Modelo de escola cívico-militar não é democrático, avalia professora da Unicamp

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Instituto Claro
No início de setembro, o governo federal lançou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares que...
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[música] Acho que, inicialmente, a gente tem que separar a escola militar, de militarizada. As escolas militares já existem há muito tempo e têm como objetivo formar quadros que vão integrar nas forças armadas. A militarização muda.
Então, ela vem com uma cultura que é inserida em uma instituição que não tem isso como objetivo fim. Esse modelo vai apresentar algumas características. Ela tem início em Goiás, uma região bem vulnerável, que buscava lidar com a questão da violência.
Só que essas escolas, como elas apresentam um êxito no rendimento e uma melhora da disciplina, elas começam a ter esse modelo divulgado como alternativa para o "fracasso", entre aspas, da escola pública. [música] É a primeira vez, é o primeiro Governo que defende a militarização como alternativa para a resolução dos problemas, dos desafios, da educação pública. A gente precisa considerar que, se nós temos 150 mil escolas públicas no país, esse universo é muito ínfimo, de 216 escolas.
Mas, o que preocupa, é muito mais a concepção de escola, de educação pública, que está por trás quando colocam um decreto incentivando isso. [música] A gente tem que olhar com muito cuidado esse alto desempenho que é propagado. O primeiro aspecto das escolas militarizadas é que elas têm vários modelos de funcionamento.
Um dos modelos que é muito vigente, é que, grande parte dos alunos, são filhos de policiais militares. Nós temos também, a maior parte das escolas militarizadas, têm processo seletivo de entrada. Então, você tem uma parte para filhos de militares, outra parte você tem para vestibulinho, para provas de acesso.
Então, os alunos são pré-selecionados. Além disso, existem muitas escolas, elas têm um incentivo muito forte para a contribuição mensal, para matrícula. Não é obrigatório, mas os pais são fortemente incentivados a contribuírem para essa escola.
A infraestrutura das escolas, elas passam a ter laboratórios, quadra de esportes, bibliotecas, elas são climatizadas. Se você pega, por exemplo, dado do IBGE de 2012-2014, você tem 36% só das escolas públicas que têm, sequer, rede de esgoto. Você tem um número muito ínfimo de escolas que têm biblioteca, que têm laboratório.
Então, ela já destoa da realidade das demais escolas públicas. Um outro aspecto que chama atenção, é que os alunos que não se adaptam a esse modelo, eles são excluídos dessa escola, o que facilita, também, você ter um melhor rendimento. Então, o que estou querendo trazer é que, essas escolas têm condições diferenciadas, por isso que o resultado é diferenciado.
Se você pega uma outra escola pública, e apresenta, e propicia, as mesmas condições, uma infraestrutura melhor, aumento de funcionários, mais recursos financeiros para essa escola. Essa escola tem muito mais condições de apresentar um bom resultado, assim como as escolas cívico-militares. [música] Todo mundo defende que, para uma sociedade democrática, a disciplina é necessária.
Mas não é qualquer disciplina. É uma disciplina que é diferente da disciplina militar. É uma disciplina cidadã.
E, nesse sentido, é função de uma escola, em uma sociedade democrática, formar para a cidadania, mas a cidadania dentro de valores democráticos. Então, é a capacidade de identificar perspectivas diferentes, coordenar a perspectiva, estratégias assertivas para resolver conflito, pensamento crítico, criatividade nas soluções dos problemas, empatia com o outro. A escola cívico-militar entra com militares que vêm controlar comportamentos, impedir que conflitos ocorram.
Então, não é utilizar os conflitos e a participação, o protagonismo, como necessário para o desenvolvimento de competências, habilidades e valores. É contenção desses conflitos. Chama também a atenção, nesse caso, quando fala de disciplina, que todas as escolas de elite e os países que têm um índice alto no Pisa, como a Finlândia, como Cingapura, como Canadá, eles trabalham em direção contrária a esse caminho.
Trabalha-se muito mais um sentido de participação desses jovens. As escolas militarizadas não cumprem essa função tão necessária nos dias atuais. [música] Nas últimas décadas, houve um avanço, de fato, nos direitos humanos.
Na luta, justamente, pelas comunidades LGBTI, a luta pela diversidade, as questões de gênero muito em pauta. Ao mesmo tempo, uma ideia de equidade mais presente. Participação maior da juventude.
Então, nós tivemos inúmeras conquistas, progressos, na área social. E o modelo da militarização vem, sim, também, como uma resposta a tudo isso. Ele vem como uma forma de um setor de sociedade que ainda defende que a obediência, que determinadas pautas têm que ficar longe da escola e da formação desses jovens.
Como se a autoridade, a obediência e a disciplina fossem dar conta dos diversos desafios que a nossa sociedade e a escola têm. A violência não é diagnosticada, não é cuidada, não se oferece mais condições de vida para essa comunidade, para esses jovens. Não se dá outras oportunidades.
O que se faz é criar uma ilha em que nada é transformado. Mas que se vende uma ideia de uma educação melhor. [música] Quando você vê o novo decreto do Ministério da Educação, esse decreto coloca uma adesão voluntária das escolas com participação da comunidade.
Mas esse é um pseudodemocratismo. Porque essa escola não tem nada de democrática na sua base. A gestão não é democrática, a participação dos jovens, como protagonistas, dos professores, não é democrática.
Então, você vende como um processo democrático de adesão, uma estrutura altamente autoritária para esses jovens. E, mais do que isso, para os professores também. Quem fiscaliza o que esses militares, já que você não pode denunciar, você não pode criticar, você não pode expor, não pode participar, quem vai denunciar as práticas abusivas e autoritárias?
Muitas vezes, quando você mantém um modelo desse, você tira as estruturas reguladoras do autoritarismo, e que precisam ser sempre incentivadas em uma comunidade, em uma situação democrática, em uma escola democrática. [música] A escola faz a passagem do espaço privado para uma educação pública, no sentido de coletivo. A criança aprende a ideia da igualdade quando ela entra na escola e percebe que as regras valem para todos.
Porque, na família, a relação é assimétrica. Na escola, ela aprende que existe uma diferença em termos de funções que são exercidas. Então, existe uma assimetria funcional.
Diretor, professor, aluno, têm funções diferentes. Mas existe uma simetria de princípios, que devem valer para todos. Mas é nesse espaço, também, que essa criança vai aprender a lidar com a diversidade.
Perceber que a diversidade é um bem da democracia. Então, a aprendizagem do espaço privado para o espaço público se dá na escola. E ela precisa ser pensada e desenvolvida, de fato, para dar conta dessas características.
E o modelo militarizado não dá conta.
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