Em 15 de dezembro de 1907, nascia, no Rio de Janeiro, um homem que tentaria se eternizar na história a partir do cimento e do concreto: um arquiteto cujos edifícios se destacariam pelas curvas sinuosas e provocantes no seio das cidades. Suas obras expressavam seus ideais e desejos mais íntimos e radicais. Seu nome: Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho.
Oscar Niemeyer é a figura mais conhecida da arquitetura no Brasil. Seu modernismo tropical é responsável por um legado não apenas arquitetônico, mas social e político. Seu estilo tornou-se um referencial para todas as gerações de arquitetos que o seguiram, e suas obras deixaram uma profunda marca visível até hoje na vida de todos nós, brasileiros.
Mas eu te prometo: existe um lado oculto nessa história. [Música] Oscar Niemeyer nasceu no seio de uma família abastada do Rio de Janeiro no início do século XX. Seu pai, Oscar de Niemeyer Soares, era tipógrafo e dono de uma gráfica, enquanto sua mãe, Delfina Ribeiro de Almeida, dedicava-se ao lar e à criação dos filhos.
O pequeno Niemeyer cresceu em um ambiente culturalmente rico, tendo acesso a uma educação de qualidade nos melhores colégios da então Capital Federal, o Rio de Janeiro. Durante sua juventude, Niemeyer começou a desenvolver o seu gosto pelas artes e pelo desenho, e não demorou para encontrar sua verdadeira vocação: a arquitetura. Na década de 30, Niemeyer presenciou, durante sua formação acadêmica, uma verdadeira revolução.
O recém-nomeado diretor do curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, Lúcio Costa, remodelou a educação da instituição com base nos princípios da arte modernista que crescia por toda a Europa durante a primeira metade do século XX. Artistas chamaram a atenção de todos com suas obras desafiadoras e provocantes. Esse movimento buscava romper com a tradição artística em todas as formas de arte.
Segundo os ideais do modernismo, a beleza não estaria mais associada aos valores clássicos ou a uma tradição, mas sim a uma percepção do espectador. Sob influência desse pensamento, a vanguarda artística europeia concebia uma nova visão de arte: a transgressão e a inovação foram os instrumentos dessa revolução. Ao trazer para o Brasil o modernismo arquitetônico, Lúcio Costa formava toda uma geração de arquitetos responsáveis por enraizar esse movimento na cultura nacional.
Paralelamente aos seus estudos, Niemeyer casou-se com Anita Baldo em 1928 e, poucos anos depois, em 1931, Ana Maria Niemeyer, a primeira e única filha do casal, nasceu. Em seu terceiro ano de faculdade, ao invés de estagiar numa firma construtora, como era comum, Niemeyer decidiu, mesmo passando por dificuldades financeiras, trabalhar voluntariamente no escritório de Lúcio Costa. O contato com o diretor do seu curso foi importante para o crescimento profissional de Niemeyer, pois trouxe ao jovem arquiteto uma real materialidade sobre as ideias modernistas.
Costa acreditava que os avós do estilo internacional na Europa representavam uma manifestação do progresso e de uma verdadeira arquitetura contemporânea. Niemeyer se formou em 1934 e, dois anos mais tarde, em 1936, foi incluído na equipe de Lúcio Costa para projetar a nova sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. Dentre os integrantes da equipe de que Niemeyer participava, havia um grande nome da arquitetura modernista europeia: o arquiteto franco-suíço Le Corbusier.
Durante a sua estadia no Rio de Janeiro, Le Corbusier foi consultor do projeto e trabalhou ao lado de Niemeyer. Essa proximidade com o mestre europeu influenciou muito a arquitetura que Niemeyer iria desenvolver. Para Le Corbusier, a arquitetura era um modo de esculpir o amanhã por meio do que se construía durante o hoje.
Suas obras eram como instrumentos para lapidar o futuro, instrumentos para projetar e construir não apenas um novo mundo, mas um novo homem. Se você quiser conhecer mais sobre a história de Le Corbusier e o impacto da revolução modernista, assista ao segundo episódio do documentário "O Fim da Beleza", disponível na plataforma de assinantes da Brasil Paralelo. O Estado Novo de Getúlio Vargas compartilhava de um entendimento semelhante ao de Le Corbusier.
Vargas tinha a ambição de projetar e construir um novo país, uma nação que abraçasse o progresso, um Brasil moderno. O Ministério da Educação, incumbido de moldar o novo homem brasileiro e moderno, buscou transparecer em seu novo edifício os ideais do Estado Novo. Durante a construção do prédio, a experiência e o contato com Le Corbusier conferiram a Niemeyer a habilidade e a oportunidade de se destacar.
Logo, em 1939, com o afastamento de Lúcio Costa do projeto, Niemeyer assumiu a liderança. A obra foi concluída em 1943 e tornou-se o primeiro grande marco da arquitetura modernista no Brasil. A influência corbuseriana ficava cada vez mais nítida já nos primeiros projetos de Niemeyer, mas foi a partir do convite de Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, que ele pôde conceber a sua primeira grande obra autoral: o Complexo da Pampulha.
Niemeyer projetou um conjunto de edifícios em torno de um lago artificial, incluindo um cassino, um iate clube, um restaurante e a famosa Igreja de São Francisco de Assis, com suas formas curvas e ousadas. A Pampulha trouxe grande visibilidade para o arquiteto, mas esse reconhecimento veio acompanhado também de críticas e polêmicas. O arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral, se recusou a consagrar a igreja construída por Niemeyer por considerá-la muito moderna e não condizente com os padrões tradicionais da arquitetura religiosa.
Segundo um artigo publicado na revista Architectural Record em 2013, "a Igreja de São Francisco de Assis, parte do Complexo da Pampulha, foi considerada tão radical que o arcebispo local se recusou a consagrá-la por vários anos, chamando-a de 'o abrigo antibombas do diabo'. " Houve também críticas sobre o fato de Niemeyer privilegiar, em suas obras, a estética em detrimento da funcionalidade e do conforto dos usuários. Seus edifícios chamavam a atenção e impressionavam por fora, mas não eram agradáveis por dentro.
Com o sucesso da Pampulha, Niemeyer alcançou a fama, e não demorou para esse reconhecimento resultar. . .
Em contratos e obras, durante os anos 40, o arquiteto foi responsável por projetar inúmeros edifícios. Mas nenhum deles foi tão icônico e simbólico como a sede das Nações Unidas. A ONU, cuja Face Oculta eu já revelei, formou uma equipe internacional encarregada de projetar sua sede em Nova York.
Dentre diversos projetos apresentados e, após muita discussão, uma solução que misturava as ideias do jovem Niemeyer e seu mestre Lúcio Costa foi aprovada. Difícil, meu projeto. O livro que eu publiquei tem uma fotografia: todos me abraçando.
Era um projeto assim. O projeto que eu fiz tinha um bloco aqui alto e o prédio era aqui. Eu dividi o terreno em dois.
No meu projeto, eu botei o bloco aqui, separei os conselhos da Grande Assembleia, botei os conselhos aqui e a Grande Assembleia aqui. Eu quis criar a Praça das Nações Unidas. Meu projeto foi escolhido, mas o presidente no dia seguinte me procurou e me pediu para botar esse prédio aqui.
Acabava com a praça, mas eu senti que ele gostaria de fazer o projeto dele, e ele era o mestre. Eu disse: "Eu não me arrependo". Então, o meu projeto era 23, o meu era 32.
Nós apresentamos o seu projeto: 23, 32, quer dizer, é isso que está lá construído. Houve depois pequenas modificações, mas se você olhar a planta, o projeto que eu fiz com a modificação do Czer assumia o projeto da sede da ONU. Posicionou o nome de Niemeyer internacionalmente, mas isso não afastou de suas raízes.
O arquiteto ainda viria a realizar diversas obras pelo Brasil, e uma delas mudaria para sempre a história de nosso país: a construção da Nova Capital Federal, Brasília. Em 1956, convidado pessoalmente pelo ex-prefeito de Belo Horizonte e agora presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, Niemeyer aceitou o desafio de criar os principais edifícios públicos da Nova Capital, em parceria com o seu amigo Lúcio Costa, responsável pelo plano piloto. Eles projetaram uma cidade dos sonhos, uma obra que refletiria o ideal de um país do futuro.
Niemeyer tinha carta branca de JK para inovar e ousar em seus projetos; o presidente queria uma capital moderna e futurista que representasse o espírito desenvolvimentista de seu governo. Niemeyer não decepcionou; seus edifícios de formas curvas e arrojadas, como o Congresso Nacional, com suas icônicas cúpulas, e o Palácio da Alvorada, com suas elegantes colunas, tornaram-se os símbolos da nova nação. O ritmo de trabalho durante a construção de Brasília era frenético.
Niemeyer e sua equipe trabalhavam até altas horas da noite, projetando e fazendo alterações em tempo real enquanto as obras avançavam em ritmo acelerado. Conta-se que certa vez Niemeyer teria dito a JK: "Presidente, eu projeto de dia e a obra acompanha à noite". Novamente, Niemeyer enfrentou críticas e polêmicas, algumas semelhantes àquelas que recebeu em seu trabalho no complexo da Pampulha.
Alguns questionaram a viabilidade e o custo de seus projetos megalomaníacos; outros o acusaram de criar uma arquitetura desumana, mais preocupada com a estética do que com a funcionalidade e o conforto das pessoas. Uma crítica que também se repetiu envolveu a Catedral de Brasília, com sua forma extravagante de coroa de espinhos. A Catedral foi inicialmente rejeitada por alguns setores da Igreja Católica, que a consideravam profana.
Niemeyer, no entanto, defendia sua criação como uma homenagem à fé e à espiritualidade. "Eu procurei já uma mala, um acesso, uma área escura, não é? Vai criar o contraste de luz, depois faço umas aberturas transparentes.
Os crentes que eu não acredito em nada, né? Os crentes pensaram que o senhor está lá sentado. " Outra curiosidade envolveu a icônica Praça dos Três Poderes, que abriga o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Niemeyer teria se inspirado nas curvas de uma mulher para desenhar a praça, com seus edifícios deitados sobre o terreno. "Você tem as montanhas, Rio dentro dos olhos, não é? Mas não é, também, tem outras coisas, não é?
Tem mulher também que nos atrai. De modo que minha arquitetura não é o que dizia que eu tinha 'monanjo' nos olhos. É o que o André Mar dizia sempre, que ele tinha um museu particular onde ele guardava tudo que ele tinha visto e amado na vida, sem querer que esse que tá dentro de mim, ele é mais sacana do que eu; ele só pensa sacanagem, né?
Então ele tem as ideias mais absurdas, né? Ele quer, às vezes, que a gente faça uma coisa que não é possível, a gente tem que se encontrar, né? De modo.
. . E ele que me leva pra arquitetura, né?
Ele gosta da curva, ele gosta de mulher, ele gosta das coisas mais fascinantes, não é? Eu acho que é isso, acho que é a base da vida. " "Sou um bicho como os outros qualquer.
Só penso nisso. Sem a mulher não há razão pro homem viver, né? É inevitável.
A mulher é a companheira do homem, indispensável. O ser humano é a rainha dos homens, fantástico, né? " Segundo o antropólogo e professor da Universidade da Califórnia, James Holston, a capital foi projetada tanto urbanisticamente como arquitetonicamente como uma verdadeira utopia.
Em seu livro "A Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia", Holston afirma que o plano urbanístico de Brasília acaba por segregar a população de acordo com a classe social e a ocupação. Isso cria uma divisão entre a elite política que habita o Plano Piloto e a população mais pobre que vive nas cidades satélites ao redor, um contraste com a configuração urbana de nossa antiga capital, o Rio de Janeiro, que cresceu de maneira orgânica e espontânea ao longo dos séculos. Holston também explica que a localização dos principais edifícios governamentais, isolados por vastos espaços vazios, cria uma sensação de distanciamento entre a população e os centros de poder, reforçando a ideia de.
. . Que a política é uma atividade reservada a uma elite distante, ele ainda argumenta que a arquitetura monumental e grandiosa de Brasília cria uma sensação de opressão e insignificância para o indivíduo comum.
A escala e a uniformidade dos edifícios reforçam a ideia de um poder centralizado e autoritário. Mesmo com a presença de centenas de milhares de pessoas, a impressão é que o povo não é capaz de lotar os enormes espaços projetados. Por fim, Houston sugere que há semelhanças entre a arquitetura monumental e grandiosa de Brasília e os projetos arquitetônicos patrocinados pelo Estado em países comunistas; essas semelhanças não são apenas estéticas, mas também refletem uma visão política e ideológica compartilhada.
Assim como a arquitetura stalinista é carregada de simbolismo político, os edifícios e espaços em Brasília foram projetados para transmitir mensagens sobre o poder do Estado e a ideologia dominante. Brasília, desde sua construção até hoje, simboliza a política brasileira centralizada e distante, isolada tanto geograficamente como realisticamente da vida prática e concreta do povo. Apesar de ter sido confrontado por seus contemporâneos devido às contradições entre seu discurso político e seu estilo de vida burguês, Oscar era um comunista convicto, tendo até mesmo se ligado ao Partido Comunista Brasileiro em 1945.
Sua militância no PCB e seus posicionamentos ideológicos lhe renderam perseguições durante a ditadura militar. Ele teve seus direitos políticos caçados; Niemeyer se exilou voluntariamente em Paris e lá abriu um escritório de arquitetura. No mesmo ano, ele começou a projetar a sede do Partido Comunista Francês.
O arquiteto retornou ao Brasil em 1985, após anistia política e o início da redemocratização do país. Ele deu continuidade à sua carreira, realizando projetos como o Memorial da América Latina, o Museu da Arte Contemporânea de Niterói e o Memorial JK em Brasília. Até seus últimos dias, Niemeyer manteve-se ativo e fiel aos seus princípios estéticos e ideológicos.
Prova disso é o fato de que, em 2005, aos seus 98 anos, ele concedeu uma entrevista ao jornal Brasil de Fato, em que confirmava seu ideal comunista. "O comunismo é a solução", perguntou o jornalista. Niemeyer respondeu: "O comunismo resolve o problema da vida, faz com que a vida seja mais justa e isso é fundamental.
Mas o ser humano, este, continua desprotegido, entregue à sorte que o destino lhe impõe". Na arquitetura, o senhor está trabalhando em algum projeto que traduza a sua visão atual do Brasil e do mundo? "Se eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos.
Mas se isso não é possível, limito-me a reclamar. O mundo mais justo que desejamos, com os homens iguais de mãos dadas, vivendo dignamente esta vida curta e sem perspectivas que o destino lhes impõe. Arquitetura não tem função social, deveria ter; quando ela é bonita e diferente, proporciona, pelo menos, aos pobres e ricos, um momento de surpresa e admiração.
Mas quanto a lero-leros. . .
Na verdade, o que nós queremos é a evolução". Em outra entrevista, dada ao jornal Correio Braziliense um ano antes de morrer, Niemeyer foi questionado se Hugo Chávez ainda era uma boa opção, mesmo com tantas críticas à sua tirania, e apesar de tantos tropeços. Niemeyer respondeu: "Ele esteve aqui, é uma figura fascinante, tão inteligente.
Eu tenho confiança nele. Tem que ter um brigador, ele é um guerreiro. Se não brigar, não se faz nada".
Oscar não foi amigo apenas de Hugo Chávez, mas também do ditador cubano Fidel Castro. [Aplausos] Ele morreu em 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos. Ele realmente se eternizou por meio de suas obras.
Sua arquitetura marcou a história brasileira e mundial, refletindo a contradição entre os seus ideais e o resultado real de seu trabalho. Niemeyer ousou sonhar com um mundo mais livre e humano, mas acabou por construir arquitetura determinista e artificial. Brasília, sua obra-prima, é o exemplo dessa contradição: uma capital construída para ser uma verdadeira utopia, o símbolo de um país que há muito tempo aguarda o tão prometido futuro que parece nunca chegar.
Se você sabe de alguém que não conhece esse outro lado da história de Oscar Niemeyer, recomende que faça a assinatura da Brasil Paralela. E para aqueles que acham que os seus segredos estão enterrados em segurança nas covas perdidas da história, tenham cuidado, pois existem três coisas que não podem ser escondidas por muito tempo: o sol, a lua e as faces ocultas que eu vou revelar.