Faz décadas que a mudança do clima da Terra é tema de conferências internacionais, protestos e relatórios alarmantes. Mas neste século, cada vez mais gente tem sentido na pele os efeitos de um planeta mais quente e com secas mais longas, enchentes mais frequentes e ondas mais fortes de frio ou calor. Eu sou Camilla Veras Mota e este é mais um capítulo da nossa série especial 21 notícias que marcaram o século 21.
Hoje, vamos falar falar da corrida contra o relógio para tentar salvar a Terra como a conhecemos hoje. E por que é tão difícil alcançar um consenso em torno de um problema que afeta todos nós. Antes, vamos lembrar o que está em discussão: os gases do efeito estufa.
Alguns gases, principalmente o dióxido de carbono, têm a capacidade de prender o calor que vem do sol e impedir que ele volte para o espaço, tornando a Terra mais quente no processo. Durante boa parte dos últimos 800 mil anos, a concentração desses gases na atmosfera ficou em torno de 280 partes por milhão – o que significa que havia 280 moléculas de gases por milhão de moléculas de ar. Só que, desde a Revolução Industrial, nos anos 1850, quando começamos a usar intensamente combustíveis fósseis para produzir, consumir e nos deslocarmos, a concentração de gases de efeito estufa subiu mais de 50%.
Olha só: entre fevereiro e março de 2021, os níveis de CO2 na atmosfera passaram de 417 partes por milhão. Os alarmes de preocupação começaram a soar ainda no século 20. Foi nele que nasceram as cúpulas climáticas, na tentativa de criar soluções internacionais conjuntas: desde a Rio 92 até os Acordos de Paris houve muitos avanços importantes.
Mas também ficaram evidentes as rivalidades entre os países, as diferenças políticas e a dificuldade em estabelecer compromissos globais, principalmente neste século 21. Um exemplo é o Protocolo de Kyoto, que começou a vigorar em 2005 e reconhecia que os países desenvolvidos tinham poluído mais o ambiente ao longo dos anos e tinham mais recursos. Sob essa lógica, seriam esses os países aos quais caberia fazer os maiores cortes em emissões de carbono – em particular os Estados Unidos, na época o maior poluidor do mundo.
Mas esse compromisso de cortes de emissões, que naquele momento não se aplicava a nações poluidoras em desenvolvimento, como a China e a Índia, fez com que o então presidente George W. Bush removesse os Estados Unidos do Protocolo de Kyoto. Aos poucos, o governo americano acabou admitindo em relatórios internos a ligação – hoje já comprovada pela ciência – entre as emissões de carbono e o aquecimento global.
Finalmente, em 2008, Bush acabou aceitando uma proposta de redução tímida nas emissões dos EUA. E só durante o mandato de seu sucessor, Barack Obama, que o combate às mudanças climáticas ganharia mais atenção O maior compromisso global contra as mudanças climáticas vem com o Acordo de Paris, em dezembro de 2015. Diferentemente do Protocolo de Kyoto, que só estabelecia compromissos para os países desenvolvidos, o passo dado na França abrangia 196 nações.
O objetivo principal estava centrado na temperatura do planeta: garantir que o aquecimento global fique bem abaixo de dois graus celsius em comparação com os níveis pré-industriais, um patamar limite para evitar que grande parte da Terra seja tomada por eventos climáticos extremos. Hoje, essa meta é de um grau celsius e meio, para reduzir os riscos desse tipo de evento trágico. Em 4 de novembro de 2016, o documento entrou em vigor, incluindo as duas grandes potências poluidoras, China e Estados Unidos.
Mas as divergências políticas, econômicas e ideológicas voltaram a dar as caras. E novamente os problemas surgiram nos Estados Unidos Sob o governo de Donald Trump, o país ficou temporariamente fora do Acordo de Paris, alegando que seus termos não beneficiavam os trabalhadores americanos – uma medida duramente criticada internacionalmente e agora revertida pelo governo Joe Biden. Outro encontro global que gerou muita expectativa foi a COP26, em novembro de 2021, na Escócia.
Um dos objetivos era traçar metas concretas para colocar o Acordo de Paris em prática e limitar o aquecimento global a um grau Celsius e meio. Nesse sentido, os países signatários se comprometeram a formalizar as novas metas de redução de gases do efeito estufa até o fim de 2022 - o que foi considerado uma vitória da COP. O problema é que poucos países apresentaram planos concretos até agora.
O acordo não conseguiu um consenso em torno da eliminação do carvão, por causa da pressão de países como Índia e China, ainda grandes usuários desse combustível fóssil extremamente poluente. E também não foi pra frente a demanda pela criação de um fundo de perdas e danos feita pelos países mais vulneráveis às mudanças no clima no planeta, incluídas aí as ilhotas que correm risco de desaparecer com o aumento do nível dos oceanos. Estados Unidos e União Europeia não cederam nesse ponto.
Em linha com as negociações globais, vem crescendo a pressão para que cada país ou bloco tome ações concretas pra reduzir suas emissões. E a China, que se industrializou e se tornou uma potência global neste século 21, tem chamado cada vez mais atenção nessas discussões. As emissões de dióxido de carbono do país cresceram no mesmo ritmo que a economia, a ponto de a China superar os Estados Unidos e se tornar, nos últimos 15 anos, o país que mais lança carbono na atmosfera.
São números impressionantes: a China emitiu em 2020 10,6 bilhões de toneladas métricas de CO2, o que é mais do dobro do que o mundo inteiro emitiu junto no ano de 1950. Foi só em setembro de 2020 que o governo chinês anunciou o objetivo de reduzir as emissões em 2030 e atingir a neutralidade de carbono em 2060 – ou seja, encontrar formas de absorver a mesma quantidade de carbono que lançar na atmosfera. A União Europeia, por sua vez, se comprometeu a se tornar neutra na relação entre emissão e absorção de carbono em 2050.
Mas a guerra na Ucrânia deixou claro como o continente ainda é bastante dependente do gás, petróleo e carvão que importa da Rússia. Agora, líderes europeus estão quebrando a cabeça tentando pensar em estratégias para minimizar essa dependência e buscar fontes de energia limpa mais rápido que o planejado antes do início do conflito. Mas e o Brasil?
Em 2005, o país começou a registrar uma tendência de queda no desmatamento da Amazônia, o que foi comemorado no mundo inteiro. Essa tendência foi interrompida em 2012 e se agravou durante o governo de Jair Bolsonaro, que reduziu a fiscalização ao desmatamento e vê a região florestal como uma área a ser explorada. Um país que participava ativamente das discussões ambientais globais hoje é visto como um pária internacional no tema – a ponto de o bilionário Fundo Amazônia, com dinheiro vindo sobretudo da Noruega, ter sido congelado em 2019.
Na COP26, o governo brasileiro se comprometeu com metas consideradas ambiciosas tanto para a redução de emissão de gases do efeito estufa, quanto para eliminação do desmatamento ilegal. Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior Mas o desmatamento na maior floresta tropical do mundo segue crescendo. Em abril de 2022, foram destruídos mil quilômetros quadrados na Amazônia, um recorde para o mês e o dobro do registrado em abril de 2021.
Uma destruição dessa escala da vegetação faz com que a parte leste da floresta já não consiga mais cumprir seu papel tradicional de absorver carbono da atmosfera. Em vez disso, essa região virou mais uma emissora de gases de efeito estufa. E quando a poluição provocada pela destruição de florestas passou a ser incluída na conta das emissões, o Brasil passou a ser apontado como um dos maiores emissores de gases poluentes em todo o mundo.
Assim, um argumento tradicionalmente usado pelo Brasil em fóruns internacionais – de que não é um grande poluidor e por isso não deve ter metas ambiciosas de cortes de emissões – foi colocado em xeque. Em um planeta com menos florestas e mais carbono na atmosfera, países ou regiões inteiras podem se tornar inabitáveis ou ficar embaixo d’água. Quebras de safras causadas por eventos climáticos extremos já tornam mais desafiador alimentar uma população humana que continua aumentando.
Quem mais tem a perder são os mais jovens. Crianças nascidas em 2020 devem enfrentar, ao longo de sua vida, uma média de sete vezes mais ondas de calor extremo do que alguém que nasceu em 1960. São elas que vão arcar com muitas das consequências práticas futuras das mudanças climáticas.
Uma em cada quatro crianças do mundo viverá em áreas de escassez extrema de água até 2040, segundo a ONU. No Brasil, quanto mais avança o desmatamento e mais aumentam as temperaturas globais, menores ficam as temporadas de chuva. O resultado provável disso é uma menor capacidade de gerar alimentos em áreas hoje superprodutivas, tanto para consumo interno quanto para exportação.
E grandes áreas da região amazônica que já foram parte de uma rica floresta tropical podem virar áreas empobrecidas de savana, com baixa biodiversidade e pouca umidade. Mesmo em países ricos os problemas vão se ampliando. Na Austrália, uma em cada 25 casas pode se tornar inelegível para seguros residenciais até 2030 porque estão em áreas sob risco de enchentes.
Principais vítimas em potencial dessa crise, os mais jovens têm passado a pressionar cada vez mais países e organismos internacionais para tentar mudar esse quadro. Greta Thunberg tinha 15 anos quando fez sua primeira greve estudantil em defesa do clima, diante do Parlamento sueco. O protesto ocorreu num momento em que jovens mundo afora pareciam prontos para uma ação coletiva em defesa do clima na Terra, de forma independente de organizações ambientais tradicionais.
O movimento da adolescente sueca cresceu, chegou a outros países, e a voz de Greta Thunberg alcançou a imprensa internacional e a política. Para falar diante da ONU, ela cruzou o Atlântico em um barco, num gesto de oposição às viagens de avião, meio de transporte com alta taxa de emissão de carbono. Na ONU, novas palavras duras, direcionadas aos líderes mundiais.
Hoje, depois de décadas de debate em torno das mudanças climáticas, já não há mais dúvida entre os cientistas de que o aquecimento do planeta é provocado pela ação do homem, então só a ação do homem pode mitigar isso. Por enquanto, ainda valem as assustadoras previsões do IPCC, o Painel da ONU sobre Mudanças Climáticas, que reúne 200 cientistas especialistas em clima. No seu relatório mais recente, o IPCC concluiu que muitos dos impactos do aquecimento global são agora simplesmente "irreversíveis".
Mas ainda há esperança: se o aumento em temperaturas for mantido abaixo de 1,5 grau Celsius, como preveem os acordos climáticos em vigor atualmente, as perdas projetadas podem ser reduzidas. Da mesma forma, na ausência de ações concretas, viveremos em um planeta cada vez mais hostil. Nas palavras da cientista de Oxford Friederike Otto, uma das pesquisadoras do IPCC, "A mudança climática não é um problema do futuro, está aqui e agora e afeta todas as regiões do mundo".
Se lembrarmos que ainda temos outros graves problemas ambientais, como o excesso de lixo, a poluição de rios e mares e a quebra das cadeias de produção de alimentos por causa disso tudo e do desmatamento, incluindo extinções em massa de formas de vida, o desafio fica ainda mais urgente. Com esse alerta, eu fico por aqui. Acesse a playlist no nosso canal no YouTube para ver mais vídeos da série 21 notícias que marcaram o século 21.
Até a próxima!