Shankara - A Joia Suprema do Discernimento

48.67k views2064 WordsCopy TextShare
Corvo Seco
Trechos do livro “Viveka-Chudamani”, de Adi Shankaracharya. Adi Shankaracharya (788 - 820), foi um ...
Video Transcript:
Existe um grande meio que aniquila o medo  da existência relativa; por este meio, cruzarás o oceano de samsara e  lograrás a bem-aventurança suprema. Entre as coisas que conduzem à liberação, a  devoção ocupa o primeiro lugar, devoção é a busca da natureza real de si mesmo. Para aquele que anela a liberação, os requisitos imediatos são: fé, devoção e o  yoga da meditação.
Quem quer que os possua se libera das amarras do corpo que é uma obra  de prestidigitação de avidya (ignorância). Realmente, pelo contato com a ignorância,  tu que és o Ser Supremo (Brahman), te encontras ligado com o não-Ser, e daí,  procede o ciclo de nascimento e morte. O fogo do conhecimento (Jnana) que foi aceso  pelo discernimento (Viveka), queima até a raiz os efeitos da ignorância (Avidya).
Este é  o discernimento entre o Ser e o não-Ser. Viveka-Chudamani; A Joia Suprema do Discernimento. Adi Shankara.
A verdadeira natureza dos objetos  deve ser conhecida pessoalmente, pelo olho da iluminação clara e não através de  outro, ainda que seja um sábio. O que a lua é, realmente é conhecido pela própria visão;  por acaso outros podem fazê-lo saber? Quem além de si mesmo pode salvar-se  das correntes e amarras causadas pela ignorância, os desejos e as ações?
Por outros, nem em um bilhão de ciclos. Nem pela prática de hatha yoga,  nem seguindo o sistema Samkhya, nem pelos trabalhos meritórios, nem  pela erudição se logra a liberação. Somente realizando a identidade entre Ser e  Brahman se libera, outros meios não servem.
O dom da conversação didática, que  é como uma chuva de meras palavras, a desenvoltura em explicar os textos  religiosos e outros tipos de erudição, trazem um pouco de alegria ao instruído, mas tudo  isto não serve em absoluto para a liberação. Em vão é o estudo dos livros sagrados se a  suprema verdade permanece desconhecida; igualmente resultam inúteis os estudos quando  se logra o conhecimento supremo. As escrituras, cheias de palavras, são como um bosque  onde a mente perde seu rumo.
Por isso, o sábio deve dedicar-se unicamente a  conhecer a verdadeira natureza do Atman. Para aquele que foi mordido  pela serpente da ignorância, o único remédio é o conhecimento de Brahman. De que podem servir os Vedas, os  Mantras, as escrituras e outros remédios?
Assim como só pronunciando o nome do  medicamento não se cura a enfermidade, porém é necessário tomá-lo, assim também, sem ter  o conhecimento direto ninguém logra a liberação. A mera pronúncia da palavra  Brahman não produz grande efeito. Até que se faça desaparecer o mundo  objetivo e que se conheça a verdade do Ser, como é possível lograr a liberação  somente repetindo a palavra Brahman?
Isto resultaria em mero esforço  de articulação fonética. Brahman deve ser realmente vivenciado. Ó instruído, escuta agora com  atenção o que vou lhe dizer.
Ouvindo-o, imediatamente te  libertarás das amarras deste mundo. Agora, lhe falarei extensamente sobre o  discernimento entre o Ser e o não-Ser. Isto é o que deve saber.
Escute com  atenção e depois tome sua decisão. Os objetos dos sentidos são mais virulentos,  em seus maus efeitos, que o veneno da cobra. O veneno da cobra só mata o homem quando é  ingerido, enquanto que os objetos dos sentidos matam apenas pelo contato com qualquer órgão.
Só aquele que está livre das terríveis amarras do desejo pelos objetos dos sentidos,  que são muito difíceis de romper, está preparado para a liberação e ninguém mais;  ainda que seja muito versado nas seis filosofias. O tubarão do desejo segura pela nuca aqueles  aspirantes que, por desapego superficial, estão tentando cruzar este oceano de samsara.  Este tubarão os arrancam violentamente de suas práticas e os afogam na metade do caminho.
Aquele que matou o tubarão dos desejos com a espada do desapego maduro, se sente livre de  todos os obstáculos e cruza o oceano de samsara. Saiba que a morte logo alcança o néscio  que caminha pelas terríveis trilhas dos prazeres sensoriais, enquanto que aquele  que conduz sua vida conforme os conselhos de um verdadeiro Guru, que é quem melhor o  quer, e também por seu próprio raciocínio, logra a meta. Conheça isto como a verdade.
Se realmente tens o anelo de lograr a liberação, afaste-se para longe dos objetos materiais como se  fossem venenosos e cultive sempre cuidadosamente as grandes virtudes do contentamento, compaixão,  indulgência, honradez, calma e autocontrole. Pela mente controlada e o intelecto purificado,  realize diretamente teu próprio Ser, e assim, identificando-te com Ele, cruze o imenso oceano de  samsara, cujas ondas são o nascimento e a morte, e estabelece-te em Brahman, que é tua  própria essência, e seja bem-aventurado. Esta escravidão do homem é obra da ignorância; é  o resultado de identificar o Ser com o não-Ser, e por isso, ele sofre o nascimento e a morte. 
Devido a ignorância, o homem considera como real a este corpo transitório e identificando-se  com ele, o nutre, o banha e tenta preservá-lo com diferentes objetos agradáveis, e assim, permanece  envolto como um verme pelas fibras de um casulo. Esta amarra do não-Ser surge por si só da  ignorância primária. Diz-se que não tem princípio ou fim.
Esta amarra obriga ao homem a sofrer uma  longa série de sofrimentos como o nascimento, enfermidade, decrepitude, morte, etc. Não se pode destruir esta amarra com armas, ventos, fogo, nem com milhões de cultos;  somente a maravilhosa espada do conhecimento, nascida do discernimento e afiada  pela graça divina, pode destruí-la. Aquele que é um apaixonado devoto da autoridade  dos Vedas adquire firmeza em seu dever particular, que o conduzirá à purificação mental e lhe  fará realizar ao Ser Supremo.
Somente assim, a existência relativa e a  sua raiz serão destruídas. O néscio pensa que é o corpo, o erudito  se identifica com a mescla do corpo e o Ser individual, enquanto que o verdadeiro sábio,  cujo conhecimento puro nasceu do discernimento, realiza ao eterno Atman com o seu próprio  Ser e tem a convicção: “Sou Brahman”. Ó néscio, deixe de identificar-se com este  conjunto de pele, carne, gordura, ossos e sujeiras.
Identifique-se com o Brahman Absoluto,  a Alma de todos, e assim, consiga a Paz Suprema. A causa da liberação das amarras do samsara  é a realização da identidade de si mesmo com Brahman, e por esse meio, o sábio logra  o estado de Brahman, o UM sem um segundo, a Bem-aventurança Absoluta. Uma vez realizado  este estado de Brahman, o homem não volta mais ao reino da transmigração.
Por isso, deve-se  realizar plenamente a identidade com Brahman. Brahman é a Existência, o Conhecimento,  o Absoluto, puro, supremo, autoexistente, eterno e a Bem-aventurança indivisível.  Aquilo não é diferente do Ser individual e não tendo interior nem exterior, reina plenamente.
A única realidade é esta Suprema Unidade, porque não existe nada mais que o Ser. Em realidade,  no estado da realização da Suprema Verdade, não existe outra entidade independente. Todo este  universo, que por ignorância aparece como diversas formas, não é outra coisa senão Brahman, que é  livre de todas as limitações do pensamento humano.
Os sábios, realizam intimamente essa Verdade  Suprema, Brahman, no qual não há distinção entre conhecedor, o ato de conhecer e o  cognoscível, ao infinito transcendental e a Essência do Conhecimento Absoluto. O que não pode ser abandonado nem recolhido, que está fora do alcance da mente e da  palavra, ilimitado, sem princípio e sem fim, o Todo, é o Ser de si mesmo, e cuja  glória ninguém pode ultrapassar. Identificando-se com Brahman, o sábio  deve terminar com a ideia ilusória do “eu” e “meu” com relação ao corpo, órgãos, etc.
, que são manifestações do não-Ser. Realizando ao  teu mais íntimo Ser, e cultivando constantemente o pensamento positivo “Sou Aquilo”,  vença essa identificação com o não-Ser. Deixando de observar as formalidades sociais, abandonando as ideias do físico e evitando o  demasiado entretenimento com as escrituras, aniquila essa sobreposição  da ignorância que te ocorreu.
Alcançando Aquele que é Real e sua própria  essência primária, aquele Conhecimento e Bem-aventurança Absoluta, o UM sem um  segundo, que não tem forma nem atividade, deves deixar a tua identificação com os ilusórios  corpos, como o ator que deixa sua máscara. Deixe de identificar-se com a família, linhagem,  nome, forma, períodos de vida porque tudo isto pertence ao corpo que é como um cadáver  putrefato. Igualmente abandone as ideias de que tu és o ator, executor, etc.
, que  são atributos do corpo sutil, e converta-se na essência da Bem-aventurança Absoluta. Concentrando a mente no Ser, a Testemunha, o Conhecimento Absoluto, e  aquietando-se pouco a pouco, deve-se realizar intimamente  o infinito Ser, Brahman. Como o ouro ao ser aquecido deixa suas  impurezas e recobra seu brilho original, assim também, através da prática da  meditação profunda, a mente deixa suas impurezas e alcança a realidade de Brahman.
Assim, com calma mental e sentidos controlados, sempre submerge-te no Paramatman que está  em teu interior, e pela realização de tua identidade com Brahman destrua a escuridão criada  pela ignorância primária, que não tem princípio. Os nobres monges que se liberaram de todo apego, que renunciaram a todos os prazeres sensoriais,  os pacificados, os perfeitamente controlados, realizam esta Suprema Verdade, e ao final, obtêm  a Bem-aventurança Suprema pela união com o Atman. Tu também, faças o discernimento sobre esta  Suprema Verdade, a verdadeira natureza do Ser, que é a Bem-aventurança condensada, e abandonando  a ilusão criada por tua própria mente, seja livre, desperte – e conseguirás a consumação de tua vida.
Conhecendo intimamente a seu Ser individual  pela realização profunda e alcançando assim a perfeição, o homem com sua mente purificada das  ideias dualistas visualiza diretamente ao Atman. Para o sábio que realizou intimamente a Brahman  e está identificado com Aquilo, a mente, que é a causa das imaginações irreais, está pacificada.  Realmente, esta é a plena quietude na qual há um constante gozo da Bem-aventurança Suprema.
Para  aquele que conhece sua própria natureza e bebe a plena felicidade do Ser, não existe melhor  regozijo que a quietude nascida do desapego. Caminhando ou estando quieto, sentado ou  deitado, ou em qualquer outra situação em que se encontre o sábio iluminado, cujo único  deleite está no Ser, ele está sempre satisfeito. Aquela alma nobre que realizou perfeitamente  a Verdade e cujas funções mentais estão livres de obstáculos, não depende mais das  condições de lugar, tempo, postura do corpo, direções cardeais, disciplinas morais,  ideias de meditação e outras coisas.
Satisfeito pelo néctar puro de Bem-aventurança  Absoluta, ele não se aflige nem se alegra pelos objetos sensoriais, não sente apego nem  aversão, e sempre se deleita satisfeito no Ser. Como as qualidades dos objetos  de uma sala não afetam a lâmpada, assim também as qualidades dos  objetos observados pela Testemunha, que é distinta deles e é imutável e  indiferente, não lhe afetam em nada. Como um menino brinca com seus brinquedos  esquecendo a fome e as dores físicas, exatamente assim o emancipado se regozija  na Realidade, ele está sempre contente, sem as ideias de “eu e meu”.
Ainda que  não possua riquezas, sempre está contente; ainda que esteja desamparado, sempre é muito  forte; ainda que não goze dos objetos sensoriais, está eternamente satisfeito;  ainda que seja incomparável, ele é o mesmo para todos. A este conhecedor de Brahman, que sempre vive sem nenhuma ideia corpórea, jamais lhe afeta  nem o prazer, nem a dor, nem o bem, nem o mal. Assim como ao romper-se a jarra, o espaço  encerrado nela se confunde evidentemente no espaço ilimitado, do mesmo modo,  quando se destroem todas as limitações, o conhecedor de Brahman se  converte no próprio Brahman.
Realizando assim o extremo isolamento que nasce  da incorporeidade e identificando-se eternamente com a Realidade Absoluta, Brahman, o  sábio não sofre mais a transmigração. Não há morte, nem nascimento,  nem o praticante espiritual; não há aspirante à liberação, nem o  liberado. Esta é a verdade última.
Considerando-te um aspirante à liberação, purificado das manchas desta era da ignorância  porque tua mente está livre de desejos, hoje várias vezes eu lhe revelei, como ao  próprio filho, este excelente e profundo segredo que é o mais íntimo significado de  toda a doutrina Vedanta, a coroa dos Vedas. Para aqueles que sofreram nesta vida mundana  pelos queimantes raios do tríplice sofrimento, e os que iludidos vagam no deserto em busca  de água, para eles, eis aqui a triunfante mensagem de Shankara, indicando-lhes o muito  próximo, reconfortante oceano de néctar, Brahman, o UM sem um segundo, para  guiá-los até a liberação final.
Copyright © 2024. Made with ♥ in London by YTScribe.com