As negociações em torno do fim da guerra da Ucrânia têm agora um novo foco: as riquezas minerais ucranianas. Donald Trump e Volodymyr Zelensky chegaram a um acordo pra dar aos Estados Unidos o direito de explorar comercialmente os depósitos de minérios na Ucrânia. Isso acontece em meio a uma grande pressão americana por uma compensação ao apoio militar e financeiro que os Estados Unidos deram pra Ucrânia ao longo de três anos de guerra.
E no meio disso, até Rússia e União Europeia demonstram interesse pelos minérios em solo ucraniano. Eu sou Nathalia Passarinho da BBC News Brasil e neste vídeo explico em quatro pontos as riquezas minerais da Ucrânia e em quais frentes elas estão sendo negociadas. Pra começar: que riquezas são essas que despertam tanto interesse?
Uma estimativa da própria Ucrânia diz que o país abriga, em seu solo, 5% dos minérios do mundo. Isso incluiria 19 milhões de toneladas de reservas de grafite, usado em baterias de veículos elétricos e em reatores nucleares. O país também tem importantes estoques de titânio e um terço das reservas europeias de lítio, um componente-chave de baterias.
Além disso, acredita-se que a Ucrânia tenha boas reservas de minérios de terras raras - um grupo de 17 elementos usados para produzir desde armamento até turbinas e bens eletrônicos. São cruciais, por exemplo, para a produção de smartphones, computadores, equipamentos médicos e vários outros produtos. Existem projetos promissores de extração desses materiais no oeste do país, assim como nas regiões de Kiev, Vinítsia e Jitomir.
E uma boa parte dessas reservas está localizada no sul do chamado Escudo Cristalino Ucraniano, principalmente sob o Mar de Azov. A questão é que a maioria desses territórios está atualmente ocupada pela Rússia. Num eventual fim da guerra, o status dessas terras certamente vai entrar em discussão.
E por que os Estados Unidos, em particular, têm interesse nesses minérios? A China, com quem os americanos travam uma guerra comercial, recentemente baniu a exportação de diversos minérios e metais pros Estados Unidos. Nas últimas décadas, os chineses se tornaram líderes tanto na mineração quanto no processamento de minerais raros, respondendo por 60% a 70% da produção mundial e quase 90% da capacidade de processamento.
Esse acordo de Trump com Zelensky pode ser uma estratégia de Trump para reduzir a dependência americana por minérios da China. Ou seja, a Ucrânia pode se tornar uma fonte alternativa pra suprir a demanda americana por esses materiais. Como eu disse antes, esses minérios são necessários para tecnologias altamente sofisticadas – desde carros elétricos até equipamentos militares.
São chave, portanto, na corrida dos Estados Unidos pela liderança no campo tecnológico. Isso num cenário em que a China parece estar na dianteira. Um relatório da Agência Geológica dos Estados Unidos dá o tom da importância desses minérios.
Diz que eles são “cruciais pra economia e pra segurança nacional dos Estados Unidos”. E agora essas riquezas se tornaram cruciais também nas negociações em torno da guerra da Ucrânia. Em setembro de 2024, quando Trump ainda era candidato à Presidência, Zelensky apresentou a ele uma oferta preliminar de acesso a minérios ucranianos.
A ideia era convencer Trump a não interromper o apoio militar americano pra Ucrânia. Ou seja, de não deixar o país enfraquecido enquanto ainda combate a Rússia. As conversas continuaram depois da eleição de Trump.
Mas os dois lados tiveram grandes divergências. Primeiro, os Estados Unidos exigiram ficar com 50% dos minerais a serem explorados na Ucrânia. Seria uma compensação pelo apoio militar e financeiro que Washington deu pra Ucrânia até agora.
Trump diz que esse apoio totalizou 500 bilhões de dólares. Mas dados independentes estimam o gasto americano em 120 bilhões de dólares. Zelensky rejeitou a proposta americana dos 50%, afirmando que não poderia, entre aspas, “vender o Estado ucraniano”.
O governo Trump endureceu ainda mais. Segundo Zelensky, Trump passou a exigir o controle total da exploração de minerais raros. Alguns analistas chegaram a dizer que as propostas americanas eram uma espécie de extorsão.
Outros, que seria um tipo de neocolonialismo americano sobre a Ucrânia. De qualquer modo, as negociações continuaram. E, agora, um acordo foi alcançado.
Os detalhes ainda estão vindo à tona, mas fontes próximas às negociações dizem que ele já não exige mais que os Estados Unidos recebam 500 bilhões de dólares em receitas. Um ponto-chave ainda bastante incerto é: que tipo de proteção de longo prazo a Ucrânia receberá dos Estados Unidos no caso de um cessar-fogo com a Rússia. Lembrando que esse acordo surge de um contexto maior de guinada na política externa americana desde a eleição de Trump.
O presidente americano defende acabar rapidamente com o conflito na Ucrânia - mas não necessariamente em termos considerados benéficos pelo governo ucraniano. Recentemente, integrantes do governo Trump se reuniram com a Rússia pra discutir o fim da guerra – sem a presença de representantes da Ucrânia Alguns dias antes, o presidente americano tinha conversado diretamente com Vladimir Putin sobre o assunto. E Trump chegou a dizer que a Ucrânia começou a guerra com a Rússia.
Zelensky respondeu falando que o presidente americano vive num ambiente de desinformação. Trump reagiu de maneira ainda mais enfática, chamando o presidente ucraniano de *ditador*, o que aprofundou o racha entre os dois presidentes. Além disso, os Estados Unidos ficaram do lado da Rússia em duas votações recentes na ONU relacionadas à Ucrânia.
Primeiro, votando contra uma resolução que apoiava a integridade territorial ucraniana. Segundo, apresentando uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU pedindo o fim do conflito na Ucrânia, mas sem fazer nenhuma crítica à Rússia. É uma mudança radical de política externa americana em comparação com o governo anterior, de Joe Biden, que fazia uma forte oposição à Rússia - e que tinha se alinhado à Europa pra dar forte apoio militar e político à Ucrânia.
Pra concluir, outro detalhe importante é que existem mais atores internacionais interessados em participar dessas negociações. O governo russo se disse disposto a oferecer aos Estados Unidos a exploração de minérios em áreas ucranianas sob controle russo. A União Europeia, enquanto isso, propôs pra Ucrânia uma parceria pra participar da exploração desses minérios.
Como todas essas frentes vão se desenrolar é algo que ainda não está claro. Mas um fato importante é que acessar essas reservas não é um processo simples, nem rápido. E não só por causa das disputas territoriais relacionadas à guerra.
Também porque a mineração é uma indústria que depende de investimentos de longo prazo e de toda uma infraestrutura ao seu redor – desde portos e estradas até o uso intensivo de água. E, depois de três anos de guerra, grande parte dessa infraestrutura está bastante danificada - ou mesmo destruída - na Ucrânia. Além disso, especialistas afirmam que, embora centenas de locais geológicos promissores tenham sido identificados na Ucrânia, só alguns deles podem se tornar depósitos viáveis e economicamente factíveis.
Bom, esse é mais um assunto que a gente vai cobrir com atenção. Fica de olho no nosso canal no YouTube, em bbcbrasil. com, nas nossas redes sociais e no nosso canal no WhatsApp.
Obrigada e até a próxima.