Buscando caminhos - INÉDITA PAMONHA #06

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Clóvis de Barros
Neste episódio: reflita sobre a liberdade e a autonomia humana segundo o pensamento sartreano. Se i...
Video Transcript:
[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. Eu sempre me entreguei com o vento. E é claro que você está ouvindo Inédita Pamonha, que é o nosso podcast de toda semana.
Eu sempre me entreguei com o vento, porque tem lugares que venta muito. Tem outros que não venta nada. E a impressão que eu sempre tive desde criança é que o vento tinha vida em alguns lugares.
É como se o ar feliz se pusesse a correr, de um lado para o outro. Como se o ar fosse dotado de uma espécie de "alma", que quando excitada bailasse. Às vezes até em ciranda, como nos grandes tornados.
Aí poderíamos imaginar que, aquele ar que vai de um lugar para o outro talvez, fosse buscar alguma coisa lá para onde está indo. Talvez se sentisse melhor no lugar do seu destino. Porque afinal de conta, tem ares que saem correndo e tem ares que parecem bem bem bem confortáveis aonde estão, em lugares de vento zero, lugares de vento zero seriam lugares aonde o ar está feliz onde está, lugares de super vento.
São lugares aonde o ar busca desesperadamente um outro lugar para viver, porque naquele onde ele está não tava legal. E quanto mais forte o vento, maior o desespero do ar de sair de um lugar para ir para o lugar do seu destino. Aonde a vida seria feliz e o vento passa fazendo barulho por entre as árvores e dizendo "dá licença, dá licença, é insuportável de onde estou indo.
Eu "quero ir para aquele lugar lá, o lugar de destino, aonde a vida é feliz para mim. Ah "e quando eu chegar lá, eu prometo, lá eu ficarei, não ventarei mais". Porque o vento é a busca da vida melhor, realizada pelo ar inconformado com o lugar aonde estava.
[Fundo musical] Nossa você me ouve e diz, "o professor andou bebendo antes de gravar o podcast". "Nossa o professora não tá bem, imagina o ar com a alma se deslocando de um lado para outro "em busca de uma vida melhor, como um retirante saindo do lugar inóspito e "carregando suas tralhas em direção a uma terra prometida qualquer. Nossa professor "já aprendi na aula de geografia que se o ar sai de um lugar para o outro, e forma "o vento é por causa da diferença de pressão entre o ponto de origem e o "ponto de término, é a diferença de pressão que faz com que o ar "inapelavelmente se desloca de um lugar para o outro, meio que para preencher o "que tá faltando.
Por essas e por outras, o ar é uma espécie de vítima de uma "condição que se impõe a ela, não é ele com a sua alma, com a sua vontade, com "seus desejos que vai atrás de uma vida melhor. Professor a sua interpretação do "vento ela pode até ser poética, lírica e encantadora "mas ela é desmentida pela ciência mais pífia, aquela que aprendemos ainda no ensino fundamental". Mas eu te digo que lá em tempos de pensamento antigo acreditava-se piamente que se o fogo e a fumaça iam em direção ao alto, é porque lá em cima era melhor para eles, era lugar de vida boa para eles.
E se observavam a pedra caindo do alto de uma montanha em direção ao solo, tinha uma certeza que aquela pedra, animada por alguma força interior, ia atrás de uma vida melhor lá embaixo, porque lá embaixo era o seu lugar, o seu lugar natural. E assim eis uma física diferente, aonde tudo tem alma e aonde tudo busca uma vida boa. Uma vida melhor para sí.
[Fundo musical] Puxa vida, cada um de nó tem centenas de caminhos a percorrer. Cada um de nós pode ventar para tudo que é lado. Cada um de nós pode a cada passo direcionar sua trajetória para infinitos sentidos diferentes.
E aí, então você percebe que na sua vida alguma responsabilidade há em tomar decisões, em agir, em deliberar, em escolher. Claro que alguém poderá dizer "esta liberdade é ilusória, porque tal como o vento, somos todos regidos por "causas materiais que nos determinam. E se acreditamos na liberdade que a nossa, "é por pura ignorância.
O livre arbítrio não passa de uma ignorância das causas "que na sua complexidade nos determinam inapelavelmente, por essas e por outras, "o que passaria pela minha cabeça é só o que poderia passar. Aquilo que é "resultado da minha escolha é só o que poderia ser, e a minha pressa seria "a única possível, dada a agência de um corpo que eu não controlo "Tudo é como só poderia ser para o vento, para a pedra, para o rio e para os homens também". A argumentação é tão interessante que poderíamos denominar de materialista, porque matéria encontra matéria e determina na matéria, que encontra um certo efeito inexorável e inapelável e, portanto, nada há de livre, porque tudo é como só poderia ser.
O resto parece mesmo ser ignorância. No entanto, se for para viver assim, peço licença mas vou me retirando. Porque se tudo é para ser como só poderia ser, e não há em cada um de nós nenhum fiapo de autonomia ou liberdade, talvez a existência como sempre a tenhamos concebido se evapore, se deteriore, como algo profundamente desagradável de ser vivido.
Por essas e por outras, reivindico aqui a liberdade. Porque quando alguém tiver te espancando e você clamar: "ei, pare de me bater". O outro responderá usando os seus argumentos: "eu sou a resultante de "vetores que me determinam inapelavelmente, dada uma certa alma, "dada uma certa quantidade de células, dada uma certa raiva, dado uma certa força em "meus braços, dado um certo conteúdo de consciência, eu golpeei você como só "poderia golpear, e não posso por livre e espontânea vontade parar de fazê-lo "porque nada mais sou do que uma complexa resultante da matéria que me escraviza".
Ah por estas e por outras, se você pretende continuar contando com a clemência, com a benevolência, com a generosidade, com o amor ou com qualquer outra virtude moral do outro em relação a você, aposte na liberdade. Sem ela seríamos mesmo como o rio, a maré, o sapo e o vento. [Fundo musical] E agora vamos fazer um pequeno intervalo só para os nossos agradecimentos.
O podcast Inédita Pamonha é um oferecimento de Eastman Chemical do Brasil. De BNP Paribas Asset Management. E, finalmente, de Profuse Aché.
Aos amigos patrocinadores um carinhoso abraço! [Fundo musical] Professor o senhor tem certeza de que a liberdade é pertinente? E autonomia é defensável na hora de pensar a vida?
Não, não tenho certeza nenhuma. Como poderia ter? Afinal de contas, se formos só matéria, é provável que tudo seja mesmo como só poderia ser, mas quem pode garantir que em nós, além da matéria, não haja algum tipo de espírito?
Alguma imaterialidade qualquer? E neste caso estaria protegida ela dos nexos de causalidade material, das relações entre os corpos, e aí encontraríamos a seara da autonomia e da liberdade que nos permite ir para um lado, mesmo quando o outro lado promete ser mais prazeroso, mais auspicioso, mais alvissareiro e mais confortável para nós. Temos tantos exemplos de gente que decide na contramão do próprio prazer que, é claro, podemos sim continuar dando uma chance autonomia e liberdade.
Um dos grandes pensadores do século 20 é o francês Jean-Paul Sartre. E Sartre escreveu um texto maravilhoso, na verdade até ele foi mais falado do que escrito. Tal como esse podcast.
A diferença é que ele era gênio e eu nem inteligência tenho para entendê-lo na sua completitude. Faço o que posso e tento te ajudar. E ele então, Sartre dirá: Na existência do homem, isto é, na vida do homem.
Preste bem atenção. Na vida do homem, a existência precede a essência. A existência precede a essência.
E aí eu queria que você entendesse essa frase, porque se você puder repeti-lá no bar fará furor, fará sucesso, as pessoas estão carentes de vida aparentemente inteligente, ante a brutalidade do senso comum, mesquinho e apequenados, então vamos lá. A existência precede a essência, o que será que isso quer dizer? Vamos começar com uma tesoura.
Ai uma tesoura é o exemplo é dele, não é meu não, eu só estou aproveitando [Falando em francês] Diz Sartre "O existencialismo é um humanismo" é o nome do texto. [Falando em francês] é uma tesoura. Alguém idealizou, alguém imaginou como seria uma tesoura, alguém projetou a tesoura e depois alguém se pôs a fabricar tesouras.
A tesoura que você tem na sua gaveta é uma espécie de tesoura fabricado a partir de uma ideia. Perceba, no caso da tesoura primeiro veio uma espécie de essência de tesoura, ideia de tesoura, projeto de tesoura, e depois veio a existência da tesoura, isto é a tesoura de carne osso, isto é a tesoura de ferro, de metal que você tem na sua gaveta. No caso da tesoura, primeiro a essência depois a existência.
Assim também no caso do gato, primeiro a ideia de gato, o instinto, a natureza de gato, depois a vida do bichano que você tem na sua casa, do gato de carne e osso. E o coitado do gato tem que respeitar a essência de gato. Para tesouras e gatos, a ideia parece ter vindo antes da tesoura e do gato da sua casa.
Mas na vida do homem não seria assim, isso diz Sartre. Por que? Porque na vida do homem não há uma ideia que preceda a vida.
Em outras palavras, a vida do homem ela aparece sem um projeto idealizador, o homem portanto não tem uma natureza que lhe anteceda, não há uma ideia de homem que veio antes do homem, isso é a tristeza de todo o engenheiro. O engenheiro, que às vezes se crê Deus porque têm inveja dos médicos, que esse sim tem certeza. O engenheiro acredita que o homem é como qualquer projeto, primeiro veio uma ideia de homem, uma natureza de homem, e depois todo homem teria que viver de acordo com essa ideia e com essa natureza.
Seria uma blasfêmia, seria uma aberração, seria um monstro o homem que violasse o seu projeto original. O que está dizendo Sartre é que os engenheiros não tem razão no caso da máquina humana, e por que? Porque a vida do homem vem antes.
Ah vem antes do que? De uma ideia de homem que se você quiser ter poderá ter a partir da observação de como os homens vivem. Assim, se você quiser pegar o meu caso, alguém poderia imaginar que eu tenha sido idealizado primeiro, projetado primeiro, fabricado o primeiro e que agora eu esteja vivendo e que a minha vida seria boa, se estivesse em harmonia com essa ideia ou projeto que lhe é anterior e que lhe deu causa.
Não, não diz Sartre. É bem o contrário. Eu nasci do nada, eu não sou nada, eu vim do nada eu não tenho projeto nenhum, a vida tá toda na minha mão e dependendo do que eu fizer com ela, dependendo das escolhas que eu tiver, das decisões que eu tomar das deliberações que eu decidi, aí sim, aí eu vou fabricando um Clóvis, que vai sendo fabricado ao longo da vida quase que sempre olhando para trás.
Muito mais do que olhando para frente, eu conseguirei identificar quem eu tenho sido. Mas não por algo que me antecedeu, e sim pela resultante de uma obra que eu fui produzindo ao longo da existência ao fazer minhas escolhas e tomar minhas decisões. Portanto, o professor Clóvis são as aulas que ele pode dar ao longo da vida.
E o Clóvis foi todas as escolhas que ele pode fazer ao longo da vida, em detrimento de tantas outras vidas que ele escolheu por alguma razão não viver. Portanto, o primeiro vem a liberdade, primeiro ganha autonomia primeiro vem a vida escolhida e deliberada, e depois, quem sabe, uma definição de qualquer um de nós. Ora meus amigos, por essas e por outras, podemos acreditar como o poeta Antônio Machado, poeta espanhol incrível que terá dito um dia [Falando em espanhol] Na vida do homem realmente não tem um caminho pré estabelecido.
O caminho quem faz somos nós empurrando com a barriga os arbustos e fazendo surgir a trilha atrás de nós. Mas na frente de nós todo o caminho é caminho, toda trilha é trilha, toda passagem é passagem, será nossa decisão e a nossa deliberação que poderá sulcar no mundo quem somos, para que um dia alguém interessado possa vir a nos definir. Assim eu espero que você, tendo a vida diante de você, acredite nas próprias possibilidades para fazer, através das suas escolhas, a sua grande obra.
E através da sua grande obra, uma verdadeira definição de si. Porque caminho mesmo, nunca terá havido. [Fundo musical] Este podcast Inédita Pamonha é um oferecimento da Revista INSPIRE-C.
INSPIRE-C com C no final, de vitamina C, ou de Clóvis, como você preferir. INSPIRE-C. E aí você acessará este podcast Inédita Pamonha pelo site da Revista INSPIRE-C.
www. revistainspirec. com.
br É por aí mesmo o caminho. E não esqueça de se deliciar com o resto da Revista, que é maravilhoso. Um abraço!
Esse foi o Inédita Pamonha. Um beijo em todos e valeu! Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C.
Acesse: www. revistainspirec. com.
br E nos siga nas redes sociais! Este podcast foi editado por Rádiofobia - Podcast e Multimídia.
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