Em 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou uma de suas piores crises na história recente. As enchentes não apenas arrasaram casas e negócios, mas também lançaram uma sombra sobre o futuro do estado. Foi um daqueles momentos em que a realidade expõe brutalmente as fragilidades de um lugar.
Hoje, há sinais de recuperação. As coisas estão lentamente voltando ao normal. Mas a verdade é que o impacto foi profundo.
Foi um lembrete claro de como o estado se tornou frágil – e, talvez, preso no tempo. Sete meses depois do desastre, no final de 2024, uma manchete chamou minha atenção: “Cinco de quatorze pontes destruídas pela enchente ainda não tinham prazo para início das obras”. Isso mesmo – nem sequer um prazo.
Isso me fez pensar: o que esperar de um estado que atrasou em dez anos uma obra planejada para a Copa de 2014? As Copas de 2018 e 2022 começaram e terminaram. .
. e a obra ainda estava lá, inacabada. Mas o problema vai além de obras atrasadas ou enchentes devastadoras.
Esse estado, que já foi um símbolo de prosperidade nos anos oitenta e noventa, tem enfrentado uma transformação dolorosa. Os tempos de bonança deram lugar à insegurança econômica, falências em massa e, com isso, uma debandada crescente de pessoas – profissionais, jovens, famílias – buscando novas oportunidades. E a questão não é apenas sobre as enchentes.
Entre 2011 e 2019, mais de 700 mil gaúchos deixaram o estado. E aqui está o número que me pegou de surpresa: apenas em 2024, mais meio milhão de pessoas decidiram migrar. É muita gente.
Eu sei disso porque vivo aqui. E, ao longo dos anos, tenho visto amigos, familiares e conhecidos fazerem as malas e partirem. Alguns vão para São Paulo.
Outros para Santa Catarina. Muitos simplesmente querem escapar – não da cultura ou da identidade gaúcha, mas do ciclo de estagnação e crise. Então, isso me leva a duas perguntas que não consigo tirar da cabeça: Por que tantos gaúchos estão abandonando sua terra natal?
E para onde, exatamente, eles estão indo? Entre os anos 60 e 80, o Rio Grande do Sul era praticamente o símbolo de sucesso econômico no Brasil. Esse era o estado que puxava o país para frente, alimentando a economia com sua produção de soja e carne.
Dominávamos setores essenciais. Naquela época, o PIB per capita do estado estava no topo – entre os três maiores do Brasil. Era trinta por cento superior à média nacional.
E mais: a taxa de alfabetização passava dos oitenta e cinco por cento, com um sistema educacional que era referência para o resto do país. Na saúde, o cenário era igualmente impressionante. A expectativa de vida do gaúcho superava a média brasileira, refletindo uma qualidade de vida que parecia inalcançável em outros estados.
Tudo isso compunha uma narrativa de grandeza que, infelizmente, não duraria para sempre. Nos anos 90, as coisas começaram a desmoronar. O estado, que antes era a locomotiva econômica do Brasil, enfrentou crises agrícolas, concorrência de estados mais modernizados e um crescente endividamento.
A hegemonia gaúcha começou a desaparecer. Nos anos 2000, o Rio Grande do Sul resistiu, e alguns indicadores ainda eram positivos. O IDH permanecia alto, e a saúde e educação continuavam sendo pontos fortes.
Mas o crescimento econômico já não acompanhava o ritmo do resto do país. Mesmo assim, houve momentos de resiliência. Em 2009, enquanto o Brasil inteiro enfrentava uma queda no número de empregos, o estado conseguiu criar quase oitenta mil novos postos de trabalho.
Em 2013, registramos um crescimento de 8,5% no primeiro semestre. Ainda assim, os desafios continuavam a se acumular, tornando o futuro cada vez mais incerto. E então veio 2024 As chuvas torrenciais no início do ano não foram apenas um evento climático – foram uma catástrofe.
Uma catástrofe que expôs as fragilidades estruturais do estado. As enchentes devastaram tudo: cidades, casas, pontes, estradas. A infraestrutura que sustentava o dia a dia no Rio Grande do Sul simplesmente desmoronou.
Cidades inteiras ficaram isoladas. Muitos gaúchos não tiveram outra opção senão deixar tudo para trás e começar de novo em outro lugar. A agropecuária, que já foi o motor da economia gaúcha, sofreu bilhões em prejuízos.
Estradas alagadas impediram o transporte de produtos, enquanto plantações e criações de gado foram devastadas. E o pior: a malha rodoviária estadual foi a mais afetada. Das 14 pontes danificadas, dez eram responsabilidade do governo do estado.
O governo federal, por outro lado, começou imediatamente a recuperação das quatro pontes sob sua administração. Essa discrepância atrasou ainda mais a logística e aumentou os custos para moradores e empresários, que agora precisam recorrer a rotas alternativas, mais longas e caras. Enquanto isso, a indústria gaúcha segue um caminho que muitos já chamam de “desindustrialização”.
A falta de investimentos, a escassez de inovação e os clássicos problemas brasileiros têm arruinado o setor. No Vale dos Sinos, onde eu moro, já fomos um dos maiores polos de calçados do mundo. Nos anos oitenta e noventa, as fábricas daqui produziam calçados exportados para todos os continentes.
Mas o tempo mudou as coisas. A concorrência internacional, especialmente da China, somada aos altos custos de produção e à burocracia, praticamente destruiu o setor. Algumas fábricas fecharam.
Outras se mudaram para regiões mais baratas. E olha que irônico: na época, a China contratou profissionais do Vale dos Sinos para ensinar os chineses a fabricar calçados. Esses mesmos profissionais hoje estão fora da China, porque até ela terceirizou parte da produção para países como Vietnã e Indonésia.
Hoje, o Vale dos Sinos tenta se reinventar. A economia está apostando em tecnologia, educação e serviços. Mas o setor de serviços, que sempre dependeu da agropecuária e da indústria, também está sofrendo com a queda na demanda.
O sentimento no estado é de incerteza. Parece que os problemas estão se acumulando, como uma bola de neve. E, honestamente, essa desconexão com o estado – esse sentimento de perda – não começou com as chuvas de 2024.
Eu vejo isso há anos. Tenho amigos, familiares e conhecidos que deixaram o Rio Grande do Sul em busca de novas oportunidades. Mas a grande pergunta continua: pra onde essas pessoas estão indo?
Quando tragédias naturais acontecem – como o furacão Katrina nos Estados Unidos – geralmente seguimos um padrão. Primeiro, vemos a solidariedade. Comunidades inteiras se unem para ajudar.
Depois, começa o êxodo: muitas pessoas migram para regiões mais seguras. E, por fim, as empresas também se movem, procurando lugares com menos vulnerabilidades. No Rio Grande do Sul, esse ciclo não é novidade.
E com as enchentes de 2024, o movimento de saída só se intensificou. Enquanto isso, Santa Catarina está despontando como um dos destinos mais atraentes do Brasil – especialmente para os gaúchos. Santa Catarina é frequentemente mencionada como um dos melhores estados para se viver e trabalhar, até pela ONU.
Mas não são apenas os elogios que chamam atenção; os números comprovam essa reputação. Em 2017, enquanto o Brasil enfrentava uma taxa de desemprego de 12%, Santa Catarina registrava metade disso. Agora, no final de 2024, com o desemprego nacional em torno de 6,9%, o estado segue impressionante: apenas 3,2% de desocupados.
Para muitos gaúchos, essa diferença não é apenas estatística – é uma oportunidade real de recomeço. Santa Catarina está a algumas horas de carro, mas cruzar essa fronteira é muito mais do que uma simples viagem: é uma chance de reconstruir a vida em um lugar mais estável. E não é apenas a economia que atrai.
O custo de vida em Santa Catarina, embora varie, oferece opções que agradam a diferentes perfis. Florianópolis e Balneário Camboriú são escolhas caras, perfeitas para quem quer infraestrutura moderna e uma vida à beira-mar. Mas cidades como Joinville e Chapecó oferecem imóveis com um custo-benefício bem mais acessível, mantendo qualidade de vida.
A mudança para Santa Catarina representa mais do que estabilidade econômica. Para muitas famílias, é também uma mudança de estilo de vida. Depois de anos enfrentando crises e instabilidades no Rio Grande do Sul, a promessa de um lugar mais equilibrado se torna irresistível.
A tragédia das enchentes só piorou a situação. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, cerca de 95% dos empregos no estado foram impactados. Embora os números estejam melhorando, a sensação de instabilidade ainda paira sobre os gaúchos.
E então, existe o desafio do envelhecimento da população no Rio Grande do Sul. O estado tem a maior proporção de idosos do Brasil: 115 para cada 100 crianças, segundo o IBGE. Esse dado aponta para um futuro complicado.
Uma população mais velha significa menos pessoas em idade produtiva, menos oportunidades de crescimento econômico, e – o mais preocupante – menos incentivos para atrair investimentos. Esse ciclo cria uma realidade dura: opções limitadas e um futuro que parece cada vez mais apertado. Santa Catarina, por outro lado, oferece um caminho diferente.
É um lugar onde o esforço pessoal parece ter um retorno mais garantido. E para muitos gaúchos, essa mudança faz sentido. Algumas horas na estrada para visitar a família no Rio Grande do Sul durante o feriado ainda são possíveis.
Mas para quem escolhe cruzar essa fronteira, não se trata apenas de trocar de endereço. É uma decisão de buscar um futuro melhor, um lugar onde estabilidade econômica e qualidade de vida andam lado a lado. Em 2024, passei alguns dias em algumas praias de Santa Catarina.
Gostei do clima, das pessoas, da atmosfera. Mas o que mais me chamou atenção foi a qualidade das estradas, com obras em andamento que mostram claramente que o estado está investindo em infraestrutura. E cada vez que vejo mais pessoas indo para lá, não consigo evitar a pergunta que insiste em voltar à minha mente: O que vai acontecer com o meu Rio Grande do Sul?
"Melhorou muito. Tanto na área profissional quanto em qualidade de vida. " Essas são as palavras de Luã Ciceri, um gaúcho que, em 2016, fez as malas e deixou o Rio Grande do Sul rumo a Florianópolis, em busca de novas oportunidades.
Luã não pensa em voltar. Mesmo longe da família, a escolha de ficar em Santa Catarina é clara. Mas quando a vontade de partir não é só individual, quando famílias inteiras decidem cruzar a fronteira, isso se torna um reflexo de algo maior – de uma realidade que muitos no Rio Grande do Sul estão enfrentando.
Os números contam uma história clara. A queda nas matrículas escolares é apenas um dos sinais. Em 2008, mais de um milhão e seiscentos mil alunos estavam matriculados no ensino fundamental no estado.
Em 2023 esse número despencou para 1,2 milhão. São quase quatrocentas mil crianças a menos nas escolas. E a razão?
É uma combinação de fatores: queda no número de nascimentos, aumento no número de mulheres morando sozinhas – o maior do Brasil – e um êxodo constante. Mais e mais gaúchos estão buscando uma vida fora das fronteiras do estado. Até mesmo a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão reconhece o problema.
Segundo eles, o Rio Grande do Sul não tem conseguido atrair – e muito menos reter – os mais jovens. O estado pode, no futuro, ter que "importar" pessoas para preencher essa lacuna. E enquanto isso, Santa Catarina continua ganhando força.
É quase como uma sombra que puxa para si os talentos e as esperanças do Rio Grande do Sul. Em termos econômicos, a diferença é gritante. Santa Catarina lidera em geração de empregos, mantém uma indústria de transformação crescente e, no turismo, teve um desempenho impressionante em 2023, ficando com o segundo melhor índice do país.
Enquanto isso, o Rio Grande do Sul segue enfrentando desafios estruturais. O estado está atolado em uma dívida pública de quase 94 bilhões de reais. Mesmo quando surgem soluções temporárias, como a suspensão da dívida, a execução é lenta, quase paralisada.
E aí eu poderia falar que a aposta em pequenos negócios e startups, inspirada em modelos bem-sucedidos de países como a Escócia e a Irlanda do Norte, poderia ser uma saída para a crise. Eu poderia falar que investir na criação de novos empregos e estimular a formação de uma economia local mais dinâmica poderia até atrair de volta alguns dos que partiram. Mas a verdade é que esses são finais felizes genéricos com uma ponta de contos de fadas e a coisa dificilmente vai mudar.
Pra você ter uma noção, no início de dezembro de 2024, um temporal que atingiu Porto Alegre causou alagamentos, especialmente na região central, devido ao grande volume de chuva concentrado em uma hora e à falta de energia nas estações de bombeamento. As bombas estavam funcionando apenas com geradores, e como nem todas têm geradores elas operaram de maneira limitada, em torno de 50% da sua operação, enquanto problemas nas bocas de lobo, agravaram a situação, apesar de 70% delas já terem sido limpas após enchentes anteriores. Se 7 meses depois do pior desastre que o RS passou, pouco ou nada foi feito, o que me diz que algo de fato vai mudar?
Cansados dessa morosidade e aparente falta de interesse em consertar os problemas do estado é que muitos gaúchos simplesmente vão embora em busca de um vida nada genérica, apostando em outras oportunidades e ambientes mais favoráveis para fazer acontecer em suas vidas, mesmo que isso custe deixar pra trás algo que eles amam. Mas não seria essa a tônica do Brasil como um todo? Como estão as coisas aí no seu estado?
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