Tenta responder rápido: que acontecimentos deram início às duas guerras mundiais? Bom, na primeira, foi o assassinato do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando… …e na segunda, a invasão da Polônia pela Alemanha. Só que esses dois eventos foram, na verdade, só os estopins de uma relação tensa entre os países envolvidos que já vinha se desenrolando há um bom tempo.
Mas será que dá pra saber quando uma guerra mundial tá prestes a começar? Quais são os sinais que indicam que um conflito de grandes proporções é questão de tempo? E por que alguns especialistas acham que podemos estar vendo sinais parecidos hoje em dia?
Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil, e eu conversei com vários especialistas pra entender o que os períodos que antecederam as duas guerras mundiais tiveram em comum - e o que eles podem nos ensinar sobre o momento que a gente tá vivendo agora. No início de 2024, o então secretário da Defesa do Reino Unido disse que nós estávamos passando de um mundo pós-guerra pra o que ele chamou de um “mundo pré-guerra. ” Esse tipo de transição já aconteceu algumas vezes na história.
E, como explica o professor David Stevenson, pelo menos no caso das duas guerras mundiais, os primeiros sinais vieram muitos anos antes de os conflitos começarem oficialmente. A primeira guerra durou de 1914 a 1918 e cerca de 17 milhões de pessoas morreram. Já a segunda começou em 1939 e terminou em 45 - e a estimativa é de que 50 mihões de pessoas tenham perdido a vida.
É como se um quarto da população brasileira tivesse sido morta. E os especialistas explicam que, antes de as duas guerras começarem, alguns fatores já indicavam que existia a possibilidade de que um conflito em escala global estivesse no horizonte. O primeiro desses fatores é a existência de vários focos de tensão.
Ou seja, vários conflitos paralelos. Antes de 1914, por exemplo, aconteceram as Guerras dos Balcãs. Depois delas, a Sérvia emergiu como um Estado mais poderoso e se tornou a principal rival do Império Austro-Húngaro.
Mas também teve um conflito entre Rússia e Japão, que brigavam pelos territórios da Manchúria e da Coreia. . .
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além da competitividade entre Alemanha e Grã-Bretanha. Já antes da Segunda Guerra, a Alemanha já tinha invadido a Tchecoslováquia, hoje República Tcheca. E, na Ásia, já tinha começado um confronto entre a China e o Japão, que tava ligado a uma grande tensão entre o Japão e os Estados Unidos.
Mas por que todos esses conflitos tavam acontecendo em paralelo? Parte da explicação tá num aumento do nacionalismo e do imperialismo em alguns dos países envolvidos. Imperialismo que, no caso, tá diretamente relacionado com um desejo de expandir territórios.
Esse mapa mostra como era o mundo em 1914 - o ano em que a Primeira Guerra começou. E repara na legenda: todos os territórios listrados faziam parte de impérios. Quer dizer, eram muitos impérios.
A historiadora Juliette Pattinson explica que havia uma grande competição entre as potências europeias da época, como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Rússia e a Áustria-Hungria. E quando uma dessas potências ocupava novos territórios, isso era visto como uma ameaça pelas outras. O avanço da Áustria-Hungria pela Bósnia e Herzegovina, por exemplo, foi interpretado pelos adversários como um movimento muito agressivo.
E foi nesse clima tenso que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando decidiu fazer uma visita justamente a Sarajevo, na Bósnia. . .
…e acabou sendo morto, “varado pelas balas de um anarquista”, segundo esse jornal brasileiro da época. Como a gente sabe, esse foi o estopim pro início da guerra. Só que tinha um detalhe: o tal anarquista, na verdade, era um nacionalista sérvio Hoje, quem passa por Sarajevo ainda pode encontrar uma réplica do carro em que o Arquiduque estava no mesmo local em que ele foi morto.
Bom, 20 anos depois do fim da primeira guerra, esses mesmos sentimentos de nacionalismo e imperialismo foram fundamentais pra que a segunda guerra começasse. Pra gente ficar só no caso da Alemanha: os alemães tinham sido os grandes perdedores da guerra anterior. Muitos especialistas avaliam que foi o ressentimento causado por essa derrota que permitiu que os nazistas chegassem ao poder.
E perder uma guerra significava, claro, perder territórios, como explica a historiadora Juliette Pattinson. Ou seja, a invasão da Polônia, que foi o estopim da segunda guerra, foi, pelo menos em parte, uma tentativa da Alemanha de recuperar uma parte dos territórios perdidos alguns anos antes. Mas por que conflitos que em tese poderiam ter ficado restritos aos dois países envolvidos acabaram se alastrando pelo resto do mundo?
É aí que entra o terceiro fator que as duas grandes guerras têm em comum: o sistema de alianças entre as várias potências. Vamos começar pela primeira guerra. Depois que o Francisco Ferdinando foi assassinado, o que aconteceu, muito resumidamente, foi o seguinte: - A Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, já que né, um sérvio tinha matado o arquiduque austríaco - A Rússia se envolveu porque tinha uma aliança com a Sérvia - A Alemanha declarou guerra à Rússia porque tinha uma aliança com a Áustria-Hungria - E o Reino Unido declarou guerra à Alemanha porque, no meio dessa confusão, a Alemanha invadiu a Bélgica, e o Reino Unido era aliado da Bélgica A partir daí, duas grandes alianças, conhecidas como Tríplice Entente e Tríplice Aliança, passaram a se enfrentar em diferentes frentes de batalha.
Agora avançando pra Segunda Guerra: a gente sabe que a Alemanha invadiu a Polônia. Mas e como todo o resto do mundo se envolveu? Bom, tudo começou com o protocolo Berlim-Roma, assinado em 1936 por Mussolini e Hitler.
Na época, Mussolini fez um discurso em que declarava que o protocolo Berlim-Roma não seria uma barreira, mas um eixo em torno do qual Estados Europeus que desejassem a paz poderiam colaborar. Foi por causa dessa declaração que, alguns anos depois, a aliança integrada pela Itália e pela Alemanha ficaria conhecida como Eixo. Mas não foi.
Menos de dois anos depois dessa visita de Mussolini a Berlim, a Alemanha invadiu a Polônia - e a Segunda Guerra Mundial começou oficialmente. O Japão entrou para o Eixo por ter assinado um tratado “anticomunista” com os dois países, que depois se converteu em um pacto militar. E posteriormente Hungria, Romênia, Eslováquia e Bulgária também se uniram ao grupo.
Do lado oposto, estavam os Aliados, um grupo formado inicialmente pela Polônia, que tinha sido invadida, e por França e Reino Unido, que tinham um acordo com a Polônia. Quase dois anos depois do início da guerra, em junho de 41, a União Soviética se juntou aos Aliados depois de ter sido invadida pela Alemanha. E, em dezembro do mesmo ano, foi a vez dos Estados Unidos, que entraram pro grupo depois do ataque dos japoneses a Pearl Harbor.
Mas, mesmo antes de aderirem oficialmente, os americanos já vinham fornecendo armamentos aos aliados. E isso nos leva ao quarto fator que as duas guerras mundiais tiveram em comum… …ambas foram precedidas de uma corrida armamentista. Na segunda guerra, o cenário era ainda mais dramático.
Em parte, esse fenômeno do aumento de gastos com Defesa acontece porque uma potência começa a se armar, e a partir disso as potências rivais decidem se armar também pra não ficar em desvantagem caso uma guerra de fato aconteça. A historiadora Juliette Pattinson me explicou que, na primeira guerra, por exemplo, o Reino Unido tinha uma Marinha muito forte. A Alemanha então começou a investir pesado pra superar os britânicos, que por sua vez responderam desenvolvendo navios de guerra mais poderosos do que os que existiam até então.
Mas de nada adiantaria todo esse armamento se ele não fosse acompanhado de líderes dispostos a ir pro campo de batalha. Segundo os historiadores, a personalidade dos chefes de Estado envolvidos também foi determinante para que esses dois grandes conflitos tivessem a proporção que tiveram. Seria esse o caso de personagens como o imperador Wilhelm II da Alemanha na primeira guerra, e Hitler e Mussolini na segunda.
Para Juliette Pattinson, não havia ninguém no entorno desses líderes com a capacidade de frear os impulsos expansionistas que eles tinham. Antes da Segunda Guerra, o então primeiro-ministro do Reino Unido chegou inclusive a tentar negociar com Hitler pra evitar um conflito armado, em uma estratégia diplomática conhecida como apaziguamento. Os britânicos assinaram um acordo com Hitler concordando que ele ficasse com uma parte do território tcheco.
No início, esse acordo foi ótimo pra popularidade do primeiro-ministro porque se acreditava que ele de fato seria capaz de impedir a guerra. Mas, depois, a conclusão de muita gente foi de que a estratégia de apaziguamento acabou tendo o efeito contrário do que se esperava. No fim, a guerra começou menos de um ano depois do acordo ter sido assinado - e levou seis anos pra acabar.
E, quando acabou, a distribuição de poder pelo mundo havia mudado totalmente. O que nos leva ao último fator que foi determinante pro início dos dois conflitos: o desejo de alterar o balanço de poder na ordem mundial. O professor Richard Caplan, da Universidade de Oxford, explica que, de forma geral, a paz é mais provável em momentos de estabilidade na distribuição de poder.
Depois da Primeira Guerra, por exemplo, os impérios que dominavam a Europa desmoronaram, novas nações foram criadas e o poder foi redistribuído, com a ascensão dos Estados Unidos. E, como a gente sabe, a Alemanha foi considerada o principal perdedor do conflito e foi obrigada a aceitar as condições impostas pelos vencedores no Tratado de Versalhes. Mas os termos do acordo geraram ressentimentos profundos, que foram determinantes pra eclosão da Segunda Guerra, marcada pelos esforços da Alemanha em busca de poder na ordem global.
Já o conflito que acabou em 1945 consolidou a hegemonia de duas grandes potências globais: os Estados Unidos e a União Soviética. Elas emergiram como vencedoras e influenciaram diretamente a reorganização mundial. Depois, essa bipolaridade deu início à Guerra Fria.
Mas aí fica a pergunta: o que o passado sugere sobre o futuro? Será que hoje nós estamos passando por um período histórico em que é possível identificar alguns dos mesmos fatores que deram origem às duas guerras mundiais? Os especialistas com quem eu conversei dizem que é difícil fazer essa análise no calor dos acontecimentos, sem um distanciamento histórico.
Mas todos concordam que existem, sim, algumas similaridades - a começar pela mudança de ordem global causada justamente pelo fim da Guerra Fria. A invasão da Ucrânia em 2022 foi a prova da disposição de Putin em ir para o campo de batalha e da importância que ele dá para - da Rússia. De certa forma, essa ameaça de invasão russa em territórios vizinhos já está levando a uma espécie de corrida armamentista na Europa.
Países como Reino Unido, França e Alemanha anunciaram planos de aumentar os gastos com Defesa nos próximos anos. Além disso, hoje também há vários focos de tensão em várias partes do mundo. Além das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, há cada vez mais disputas territoriais no Mar do Sul da China e uma tensão que não passa em torno da independência de Taiwan e do arsenal nuclear da Coreia do Norte.
O Sudão também enfrenta um conflito devastador e regiões como o Sahel e o Chifre da África sofrem com insurgências e conflitos armados. E em todos esses casos é possível identificar a influência das grandes alianças de hoje. Historicamente, uma das divisões mais claras era entre os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, de um lado, e a China e a Rússia, de outro.
Mas, agora, o prazo de validade dessas antigas alianças já começa a ser questionado. Mas também é preciso lembrar que, em outros momentos da história muitas dessas características também se formaram e, apesar de tudo apontar para a possibilidade de uma guerra expandida, nada aconteceu. Na Guerra Fria, por exemplo, além de todos os demais fatores, muitos especialistas identificam diversos momentos de grande tensão que poderiam ter servido como gatillhos para um conflito armado.
. . que felizmente nunca aconteceu.
A crise dos mísseis de Cuba é apenas um exemplo de uma situação que poderia ter saído do controle e gerado mais violência. Por isso mesmo, historiadores e analistas de política externa são cautelosos ao analisar o cenário atual e falar sobre a possibilidade de uma nova guerra mundial.