Oliveira Tikuna está nos levando para a sua aldeia A viagem dura cinco horas pelo menos costuma durar A Floresta Amazônica está passando pela pior seca já registrada Os rios, lagos e riachos da região estão secando Nunca tinha tido essa seca, com essa proporção. Nós nunca tinha visto. Nem história.
Seca, mas não no nível que está agora. O tempo está seco e quente. O Brasil está enfrentando uma onda de calor.
A comunidade de Oliveira, onde vivem quarenta famílias no coração da Amazônia, foi gravemente afetada pela seca. Eles lutam para ter acesso a água limpa para tomar banho. As colheitas também estão sendo afetadas.
Chegar e sair da cidade tem sido difícil Sim, a preocupação é grande. De repente, se piorar mais do que está… os parentes vão ficar isolados lá, não tem como vir. Aí o risco, a cobra ou jacaré, porque vai ter que atravessar o lago, aí é mais perigoso do que aqui.
O parente passou mal e não conseguiu chegar a tempo na cidade. Milhares de aldeias ficaram isoladas por causa dessa seca. São mais de cem mil pessoas.
Mas cientistas temem que a estiagem seja indicativa de algo ainda mais catastrófico – um desastre ecológico. E há sinais disso. Em dois grandes lagos da Amazônia, botos foram encontrados mortos E o que aconteceu este ano é algo que nunca vimos antes, ninguém viu antes, é inédito.
Estamos acostumados a ver os botos brincando no lago todos os dias e passamos por eles e vemos filhotes e tudo mais, e de repente, acordamos um dia e havia 20 carcaças ao longo das margens. E, cinco dias depois, tínhamos 70 carcaças. Foi desolador, desolador.
As cenas chocantes fizeram o governo brasileiro enviar uma equipe de emergência para tentar entender o fenômeno. Em alguns locais, a temperatura da água era de 39 graus, dois a mais que a temperatura corporal humana, a mesma dos golfinhos. Quer dizer, o que você vai fazer?
É o lugar onde você mora, e então de repente, você está no meio do problema. E você não pode escapar. Há 30 anos.
Nunca, nunca, nunca. Isso nunca nem passou pela minha cabeça. O temor é de que a floresta esteja caminhando rumo a um ponto crítico.
Nas áreas fechadas da Amazônia, é a água que evapora das árvores que forma as nuvens de chuva. Ou seja, a própria vegetação fornece a água de que precisa para sobreviver. Se grandes porções dessa floresta morrerem, pode ser que ela não consiga mais fazer isso.
Aos poucos, a ausência de água arrasaria a floresta, formando um ciclo catastrófico Existem outros sinais de que a floresta está perdendo a capacidade de se recuperar. Em dias de tempo seco, pequenas queimadas feitas para limpar a terra para o plantio acabam fugindo ao controle. O Estado do Amazonas vem apresentando números recordes desse tipo de incêndio.
Temos muitos incêndios. Se você vir de manhã, mal vai conseguir ver qualquer coisa aqui porque vai estar tão enfumaçado, e dá para sentir isso. Temos tossido muito.
Os cientistas, como sabemos, vêm dizendo há anos que isso iria acontecer na Amazônia em 2030, 2050, piorando cada vez mais, e que ela se tornaria como que uma savana, que são as áreas secas. Mas nunca esperávamos ver isso e de forma tão dramática. Foi muito rápido.
Aconteceu assim, de repente. Não. Vivemos na água, dependemos da água para beber, para tomar banho, para locomoção, para tudo.
E o nível da água tem sido muito menor do que já foi. Cerca de 17% da Amazônia já foi desmatada desde a década de 1970. Se esse número chegar a 25% e a temperatura global subir mais de 2,5 graus, então, segundo os cientistas, chegaremos àquele temido ponto crítico.
Seria um desastre para milhões de pessoas do sul da Amazônia, que dependem de chuva produzida pela floresta. Também para bilhões de pessoas como nós, que dependemos da floresta para regular a temperatura do planeta. Sozinha, ela armazena cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono.
Sim, finalmente. Mas talvez não por muito tempo. A pesquisadora Flavia Costa estuda a saúde de plantas e árvores na floresta Temos visto que algumas plantas já mostram sinais de que estão mal.
Mas alguns colegas que usam drones dizem que também têm visto copas completamente desfolhadas Ainda é cedo para avaliar o impacto dessa seca à Amazônia, Mas a última grande estiagem na região, em 2015, pode dar algumas pistas Tivemos uma mortalidade muito grande na última seca, quando a Amazônia perdeu, na média, a capacidade de sequestrar carbono. E estamos esperando que essa mortalidade alta continue, o que é triste. Pode ser que chegue um momento em que a floresta perca a capacidade de se recuperar.
Mas isso provavelmente não vai acontecer em toda a Amazônia. Algumas regiões provavelmente vão se tornar savanas, mas vai haver bolsões de floresta que vão sobreviver Com as chuvas que vieram, a floresta pode se recuperar. Mas no ano que vem, a previsão é de mais seca.
Será essa recuperação vai ser suficiente? Sempre dizemos que esses animais são como sentinelas. Porque eles sentem primeiro o que está por vir para nós.
E é por isso que eu digo que isso é um tapa na cara, porque está acontecendo com eles, vai acontecer conosco Você está com medo? Sim, eu estou. Não apenas por causa da floresta, eu vivo aqui e eu entendo o drama da população.
Imagine se a cada cinco anos nós tivermos uma seca e cada seca é pior do que a anterior. Então a floresta talvez não aguente em pé e, sim, talvez a gente veja esse ponto crítico chegar antes do que a gente espera E a gente entende que muito culpado disso somos nós que não nos atentamos para isso, não buscamos a defender nossa mãe terra que hoje está gritando por socorro pelos seus filhos, que somos nós. A gente sabe que que é um pouco tarde, né?