Quando recebe os jogos olímpicos, cada país tem a chance de abrir as portas e mostrar ao mundo o que tem de mais único: sua cultura, sua história, sua natureza, tradições e o talento do seu povo. Para 2024, a expectativa foi enorme, considerando a riqueza cultural e histórica do país anfitrião, a França. Mas, o que aconteceu dividiu como nunca as opiniões.
O evento, que deveria celebrar a identidade francesa, deixou tanta gente desapontada que gerou uma onda de debates que foram muito além das olimpíadas e me fizeram pensar: O que está acontecendo com a identidade cultural desse país? Como os franceses foram da grandeza pra ridicularização mundial? Segundo Gayle McPherson, consultora para eventos da OCDE, “Tradicionalmente, as nações anfitriãs usam os Jogos Olímpicos para aumentar sua imagem, riqueza econômica e senso de orgulho nacional.
” Contudo, o que o público recebeu de Paris 2024 foi algo, digamos, inesperado. Em vez de celebrar a história da França, a organização escolheu uma forma moderna e controversa. O resultado foi um espetáculo que, na opinião de muitos, não conseguiu capturar de forma fiel, a essência francesa, deixando muitos espectadores confusos e outros tantos desapontados.
O iNews, do Reino Unido, postou: “Um cabaré insano de clichês”. O portal turco Anadolu Agency publicou: “A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024 expôs uma profunda desconexão entre as elites dominantes francesas e o resto do mundo”. Para o inglês Mail One: “Cristãos criticam [.
. . ] cerimônia de abertura apelidada de 'pior de sempre' - cheia de problemas técnicos e pelo clima que só foi salva por Celine Dion”.
E o The Times of India estampou “[. . .
] atos nojentos e desrespeitosos na cerimônia de abertura”. Já a brasileira Gazeta do Povo definiu o espetáculo com as seguintes palavras: “Os atletas nunca foram os protagonistas. Nós os vimos, já durante a cerimônia de abertura, abandonados em barcos, como turistas, na chuva.
E os holofotes todos para anões, dançarinos e o mundo queer. Ninguém entendeu a conexão com o esporte. Parecia o festival Eurovision, mas eram os Jogos de Paris 2024”.
Diante de toda a repercussão internacional , a organização do evento acabou manifestando publicamente um pedido de desculpas pela apresentação. A sensação foi de que Paris perdeu a chance de brilhar, resgatando a grandiosa história francesa. O Le Figaro, maior e mais antigo jornal diário da França, que publicou a capa “As imagens que a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024 poderia ter nos poupado”, fez uma análise bem contundente: “ É como se, no momento de celebrar seu orgulho e sua história, a França não pudesse deixar de buscar em suas entranhas revolucionárias o espírito de provocação e discórdia que, desde tempos imemoriais, alimenta seus próprios paradoxos — e suas divisões.
Pra se ter uma ideia do desgosto em relação à abertura dos jogos, até uma jornalista ligada ao feminismo, e ativista de uma rede de comunicação não cristã, fez uma crítica sobre o que viu: “A ‘cerimônia’, por falta de uma palavra melhor, foi uma decepção estrondosa. Não foi só a chuva que prejudicou a atuação, mas as escolhas artísticas desconcertantes feitas pelos organizadores e as performances sem brilho dos envolvidos. Certamente conseguiu unir milhões, só não em amor e celebração, mas em decepção e raiva”.
Mas a organização resolveu inovar ainda mais, retirando a apresentação de abertura dos grandes estádios. A ideia, que inclusive fazia muito sentido em se tratando de uma das cidades mais bonitas do mundo, era transformar toda ela em um cenário vibrante, incluindo o Sena. O que faltou mesmo foi só prestar atenção no básico.
Praticamente todo organizador de eventos sabe que, em acontecimentos ao ar livre, é essencial pensar no clima. O resultado foi que o brilho prometido não foi tão satisfatório quanto se esperava. O G1 publicou a experiência negativa de um brasileiro presente na cerimônia, que não gostou nada do que viu: “O empresário Lucas Amadeu, virou notícia na imprensa internacional após detonar a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.
Revoltado com a falta de estrutura, ele fez uma sequência de posts nas redes sociais relatando o que chamou de 'experiência horrível'. ” Outras questões que também chamaram a atenção foram a poluição do rio que atravessa a cidade e a baixa qualidade da vila olímpica. Apesar de a própria prefeita de Paris ter mergulhado no rio pra tentar mostrar a qualidade da água, no Sena as coisas não saíram mesmo como esperado.
Seus níveis de poluição geraram mal-estar, transtorno e constrangimento, mesmo após um gasto de US$ 1,5 bilhão no projeto de despoluição. Até a vila olímpica foi alvo de diversas críticas, já que sua infraestrutura deixou muito a desejar. Diversos atletas acabaram buscando outras opções fora da vila pra garantir melhores condições de estadia.
Descuidos com as acomodações, problemas com o calor excessivo, falta de banheiros e de uma alimentação balanceada foram mencionados por várias delegações. As instalações que acomodaram os atletas de mais alto desempenho do mundo se tornaram um símbolo do descaso com os verdadeiros protagonistas do evento. E com tantos problemas e após sofrer tantas críticas, ficam as perguntas: Como Paris, famosa por sua organização e rica herança cultural, deixou que esses erros acontecessem?
A abertura das olimpíadas reflete a crise de identidade da França? “A identidade nacional é o conjunto de características, valores, tradições e símbolos que definem uma nação. Ela é construída ao longo do tempo por meio de diversos elementos, como a história, a cultura, a língua, a religião e as tradições de um povo.
” Essa é a definição de Gabriela Almeida, professora com pós em Patrimônio histórico-cultural. E os jogos olímpicos da França trouxeram à tona uma reflexão sobre a sua identidade. Pra muita gente, as falhas da cerimônia de abertura foram apenas a ponta do iceberg de um problema identitário que há muito vem se manifestando no coração da nação.
Uma das raízes dessa crise pode ser encontrada na complexa relação do país com a imigração e o multiculturalismo. Há tempos o país vem se tornando lar de uma vasta e diversificada população de imigrantes, vindos principalmente da África e do Oriente Médio. Esses novos cidadãos trazem consigo suas culturas, religiões e tradições, desafiando a ideia de uma identidade francesa única.
Mas com a imigração síria, a quantidade de praticantes do islamismo já é de quase 18% da população francesa. Assim, o ideal de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” — tão caro à Revolução Francesa — foi posto à prova. Conseguir a liberdade de usar o véu e, ao mesmo tempo, se sentir igual às outras francesas é complicado… Promover a igualdade se torna inviável quando grupos sociais com históricos tão diferentes não abrem mão de suas identidades.
A fraternidade também se perde em uma sociedade em que práticas culturais tão diferentes das tradições francesas, geram tensões e divisões constantes. A crise de identidade da França foi alimentada por vários fatores, como imigração, globalização e polarização política, mas pra ser enfrentada precisa que uma questão seja definida: o que significa ser francês na atualidade? “Sou francês e não tenho ideia do que significa ser francês.
Nossos problemas econômicos e sociais persistem devido à incapacidade de chegar a um consenso, em parte porque todos nós temos uma ideia diferente sobre a identidade francesa. Antes de colocar sua casa em ordem, a França terá que descobrir quem e o que é. ” E o velho debate sobre imigração e integração sempre aparece pra esquentar ainda mais essa discussão.
O país vive abrindo suas portas e recebe gente de todo canto do mundo, o que, claro, acaba criando tensões e divisões na sociedade. Com frequência, elas estão estampadas no noticiário. Segundo o site Expresso, em uma publicação de 2023: “O Presidente francês, Emmanuel Macron defendeu uma ‘redução significativa da imigração’, a começar pela ilegal, garantindo que o Governo irá retomar o seu projeto de lei sobre o tema.
” Em 2015 a França tomou a decisão, validada pelo seu Tribunal de Direitos Humanos, de proibir o uso do véu, da burca e do niqab, que deixa apenas os olhos à vista. Em resposta à medida, aconteceram ataques violentos. Outro ataque terrível foi contra o jornal francês Charlie Hebdo, conhecido por suas charges ácidas e irreverentes direcionadas a todos os tipos de religião e governos, e que publicou uma sátira sobre o islã e Maomé, resultando na morte de 12 pessoas.
No mesmo ano, ainda ocorreram vários ataques em restaurantes e casas de shows, incluindo o Bataclan, onde mais de 120 pessoas foram assassinadas. Nos anos seguintes, o aumento dos ataques terroristas criaram um clima insustentável de tensão. O crescimento do separatismo islâmico, uma forma radical de islamismo que desafia as leis nacionais e incita à violência, deteriorou as relações entre a França e sua comunidade muçulmana e o presidente Macron anunciou medidas para combater este extremismo.
Suas iniciativas, propostas em 2020, incluíam uma maior supervisão do ensino de doutrinas religiosas nas escolas, mantendo a separação entre Estado e religião, além da liberdade religiosa. Ambos pilares da tradição francesa. Um estudo da Conjuntura Internacional afirma que “A percepção francesa em relação aos muçulmanos de suas antigas colônias, que atualmente compõem uma parcela significativa dentro da França, é de que os valores islâmicos são incondizentes com os valores seculares franceses.
” Mas a visão de parte da sociedade francesa sobre a imigração ficou negativa por vários motivos. A crise de refugiados, com a constante remoção de acampamentos de imigrantes em Paris, e os atentados terroristas feitos por extremistas islâmicos, que causaram muitas mortes, ajudaram a formar uma opinião mais crítica sobre a imigração entre alguns franceses. Ao mesmo tempo em que essas questões alimentam o preconceito, o medo e a desconfiança, elas colocam a identidade francesa em um estado de reafirmação.
E a pressão pra integrar novos valores e costumes, sem perder o que é essencialmente francês, criou um dilema profundo. A crise de identidade na França não é apenas interna; a globalização também impõe desafios, principalmente fazer parte da União Europeia, o que, de várias formas, retira a autonomia dos franceses de tomarem suas próprias decisões. E para um país que sempre defendeu seus valores culturais, se ver agora pressionado por uma cultura global que apaga fronteiras e sobrepõe suas tradições com valores que muitos franceses consideram incompatíveis, é problemático, mesmo.
As políticas de imigração e integração, embora bem-intencionadas, não conseguiram unir a sociedade. E o multiculturalismo acabou expondo as rachaduras da identidade francesa. O país dos gauleses sempre foi unido por valores comuns, não apenas por sangue.
Não há prazer nenhum em apontar a falta da identidade francesa na abertura dos jogos olímpicos. Não é só uma cerimônia, é a história e o espírito de um povo. A França abriga valores e tradições que sobreviveram ao tempo.
E é exatamente isso que está em jogo: a preservação ou a extinção da sua cultura. Mas como essa crise identitária impactará o futuro do país? A identidade de um país se forma com o tempo, mas pode mudar, principalmente quando enfrenta desafios como a globalização e a mistura de culturas.
Mas nós precisamos entender o que é, de verdade, fazer parte de uma nação. Pertencer a uma nação é muito mais do que nascer ou morar em um lugar. Nascer em um país não é escolha nossa.
Morar muitos anos em um lugar também não quer dizer que você pertence a ele, muita gente passa anos pensando em voltar para o lugar que considera como lar. Nem seguir tradições locais ou torcer em jogos faz você ser patriota. O que importa é entender o que acontece na sociedade e querer ajudar a melhorar.
Dominique de Villepin, ex ministro de Jacques Chirac entre 2002 e 2004 e entre 2005 a 2007 teve uma fala bastante contundente sobre isso em um painel da l'Humanité: "Mas quando somos franceses, não devemos renegar nem o asilo, nem o respeito ao outro. Saibamos estar à altura da nossa história, e minha convicção é que é nesse legado, nesse orgulho, nessa energia que devemos buscar forças para construir essa França que será capaz de enfrentar desafios extraordinários, porque terá reencontrado seu orgulho. " Hoje, vemos uma crescente tentativa de subverter a identidade francesa em nome de uma tolerância mal interpretada.
A França sempre foi receptiva, com portas abertas para quem busca refúgio e melhores condições de vida. No entanto, essa hospitalidade não deve ser confundida com um cheque em branco pra desrespeitar a cultura que define o país. Quando imigrantes a escolhem como novo lar, é esperado que respeitem e se integrem aos valores e costumes que existem há séculos.
Não se trata de eliminar outras culturas, mas de preservar o que é essencialmente francês. Os franceses, em sua maioria, querem ver seu legado preservado, e essa vontade deve ser respeitada. Nos países árabes, por exemplo, a cultura local é respeitada e preservada.
Por que, então, a França deveria se curvar e permitir que sua própria cultura seja eliminada? A língua, por exemplo, é um patrimônio cultural inestimável pros franceses. Porém, muitos imigrantes árabes se recusam a aprendê-la.
Não se trata de pedir demais. Quando uma pessoa sai de uma situação de extrema dificuldade em seu país de origem e é acolhida em uma terra que lhe oferece oportunidades, o mínimo que se espera é gratidão e respeito pela cultura que a acolheu. Imagine abrir as portas da sua casa pra estranhos e ver suas regras desrespeitadas.
Assim, no fim das contas, não cabe à França se adaptar aos imigrantes, mas aos imigrantes se adequarem ao país. E essa é uma luta que os franceses não podem se dar ao luxo de perder. O que eles não podem esquecer é que todas as grandes nações do mundo cresceram recebendo e tratando bem os estrangeiros.
Pablo Picasso, Wassily Kandinsky e Marc Chagall são alguns dos vários nomes de imigrantes que, estando em Paris, puderam mostrar ao mundo sua arte. Nos anos 1950 e 1960, entre 7. 000 e 10.
000 artistas de outros países viviam na capital francesa. Essa mistura de culturas deixou a arte local mais rica e ajudou a criar novos estilos, como a arte abstrata e a arte em movimento. Na França, os imigrantes têm sido essenciais para o mercado de trabalho.
Nos últimos dez anos, eles representaram 70% do aumento de trabalhadores na Europa, especialmente em áreas como construção, agricultura e serviços. Além de preencherem vagas, eles ajudam a economia a crescer, trazendo mais produtividade e novas ideias. Um estudo mostrou que a imigração melhora o crescimento econômico, aumentando a quantidade de pessoas em idade de trabalhar e trazendo novas habilidades.
Os dados também mostram que a imigração pode ter um impacto positivo nas finanças públicas. Outra pesquisa, agora liderada pelo economista Hippolyte d’Albis revelou que, embora os governos precisem aumentar os gastos para acomodar novos imigrantes, o aumento na arrecadação de impostos geralmente compensa esses custos. O estudo concluiu que a entrada de refugiados e imigrantes não apenas aumentou o PIB per capita, mas também reduziu o desemprego em vários países europeus, incluindo a França.
O país se encontra em um ponto de inflexão, onde precisa decidir o que levará adiante de sua rica herança e como integrará os novos elementos que inevitavelmente fazem parte de sua sociedade. Este é um desafio enfrentado por muitas nações no século XXI, mas na França, um país com um senso de identidade tão forte, o conflito é particularmente intenso. A identidade francesa está em jogo, e as decisões de hoje definirão como a nação se verá e será vista pelo mundo nas próximas décadas.
E você concorda com isso? O que acha das medidas que a França tomou quanto à essa questão? Comenta aqui abaixo e não esquece de me dizer o que achou desse vídeo.
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