem que ser levado com muita, muita, muita transparência. Nós vamos, ao longo do mandato, algumas olhamos sempre o Supremo no sentido de seu poder competente para definir. Não somos contra isso! Não transige, né? O ataque... eu, o João, falei, assisti hoje,
que saiu... tem que ser criticados, atrás, para poder ser aperfeiçoado, mas nunca por meios que deslegitimem a instituição. O ataque pessoal à figura do juiz. São sempre um grupo ressaltando isso. E também sempre nos manifestamos quando se tentou... o Supremo, algum tipo de função que não é dele. É quando houve, durante a reforma previdenciária, o ministro Toffoli falou, até no impacto... ajustou, posicionou-se contra isso, né? Ele teve uma grande repercussão. Nós temos uma ótima interlocução com Ministério Público. Eu acho que esse é um papel importante da AGESPISA, presidência, mas há divergências pontuais em relação aos
papéis do Supremo, realmente, como quem vai dar a última palavra sobre a função. Não pode fazer um pacto em relação àquilo que está sendo definido em relação à mudança da função. Eu acho que essas questões... o debate transparente, o debate democrático é que vai fazer com que possamos avançar nessa pauta civilizatória. E eu concordo essa preocupação. Saber pontuar, e aí não sei se aqui na verdade a gente teria que fazer uma série na Letícia. São tantas as questões! Você não há limitação de tempo, mas é mais uma coisa que eu não sei se o João...
Eu falei, eu não tive tempo de ler ainda a citação do João, mas vou ler. Este fenômeno, obviamente, nós temos aqui vendo a realidade local: o problema dos partidos, o problema da legitimidade. Mas isso se repete em outros países e, outros, né? Não sabe disso. E, em alguma mangueira, o Trump também se elegeu de uma maneira com uma lógica partidária, porque ele não dependeu, ele não dependeu dos caciques para ter o apoio do seu candidato republicano. Então, dizer qual seria a razão mais profunda desse movimento contra um modelo democrático brasileiro não faz o nosso... Em
ações como vocês muito bem sabem, 50 Estados Unidos hoje, as duas... Ele também, um clima de completa, acho que guerra civil. Mas são fatores que levaram. Eu não sou especialista, na verdade, tô aqui para aprender com vocês, mas é uma reflexão que a gente faz: o modelo de eleição do Trump é muito parecido com o modelo da eleição do Bolsonaro em relação à agenda, rompimento com um modelo de política. E os países vivem realidades diferentes, mas no fundo o que iguala? O que é o ponto comum que faz com que essa ameaça à democracia se
veja já em países tão diferentes como Brasil e Estados Unidos? Ponto de vista desenvolvimento, mas que acabam tendo o mesmo tipo de teste. Essa semana nós participamos de um web na Curitiba, rua, e eu fiz uma questão. Vai que tinha aqui, ela é toda, essa... É professora de Harvard, escreveu um assado, esse desse mês na revista The New Yorker, exatamente sobre o papel que a Suprema Corte Americana, Stacy Ann, passando a ser testada em relação aos limites da separação dos poderes do presidente. Entende que determinados comandos e outros poderes não são de cumprimento pelo presidente
da república. É uma coisa em paralelo, muito atual, e os países são completamente diferentes que tem como nisso... O que nós estamos vivenciando nesse modelo é o advogado, a igualdade, a profunda concentração de renda, o que leva a esse estado de coisas. E eu queria só fazer um registro também em relação à coragem do professor Daniel em todos os momentos. Ele, no passado, em relação a questões constitucionais pontuais relacionadas ao impeachment, deixou clara a independência. Em momento algum houve compromissos partidários ou de qualquer natureza. Todos os que conhecemos sabemos disso. Um ponto que eu acho
que foi muito importante destacado o tempo todo na dissertação do João Gabriel e que o professor Daniel também destacou é que não se discute aqui direita ou esquerda, ou combate a conservadores, ou imposição de uma visão de mundo que eu particularmente não compartilho. Não respondo isso, mas para o riso, outras pessoas não compartilham outro modelo econômico específico. O que se discute aqui é a possibilidade de atentados contra a democracia. Não é quando, na verdade, acaba. E o João fala muito do paradoxo da tolerância. E aí, a intolerância, ela vai resultar, no final da linha, nós
chegamos a um ponto em que não é mais possível discutir os modelos, as alternativas de projeto para o país nesse campo aberto à política. Era isso. Isso eu acho que é um ponto muito fundamental agora e eu parabenizo o Fernando também pela coragem nesse momento. Quem agora se posiciona contra os arroubos autoritários está se posicionando contra o fim do debate. Não quer, na verdade, retomar políticas anteriores. Eu acho que a grande questão que tem que ficar clara é essa: é proteger a democracia para que nós continuemos discutindo. E acho que está... Onde está o fator?
Eu tenho uma frase do Dudu Lima Duarte, outro dia, que vocês, aquela homenagem linda, né? É sim, gente inteligente, que quem lava as mãos nesse momento significa... A frase, "cobertor creche em lavar as mãos nesse momento faz numa bacia de sangue". Então, a questão não é adotar uma postura isenta. Nós, magistrados, temos que adotar essa costura. Nós não participamos na política partidária. Eu sou uma crítica demais a estados que se posicionam tanto em um espectro mais à esquerda e se manifestam muito claramente sobre casos específicos ou em defesa de figuras específicas, quanto o oposto. Eu
acho que a nossa posição é isenta e nós temos que falar. Talvez que uma paixão menor do que a permitida aos acadêmicos, aos professores, é que registrando que os nossos cuidados não são mais registrados, portanto não estão sujeitos a qualquer tipo de limitação. Mas, nesse momento, nós estamos, como eu disse no começo, discutindo a nossa própria sobrevivência, é o juízes. E nós queremos ser... Ele falou, não espere parte da carreira. Então, os juízes que existem, Berlim, né? Fazer uma referência a alguns elementos da Sicília, não é o personagem que representa a última trincheira do cidadão
contra abusos estatais, abusivos e não juízes que simulam uma normalidade e que dão uma aparência de legitimidade ao regime não-democrático. Eu vou encerrar, que agradecendo mais uma vez, mas eu vou encerrar a minha manifestação e reforçar de novo aqui para o... Não sei se o selo a sessão. Daniel, seu, próprio, João, tem alguma consideração adicional a fazer? Enfim, e agradeço, e agradeço ao Fernando mais uma vez que nós vamos nos manter em contato frequente. Eu que estejam chamar um grande prazer conviver com. Recebi, desejo muita sorte à diretoria da AJUFE no futuro, mas já saudosa
da sua presidência. Obrigada. E não brigar. Vamos ouvir o Babel jovem que é o mais importante e não quer conversar. Oi, gente, vai começar. Pode começar. Não posso conversar com você, não então... Só respondendo à excelente pergunta do Fernando, o que está acontecendo em países tão diferentes como os Estados Unidos, um país muito mais rico que o Brasil? Eu acho que, em primeiro lugar, há vários fatores globais que estimulam isso. Quer dizer, é a mudança das bases das suas habilidades, a corrente das redes sociais. Acho que a mudança tectônica da maneira como a gente se
comunica influencia muito, né? É aquele cenário em que você não tem mais bases comuns de informação, mas as pessoas que tomam contato com os fatos dentro das suas bolhas informacionais extremamente polarizadas, alimentadas por fake news. Acho que esse é um dado comum que estimula esse processo. Acho que, assim, os Estados Unidos, para o mal ou para o bem, sempre exercem uma influência global. Então, acho que, enfim, bem, não é um cara que está tentando vender um certo modelo de populismo de extrema-direita que colou nos Estados Unidos, colou no Brasil e vai a essa lógica das
redes sociais. Também acho que existem alguns fatores, vamos assim, sociológicos comuns. Para mim, o principal deles é, além da crise econômica, você mencionou os Estados Unidos, muito depois daquele problema das subprimes, em 2008. No Brasil, a crise econômica veio depois do governo Dilma. Mas tem um outro aspecto que é o flash antigo elitário. O que é isso? Eu acho que, no mundo todo, há avanços numa agenda igualitária, e em alguns países, mais centrados na dimensão cultural, em questão de respeito às diferenças sexuais, empoderamento da mulher. No caso brasileiro, essa dimensão cultural teve também uma dimensão
econômica. Os níveis de desigualdade diminuíram. Tivemos coisas importantes, como, por exemplo, uma PEC dando alguma cidadania trabalhista para as empregadas domésticas. Tivemos as cotas no acesso à universidade, permitindo que pessoas pobres e negras, pela primeira vez na história do Brasil, começassem a disputar esse espaço. Isso mobilizou muito. Muito ruim, que a gente tem de um lado. Eu acho espantoso, por exemplo, o posicionamento da elite empresarial brasileira e do mercado financeiro, especialmente diante do Bolsonaro. À reunião do dia 22, em que o presidente praticamente incita a mudanças legislativas para que as pessoas se armem e enfrente
as autoridades constituídas, numa lógica de faroeste. Nenhuma palavra dada sobre a pandemia e, no dia seguinte, o mercado financeiro subiu, porque as pessoas ficaram contentes que o Paulo Guedes estava prestigiado. Eu acho isso sim muito embaraçoso para a elite brasileira. Agora, e aí tem um tema dele que eu acho que é o backlash cultural, no caso brasileiro, vencendo turbinado por uma mudança demográfica na nossa base religiosa. A gente tem setores, não são todos, evidentemente, neopentecostais que, enfim, vêm apoiando isso. E esse flash antigo elitário é um fator muito importante, está presente na Europa, está presente
lá na Hungria, na Polônia, está presente nos Estados Unidos e também no Brasil. O vídeo não conta quando iniciei o primeiro bloco. Foi o que eu disse e muito na linha que o Daniel falou. Só um monte de fatores e eu acho que alguns desses fatores eu resumi no primeiro bloco. O Daniel agora é um complemento brilhantemente, são realmente, na minha visão, isso, né? Como de acordo com o que a literatura vem apontando sobre o fenômeno. Então, você tem uma certa insatisfação popular difusa em relação à precarização dos padrões de vida, localização de salários da
força de trabalho, muito turbinadas pela hegemonia do partido neoliberal durante um bom tempo. A mania das políticas neoliberais acabou levando a essa atualização, e quando esse caminho acaba, quando o pacto rompe com as ruínas de Oliveira, a gente vê logo isso por meio da sua faceta mais triste: a crise e a recessão galopante. Você tem essa fazenda do backlash cultural muito vinculada a um setor do reconhecimento. Então, essa ideia de realmente, ao sucesso de pautas culturais identitárias, movimentos identitários que você acaba criando um certo estado de ansiedade de status naqueles que compõem a maioria e
acham que estão perdendo seu espaço de maioria. Esse eu também acho que está sendo turbinado, como o Daniel falou, por uma mudança no perfil religioso da demografia brasileira. Eu acho que o discurso de determinadas lideranças, como por exemplo a do Bolsonaro, é um discurso que, infelizmente, acaba, sim, brincando muito, acaba ficando muito ligado organicamente ao discurso de determinadas lideranças religiosas. Os estudiosos, sociólogos sobre o fenômeno neopentecostal no Brasil, desde a década de 90, o Ricardo Mariano e povo fresco já falavam numa teologia do domínio, que é uma ideia de que esses líderes não apenas falariam
a linguagem da prosperidade econômica, mas também a linguagem do domínio de determinados espaços sociais. Porque no fundo tudo é uma briga perene entre Deus e o diabo pela disputa das almas das pessoas. E enquanto determinadas pessoas são os representantes de Deus, outras pessoas são os representantes realmente do mal. Isso acaba se encaixando muito bem na retórica fragmentária dessas lideranças e numa retórica que encontra no ambiente virtual, um ambiente intermediado por algoritmos, que selecionam informações que tornam as informações o tempo inteiro personalizadas, dificultando o diálogo e exportando também, dificultando a formação de sínteses, a formação de
terrenos comuns de debate em torno de determinados valores, determinados projetos de democracia. Esse discurso fragmentar se reproduz nas redes sociais, e as redes sociais, por sua vez, acabam reproduzindo esse mesmo discurso. Existe um certo porão das redes sociais. É que algumas pessoas passaram a acessar e que não é apenas esse. Pronto, acabou saindo desse lugar meio subterrâneo das redes sociais um rescaldo de misoginia, homofobia, racismo, pornografia degradante, terraplanismo; todas essas coisas acabam vindo à superfície por meio de menos de fake news, de sock puppets, e só as contas falsas. Isso tudo vai envenenando um pouco
o terreno comunicacional dentro de uma democracia. Então, são muitos fatores. Aqui no Brasil, a gente pode inserir outros fatores particulares. No Brasil, também é o próprio Daniel, na outra sala dele, nessa live. Ele disse: “Esse é um certo lavajatismo da consciência popular brasileira”. Enfim, aqui em algum ponto pode ser visto como legítimo, sob a perspectiva de que a corrupção é um problema endêmico no Brasil e tem sido enfrentado. E essa é uma demanda antiga da população brasileira, difusamente falando. Só que o Lava Jato inseriu na consciência popular uma certa cultura de que os direitos fundamentais
e as garantias processuais não são tão importantes, e de que a política é um lugar menor, um lugar de elites corruptas, que as coisas não são feitas por meio da política institucional, da política tradicional; é a negação do que é a vontade do verdadeiro povo. Enfim, então são vários fatores que acabam se amalgamando. Bom, obrigada, João. Bem, nós temos que encerrar; infelizmente já estamos no horário, né? Mas eu queria dizer que o que o Daniel escreve e muito do que foi dito pelo João também provoca em mim uma autorreflexão. E eu acho que nós não
temos que esperar soluções a agir em messiânica, mas, nesse caso, talvez ficasse um trocadilho, né? Mas, enfim, nossos problemas não são externos à nossa sociedade, não são externos a nós mesmos, e soluções também não são externas. Acho que houve um curso que o Daniel, muito tempo atrás, disse em uma palestra sobre igualdade, e me impressionou a falta de mutualidade nas relações, né? É que é o fato dos empregados domésticos nos dirigirem como “senhor” e nós, muitas vezes, nos dirigimos a eles como “vocês”, né? Como “você”. É só falta de horizontalidade nas relações. Às vezes, a
magistratura, com todas essas questões, os seus elevadores, costura das partes e dos advogados, muitas vezes tenta agradar a um juiz, pode nos colocar em um lugar em que nós nos sentimos diferentes. E eu acho que o momento é um momento claro de apelar à intelectualidade, mas o momento também é de refletir em uma base mais emocional e nos permitir nos aproximar e conhecer a dor, de fato, das pessoas. Então, eu acho que o momento é: qual é a minha parcela, não só como juíza, mas como cidadã, nessa crise toda da democracia, nessa sociedade que nós
construímos. Então, queria agradecer profundamente, uma vez mais, a vocês, e já ficar aqui cobrando a publicação mais rápida possível da dissertação do João Gabriel, que é uma aula de história contemporânea, importante para todos que querem tomar contato com o assunto, inclusive com a crise da democracia em outros lugares do mundo. Muito obrigada, obrigada a todos, e obrigado, eu que agradeço. Obrigado mais uma vez, Daniel e João. Assim, acho que esse é o papel da Justiça: fomentar esse debate que, certamente, aqui nós vamos ter muita gente discordando, muita gente concordando. Na associação, em quase 2 mil
juízes, há uma pluralidade de visões, mas acho que a reflexão que vocês vão provocar é necessária. E só esse último gancho do que o João falou, que é uma coisa que o próprio Ministro Barroso tem falado também, e falou ao assumir o TSE, a questão da política, né? Houve uma demonização da política, e toda uma geração de jovens da área de Direito foi para o Ministério Público, para a magistratura, e não foi para a política. Isso gerou um certo desequilíbrio e, de alguma maneira, se procurou, se pensou, se tentou fazer política por meio de outras
instituições. Esse é um tema que tem que ser debatido mais profundamente. Acho que termina meu mandato amanhã, a Letícia já antecipou, mas ajude, que tem aí uma agenda. O Eduardo é quem assume; é uma colega aí do Rio de Janeiro que você certamente conhece. E nós defendemos e vamos continuar fazendo esse diálogo, que é o papel de uma entidade da sociedade civil: provocar esse tipo de debate. E por isso agradeço a participação e a colaboração de vocês. Daniel, já havia participado de outros eventos aí com a Justiça; sempre um parceiro nosso. Obrigado, João. Parabéns, a
todos. Então, vou ler agora com mais... Vou ver depois desse debate. E Daniel, pelo... por estar sempre ajudando. E Letícia, fico à disposição para os próximos eventos. Daí tem a responsabilidade de ser presidente da JU, aí eu posso até falar uma coisa: a gente faz. Obrigado, obrigado, uma boa noite a todos. Oi, Letícia. Boa noite.