A história da Revolução Cubana. E suas consequências

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Nexo Jornal
A história de Cuba. Depois de 60 anos, Cuba reforma a Constituição e amplia o acesso à propriedade p...
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A revolução cubana completou 60 anos em 2019. Em todo esse tempo, Cuba se manteve como o único país comunista das Américas, e um dos únicos do mundo. Essa pequena ilha, na verdade, um arquipélago no Caribe, é responsável por manter vivo o debate entre capitalismo e comunismo.
Um debate marcado por guerras, ditaduras e revoluções que contam a história do século 20. E que segue vivo no século 21. Para entender como Cuba se tornou o que é hoje, é preciso voltar no tempo até pelo menos 1959.
O militar cubano Fulgêncio Batista era então um presidente que governava Cuba com mão de ferro, tendo frequentado o poder nas três décadas anteriores. A ilha havia sido colônia espanhola até o fim do século 19, quando proclamou independência. Mas na prática Cuba passa para o século 20 quase como uma colônia de facto dos EUA, que começava a se projetar como potência internacional.
Durante o governo de Fulgêncio Batista, os setores mais importantes da economia cubana, incluindo aí o açúcar e o tabaco, estavam sob controle americano. O país, que fica a apenas cerca de 160 km dos EUA, funcionava como uma “ilha dos prazeres” com cassinos e prostituição, embalados pelas conexões entre a máfia americana e o governo cubano. Como em outros países do Caribe e da América Central, a desigualdade em Cuba era enorme.
Os estrangeiros passeavam em grandes carros e possuíam mansões perto do mar, enquanto a população local vivia na pobreza. O governo de Fulgêncio Batista havia restituído a pena de morte e a censura aos jornais ao revogar a Constituição de 1940. Ele acabou com o direito de greve, e perseguiu e calou qualquer sinal de oposição.
A tensão interna na ilha se tornou insustentável, até que, em 1959, Fulgêncio Batista foi derrubado por um grupo de guerrilheiros liderados por Fidel Castro. Mas a Revolução Cubana não ocorreu em 59 do dia para a noite. Ela foi uma longa construção, que começou a ser erguida ainda no início dos anos 50.
Fidel Castro já havia tentado um golpe contra Fulgêncio em 1953, no episódio que ficou conhecido como Assalto ao Quartel de Moncada. A tentativa fracassou. Vários revoltosos foram mortos, e Fidel e o irmão dele, Raul Castro, foram mandados para a cadeia.
Os dois acabariam anistiados pelo próprio Fulgêncio, em 1955. Livres, viajaram para o México, onde se reuniram com outros exilados e futuros guerrilheiros para fundar um grupo revolucionário chamado Movimento 26 de Julho. O nome do grupo fazia alusão justamente à data do frustrado Assalto ao Quartel de Moncada.
Um ano depois de ter sido anistiado, em 1956, Fidel Castro e outros 81 combatentes partiram do exílio, no México, em direção a Cuba. Usaram uma lancha de nome Granma. Estavam munidos de armas e da intenção de novamente tentar tomar o poder.
O grupo foi recebido com um contra-ataque pesado das forças leais a Fulgêncio. A maioria dos guerrilheiros morreu aí. Os sobreviventes se esconderam na selva da Sierra Maestra, a mais alta cadeia de montanhas da ilha.
Entre os sobreviventes, estavam Fidel Castro, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e o argentino Ernesto Che Guevara, que daí em diante teriam papel decisivo na história. De 1956 até 1958, os guerrilheiros atacaram diversas instalações militares em cidades do interior do Cuba. Em todas essas vitórias roubaram armas e incorporaram novos colaboradores, distribuindo terras aos agricultores locais.
Com isso, ajudavam a espalhar pelo país a informação de que os combatentes que haviam desembarcado do Granma não estavam aniquilados. Ao contrário, avançavam para derrubar o governo. Em janeiro de 1959, Fulgêncio Batista fugiu para a República Dominicana, e o grupo de Fidel finalmente marchou sobre a capital, Havana, onde foi recebido com festa.
Em seu início, a Revolução Cubana não professava o comunismo – embora tenha imposto uma ampla reforma agrária e tenha confiscado milhões em propriedades privadas que redistribuiu ao povo. A mistura de reivindicação social, de discurso anticolonialista e de um protagonismo militar de fundo carismático e populista tinha mais a ver com as dinâmicas políticas caribenhas do que com o regime soviético, que se desenrolava do outro lado do mundo. Mas isso mudou.
E o movimento terminaria conhecido não apenas pelas mudanças sociais que promoveu ao longo dos 60 anos seguintes, mas também por incorrer nos mesmos vícios autoritários e violentos que prometia combater na sua origem. Socialmente, os progressos desde a revolução foram muitos. A expectativa de vida ao nascer, que era de 63 anos em 1960, subiu para 79 anos em 2016 – número acima da média do Caribe e da América Latina.
Antes de Fidel, Cuba tinha um médico para cada grupo de 1. 076 habitantes. Esse número passou a ser de um médico para cada grupo de 125 pessoas.
O forte investimento na saúde faz com que Cuba possa, hoje, enviar profissionais da medicina para todo o mundo em missões humanitárias. A mortalidade infantil despencou ao longo dos 60 anos desde a revolução. Houve também grandes investimentos em educação, e Cuba tornou-se um dos países com as taxas mais altas de alfabetização do mundo todo.
No sentido contrário, as liberdades individuais diminuíram. Não há imprensa livre em Cuba. Não existem partidos políticos de oposição, apenas o partido comunista.
Críticos do regime são presos ou têm de deixar o país simplesmente por expressar suas opiniões. As perseguições e prisões arbitrárias são frequentes, assim como as greves de fome por razões políticas nesses locais de detenção. A ilha aplicou a pena de morte por pelotões de fuzilamento até 2003.
Em 1999, por exemplo, 21 pessoas foram mortas dessa maneira. Durante a Revolução, as execuções de adversários políticos e a perseguição a membros da comunidade LGBTI foram comuns. Tudo isso fez com que organizações internacionais de direitos humanos condenassem os crimes ocorridos na ilha.
As dificuldades políticas e econômicas fizeram com que desde 1959, centenas de milhares de pessoas tenham fugido da ilha. Só nos Estados Unidos, há 1 milhão e 200 mil cubanos. Na origem da revolução, nos anos 1950, o momento era de Guerra Fria.
De um lado, a União Soviética liderava os comunistas. De outro, os EUA lideravam o bloco capitalista No início, os americanos não entenderam completamente a Revolução Cubana como uma ameaça comunista. A Casa Branca sabia o que Fulgêncio Batista havia representado até aquele ponto.
Mas não sabia ainda exatamente o que Fidel e seus seguidores pretendiam dali em diante. Em setembro de 1960, Fidel Castro subiu, fardado, ao púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Ele discursou sem parar durante 4 horas e 29 minutos.
E, nesse discurso, deu a conhecer o que pensava a Revolução Cubana. Fidel criticou duramente os EUA, condenou a corrida armamentista e a exploração de países subdesenvolvidos, anunciou que faria uma ampla reforma agrária e que estatizaria as empresas estrangeiras. Não tardou até que a Casa Branca se opusesse a Castro.
No mês seguinte a esse discurso, o então presidente Dwight Eisenhower, em fim de mandato, impôs o primeiro embargo às exportações do regime. E ordenou à CIA, o serviço secreto americano, que preparasse um plano para derrubar Fidel. Coube ao presidente John Kennedy, sucessor de Eisenhower, executar esse plano.
Assim, em abril de 1961, paramilitares treinados pela CIA, a maior parte, exilados cubanos, desembarcou na Baía dos Porcos, na parte sudoeste da ilha. O grupo acabou derrotado pelas forças leais a Fidel Castro. O episódio da Baía dos Porcos deixou clara a disposição dos EUA de se opor ao governo cubano por todos os meios possíveis.
E mostrou a força e o respaldo popular que a Revolução tinha conquistado em Cuba. Fidel Castro se socorreu econômica e militarmente na União Soviética. E o regime soviético encontrou na ilha a oportunidade ideal para colocar um pé na América.
Em 1962, Moscou começou a instalar em Cuba uma bateria de mísseis carregados de ogivas nucleares, capazes de atingir o território americano. A estratégia soviética era uma resposta à instalação de mísseis semelhantes pelos EUA na Itália e na Turquia, no contexto da corrida armamentista entre as duas potências durante a Guerra Fria. E, claro, para a Cuba de Fidel, essa bateria de mísseis era uma garantia contra novas tentativas de invasões americanas, como a da Baía dos Porcos.
Alguns mísseis chegaram a ser instalados em Cuba. Mas, então, os EUA montaram um bloqueio naval para tentar impedir que novos carregamentos chegassem à ilha. A Crise dos Mísseis, como ficou conhecido o episódio, durou 13 dias, e é considerado até hoje o momento em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear.
Após muita negociação, os dois lados decidiram recuar. E Fidel, no meio das duas potências, obteve a promessa de que os EUA não mais tentariam invadir a ilha. Che Guevara, que em 1965, havia se unido à guerrilha na República Democrática do Congo, acabaria morto em 1967 na Bolívia.
As viagens de Che eram parte de uma ambição de exportar o modelo revolucionário e guerrilheiro cubano mundo afora. Fidel também fez isso nos anos 1970, mas por outros meios. Não como guerrilheiro.
Seguiu visitando países governados pela esquerda, como Chile, Argélia, Bulgária, Hungria, Polônia e Alemanha Oriental, nos quais era recebido como chefe de Estado. Ao longo dessa década de 70 a economia cubana ia relativamente bem. Mas esse ciclo não se manteve por muito tempo.
Em 1980, Fidel disse que os cubanos que estivessem descontentes, podiam partir. A curta distância entre os EUA e Cuba fez com que entre 125 mil e 150 mil cubanos fugissem em barcos superlotados e botes improvisados para a Flórida. Os americanos adotaram uma política chamada “pés secos, pés molhados”.
De acordo com essa política, todo balseiro cubano que pusesse os pés em território americano receberia permissão para ficar. O apoio de Moscou, que havia durado os anos 60, 70 e 80, chegou ao fim em 1991. Com o colapso da União Soviética, Cuba ficou por conta própria.
O país deixou de trocar açúcar por petróleo com os soviéticos. E perdeu também o respaldo militar. Essa mudança deu início ao chamado “período especial”, que foi marcado pela falta dos itens mais básicos.
Os embargos americanos pioravam ainda mais a situação. O comércio exterior que, em 1983, ainda respondia por 63% do PIB cubano, caiu para uma participação de apenas 11% em 1992. Mas os embargos mais pesados ainda estavam por vir.
O mais duro deles foi decretado em 1996. Em fevereiro daquele ano, militares cubanos derrubaram duas avionetas que haviam partido de Miami com um grupo de exilados e manifestantes a bordo. Fidel diz que as aeronaves entraram em seu espaço aéreo.
Os americanos dizem que não, os aviões estavam sobre águas internacionais. No mês seguinte a esse episódio, em março de 1996, o congresso americano aprovou e o então presidente Bill Clinton sancionou a chamada Lei Helms-Burton. Essa lei aplicava a todas as empresas do mundo as mesmas punições aplicadas às empresas americanas que negociassem com Cuba.
A principal punição a essas empresas estrangeiras era a seguinte: se fizessem negócios com Cuba, não fariam mais com os EUA, que é um mercado muito maior. Os anos 2000 foram marcados por mudanças profundas na ilha. Com acordo firmado em 2001, Fidel Castro buscou na Venezuela de Hugo Chávez o apoio perdido na extinta União Soviética.
Em vez de açúcar, trocava missões médicas e apoio político por petróleo. Esse período coincidiu com uma série de vitórias eleitorais de líderes de esquerda na América do Sul. De diferentes formas e em diferentes graus, presidentes de Bolívia, Equador, Argentina, Uruguai e Brasil se aproximavam de Cuba.
Em 2008, Fidel passou o poder a seu irmão, Raul Castro, que deu início às primeiras reformas significativas. Em 2014, a política de embargos começou a mudar, quando o presidente americano Barack Obama deu início ao descongelamento da relação entre os dois países. Em julho de 2015, a Embaixada Americana em Havana, que havia sido fechada em 1961 foi reaberta.
E em março de 2016, Obama fez a primeira visita oficial de um presidente americano à ilha em 90 anos. Mas não se encontrou com Fidel, que estava doente e já não era visto em público. Fidel morreu em novembro de 2016.
Seu irmão, Raul, governou até fevereiro de 2018, quando foi substituído por Miguel Díaz-Canel. A transição de Raul Castro para Miguel foi a primeira feita entre um guerrilheiro da Sierra Maestra e um dirigente cubano nascido após a Revolução. Díaz-Canel conduziu mudanças importantes na constituição cubana em 2019.
Embora a carta ainda reafirme a prevalência do socialismo, ela ampliou a existência de negócios e propriedades privadas. A importância da história de Cuba transcende os interesses dos próprios cubanos. A ilha passou a ocupar um lugar importante em todo o debate político que oponha capitalismo e comunismo, avanços sociais e liberdades individuais, democracia e ditadura.
Em qualquer lugar do mundo. Se, no passado, o regime cubano exportou seu modelo de guerrilha revolucionária a muitos países, hoje o país representa acima de tudo um ponto de inflexão ideológico e retórico para uma parte importante da esquerda, incluindo o Brasil.
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