no episódio passado o Dr Alexandre calash gerent reconhecido internacionalmente deu um conselho interessante para envelhecer bem ele disse que é preciso acumular quatro capitais acumular saúde um recurso que naturalmente vai se fragilizando com o processo de envelhecimento do corpo o capital do conhecimento que é está atualizado na sua profissão no seu ambiente familiar tanto com tecnologias como com assuntos o capital financeiro que é o mais difícil de acumular porque depende muito da sociedade em que a gente vive e das oportunidades que a gente tem e o capital social e foi esse último o capital social
que mais me chamou a atenção porque alguém que passou a vida tentando apenas sobreviver conseguir comer todos os dias escapar da violência educar os filhos trabalhar com dignidade quanto sobra para ter um propósito de vida para além dessa sobrevivência é claro que todos independente de qualquer coisa desenvolvemos Nossa personalidade Nossa subjetividade mas sbra espaço tempo e energia para ter sonhos e metas quando mal dá para conseguir o básico ao nascer no Brasil será que temos todos a oportunidade de ter um propósito forte de vida de sonhar e alcançar esses sonhos no livro solitária da Eliana
Alves Cruz um dos personagens é é um homem que foi cheio de sonhos mas que tinha abre aspas um vazio de futuro que o perseguia vazio de futuro e nesse vazio esse personagem cai na bebida na violência doméstica até ir viver na rua eu vou ler um trecho do livro quando alguém pergunta se aconteceu algo grave eu respondo que sim e que não não aconteceu nada e não acontecer nada era grave eu mesmo conheço um tanto de gente assim até mesmo na minha família gente que caiu nesse vazio de futuro e essa é uma realidade
especialmente prosos mais oprimidos na sociedade se essa é a sua sensação de que as portas estão fechadas para você que o mundo tá estruturado para te excluir como acumular capital social para envelhecer bem para envelhecer rodeado de amigos e de alegrias a resposta não é nada fácil mas essa é pergunta que nos leva para o terceiro episódio de desiguais um podcast da revista Piauí em seis episódios que tenta entender como as desigualdades impactam a nosso destino que já começa a ser traçado no dia em que a gente nasce Dependendo de quem são os nossos pais
e o nosso país eu sou Carol Pires e a produção desse podcast é da Maranha filmes com apoio da fundação Tid Setubal o foundation e Ford foundation Esse é o Episódio número TR sonhar no Brasil [Música] Mas então eu queria que você começasse exatamente contando onde você nasceu e em que família eu nasci dia 25 de julho de 1987 na cidade de São Paulo na zona norte de São Paulo bom minha família é uma família de militantes negros da década de 70 e meu nome vem daí também né eles era um grupo que ele visava
restituir uma história que foi destituída então ele colocou nomes africanos em mim meus irmãos todos Quais são os nomes mafuani Odara russan camal Handa mutana e teta Dandara e é o k yonathan Esse é o psicanalista cuam Jonathan que fez mestrado em subjetividade e saúde coletiva e recém se formou Doutor pela PUC São Paulo minha ideia aqui sempre foi encontrar especialistas sobre cada assunto que tivessem não só uma formação acadêmica respeitada mas também tivesse vivido essa experiência como a gente diz que tivesse vivência e por isso eu comecei perguntando sobre a infância do kuami porque
esse sonho de se tornar alguém com tanta bagagem intelectual como ele tem não nasceu com ele é um sonho de gerações é foi minha avó materna a dona Dirce a dona Dirce ela nasceu no interior de de São Paulo uma cidade pequenininha pequenininha e ela sempre Conta isso né ela tinha três empregos trabalhava muito né para conseguir pagar a escola da minha mãe enfim né ela mesmo acho que ela só fez o ensino fundamental ela não chegou a fazer o ensino médio e sempre incentivou muito assim o estudo assim né é meu avô faleceu muito
cedo né o Israel que é o pai da minha mãe ela tinha 3 anos quando ele faleceu e por outro lado minha mãe nasceu em Rio Claro e meu pai nasceu em São Paulo também na zona leste também a mesma coisa assim a família dele sempre incentivou muito o estudo dele assim foi o único que conseguiu estudar dentro da família enfim todas essas história minha mãe também foi uma foi a única que conseguiu estudar dentre os irmãos dentre quatro irmãos que fez parte dessa né da gente conseguir de alguma maneira acessar o ensino superior né
e é muito interessante porque eu fico pensando nessa continuidade histórica né eu participei do programa de ações afirmativas da PUC então toda a minha vida foi muito fruto da luta do movimento negro né porque é quase como se esse sonho é geracional né não não vem só com você assim nim Com Certeza acho que de séculos né pensar que a gente foi sonhado né Nós somos corpos viventes assim frente a todo tentativa de Aniquilação a gente conseguiu de alguma maneira resistir né afirmar nossa existência frente a [Música] isso se por um lado a trajetória do
kuam como psicanalista começa a ser traçada com os avós que puderam dar educação aos filhos e sonhar com herdeiros formados na universidade a escolha pessoal do cuam pela p análise começou a ser desenhada quando ele ainda era criança minha avó que tem muito pouco estudo acadêmico né ela uma vez ela me contou uma história muito interessante assim de que a gente estava sentada assim na varanda vendo vendo estrelas e comentando né sobre o tamanho do universo faz muitos anos Isso tava conversando com ela né tamanho do universo dela Nossa né quanto desconhecimento né quanto mistério
aí um dia a gente morre e vira parte disso eu achei aquilo de uma sabedoria assim né ancestral eu diria né porque ali eu até coloquei isso no meu doutorado essa história porque eu achei ali um contato muito rico com um campo Vital né um campo em que o próprio conhecimento encontra vida assim essa história eu guardo assim para minha vida assim ela me acompanha assim essa ideia de que o mistério nos compõe eu tava lendo uma coisa ontem na rua né interessante sobre isso que era assim um desses grafites de rua falando assim eu
não tenho mais o medo da Solidão porque eu entendi que o escuro o escuro da noite me compõe 2003 na cerimônia de graduação da irmã mais velha do quam em psicologia também pela Universidade de São Paulo um dos professores dela fez um discurso que chamou a atenção dele um professor que ele era paraninfo eu não lembro o nome agora que ele dizia assim eh sobre a cara de paisagem que os psicólogos fazem tava né lá brincando e falando que depois dessa turma ele se permitia deixar um botão da camisa aberto a mais eu lembrei dessa
história eu acho que eu via na psicologia e na psicanálise um lugar de liberdade de liberdade no sentido não do livre arbítrio né mas no sentido de um cuidado com o lugar desde onde a gente faz escolhas o k chegou a pensar em cursar a medicina porque queria estudar o cérebro até cair a ficha de que ele não queria estudar o cérebro no campo orgânico biológico e sim a mente no campo filosófico do que que seria esse campo essa experiência do inconsciente né e aos 16 anos ele próprio decidiu se consultar com o psicanalista a
gente sempre chega na na análise por uma queixa que pouco tem a ver com a demanda que a gente tá fazendo né a psicóloga ajudou mas não em toda a dimensão que o Kame precisava porque sequer ele próprio tinha esse entendimento de que muitos dos traumas dele vinham do racismo da sociedade e A Terapeuta dele também não tinha esse entendimento até porque era uma pessoa branca é muito recente essa formação dos psicólogos negros psicólogas negras psicanalistas negros isso é muito recente eu fui ter uma psicanalista Negra agora né o k veio de uma família negra
super consciente militante que conseguiu acessar as melhores universidades do país e o racismo mesmo assim estava por toda parte eu sempre passei por escolas que eram majoritariamente brancas né estudei em escola particular e aí tive muito sequelas do racismo né E aí um dia eu me desenhei aquelas coisas de da professora de artes eu me desenhei e a minha mãe viu e era o menino loiro aí ela pegou me pôs no colo muito calmamente assim né Por mais sofrido que isso deveria ter sido né E foi mostrando imagens que realmente parecia comigo eu lembro que
eu comecei a chorar eu sabia que tinha alguma coisa errada mas eu não sabia o que era né E era o próprio racismo já que eu já tinha encarnado né ele vai construindo uma ideia na muitas pessoas negras de que você é menos de que você não é tão inteligente vai destruindo sua autoconfiança né destruindo as suas a sua forma de se chegar né quebrando o espelho por assim dizer eu perguntei pro kuam Quem era ele no recreio da escola e ele me respondeu que ele era o menino tímido quietinho mas hoje ele se questiona
se esse temperamento vinha de dentro ou era imposto de Fora o racismo ele age dentro de uma política de afetação é dos afetos que é outra linguagem é por outras vias né Isso vai sendo transmitido né Essa AES esses essas percepções do mundo essas afetações essa forma de você sentir o mundo ela passa por outra via né Mas você vai percebendo lugares né posições em relação a isso né as formas né dos discursos circularem as pessoas que falam as pessoas que não podem falar as pessoas que são escutadas porque acho que tem uma negociação a
grada quilomba fala muito disso né uma psicanalista de que existe uma negociação entre escuta e fala que é seguinte o subalterno pode falar quando ele é escutado por isso que a lélia Gonzales quando ela diz assim naquela palestra famosa né que tá no texto racismo e sexismo no Brasil o lixo vai falar numa boa não é que ela se considera um lixo é que agora ela tá sendo escutada né formado quam começou a fazer atendimentos clínicos e se encontrou fazendo isso comecei a atender pessoas a partir de uma clínica de sexualidades eram pessoas que estavam
saindo do armário e todo o sofrimento que isso produzia na né na nossa sociedade heteronormativa então eu já VII entrei por uma viés interseccional e não entrei pela Via racial eu entrei por uma via que era do campo das orientações sexuais enfim e as discussões que eu fazia a partir da Clínica já era desde um outro lugar que não era o hegemônico que eu fui descobrir depois né que quando eu saí da da Universidade eu fui procurar dar uma continuidade nessa formação e não tinha e eu fui entendendo que enfim acho que eu precisava me
juntar com pessoas que queriam criar esse lugar também né que queriam estudar o campo das relações aais Enfim então eu fui fazendo um vieso bastante a margem da da psicanálise quando k diz que chegou a esse campo da psicanálise e encontrou o propósito de vida ele percebeu que os interesses desejos e utopias dele não eram hegemônicos na área não eram os desejos da maioria e ele precisava continuar remando contra corrente isso me lembrou de uma outra pessoa com quem eu conversei para esse podcast nasci em Niterói cidade aqui ao lado do Rio de Janeiro cresci
na zona norte da cidade num bairro bem Popular que é o bairro do Fonseca ali foi a minha infância num condomínio popular no pé da Vila Ipiranga uma favela da zona norte eu venho de uma família mais pobre meu pai na maior parte do tempo desempregado minha mãe professora do Estado Educação Básica até os 12 anos nós moramos num quarto cinco pessoas num quarto na casa da minha avó Talvez você tenha reconhecido a voz dele de alguma entrevista ou quem sabe de uma música do Emicida talvez de uma live com Lázaro Ramos ou talvez do
filme Mariguela do Wagner Moura ou claro dos cultos que ele oor Vieira lidera na Igreja Batista do caminho a vida do pastor Henrique Vieira também tem essa trajetória de filme que parece que não havia outro destino para ele além de ser exatamente quem ele é primeiro porque ele já era religioso desde criancinha mais um elemento da minha infância é o evangelho desde pequenininho a espiritualidade faz parte de quem eu sou então papai do céu Deus é amor Jesus como meu melhor amigo culto em casa decorando texto bíblico na mente mas também já guardando no coração
eu era um menino que novinho já falava com Deus antes de dormir papai do céu muito obrigado por mais um dia o pastor Henrique antes de virar Pastor estudou em escola pública eu me senti ali com menos recursos que os meus amigos da rua mas conseguiu uma bolsa de estudos e foi para outra particular terminar o ensino médio e eu lembro de no Recreio os meus amigos todos descerem pra cantina e comprarem lá um suco e um italiano que a gente chama em Niterói acho que no Rio a joelho um suco e uma coxinha eu
nunca tinha então eu lembro dessa coisa de sempre aí me presta R real para lanchar e me dá um pedaço do seu italiano isso me incomodava um pouco mas é uma outra memória que eu tenho não tenho dinheiro para lanchar na escola então são alguns dispositivos que eu tenho que me davam consciência disso disso no caso da diferença de classe social entre ele e os amigos mas apesar dessa desigualdade ele não só acompanhava os demais como se destacava nos estudos no final desse ano no final de 2003 a escola me procurou e me ofereceu bolsa
integral para o ano seguinte que era o ano do terceiro ano e do pré-vestibular a escola fazia uma apóia em mim mesmo e por eu ter conseguido essa bolsa integral eu pude sair do meu estágio do meu trabalho de aprendiz nesse escritório de informática então eu tava muito feliz bolsa integral saindo de um trabalho que eu não gostava e entrando de férias então era um momento era um Novembro maravilhoso assim na minha vida férias saindo do trabalho bolsa integral ano que vem mas mas a vida é complexa como eu digo lá na minha poesia na
música do Emicida quem segura o dia de amanhã na mão não há quem possa acrescentar 1 mm a cada estação em novembro de 2003 nesse momento bem divertido e bom da minha adolescência eu tive uma perda aguda significativa da minha visão não foi uma perda total mas foi uma perda muito importante e muito rápida ele foi diagnosticado com neurite Ótica bilateral uma inflamação no nervo ótico que causou uma perda aguda e progressiva da Visão foi o caos na minha vida porque de repente eu não Lia não escrevia não reconhecia as pessoas não andava sozinho fazendo
uma bateria de exames para tentar entender o que estava acontecendo minha visão volta não volta a visão que eu tenho eu perco ai foi um caos num momento que eu estava muito bem e aí não foi nada bom e naquele momento como evangélico Você leu esse problema nos olhos como o quê um desafio um aprendizado não a vida o sofrimento humano é parte e da vida né assim olha tem o sofrimento causado pela maldade humana e pelas injustiças sejam injustiças provocadas por indivíduos ou por lógicas e Sistemas né então Eh coisas que poderiam ser evitadas
com justiça social respeito ao próximo Direitos Humanos cultura de paz socialização da terra ou seja tem uma margem de Sofrimento que é provocada pela própria humanidade pela maneira como a sociedade se organiza o sofrimento evitável e o inevitável eu penso política por aí política é ação coletiva para poder construir um ambiente mais propenso para que as pessoas possam aproveitar a vida basicamente é isso mas olha tem uma margem de Sofrimento que não tá no cálculo das ações humanas é uma fragilidade constitutiva da própria vida sofrimento que não tá no cálculo das ações humanas é uma
fragilidade constitutiva da própria vida pessoal foi bem importante para mim ouvir essa frase uma neurite ótica bilateral e como é que eu interpreto isso como a vida o meu corpo em algum momento eh falhou em alguma coisa e eu não fico eu não tenho assim uma grande lição que eu acho que o ser humano pode conferir sentido e aprender diante do sofrimento mas eu não acho que o sofrimento tenha a função a priori de nos fazer aprender algo nós podemos lidar com isso provocando sentido e até do ponto de vista da espiritualidade é assim que
eu creio eu creio não creio que Deus provoca a dor mas eu creio que Deus sente a dor comigo e caminha comigo nas travessias nos desertos nos vales da vida então não é que Deus provoca o sofrimento para eu aprender Deus sofre comigo sola e me ajuda e eu posso então aprender com os Sofrimentos da vida então ali é é a Fatalidade a imprevisibilidade o aleatório o acaso é ser vivo e ser vivo é sujeito necessariamente a esse tipo de coisa no mesmo período em que o pastor Henrique estava quase cego no ensino médio ele
tinha um professor que o ajudava bastante e esse professor ajudou a moldar os propósitos que ele e Henrique teria na vida e você provavelmente conhece esse professor é o ex-deputado Marcelo freo e a gente começou a estudar a violência histórica dos manicômios e começou a ver filmes Bicho de Sete Cabeças garota interrompida Um Estranho no Ninho conversar com terapeutas psicólogos psiquiatras e conhecia a luta antimanicomial a reforma psiquiátrica enchia a paciência do Marcelo toda hora pegando referência perguntando coisa eh E aí o final desse projeto que já tinha mexido muito com a minha consciência de
mundo é foi uma visita a esse Manicômio judicial Frei Caneca porque eu conheci um menino lá jovem negro devia ter 18 anos e com histórico de dependência química pobreza abandono e e a gente ficou basicamente a a visita toda conversando eu e ele assim ele internado preso Enfim no final ele me pergunta assim ele faz duas perguntas muito singelas que marcam para sempre a minha vida primeiro ele me pergunta assim você vai para onde agora e nunca foi tão estranho eu responder a palavra casa aquilo abriu um abismo entre nós eu jovem de origem pobre
e naquele momento classe média baixa mas eu me senti um rico um privilegiado né eu ia para casa casa mãe pai irmão irmã jantar cobertor travesseiro sabe no dia seguinte vou pra escola tinham vários referenciais na palavra casa e saber que ele ia ficar ali isso mexeu comigo muito e depois ele perguntou se eu voltava e eu não sabia responder eu nem sei qual foi a resposta que eu dei Eu acho que eu falei que não tinha como mas eu sabia que eu não ia voltar assim da minha vontade com 15 anos voltar ali e
por que que você acha que te bateu tão forte porque Imagino que outros colegas da turma não tenham se engajado tanto quanto você nunca ninguém me perguntou isso Olha acho que talvez pela minha origem era uma escola mais de classe média eu era um bolsista talvez tenha sido ali um dispositivo Talvez o evangelho porque o evangelho sempre me trouxe essa dimensão da sensibilidade o amar o próximo nunca foi só uma frase de efeito mas também bate um pouco aí não essa essa tentativa de entender como funciona o pensamento do outro sendo você uma pessoa tão
Clara de pensamento sim de fato é uma inquietude o tempo inteiro Tá aí uma reflexão que acho que eu nunca fiz mas tem cer coisas que me inquietam de não se fazer entender de falar coisas que às vezes as pessoas até acham bonitas mas sei lá não mobiliza muito suas atitudes a concretude as escolhas de vida tem uma angústia Aí sim o pastor Henrique como você deve imaginar conseguiu recuperar a visão Ele entrou na universidade em primeiro lugar no vestibular e entrou no Seminário para deixar de ser o pastorzinho e virar Pastor de verdade então
fui beber na fonte de Martin Luther King pastor batista fui estudar Teologia da libertação que aproxima o cristianismo da crítica ao capitalismo e entende que o trabalho junto aos empobrecidos por sua libertação é Um trabalho espiritual é obediência a Jesus caminhar com o povo então a a militância luta antimanicomial movimento estudantil Direitos Humanos partido político sempre foi uma extensão e uma derivação da minha fé e do meu compromisso com a dignidade humana e com a superação da desigualdade que sempre foi o grande drama diante dos meus olhos um propósito de vida derivado da Fé soa
como um caminho bonito e de alguma forma fácil porque te coloca lado a lado com outros cristãos movidos pelo mesmo propósito mas não foi bem assim dentro da igreja batista entre os seus o pastor Henrique também se viu como minoria porque ele e alguns outros jovens estavam contra uma corrente majoritária conservadora a gente queria debater a gente queria pensar a nossa fé relacionada aos direitos humanos a superação da Fome as meninas a questão do feminismo dizendo olha essa igreja é toda estruturada numa lógica machista eu me entendendo um jovem negro e também várias questões batendo
na minha cabeça a gente querendo fazer diálogo interreligioso não conseguindo compreender assim ah não só nós temos a verdade ninguém mais tem então aquelas reflexões nossas sobre a nossa própria fé já não cabiam mais dentro daquela estrutura então eu era seminarista E aí foi um processo curioso de expulsão barra conciliação Eu nunca fui expulso mas a igreja arrumou uma congregação para eu cuidar tipo não fica aqui não vai vai com essa galerinha para lá e lá a gente cresceu cresceu cresceu e se auto-organização a Igreja Batista do caminho ela surge em primeiro lugar para dar
conta do nosso próprio coração eram jovens em crise com a institucionalidade mas que amavam o evangelho e não queriam perder a fé em Jesus o que o pastor Henrique fez no campo religioso de abrir uma dissidência entre o pensamento hegemônico conservador o kuam fez na psicologia na faculdade ele tinha estudado sobretudo autores brancos que não abarcavam o racismo mas no atendimento Clínico ele estava se deparando com pessoas traumatizadas sobretudo pelo racismo estrutural da sociedade então no caso do quam ele se juntou a um coletivo com margens clínicas que é um coletivo que ele existe desde
2012 eu entrei em 2017 que ele se propõe a criar dispositivos clínicos a partir do enfrentamento à violência de estado o que seriam dispositivos clínicos Boa pergunta vamos lá dispositivos clínicos são metodologias cartografia formas de até o próprio consultório o aquilombamento é uma proposição uma proposta de colocar a clínica à altura do que lhe acontece então por exemplo como é que a gente pode pensar uma clínica que possa escutar a violência Colonial tem uma brincadeira que um dos colegas nós faz que é o Vitor que é a seguinte né Se você pegar um médico do
século de 19 20 pôr no consultório hoje ele não vai saber fazer nada se você pegar um advogado da década de 20 pôr no escritório ele vai conseguir operar normalmente Se você pegar um psicanalista de 1920 e por 920 não vai vamos pegar da década de 50 e por hoje não Provavelmente ele vai se dar muito bem em muitas escolas né mas o que a gente propõe assim de tipo a gente talvez a gente precise reformular e reavaliar esse curso que a psicanálise fez no Brasil que não considerou o que que é o Brasil na
sua constituição na nesses atravessamentos coloniais n enfim em todo esse processo de subjetivação que existia na América Latina que existiu no no no na na eh no território africano que existiu Enfim no território no no na terra dos Condenados né como diz o fanon no no condenados da terra né é como é que a gente pensa a alma doss condenados da terra que é muito diferente de um do europeu branco de uma cidade e enfim né que não é não são as mesmas questões né aqui a gente lida com uma desigualdade brutal e como é
que a gente quais efeitos isso tem né na nossa paisagem a gente tem que ficar desviando de pessoas que estão dormindo na rua como é que a gente vai naturalizando isso e isso de alguma forma não tem efeito sobre nós né então a gente vai construindo o o o a clínica pensando nisso né pensando no tipo bom né mas como é que como é que a gente vai eh eh dialogando com outras bases também né então o dispositivo também veio um pouco dessa vem dessa reavaliação né necessária né De que De essa reavaliação crítica né
E logo clínica porque muitas vezes é isso né não se escuta não se escuta o racismo não se escuta a transfobia não se escuta é a violência doméstica não não não não se tem eh noção da dimensão que isso é na nossa realidade né na dimensão que isso produz na subjetividade né uma mulher em situação de violência enfim não tem E aí vão fazer produzindo todo teorizações a partir disso muito problemáticas o atendimento psicológico no Brasil não está preparado para o Brasil nas universidades a maioria dos autores estudados são homens brancos europeus e não ter
a leitura sobre a subjetividade Negra sobre racismo e colonialismo é um prato cheio para profissionais acharem que podem dizer pros pacientes que ah você tá exagerando sofrimento não tem cor e coisas piores que deslegitima o paciente dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é negra entre os mais pobres eles são 75% entre os mortos por armas de fogo 78% os jovens negros têm 45% mais chance do que os brancos de cometer suicídio é aquilo que a Eliana Alves Cruz diz no livro dela quando ela fala em vazio de futuro então dá para concluir
que além de renda classe gênero raça uma das métricas para medir a desigualdade também está o direito que nos dão de sonhar e se não temos todas as ferramentas e oportunidades para desenvolver essa subjetividade e esses sonhos lá no início da vida não tem como acumular capital social como Dr Alexandre calash sugeriu no Episódio Passado Sem dúvida Sem dúvida com certeza acho que considerar a subjetividade né aqui é o cuam outra vez né Acho que considerar que não são sujeitos chapados né acho importantíssima trazer nuances para esses outros indicadores né Acho que tende a ser
muito profic os a forma de de criação até de políticas públicas sobre isso né se eu falo que você tá com problema no Karma você não vai tomar o jaz Pan por exemplo você fala que você tá com falta de poesia você não vai tomar um benzo diazepínico né entende e eu tô dizendo isso porque de fato a a há uma disputa né dentro desse Campo da Saúde Mental em que majoritariamente né a forma da gente nomear osé aquilo que a gente sente é psiquiátrica é crise de pânico é crise de ansiedade é depressão e
isso não vem do nada isso também é uma forma de captura né da forma da gente tá no mundo né de a gente responder a isso O encontrou um caminho para o desenvolvimento da subjetividade na psicanálise fui tentando trabalhar o sonho de diferentes formas né Acho que tem essa forma mesmo do sonho Enquanto essa manifestação da via do acesso Consciente e tem algo que tangencia de longe que é o sonho enquanto esse processo que a gente ia foi dizendo de ser sonhado né que tem que tem a ver um pouco com isso né de ser
como é que a gente foi desejado como é que a gente foi o que que a gente consegue projetar a partir disso até onde a gente consegue sonhar tinha muito a ver com isso também né Porque que a gente só sonha até aí que que Quais são os impedimentos né que a gente tem até onde a gente se autoriza a a a imaginar até onde a gente se autoriza né a utilizar dessa potência criadora e que que inibe ela né Quais são as obstruções a partir dela né que que impede a gente de sentir o
mundo de outra maneira né eu levei essa ideia de que a oportunidade de sonhar também é um marcador de desigualdade pro pastor Henrique de que a sociedade ideal seria uma em que todos tivessem os mesmos direitos e acessos para que cada um pudesse escolher acessar ou não eu perguntei se ele concordava com isso essa pergunta é é boa né olha aí você entra numa questão muito importante e vou ser muito sincero com você assim eu acho que nós temos que superar isso não é uma atitude de um indivíduo isso é um processo histórico um projeto
de sociedade e uma construção coletiva processo projeto e coletividade o que eu considero fundamental superar todos os mecanismos de exploração e opressão do ser humano sobre outro ser humano pra gente chegar nesse modelo de sociedade em que as pessoas tenham mais liberdade e possibilidade de fazer as suas escolhas afirmando a sua singularidade no mundo o que é preciso fazer eliminar todos os dispositivos de exploração econômica e outras opressões então no papo reto esse modelo de 1% do mundo com a riqueza produzida pelos outros 99% eu acho muito desumano Eu acho que o capitalismo é contrário
à Vida eh socializar as riquezas para poder construir uma outra cultura Econômica de menos produtividade e e um crescimento mais coletivo com uma distribuição muito mais justa e equilibrada das riquezas que as pessoas produzem isso para mim é fundamental porque a gente vai falar de moradia de terra de água de um emprego legal de renda de divisão de tarefa e redução do tempo de trabalho para que tenha mais tempo livre tempo livre para que as pessoas possam eu quero pintar eu quero desenhar eu quero dançar eu quero jogar bola Eu quero jogar taco quero ver
o meu time do meu coração quero assistir uma série quero sentar e ver o pôr do sol é isso é e reduzir a lógica do lucro dividir mais a riqueza distribuir a renda e aumentar o tempo livre e e e tirar do mapa fome tirar do mapa não tenho casa para morar tirar do mapa não tenho terra para plantar né então é precisa de uma mudança econômica e as outras opressões o racismo eh elimina possibilidade de vida plena pro meu povo e pros não brancos em geral Ah o patriarcado ais heteronormatividade E aí pode parecer
uma fala muito panfletária mas não é não são modos de relação que maltratam hoje alguém vai chorar e sofrer por causa do racismo hoje alguém vai chorar e sofrer por causa do patriarcado hoje alguém vai chorar e sofrer por causa da lgbtfobia hoje alguém vai chorar e sofrer por causa da xenofobia esses modos de relação que autorizam a violência eu falei chorar e sofrer eu poderia infelizmente dizer morrer morrer hoje vai ter um feminicídio no Brasil então Eh o que o que fazer para chegar nesse mundo e Precisamos de uma solução Econômica para acabar com
a pobreza e precisamos de relações que possam tirar esses mecanismos de opressão aí eu tô visualizando uma sociedade mais e disponível para que a subjetividade de cada pessoa possa florecer e cada pessoa possa fazer as escolhas que vão afirmar a beleza da sua [Música] vida tanto quanto o pastor Henrique enfrentaram desigualdades em comum entre eles o racismo e conseguiram desenvolver um propósito de vida forte porque as famílias de ambos estrutura e oportunidade para apoiar a educação deles e só isso já faz deles exceção no Brasil mas essa devia ser a regra Outro ponto em comum
é que eles conseguiram colocar toda a personalidade deles a subjetividade E os sonhos no trabalho eles trabalham com o que gostam e acreditam e dá para dizer que isso é um privilégio porque 1 ter da nossa vida a gente passa trabalhando e é sobre isso que a gente vai falar no próximo episódio de desiguais Vamos fazer um nesse assunto que atravessa a vida de todos os brasileiros adultos o trabalho ou a falta dele desiguais é um podcast da revista Piauí produzido pela Maranha com apoio da fundação tiub foundation e Ford foundation a edição desse Episódio
é do Eduardo Gomes com mixagem e masterização de Diogo Saraiva A Arte da Cap do Gabri Melo Franco eu EA Lu vast escrevemos esse episo que varia na produção de reportagem revisão do roteiro da Fernanda Mena pela Maranha edição do Bruno bertogna com assistência da Aline levinski também participou da sonorização o derck Cabreira com músicas da mantri Mambo produção executiva da Juliana Santos da Rubian Melo e Paula Garcia direção criativa do Lucas Doraci outo e direção executiva de Thiago Pereira pela Piauí a distribuição é da Maria Júlia Vieira e as redes sociais São coordenadas pelo
Fábio Brizola Almeida e Isa Barros