[Laura] A vitamina D é a vitamina queridinha dos médicos com conduta que talvez, possivelmente, possa ser identificada como picaretagem. Ênfase no “supostamente”, meritíssimo. Por causa disso, com todo o alarmismo que eles colocam em cima da deficiência dessa vitamina, ao mesmo tempo que outros profissionais apontam os riscos de tomar vitamina demais, é difícil pra gente entender se deveria tomar suplemento de vitamina D ou não.
-É verdade. [Laura] Mas isso acaba agora, porque nesse vídeo a gente vai entender tudo sobre vitamina D, e no final vou responder algumas dúvidas específicas que vocês mandaram. ♪ Vitaminas, no geral, são nutrientes que nosso corpo precisa em pequenas quantidades pra se manter saudável.
São nutrientes que não dão energia e nem servem pra construir partes do corpo. As vitaminas participam das reações químicas do metabolismo; elas são essenciais pras reações acontecerem, mas não vão virar parte do nosso corpo. Se o nosso corpo fosse um muro, as proteínas, gorduras e carboidratos seriam o tijolo e a argamassa, o que realmente constrói o muro.
As vitaminas seriam tipo a pá do pedreiro, que é essencial pra assentar os tijolos, mas não vai fazer parte do muro no final. No caso da vitamina D, os principais “muros” que ela ajuda a construir são os ossos e os dentes. Por isso, a deficiência de vitamina D causa doenças que deixam os ossos fracos e fáceis de quebrar.
E a gente chama essas doenças de raquitismo quando é um defeito de formação do osso em crescimento, ou seja, mais comum em crianças, e de osteomalácia quando é um defeito de formação do osso já crescido, em pessoas que já passaram da fase da infância. A osteoporose não é causada diretamente pela deficiência de vitamina D, mas não ter vitamina D suficiente no corpo pode aumentar o risco de ter osteoporose e não responder bem ao tratamento. Além disso, a vitamina D tem uma ação mais semelhante a um hormônio, uma coisa que regula funções no corpo, e mais de 80% dela é fabricada pelo nosso próprio corpo; só uns 20% vem pela dieta.
Até porque a maioria dos alimentos considerados fontes de vitamina D tem uma baixa quantidade dela, ao contrário das outras vitaminas que precisam vir quase que exclusivamente pela dieta. ♪ A vitamina D existe em duas formas principais: a vitamina D2 ou ergocalciferol, que é encontrada em plantas e fungos, incluindo cogumelos e leveduras, e a vitamina D3 ou colecalciferol, que é encontrada em produtos de origem animal. E aqui você pode incluir ovo, peixe gorduroso, tipo salmão, atum, sardinha, fígado e óleo de fígado de bacalhau.
Esses têm um tantão de vitamina D. E ela também, além disso, é fabricada pelo nosso corpo na pele através da radiação ultravioleta do sol. Mais especificamente, são os raios UVB que ativam a fabricação de colecalciferol na pele, a partir de um precursor chamado 7-dehidrocolesterol.
O colecalciferol da pele quanto o da dieta, junto com o ergocalciferol, são levados pro fígado, onde eles vão esperar o momento de serem convertidos em calcidiol. Esse é identificado nos exames de sangue e aparece lá como 25(OH)D ou D3, que é 25-hidroxivitamina D. Tanto o fígado quanto a gordura corporal estocam o calcidiol, e esse estoque dura uns dois ou três meses.
Mas essa ainda não é a forma ativa da vitamina D. O calcidiol precisa ir pros rins e lá ele vai ser convertido em calcitriol ou 1,25-hidroxivitamina D. Esse sim é a forma ativa da vitamina, que vai executar todas as funções dela no nosso corpo.
A principal função da vitamina D é aumentar a absorção de cálcio vindo da dieta pelas células do intestino. 90% do cálcio que entra no nosso corpo depende da vitamina D pra entrar. Secundariamente, ela também faz o rim segurar mais cálcio, estimulando a reabsorção de cálcio e evitando de mandar muito cálcio embora no xixi.
E quem regula tudo isso? são quatro bolotinhas no seu pescoço. Atrás da tireoide, a gente tem quatro glândulas pequenininhas, que são as paratireoides, e elas fabricam o paratormônio.
A função dele é aumentar a concentração de cálcio no sangue porque as nossas células todas dependem de cálcio pra executar suas funções. O cálcio não é só importante pra construir ossos; os músculos, por exemplo, incluindo o coração, precisam de cálcio pra contrair. Os neurônios precisam de cálcio pra se comunicar, pra transmitir sinais de um pro outro.
As células do pâncreas precisam de cálcio pra liberar insulina. As feridas precisam de cálcio pra cicatrizar. Todas as células precisam de cálcio em algum momento pra alguma reação no metabolismo, ou então pra fazer transporte de coisas pelas membranas.
E até para morrer, porque a ativação da morte celular programada, a apoptose, também depende de cálcio. Então, se baixar cálcio no sangue, todas essas funções vão ficar prejudicadas e o corpo pode entrar em colapso. Por isso, o nível de cálcio no sangue é muito regulado, e quando o corpo detecta que tem pouco cálcio circulando, ele manda as paratireoides soltarem o paratormônio.
Ele vai atuar principalmente lá nos ossos, fazendo as células ósseas quebrarem pedacinhos da estrutura do osso pra liberar cálcio no sangue. E lá nos rins, ele vai ativar a conversão do calcidiol em calcitriol, que é a molécula que vai no intestino mandar absorver mais cálcio. Além dele estimular também a reabsorção de cálcio nos rins.
Quando a gente não tem vitamina D suficiente, também não temos cálcio suficiente sendo absorvido. E isso vai obrigar as paratireoides a soltarem mais paratormônio pra tentar aumentar a entrada de cálcio pelo intestino, ao mesmo tempo que pega mais cálcio lá do osso. Só que sem vitamina D não vai ter cálcio novo chegando pelo intestino, e isso obriga o corpo a pegar cada vez mais cálcio do osso, que vai sendo destruído nesse processo.
É por isso que a deficiência de vitamina D causa doenças que deixam os ossos fracos. Além dessa função clássica e muito bem conhecida da vitamina D, outros papéis dela foram investigados nas últimas décadas porque se descobriu que existem receptores, pequenas "fechaduras" pra vitamina D se ligar em praticamente todas as células do corpo, incluindo várias células do sistema imunológico, do cérebro e de vários outros órgãos. No caso da imunidade, o que a gente tem de evidência é que a deficiência de vitamina D pode agravar doenças.
Por exemplo, se duas pessoas pegam a mesma infecção e uma tem deficiência de vitamina D enquanto a outra tem níveis normais da vitamina, a que tem deficiência tem mais chances de ter um quadro grave dessa infecção. Nesses casos, receber um suplemento de vitamina D pode ajudar a tratar a infecção e curá-la mais rápido, da mesma forma que uma pessoa que tinha níveis normais. Mas não existe absolutamente nenhuma evidência de que suplementar a vitamina D previna ou impeça doenças ou que cure uma doença que já existe.
Exceto, claro, as doenças que a falta de vitamina D causa, como raquitismo e osteomalácia. Todas essas funções novas da vitamina D que a gente ainda tá tentando descobrir é muito novo e pouco elucidado. Então, eu não vou nem conseguir entrar em detalhes porque falta muita peça nesse quebra-cabeça.
Mas hoje a gente sabe que a vitamina D regula, em algum grau, a nossa imunidade e possivelmente outros sistemas do nosso corpo. Porém, a gente não consegue dizer de nenhuma forma que a vitamina D causa ou cura doenças que não estejam relacionadas aos ossos, simplesmente porque a gente ainda nem entende o papel dela fora desse sistema cálcio-osso-intestino-rim. Então assim, será que deu para entender onde eu quero chegar?
-Não. -Sim. ♪ [Laura] Todo mundo precisa suplementar vitamina D?
Resposta curta: não. Agora, a gente precisa ter uma conversinha sobre a resposta longa. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, os valores de referência pra vitamina D são: Pra população saudável, são desejáveis valores maiores que 20 nanogramas por ml.
Pra grupos de risco de ter deficiência de vitamina D, são recomendados valores entre 30 e 60 nanogramas por ml. Os grupos de risco são idosos, porque com a idade diminui a nossa capacidade de fabricar vitamina D na pele, além de diminuir a capacidade de absorver nutrientes no intestino, diminuir o funcionamento dos rins. Fica velho, o nosso corpo vai degradando algumas funções.
Outro grupo de risco são as gestantes, porque elas têm uma necessidade aumentada de várias vitaminas. Pacientes com enfraquecimento dos ossos, porque isso já é um indício de que alguma coisa tá desregulada nesse sistema cálcio-vitamina D. Além de pacientes com doenças inflamatórias e autoimunes, porque a vitamina D tem envolvimento no sistema imunológico.
E pacientes com doença renal crônica, já que é o rim que faz a forma ativa da vitamina D. Então se ele não funcionar bem, não tem como fazer vitamina D direito. Aí os valores entre 10 e 20 nanogramas por ml são classificados como insuficiência, com baixo risco ainda de causar doenças como raquitismo e osteomalácia.
E valores abaixo de 10 nanogramas por ml são classificados como deficiência, aí já com alto risco de fratura óssea e de desenvolver raquitismo e osteomalácia. E valores acima de 100 nanogramas por ml são considerados tóxicos, com risco de hipercalcemia, que é o excesso de cálcio no sangue. Uma condição que se for grave, pode causar infarto, coma e até morte, porque as células precisam de cálcio pra funcionar.
Só que se tiver excesso de cálcio, elas podem despirocar. E aí as coisas acontecem de uma forma que a gente não gostaria. -É, complicado.
[Laura] Ainda de acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, pessoas que não são do grupo de risco, que têm a vitamina D entre 20 e 30 nanogramas por ml não precisam de nenhum tipo de suplementação, só continuar tomando seu solzinho diário pra manter os níveis. A minha fica ali em torno de 26, o que meu médico chama de “vitamina D de paulistano”, de pessoas que ficam dentro de casa a maior parte da semana, e nenhum dos médicos que me acompanha recomendou suplementação porque ela tá justamente nessa faixa de 20-30, de acordo com a Sociedade Brasileira. "Ah, mas eu fiz exame e a minha deu 22, tá muito perto de 20.
Será que eu não preciso tomar suplemento? " -Não. [Laura] "Ah, mas eu ouvi dizer que existe uma epidemia de deficiência de vitamina D e todo mundo deveria suplementar".
Se a gente aumentar o valor mínimo considerado normal de 20 pra 30, aí uma série de gente vai ser considerada com vitamina D insuficiente e vai receber uma prescrição de suplemento. Eu inclusive cairia nesse grupo porque a minha tá acima de 20, mas abaixo de 30. Então, se 30 for o mínimo, eu caio como pessoa insuficiente.
Isso que eu falei com esse deboche, tipo “ai, se a gente mudar o gol”, aconteceu de verdade nos Estados Unidos. Sem nenhum tipo de base científica, subiram o valor de corte de 20 pra 30 nanogramas por ml, o que fez surgir um bom tanto de gente com "deficiência de vitamina D". Isso cria a impressão de que existe uma epidemia de deficiência de vitamina D no mundo porque a gente aumentou o valor de corte, e aí as pessoas todas de repente eram deficientes.
-Brilhante! Esse é o cara! [Laura] O interessante é que descobriram que o cara que influenciou essa mudança de aumentar o valor de referência, o Michael Holick, recebeu milhões de dólares de fabricantes de exames de vitamina D e de fabricantes de suplementos de vitamina D.
-Bufunfa, dindim, grana. . .
[Laura] Assim, nada suspeito, nada suspeito. Atualmente, o mercado de suplementos e exames de vitamina D movimenta mais de 1 bilhão de dólares por ano. As conclusões ficam com vocês.
-Ficou no ar. [Laura] Mas não existe qualquer tipo de evidência que diga que uma pessoa com vitamina D mantida acima de 30 nanogramas por ml é mais saudável ou desenvolve menos doenças do que uma pessoa que mantém a vitamina acima de 20. Nos estudos, os maiores benefícios de suplementação foram vistos pras pessoas que já tinham deficiência da vitamina.
Ou seja, abaixo de 20 não teve nenhum benefício pra quem já tinha níveis normais. E aí nem mesmo a prática de dar suplemento de vitamina D pra toda criança tem evidência de benefício pras crianças que não têm deficiência da vitamina. Alguns profissionais alegam que suplementar a vitamina D na infância poderia prevenir infecções respiratórias até o surgimento de asma.
Mas a gente não tem evidências pra dar suporte a essas afirmações. E aí, no fim das contas, não existe uma padronização de recomendação que mostre que toda criança precisa de suplemento, e o ideal então é suplementar quando a deficiência for detectada. E segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, até o valor de 20 nanogramas por ml pode ser questionado.
Alguns autores até sugerem que, pra maioria da população, manter acima de 12,5 já seria suficiente. Isso ainda é um debate, tá? Então por enquanto a gente segue as recomendações que eu falei agora há pouco: acima de 20 pra população geral, entre 30 e 60 pra população em risco de deficiência.
Outro ponto é que não existe recomendação de pedir exame pra dosar vitamina D como rotina pra uma pessoa saudável, sem sintomas ou que não faça parte de um grupo de risco pra deficiência. As pessoas do grupo de risco têm indicação de fazer exames de rotina. Caso contrário, só traz um custo do exame e uma ansiedade sem benefício prático, e que ainda pode levar a uma suplementação desnecessária.
Mesmo as pessoas do grupo de risco só devem receber a suplementação se os exames mostrarem deficiência. Já que falei de sintomas, os sintomas pra desconfiar de deficiência de vitamina D são: dores musculares, fraqueza muscular, queda de cabelo constante, dificuldade pra dormir, infecções frequentes e cicatrização mais lenta. Em 2017, eu morei fora do Brasil pra fazer uma parte do meu doutorado em uma cidade muito fria.
Então eu estava sempre com o corpo coberto, tomando pouco sol. Quando voltei pro Brasil, eu estava com quase todos esses sintomas que listei, mais especificamente queda de cabelo, dor muscular e dificuldade pra dormir. Eu procurei uma endocrinologista, até achando que estava com hipotireoidismo, porque os sintomas são muito similares, mas os exames mostraram que eu tinha deficiência de vitamina D.
Tomei a suplementação até os níveis voltarem ao normal e nunca mais precisei tomar. Sei que você pode pensar neste momento que vitamina nunca é demais, não vai fazer mal. -Achou errado!
[Laura] Mas no caso da vitamina D, o excesso dela pode fazer tanto, ou até mais mal, do que a falta, porque pode matar. Eu conheço inclusive uma pessoa que a filha de pouquíssimos meses de vida quase morreu porque entrou em hipervitaminose de vitamina D depois de receber um suplemento com a dose errada, tá? O excesso de vitamina D não é brincadeira.
E aí, só pra esclarecer, não tem como ter overdose, ou seja, hipervitaminose de vitamina D, com exposição ao sol, só com uso de suplementos, porque na exposição ao sol o nosso próprio corpo regula a quantidade. Uma dúvida comum sobre suplementos de vitamina D é se eles só funcionam se tomar sol junto. E a resposta é não.
Nem faria sentido que só funcionasse tomando sol porque muitos desses suplementos foram criados justamente pra serem tomados por pessoas que tomam pouco sol, seja por causa de onde elas moram ou porque têm alguma contraindicação clínica de não tomar sol. Sol é importante pro corpo fabricar a própria vitamina D, não pra ele absorver a vitamina no intestino, né, que você tá tomando. -Ah, agora eu entendi.
[Laura] Uma dúvida mais recente criada nas pessoas por alguns profissionais das redes sociais é que o suplemento de vitamina D só vai funcionar se você tomar junto vitamina K. E aí tem variações: vitamina K2, vitamina K3. O que esses profissionais não falam é que as bactérias do nosso intestino fabricam a vitamina K que a gente precisa.
♪ É. . .
É muito difícil ver deficiência de vitamina K, mesmo que a pessoa não coma alimentos ricos nela, como vegetais verdes escuros, tipo couve, brócolis, espinafre; as frutas como abacate, grãos como soja, incluindo óleo de soja, e até óleo de canola, queijo, ovo, carne. Tudo isso é rico em vitamina K. Mesmo que você não coma nada disso, a chance de ter deficiência dela é muito, muito baixa.
Sério, é uma deficiência muito rara, que só acontece em pessoas que têm uma deficiência de absorção de nutrientes, ou então que tiveram as bactérias do intestino destruídas por algum motivo. Então, mesmo que o suplemento de vitamina D só funcionasse se tivesse junto a vitamina K, o que não é verdade, tá? Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Você já tem a vitamina K junto, porque suas bactérias estão fabricando pra você ali, no mesmo lugar onde a vitamina D vai ser absorvida. Ah, e uma outra coisa sobre isso: só existem naturalmente as vitaminas K1 e K2. Vitamina K3 é uma forma sintética que não pode ser vendida como suplemento pra humanos porque ela é tóxica.
Ela destrói o fígado e as células vermelhas do sangue. Então, se você viu algum profissional recomendando suplemento de vitamina K3, corra pra bem longe, porque além de ser ilegal, é tóxico e não serve pra nada. Suas bactérias estão fabricando vitamina K pra você.
Eu fico imaginando as bactérias lá, ralando de fabricar vitamina K pra gente, pra pessoa tomar um suplemento. E aí chega a vitamina K pronta no intestino, e as bactérias olhando pra vitamina K pronta falam assim: "Eu sou uma piada pra você? " Não caia nessa.
Eu quero fazer um outro vídeo sobre a relação da vitamina D com algumas doenças como esclerose múltipla, doenças autoimunes, depressão, transtorno de ansiedade, e várias outras que começaram a ser associadas com deficiência de vitamina D recentemente. Então já deixa aqui nos comentários as suas dúvidas sobre isso pra poder entrar no próximo vídeo. E sobre quanto tempo de sol a gente precisa tomar pra fabricar vitamina D, eu conto na quinta-feira no nosso SAC, nosso Serviço de Atendimento ao Curioso, dessa semana.
Por enquanto, você vai compartilhar esse vídeo com todas as pessoas que precisam conhecer essa informação. Você vai se inscrever neste canal com conteúdo maravilhoso de ciência pra você. Vai deixar o seu like e vai comentar um amor, porque estamos gravando em janeiro, quando o mundo deveria estar de férias.
Então, deixar amor nos comentários é importante pra gente conseguir ter um bom ano. É isso, a gente se vê no próximo vídeo. Beijo, tchau!