Chegamos ao Capítulo 17 do livro do Eclesiástico e aqui nos diz: Jesus Ben-Siraque, aos arrependidos, Deus concede o caminho de regresso e conforta aqueles que perderam a esperança; e lhes dá a alegria da Verdade. Este versículo é maravilhoso porque ele mostra a ação da misericórdia de Deus. Em primeiro lugar, aos arrependidos, Deus concede o caminho de regresso.
Ou seja, é Deus que cede o dom do arrependimento. De certo modo, nós deveríamos entender que, quando nos arrependemos, já estamos sendo perdoados, porque a graça do arrependimento precede o nosso arrependimento; é um dom que Deus nos dá. Aos arrependidos, Deus concede o caminho de regresso e conforta aqueles que perderam a esperança.
Então, quando nós cometemos um pecado grave, perdemos a caridade, no sentido de que o nosso amor a Deus se demonstrou ser frágil, imperfeito e até inexistente, no caso dos pecados graves, porque preferimos um bem criado a Deus. Mas nós não perdemos a fé nem a esperança, porque, graças à fé e esperança, nós podemos recuperar a caridade. Mas ele diz que Deus conforta aqueles que perderam a esperança; ou seja, depois do pecado, nós podemos cair numa certa lamúria, num certo pessimismo interior, pensando: "não, mas, poxa vida, eu acho que não tem jeito para mim, não tem possibilidade de salvação para mim, porque eu sou muito ruim", etc.
Nós olhamos para nós, e o demônio, como é acusador, fica apontando o dedo em nossa cara e tentando nos jogar ao desespero. Mas Deus fortalece os que perderam a esperança e lhes dá a alegria da Verdade. A alegria da Verdade é a alegria de nós sabermos que somos pecadores e, a partir do pecado, descermos para a nossa condição humilde e indigente.
É a alegria de ser humilde na presença de Deus. Ou seja, o demônio não vence quando o homem peca e se arrepende; a graça foi buscá-lo. A graça o fortaleceu para que ele não perdesse a esperança; e mais, a própria graça de Deus faz com que o pecador use o pecado com o qual ofendeu a Deus como um instrumento para que ele mesmo se humilhe e, portanto, desça para uma condição muito mais profunda, mais verdadeira, mais espiritual que será para ele a condição para receber muitas outras graças.
Volta ao Senhor e deixa os teus pecados; suplica em sua presença e diminui as tuas ofensas. Mais uma vez, o autor descreve a ação da Graça, desta vez da Graça que nos livra dos pecados que nós ainda não cometemos. "Volta ao Senhor" é a conversão; ou seja, quando nós estamos sendo tentados, olhamos na direção oposta a Deus, olhamos na direção do pecado.
Mas ele diz: "Volta ao Senhor e deixa os teus pecados; suplica em sua presença e diminui as tuas ofensas. " Ou seja, nós só conseguimos vencer o pecado pela oração. Não há outro caminho.
Nós não somos pelagianos. Os pelagianos não acreditavam na graça de Deus; acreditavam que tudo era resultante do esforço humano. Os semi-pelagianos acreditam que nós conseguimos sair do pecado porque essa saída, em parte, é dada por Deus e, em parte, é feita pelo homem.
Não é a doutrina católica. A doutrina católica é que nós só podemos sair do pecado com a graça de Deus. Então, eu tenho que suplicar; e é o que nós fazemos cada vez que rezamos o Pai Nosso: "Não nos deixeis cair em tentação.
" Ou quando nós dizemos "Ave Maria, rogai por nossos pecadores", nós estamos suplicando, pedindo a Deus, pedindo a intercessão de Nossa Senhora para que nós deixemos o pecado. Nós, muitas vezes, não conseguimos deixar o pecado porque nós não rezamos para isso. Nós rezamos para outras coisas; nós pedimos para Deus nos ajudar a conseguir emprego, para Ele nos dar saúde, para Ele nos dar bens perecíveis.
Quando, na verdade, se nós pedíssemos, Ele nos daria, porque Ele mesmo diz: "Pedi e dar-se-vos-á. " Mais uma vez: volta ao Altíssimo, desvia-te da injustiça e detesta firmemente a iniquidade. Mais uma vez, é algo que só Deus pode nos conceder, que é a detestação do pecado, que os santos tinham.
O homem, quando ainda é imperfeito, olha para o pecado e se sente atraído por ele. Quando o homem passa pelas diversas purificações às quais a graça de Deus nos vai submetendo ao longo da vida espiritual, ao invés de se sentir atraído, ele passa a detestar o pecado, a ter um verdadeiro ódio, uma verdadeira aversão ao pecado. E é importante isso.
Algumas pessoas são muito ingênuas quando falam da natureza humana, achando que nós temos que ter no nosso coração apenas sentimentos positivos de amor. O problema é que na criação, que é ambivalente, ambígua, nós temos a mistura entre luz e trevas, zonas de sombra e zonas de claro-escuro. Então, a caridade divina precisa ser acompanhada de uma detestação àquilo que se lhe opõe, ou seja, o pecado.
Mas só Deus pode nos conceder isso. Então, nós temos que pedir-lhe: "Senhor, dai-me uma detestação do pecado, não do pecador, mas do pecado, daquilo que ofende a Deus. " Conhece a justiça e os juízos de Deus e permanece constante no estado em que Ele te colocou e na oração ao Deus Altíssimo.
Aqui é quando o homem entra na vida espiritual. Conhece a justiça e os juízos de Deus; ou seja, medita na lei de Deus e permanece constante no estado em que Ele te colocou, ou seja, na oração ao Deus Altíssimo. É a perseverança na caridade.
Santo Afonso, sempre nas suas meditações, faz esse duplo movimento: de um lado, a súplica, pedindo a Deus que nos livre do pecado, que nos perdoe, que nos conceda a graça de abandonar os nossos erros; e, depois, a graça de perseverar no amor de Deus, perseverar na oração, perseverar na vida espiritual. Que nós, em Cristo, andemos na companhia do Povo Santo. Aqueles que vivem e proclamam a glória de Deus, ou seja, não têm como perseverar na oração, na vida espiritual, andando com pessoas que não querem a Deus, que não o buscam.
Andam na companhia do Povo Santo. O Povo Santo aqui deve ser interpretado como povo consagrado, povo que está entregue a Deus, que se dedicou a Deus, ou seja, aquelas pessoas que levam a vida espiritual a sério. Andam com esses, andam com pessoas que são melhores do que você.
É interessante que, quando nós lemos a vida dos Santos, todo santo tem um santo por trás, e todo santo conheceu a vários Santos, e é assim que funciona. Nós, nessa curta vida que Deus nos deu, temos que andar com pessoas melhores do que nós para que elas nos ensinem a crescer na intimidade divina. É por isso que ele diz, na sequência, "não te demores no erro dos ímpios".
Ou seja, eu não posso ser tardo para me arrepender; eu tenho que ser célere no arrependimento. Louva a Deus antes da morte. O morto, como quem não existe, já não louva.
Louva a Deus enquanto vives; glorifica enquanto tens vida e saúde. Louva a Deus e glorifica nas suas misericórdias. Nós precisamos muito aproveitar o resto de vida que Deus nos deu para amá-lo, para louvá-lo, para glorificá-lo, para servi-lo, porque nós já o ofendemos demais.
Nós já perdemos muito tempo. O tempo que nos resta, nós não sabemos quanto é. Nós temos que ocupá-lo com um único objetivo: "Marta, Marta, andas dispersa e agitada por causa de muitas coisas, mas uma só coisa é necessária.
Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada". Nós temos que buscar a Cristo, buscar ao Senhor com todo o nosso coração, amá-lo de maneira fervorosa e íntima. Essa tem que ser a nossa obsessão, porque nós não sabemos quanto tempo nos resta.
Depois de mortos, nós não poderemos merecer nada. Depois da morte, vem o juízo, como diz o autor da carta aos Hebreus. Depois da morte, só nos toca receber a justa remuneração pelas nossas obras, boas ou más.
É agora que nós temos que nos ocupar em amar Cristo fervorosamente, em nos prostrar, pedir a Deus que nos perdoe. Deus, tem misericórdia de nós! Eu não quero morrer nos meus pecados; eu quero morrer amando o teu Filho, correspondendo a esse amor extraordinário que ele tem por nós, ao ter se entregue e dado a sua vida em nosso lugar.
Quão grande é a misericórdia do Senhor e o seu perdão para com todos aqueles que a ele se convertem, que a ele se voltam. Deus jamais nega a sua misericórdia. Esse refrão que o Papa Francisco repete com tanta frequência: "Deus não se cansa de perdoar; somos nós que nos cansamos de pedir perdão".
É isso. Precisamos olhar para a misericórdia de Deus como um grande incentivo à nossa conversão diária. Já estamos na antevéspera do início da Quaresma, em que buscaremos mais uma vez a nossa conversão.
Que nós peçamos ao Senhor a graça de vivermos esse tempo quaresmal com verdadeiro desejo de uma vida nova. Somente a Graça de Cristo pode nos mover, então que ele nos mova, já que a sua misericórdia é tão grande, que ele nos empurre, nos impulsione. Ele pega essa nossa vontade fraca e a energiza desde dentro.
Ele toma essa nossa inteligência tão frágil e ilumina com a luz da sua verdade. Que o Senhor nos leve a isso que Jesus Benak aqui chama de alegria da Verdade, aquela posição humilde de quem sabe que depende de Deus para dar até o mais mínimo passo.