Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade A segurança que sustenta a autoridade do professor nasce precisamente de sua competência profissional. Não há autoridade docente quando não há competência. Os alunos percebem.
E nesse sentido, até a indisciplina pode ser parcialmente compreendida como uma forma de protesto contra a incompetência do professor. O professor que não leva a sério a sua formação, que não lê, não estuda, que não se esforça para estar à altura da sua tarefa, não tem força moral para coordenar as atividades de sala de aula. Agora, isso não significa também que a opção democrática do professor seja uma consequência natural de sua competência científica.
A gente sabe que existem professores muito bem preparados cientificamente, com doutorado, pós-doutorado, mas que são autoritários, inseguros. O que Paulo Freire quer dizer neste capítulo é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. Até porque, dizer que incompetência profissional inviabiliza o aprendizado é evidente.
O ponto em questão é o problema da autoridade. Outra qualidade indispensável para fazer com que a autoridade se relacione de forma positiva com a liberdade dos alunos é a generosidade. É impossível construir a autoridade quando os pensamentos, as ações e os objetivos do professor são mesquinhos.
Tanto a arrogância com que julga os alunos, quanto a complacência com que se julga a si mesmo aquela mesma complacência que passa a mão na cabeça de seus protegidos, mesmo quando eles cometem injustiças são práticas antiéticas e mesquinhas que implodem a autoridade e conduz o professor ao autoritarismo. Para constituir um espaço pedagógico é indispensável criar um clima de respeito mútuo que nasce de relações justas, francas, equilibradas e generosas em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumam criticamente. Alguns dizem que o poder corrompe, outros dizem que o poder apenas revela o caráter das pessoas.
Esse é um problema ainda não muito bem resolvido. Mas Paulo freire deixa claro que quem aprende a gostar de mandar, mas gostar muito, quem começa a sentir aquilo que ele chama de “gozo irrefreável e desmedido” pelo poder, perde as condições de educar. E mais uma vez, Paulo Freire é dialético.
Tanto aqueles que não conseguem conquistar a autoridade para coordenar uma aula quanto aqueles que sentem um prazer secreto pelo poder por si só, que sentem prazer em intimidar, constranger e humilhar, nenhum dos dois consegue educar. O mandonismo, esse autoritarismo arcaico de quem tem mais prazer em exercer o poder do que em propriamente educar, além de impor obstáculos à criatividade do educando, inviabiliza o espírito aventureiro do estudante, na sua busca por conhecimento. A autoridade democrática, ao contrário, jamais minimiza a importância da liberdade para o aprendizado.
Na verdade, a autoridade democrática estimula a liberdade. Além de não impedir os alunos de pensar de forma original, ela desafia os alunos nesse sentido. A liberdade não é vista como uma deterioração da ordem.
"A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta. ” E evidentemente, a autoridade democrática não pode deixar de reconhecer o caráter ético da nossa presença do mundo. Isso implica em ter a consciência de que não há ética sem liberdade.
Para agir de forma ética o sujeito tem que ter a liberdade de escolher. E não há liberdade sem risco. É por isso que o estudante que exercita a sua liberdade fica tão mais livre quanto mais eticamente vai assumindo a responsabilidade por suas decisões e ações.
E por outro lado, também agindo de forma ética e democrática, o professor não deve, jamais, se omitir. Ou seja, se o professor não deve silenciar a liberdade dos estudantes, ele não deve também silenciar-se a si mesmo e abrir mão do processo de construção daquela disciplina em sala de aula indispensável ao aprendizado. Na verdade, o esforço da autoridade democrática deve se direcionar precisamente no sentido de favorecer a liberdade, a responsabilidade e, por consequência, a autonomia.
Não é um processo educativo quando os conteúdos da disciplina são simplesmente engolidos à força sob o mando do professor. A educação ocorre quando os conteúdos se tornam matéria-prima para que os alunos possam relacioná-los com o mundo e reelaborá-los. E isso implica em uma educação que liberte os alunos da dependência intelectual, daquela relação paternalista que espera tudo do professor e que não se emancipa.
O papel da autoridade democrática não é transformar a vida do aluno em um calendário de tarefas. E sobretudo considerando a necessidade de cumprir o conteúdo programático de verdade, é preciso ficar claro que o fundamental no aprendizado é garantir que os alunos tenham condições de superar a mera repetição mecânica e assumir a responsabilidade de avançar sobre o conteúdo com liberdade. “Posso saber pedagogia, biologia como astronomia, posso cuidar da terra como posso navegar.
Sou gente. Sei que ignoro e sei que sei. Por isso, tanto posso saber o que ainda não sei como posso saber melhor o que já sei.
E saberei tão melhor e mais autenticamente quanto mais eficazmente construa minha autonomia em respeito à dos outros. ” Ensinar e, enquanto ensino, testemunhar aos alunos o quanto me é fundamental respeitá-los e respeitar-me são tarefas que não têm nada de contraditório. Elas se complementam.
Para Paulo Freire, não tem sentido e nem é possível separar o ensino dos conteúdos da formação ética dos estudantes. Assim como não tem nenhum sentido imaginar que é incompatível unir prática com teoria, autoridade com liberdade e ensinar com aprender. Nenhum desses termos pode ser mecanicamente separado um do outro.
Não podemos nos esquecer que a consciência da ignorância é uma etapa indispensável do conhecimento. Quem acha que já sabe o suficiente, assim como quem acha que não sabe nada, se paralisa. Por isso, não é possível ajudar o educando a superar a sua ignorância se eu mesmo, como professor, não supero permanentemente a minha própria ignorância.
A franqueza sobre os próprios limites é também uma forma de generosidade, até para que os alunos percebam que ninguém sabe tudo, mas que isso não é um problema, porque a gente pode aprender junto. E Paulo Freire deixa claro que não basta apenas falar sobre isso. Isso deve ser uma prática.
Professores devem não só assumir os seus saberes e a sua ignorância, como também aprender mesmo e superar mesmo a própria ignorância, na prática, com os alunos. E por fim, Paulo Freire insiste mais uma vez na necessidade dos esforços pela formação docente, deixando claro que isso é uma das formas mais concretas de valorização profissional. O respeito e a dignidade com que os poderes públicos devem tratar os professores são condições indispensáveis para criar um ambiente em que o professor se sinta seguro em sua competência profissional e tenha condições de exercer o seu trabalho com generosidade.
E é por isso que a luta em defesa dos educadores é uma ação decisiva para a qualidade da educação. Para garantir a generosidade do professor, é indispensável investir em uma formação docente de alta qualidade. Lembrando aqui que a melhor forma de estudar o livro Pedagogia da Autonomia é lendo o próprio livro.
E se você entende que essa série de vídeos oferece uma abordagem interessante para introduzir os leitores na obra de Paulo Freire, não deixe de compartilhar a série e indicar os vídeos aos colegas e aos alunos. Os vídeos já têm autorização para serem incorporados em sites, blogs e plataformas de EAD desde que usem o link original.