Olá, meu nome é Juliana Bastos Marques, Eu sou professora de História Antiga na Unirio, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E na aula de hoje, que eu também vou dividir em duas partes, assim como na aula passada, eu vou falar sobre os primórdios da Suméria e o início da escrita. [música de introdução] Na aula passada eu falei no finalzinho sobre os critérios que Gordon Childe usou para classificar o que eram as primeiras cidades antigas.
Os critérios de Gordon Childe eram: um grande centro urbano que, portanto, gerava excedentes, e que também tinha o sistema de impostos para coletar e redistribuir esses excedentes para uma população que não estava necessariamente produzindo na terra; portanto, diferenciação social - sacerdotes, exército, artesãos, comerciantes etc; uma arquitetura monumental: templos palácios e a arte que acompanha essa arquitetura; o surgimento da escrita para acompanhar essa administração mais complexa da cidade; e também o comércio de longa distância bastante regular, que suprisse as necessidades dessas cidades. Eu tenho aqui uma tabela de periodização da Suméria - eu não quero que você se preocupe em decorar qualquer tipo de data, isso é uma referência e o importante é que a gente, através das referências, se lembre do que veio antes e do que veio depois. Eu quero fazer o seguinte destaque aqui: em primeiro lugar o Período Ubaid que tá aqui nessas datas por volta de 5300 a 4100 a.
C. , que é onde aparecem de fato as primeiras cidades sob o critério do Gordon Childe; no caso, Eridu - eu vou falar para vocês daqui a pouco sobre Eridu; depois, o período de Uruk, aí sim a cidade de Uruk. O nome Ubaid é o nome contemporâneo da região do Tell el-Ubaid onde foi encontrada uma série de artefatos que vão marcar aquilo que a gente chama de Período Ubaid, não só esses como outros.
No caso de Uruk, trata-se do período de fato, da cidade cujo nome era para os antigos Uruk. E é no período de Uruk que a gente finalmente caracteriza o surgimento da escrita. O período pré-dinástico sumério, o período pré-dinástico eu coloquei nessa coluna à direita, escrevi assim "Gilgamesh", ou Gilgamsh [Gilgamésh], muita gente fala o nome dessa forma.
Eu não vou entrar em muitos detalhes sobre a Epopeia de Gilgamesh aqui, mas acredita-se que se por acaso existiu alguma figura histórica de um rei cujo nome era Gilgamesh, evidentemente não exatamente aquele personagem do épico, ele tenha se localizado mais ou menos nesse período. Só quero fazer uma sugestão de leitura aqui: existem duas versões da epopeia de Gilgamesh em português. A primeira delas é essa aqui da Martins Fontes, que é uma leitura bastante agradável e tem uma apresentação muito interessante, mas se você quiser ler de verdade, a tradução mais correta é essa aqui que é bastante recente.
Ó, Gilgamesh [Gilgámesh], mais chique, feita pelo professor Jacyntho Brandão. Saiu há pouco tempo atrás e é uma leitura bem mais difícil, bem mais complexa, mas muito boa, cheia de comentários. Então vale a pena para quem estiver se interessando sobre esse tema procurar - de repente você lê os dois, lê esse primeiro que é fácil e depois esse aqui.
Eu também gostaria de destacar o Império de Akkad [Acádia], aqui nessas datas de 2334 a 2218 - essas datas são um pouco mais precisas. Em diferentes livros vocês vão encontrar diferentes datas; essas datas não são precisas, elas são aproximadas. Existem várias formas de medir essas datas, e essas que eu estou colocando aqui para vocês são algumas dessas formas, quanto mais recentes as datas, mais precisas.
Eu quero mostrar o mapa para vocês, tem muita informação nesse mapa, mas vamos dar uma olhada aqui em alguns elementos desse mapa para entender algumas coisas importantes que eu quero destacar aqui para vocês. Ele está em inglês, mas vamos lá. Como você pode ver aqui na legenda, está escrito aqui, "primeiras cidades", tem uma linha em laranja que diz cultura Hassuna.
E aí coloca uma data que também é aproximada de 6500 a 6 mil antes de Cristo, depois uma linha verde, cultura Samarra, uma linha vermelha, cultura Halaf; essas duas culturas são mais ou menos contemporâneas, depois uma linha roxa escrito Cultura Ubaid. Como a gente pode ver, a linha laranja circunda um pedaço bem menor do que os outros pedaços, portanto, bem mais restrito, ao norte da Mesopotâmia. Quem .
lembrar da aula passada também vai lembrar que eu tinha comentado que a agricultura surge nessa região, e não em baixo no Delta, entre o Tigre e o Eufrates. A segunda linha, que é verde, a cultura Samarra, é um pouquinho maior e mais extensa do que a primeira linha. A terceira linha, que é a vermelha, é um pouquinho maior também do que a segunda linha, ela acompanha aquela região do Levante que é à esquerda do mapa, e vai também pouco para norte e um pouco para a direita; e finalmente a última linha aqui é a linha roxa, que é a linha da cultura Ubaid, ela pega também o sul da Mesopotâmia.
Aí sim se trata daquele surgimento da cidade tão característica do Gordon Childe [barulhos felinos] Nesse mapa também vamos encontrar duas coisas bastante curiosas, interessantes e importantes. Bem lá no meio do mapa tem duas cidades onde está marcado aqui, como diz a legenda, uma evidência de irrigação antes de 5500 a. C.
São duas curvinhas azuis, Tell el-Sawwan e Choga Mami, também são nomes contemporâneos. São duas cidades onde se encontram evidências de irrigação artificial bem antes daqueles canais de irrigação do sul da Mesopotâmia. Essas cidades ainda estão dentro da lógica de produção de agricultura das montanhas, da pluviosidade maior que é essa linha hachurada em azul, que segue margeando ali o Levante, subindo também e descendo até o o lado do Irã aqui, e que está acima do sul da Mesopotâmia, da Suméria, portanto.
Essa que é a grande característica interessante que mostra a transição nesse mapa, entre a região onde surge a agricultura no norte da Mesopotâmia, e onde ela se desenvolve posteriormente no sul, na Suméria, onde surgem essas primeiras cidades. Quando eu estou falando de "cultura", falei para vocês de cultura Hassuna, cultura Samarra, cultura Halaf, é um termo que os arqueólogos usam para um determinado grupo de artefatos que tem características semelhantes entre si, que mostram portanto um contato cultural entre diferentes regiões. Então quando a gente mostra, por exemplo: aqui eu tenho três tipos de cerâmica: a cerâmica da cultura Hassuna, a cerâmica da cultura Samarra, e a cerâmica da cultura Halaf - a cultura Hassuna sendo mais antiga que as outras duas.
A maneira mais fácil de analisar é a partir das semelhanças e diferenças entre formas de decoração desses potinhos aqui. Então a Hassuna tem uma decoração um pouco mais simples, depois a cultura Samarra tem uma característica mais complexa na decoração dos seus vasos, e depois a cultura Halaf inclusive vai usar tintas e cores diferentes. Aqui na cultura Ubaid, que surge depois, a decoração ainda é mais complexa e nessa foto a gente tem não só o mesmo tipo de tigela como também outro tipo de vaso.
Outros fatores também são importantes para analisar essas diferenças entre o que a gente vai chamar de culturas, arqueologicamente falando. Por exemplo, o formato, a tecnologia com que é feita a cerâmica, a composição da argila, vários fatores vão ser importantes. E todos eles mostram o nível de convergência cultural entre diferentes regiões que vai formar os dados para esse mapa que eu mostrei pra vocês antes, daí que a gente tira esse tipo de informação.
E quando a gente percebe que a cultura Ubaid é aquela que finalmente vai se estabelecer na região da Suméria, no sul da Mesopotâmia, e vai ser muito diferente das culturas anteriores, é aí que a gente entra numa questão muito conhecida por livros didáticos, teve muita gente que já ouviu falar sobre isso, que é a ideia da "civilização hidráulica", civilizações baseadas em rios assim como, não só a Mesopotâmia, mas também seria o Nilo, seria a região do Yangtze, na China. A ideia da hipótese causal hidráulica foi postulada por um alemão chamado Karl August Wittfogel, que era um ex-comunista que foi para os Estados Unidos nos anos 50 - essa é uma informação importante - por quê? Ele está pensando numa ideia de "despotismo oriental" versus o que seria a "liberdade ocidental".
E aí eu vou voltar um pouco para aquela discussão que a gente teve na primeira aula sobre diferenças entre Ocidente e Oriente e como que essas diferenças são construídas. Nem o Oriente é totalmente despótico e nem o Ocidente é totalmente livre, mas dentro desse modelo do Wittfogel, ele vai pensar em modos de diferenciação social entre o Oriente e o Ocidente através da ideia da "hipótese causal hidráulica". E o que seria?
Essas civilizações do Oriente, as primeiras civilizações, se desenvolveram através da agricultura que surge em lugares férteis, mas esses lugares são férteis apenas porque há uma necessidade de controlar as águas a partir de canais de irrigação, e esses canais de irrigação são muito complexos e demandam uma mão de obra coordenada muito grande por longos períodos, e que, portanto, só funcionaria através de um controle centralizado estatal muito forte. É o estado que com sua mão forte coloca o povo coletivamente em servidão pública para construir essas grandes obras de irrigação que tornarão portanto as regiões áridas fora dos rios regiões férteis para uma agricultura de grande escala. A questão é que, na verdade, a arqueologia desmentiu, em boa parte, a ideia do Wittfogel com o passar do tempo.
Esses canais e não eram tão complexos assim e não precisavam tanto dessa mão de obra toda que o Wittfogel está pensando. Os canais mais complexos que arqueologia vai encontrar na região da Mesopotâmia são muito posteriores, da época helenística - bem, olha só, 3 mil anos depois. Os canais mais antigos desse período são canais relativamente simples; eles demandam muita mão de obra?
Sim, mas não necessariamente a mão de obra tem a ver com um controle estatal muito grande. Isso vai depender muito das formas com que os arqueólogos e historiadores vão interpretar as fontes. Por exemplo, outra questão também colocada em relação a isso é o surgimento da propriedade privada.
Aqui a gente está pensando na transição de uma sociedade agrícola cuja propriedade da terra coletiva para a propriedade privada tal como o conhecemos hoje, individual. Teria um momento de transição entre essas duas formas de propriedade, que seria uma espécie de propriedade privada do rei, ou do templo, portanto, do sacerdote do templo para coletividade como um todo? Então um controle das terras pelo templo, ou pelo palácio, diferente da propriedade privada individual tal como já conhecemos.
Essa ideia da propriedade estatal absoluta das terras de uma determinada cidade veio também a partir dos estudos de um arqueólogo chamado Anton Deimel, na década de 30, que estudou os arquivos da cidade chamada Girsu - e aqui nós temos uma dessas tabuletas do arquivo de Girsu. como vocês podem ver, cada quadradinho aí é como se fosse uma tabela do Excel, né. Os quadradinhos vão tratar da distribuição dos excedentes através do tempo - foram encontradas no templo em Girsu.
Até que ponto isso é um modelo geral para toda a Suméria nesse período? Até que ponto essa informação bate ou não bate com a ideia de monopólio estatal tal como conhecemos hoje? A ideia do Deimel de transição da propriedade privada tem que ser pensada de uma maneira muito mais crítica, com base em uma análise de fontes maior do que simplesmente as fontes de um templo, que foi o caso que da proposta que ele apresentou.
Para quem quer ler um pouco mais sobre essa discussão da hipótese causal hidráulica, um livro muito fácil de ser encontrado no Brasil, pequenininho e de fácil leitura, é esse livrinho aqui, esse livro paradidático escrito pelo Ciro Flamarion Cardoso, "Sociedades do Antigo Oriente Próximo". Então o período Ubaid, que dentro dessa classificação que eu coloquei para vocês aproximada de 5300 a 4. 100 a.
C. , a gente ainda não tem a escrita propriamente dita, mas a gente tem aqueles outros critérios das primeiras cidades de Gordon Chide. Nessa imagem talvez não dê para ver muito bem como que a gente interpreta a arquitetura monumental de Eridu.
Mas, de fato, foi muito difícil para os arqueólogos conseguirem entender de onde nessas ruínas, como eu falei para vocês na primeira aula, os "mounds", essas colinas que na verdade são artificiais mostram ocupações muito antigas ali na paisagem. Essa foto mostra a escavação do templo de Eridu que teria sido o primeiro grande templo dessas primeiras cidades sumérias. Aqui a gente está vendo nessa foto quando os arqueólogos chegaram na parte da primeira ocupação do templo.
É claro que - vamos pensar o que aconteceu nessa escavação: você tem uma grande área onde você tem um nível último de ocupação do templo, e aí eles pegaram a parte do meio e foram escavando, escavando, escavando para chegar até o primeiro. Então, lembram que eu falei para vocês que a arqueologia é destruição, embora até chegar a esse ponto tenha se escavado com o registro detalhado de tudo que foi encontrado, tudo isso aqui que foi escavado no meio foi destruído até chegar essa primeira ocupação, que é essa foto que a gente vê aqui. O templo de Eridu, e isso a gente sabe através de outras documentações escritas, era o templo do deus Enki.
Todas as cidades da Mesopotâmia, isso não só na Mesopotâmia Mas no mundo antigo em geral, tinham seus deuses característicos. Então "o deus da cidade tal". A tradução do nome sumério para o tempo de Enki era "Casa das Águas".
Enki era o Deus das águas e da criação. Note que a cidade de Eridu é a cidade mais ao sul do delta do Tigre e do Eufrates, mais próxima à costa durante a antiguidade. Hoje em dia o sítio arqueológico de Eridu está muito mais ao norte da faixa litorânea atual, porque a sedimentação do rio acabou criando uma faixa de terra mais extensa até onde hoje fica a costa.
Mas durante o período mesopotâmico, durante o período sumério, a costa ficava ali perto de Eridu. Então a associação de Enki com água e com o início dos templos, já que se trata da primeira dessas grandes cidades da Suméria, é bastante óbvia. Inclusive daqui a pouco eu vou mostrar para vocês a Lista Real Suméria, cuja primeira linha trata sobre o surgimento da humanidade.
"Depois que a realeza desceu dos céus,ela esteve em Eridu". Portanto é também a primeira cidade dentro da tradição histórica religiosa suméria. Depois, o que a gente vai chamar de período de Uruk, em que tanto Uruk quanto Ur são as principais cidades, ali também no sul da Mesopotâmia, na região da Suméria, temos um nível de integração regional muito maior ainda do que do período Ubaid - decididamente centrada a partir dessas cidades.
E essa rede de comércio tem muito a ver com o fato de que essa região da Suméria não tem muitas matérias-primas muito importantes como, por exemplo, a madeira. Nessa região você tem a tamareira, que fora da tâmara, as folhas da tamareira vão servir para fazer teto de casa, etc mas não é, de fato, uma madeira tal como a madeira que vai ser necessária para construção. Essa região também não tem uma grande quantidade de metais nem de pedra, que são importantes para construção também.
É por isso que os grandes templos, os zigurates, e os palácios dessa região são todos feitos de tijolos de barro. Outra evidência muito importante que mostra essa integração bastante extensa de toda a região do Crescente Fértil é aquilo que a gente vai chamar de pote de borda biselada. Aqui eu tenho uma foto, essa foto eu tirei lá no Louvre e tem um cartãozinho aí bem na frente da foto porque mostra que tinha um pote que estava ali mas que foi emprestado para o outro museu, é aquele famoso "tem mas no momento a gente tá em falta", e eu também tirei a foto um pouco afastada porque eu queria mostrar a escala do pote.
O pote é bem pequenininho, mais ou menos assim. Acredita-se que seja um pote de contagem padronizada de quantidades para distribuir ração, ou seja, pagamento para o trabalho. Esse pote foi encontrado - aqui nesse mapa eu estou mostrando, todo lugar que tiver no mapa BRB que é "beveled rim bowl", esse pote de borda biselada, são lugares em toda a região do Crescente Fértil onde esse pote foi encontrado.
e esse pote tem origem em Uruk. Ou seja, trata-se de uma rede de usos comuns de um determinado tipo de artefato que foi criado em um ponto específico e foi espalhado por uma região, portanto, o seu uso foi de uso comum em uma região muito extensa, mostrando que na verdade aquilo que se chama comumente de cidades-estados da Suméria não estava exatamente isoladas entre si ou isoladas de uma região maior. Esse mapa aqui é o mapa de um livro em inglês mas ele é baseado no mapa de um Atlas cultural, o atlas do Michael Roaf, que é muito bom - embora não seja uma literatura especializada, é muito fácil de ser encontrado no Brasil, em português e ele é barato, que foi essa coleçãozinha aqui, "Grandes Impérios e Civilizações".
Esse aqui é o volume 1 da Mesopotâmia, tem Volume 1 e 2, ele é relativamente fácil de ser encontrado por aí, e vale a pena a leitura para quem estiver começando, ou tem interesse sobre o assunto, os mapas desse livro são muito bons. E é enfim, nessa fase de Uruk que nós encontramos o surgimento da escrita. Então agora vou contar para vocês rapidinho um pouco sobre a história do surgimento da escrita.
Por volta do nono milênio antes de Cristo então, 8 mil e alguma coisa, lá no comecinho do surgimento da agricultura se encontram esse esse tipo de fichas aqui em cima, nessa foto são as fichas de cima, essas triangulares aqui e essas achatadinhas. Por quatro mil anos se encontram sítios arqueológicos com essas fichas. Eu estou chamando de fichas porque é o termo arqueológico padrão para chamar elas, chama-se "token" em inglês.
Por quatro mil anos se encontram esses objetinhos - o que será isso? - mas vários sítios arqueológicos vão ter isso. E lá por volta de 3500 a.
C. , 4000, 3500, começam a ser encontradas fichas um pouco mais elaboradas, que são essas aí da linha de baixo. Talvez esses furos nessas fichas indiquem que eram usadas com um cordão no meio, como se fosse para carregar mais fácil, a gente não sabe, mas acredita-se que essas fichas serviam pra alguma espécie de controle de transações comerciais.
Do tipo, eu vou lá no mercado da vila para vender quatro carneiros, aí eu vendi dois carneiros para essa pessoa, então das minhas quatro fichas que representam quatro carneiros, duas fichas vão para atestar a negociação com essa pessoa. Aí, lá por volta de 3500, também são encontrados aquilo que no jargão aqueológico se chama de bullae - em latim, no plural. Vai significar uma espécie de bola, tipo um envelope, na verdade.
É uma bola oca onde se coloca dentro lé as fichas e se fecha, se lacra essas fichas dentro dessa bola. Com o passar do tempo ela vai ficando mais decorada, assim como a gente vê nessa foto. Algumas bolas foram abertas e foram encontradas as fichas dentro, e alguns estudos arqueológicos o pessoal faz com tomografia, você não precisa quebrar a bola para ver que tem as fichas lá dentro, dá para ver aquelas fichinhas dentro da bola, como uma espécie de garantia para essa transação comercial, um selo de garantia para essa transação comercial.
E aí nos anos 90, uma pesquisadora chamada Denise Schamandt-Besserat cria uma teoria que vai explicar a passagem desse tipo de sistema de contabilidade para a escrita tal como a gente conhece. Então aqui eu tenho uma espécie de linha do tempo com as datas dessa transição, e aqui eu vou mostrar uma imagem para vocês que é o seguinte: sigam essa seta em vermelho aqui. Em 8 mil a.
C. a gente tem essas fichas, depois essas fichas vão ser acondicionadas às bullae, nessas bolinhas de envelopes. E aí a grande sacada da Denise Schamandt-Besserat é imaginar que - é uma teoria bastante recente que ainda está sendo examinada, mas ela faz muito sentido - ao invés de pegar uma bola grande, oca, cheia de fichinhas dentro, é muito mais fácil pegar uma superfície de argila e pegar aquilo que seriam essas fichinhas e carimbar elas na argila.
Olha essa aqui é uma fichinha que representa um carneiro, vou vender 4 carneiros, quatro. Isso aqui é uma fichinha que representa um lote de cevada, três lotes de cevada - um, dois, três. E é isso que tem nessa primeira tabuleta aí embaixo do lado esquerdo, e essa primeira tabuleta vai evoluir para aquilo que a gente conhece como as tabuletas cuneiformes posteriores.
Assim como a gente vê nessa tabela aqui, que tem alguns exemplos de símbolos que depois vão se tornar caracteres cuneiformes. Então, por exemplo, na primeira linha você tem cabeça, significa uma pessoa, um escravo, enfim - uma pessoa. Isso aqui na primeira linha é Em 3200 a.
C. Por volta de 3000 a. C.
, você pode ver que todas essas figuras que estão na primeira coluna, na segunda coluna elas viram de lado, ninguém sabe exatamente explicar o porquê. Logo depois, lá por volta de 2400 - "logo depois", assim, 600 anos depois, essas figuras vão se tornando menos literais e mais abstratas, até que depois ela se tornam a escrita cuneiforme que a gente conhece hoje. Só que tem uma coisa importante nesse processo aí.
Uma coisa é você carimbar duas pessoas, cinco cabeças de gado, e quinze fardos de cevada, outra coisa é você escrever "ó grande deus Enlil, o senhor das águas e do universo que concede poder ao grande rei" São duas coisas completamente diferentes, certo? Como se dá a passagem desse tipo de representação de língua mais concreta para uma representação mais abstrata que vai dar depois, por exemplo, na literatura? Através de um sistema que na linguística vai se chamar de "rebus", que também é em latim.
É a ideia que o som, falado, do nome de uma representação figurativa literal vai ser usado para representar aquele desenho, e não mais a própria ideia do objeto. Sabe aquelas brincadeiras infantis de decifrar uma mensagem - aqui eu tenho um exemplo, "fui ao", aí tem o desenho, desenho de centro, e depois tem um dado só que menos o "-o", então é "da-", "centro da". Não estou enxergando.
. . "ci-", aí depois "maldade" menos "mal-", então "cidade", "fui ao centro da cidade".
Lembra disso? Pois é, isso aí é o rebus, ou seja, uma representação, eu não estou falando do dado, o objeto "dado", e sim do som da palavra "dado". Essa que é a grande mudança entre uma representação literal contábil para a escrita como a gente conhece hoje.
E com isso chegamos ao fim da primeira parte da nossa aula; na segunda parte eu vou falar um pouco mais sobre o período Sumério antigo, o Império de Sargão e aquilo que a gente vai chamar de terceira Dinastia de Ur.