Roxelly: Por que você tá tristinha assim dona Rita? A Roxelly, perdemos 15% do Pantanal, a Amazônia com desmatamento recorde, queimada. O Brasil passou de 130 mil mortos por causa da pandemia.
A gente está com os Correios em greve, eles vão ter que fazer greve de um mês pra ver se consegue alguma coisa, a privatização a toque de caixa. Tem essa "Reforma Administrativa" que não vai mexer em quem ganha 30 mil por mês, vai fod*r com os professores, os assistentes sociais, as enfermeiras, a galera da base. Tem também o corte do Auxílio Emergencial, né?
Que agora é a metade do valor e só até dezembro. E além de tudo isso ainda tem o cheque do Queiroz de 89 mil na conta da Michelle e ninguém fala sobre isso. Roxely: Dona Rita, mas você tem que cuidar da sua saúde mental, né?
A vai a merda menina nojenta! Put* que pariu! Bom, como você já deve ter visto em algum local desta tela o tema do vídeo de hoje é setembro amarelo, suicídio e saúde mental.
E vocês sabem galerinha, que se você assistiu a introduçãozinha do nosso vídeo, talvez você tenha o assistido como um todo. No vídeo de hoje, eu vou tentar discutir com vocês em 3 capítulos, em 3 partes dessa nossa discussão. E uma delas é o combate a esse ethos neoliberal que coloca toda a responsabilidade no indivíduo sem olhar para o grupo social ou para a sociedade em si.
Então quando eu começo o vídeo respondendo a Roxelly porque to tristinha, e ela me manda cuidar da minha saúde mental, a gente pode responder: antes ou depois de queimar o Pantanal? Só pra rimar, pois poetisa. Então quando a gente fala sobre setembro amarelo, esse mês que ganha essa cor especial, pra dar voz a um combate que a gente faz, a uma luta social que a gente desempenha, é importante localizar que ela vai ter seu início, mais ou menos alí em 1994 nos Estados Unidos quando um jovem chamado Mike Emme comete suicídio.
O Mike tinha só 17 anos e ele havia recuperado um carro de época, um Mustang 68, pintado ele inteiro de amarelo, que era a cor favorita dele. E a família não percebia que havia alguma coisa acontecendo, os amigos não encontravam espaço pra conversar sobre isso e a saúde mental desse rapaz foi se degradando, degradando até o ponto que ele não viu alternativa e cometeu esse suicídio. Conta a história que, desde então, foi preparado uma cesta no velório desse menino, com mensagens atadas em uma fitinha amarela, que diziam: "Se você precisa de ajuda, encontre alguém para conversar".
Algo assim. E partir de então, começa essa campanha, nesse mês, pra gente conscientizar as pessoas dos impactos e pra gente não negligenciar nossa saúde mental e pensar alternativas de prevenção ao suicídio. Aqui no Brasil a campanha acontece lá em 2015, e os dados brasileiros são bastante alarmantes, né?
Eu to aqui pegando a minha caderneta, só pra que a gente vá pontuando algumas coisas. Então, por exemplo, todos esses dados vão vir pela OMS, eu to deixando referências aqui em baixo, incluindo esse primeiro relatório da OMS. Vai estar tudo aqui na descrição do vídeo.
Pra que a gente entenda a dimensão do problema que a gente tá falando, é importante que vocês saibam que a estimativa é que todo ano a gente tenha por volta de 1 milhão de pessoas que cometem suicídio, e isso nos daria alguma coisa como, a cada 40 segundos uma pessoa encerrando a própria vida. Aqui a gente vai tentar fazer essa discussão sobre a gravidade, vai buscar um lastro histórico dessa reflexão, e apontar alguma coisa lá pro fim do vídeo. Segundo a OMS, quando estamos falando de adoecimento psíquico, e portanto, de suicídio como decorrência a gente tá falando de um problema de saúde pública.
Pra vocês terem uma ideia, também segundo a Organização Mundial da Saúde, o suicídio é mais letal do que as doenças e falecimentos em decorrência de câncer e do vírus HIV. Pra populações jovens ali de 15 a 29 anos de idade, o suicídio figura como a segunda maior causa de mortes. E vale também pontuar que segundo a OPAS, a Organização Pan-Americana da Saúde, 79% dos suicídios aconte em países pobres e de baixa renda Então, a tentativa aqui também é articular a ideia de que a gente não pode mirar nesse problema, a fim de enxugar gelo, afim de tapar o sol com uma peneira.
Se quase 80% dos suicídios acontecem em regiões e países empobrecidos, sucateados, é importante que a gente perceba que existe um lastro social como causa, como agravante desses problemas. O suicídio ele é uma saída definitiva pra problemas que nunca são definitivos. Muito provavelmente, em outro sistema de vida, em outras condições de vida, as pessoas não optariam por essa fatalidade.
É importante pontuar aqui também, que quando a gente pensa em países com maior índices de desenvolvimento humano e etc, de distribuição de renda, eles não estão salvos dessa mazela social. Esse nosso sistema de competição, de exploração, ele vai deixando danos psíquicos que são muito graves. Quando a gente pensa no Japão, nos países da Escandinávia, a gente vai ver números muito altos de casos de suicídio.
O que nos mostra que todas as classes estão sujeitas a elas, mas como tudo o que acontece de fenômeno social, isso é desigual. A gente também pode levar em consideração que grupos oprimidos, grupos minorizados, grupos inferiorizados, tem maior tendência ao suicídio. Quando a gente fala de pessoas LGBT, em especial pessoas trans.
Quando a gente fala de imigrantes, quando a gente fala de refugiados, quando a gente fala dessas pessoas extramamente empobrecidas, os números de suicídio vão ficando cada vez mais alarmantes. E agora a gente entra na parte dois do vídeo, né? Que é o processo histórico, versus o ethos liberal.
Esse ethos liberal, esse espírito, é essa ideia que eu falei lá no início do vídeo, de culpabilizar, de responsabilizar o indivíduo e não analizar esse acontecimento como um fenômeno social, como um produto das nossas relações e formas de organizar a vida social. Quando a gente está falando de suicídio, a Organização Mundial da Saúde nos diz que, a cada 10 suicídios, 9 podem ser prevenidos com tratamento e diálogo. E vale que a gente pontue, prevenidos como e prevenidos pra quê?
Esses corpos que serão mantidos vivos, serão mantidos vivos para quê? A gente está falando sobre qualidade de vida ou a gente está falando sobre continuar na exploração? A gente está falando sobre um novo horizonte de perspectivas ou a gente está falando sobre um afunilamento das possibilidades de vida?
E aí, o capitalismo que nos diz: Capitalismo: Ah, dá pra salvar 9 dessas 10 pessoas. As quer salvas para quê? Pra que elas continuem produtivas ou pra que elas tenham saúde e vida?
Essa é uma discussão que a gente precisa fazer. Aqui quando eu fui buscar material pra que a gente fizesse essa reflexão, eu fiz um apanhado histórico de uma trajetória sobre pensadores que refletiram acerca do suicídio. Aqui no canal a gente já falou sobre alguns deles, e eu vou indicar os vídeos aqui.
O primeiro deles foi o Engels, lá em 1845 quando ele escreve A posição da classe trabalhadora na Inglaterra. Aqui no canal a gente falou desse vídeo no Repensar a prisão. Ta aparecendo em algum dos dois dedos, eu não sei qual é, a Roxelly vira a tela.
E aí o Engels quando ele analiza como vive, o quão precarizada é a situação da classe trabalhadora, os piores lugares da cidade, muita doença, pouca comida, nenhuma expectativa de melhora, nenhuma infraestrutura, ele percebe que essas classes estão condicionadas a: passar fome, ser explorada até morrer ou o suicídio. E o número exorbitante vai escolher o crime ou o suicídio. A gente falou disso no Repensar a prisão, porque é a época na qual a população carcerária da Inglaterra se tornará a maior da Europa, como resultado de um capitalismo industrial sem direito trabalhista, sem nenhum tipo de perspectiva de melhora de vida da classe trabalhadora.
Bom, aí no ano seguinte o seu Karlinho publica Sobre o suicídio, uma obra que parte das reflexões feitas por um funcionário da polícia francesa, o Jacques Peuchet. E o Marx nessa obra, que era inédita no Brasil, até esse projeto da Boitempo, de traduzir toda a obra Marxiana, vai fazer uma reflexão interessante, porque olhando para a esfera da vida pessoal, ele articula com as relações de opressão de classe, de propriedade. E o Marx vai mostrando como a gente ao discutir o suicídio, está defrontado com uma mazela social.
Nessa obra também, o Marx antecipa várias questões da opressão da mulher, do direito ao aborto, ao planejamento familiar, das questões de posse entre pessoas. E a análise aqui colocada é em especial essa, na introdução o Michael Löwy fala isso, como a gente pode olhar pra essa obra e perceber o Marx falando da esfera pessoal como reflexo dessa estrutura que condiciona as nossas relações. Mais pra frente, em 1897, o Durkheim publica o seu sobre O suicídio.
Pra você que não tá familiarizadinha, familirizadinho, existem esses três pensadores que são as bases, o tripé dessa nova ciência que tava aparecendo no mundo no século XIX, que é a sociologia, o Max Weber, o Durkheim e o seu Karlinho. É muito interessante ler esse Sobre o suicídio do Durkheim, que é o primeiro estudo metodológico, com método sociológico sobre o suicídio e compará-lo a esse texto do jovem Max, porque nessa comparação fica explícita como a esfera da exploração, da relação social como produto desse sistema, está muito explícita no Max, e de certa forma velada no Durkheim, né? Durkheim vai falar que existem 4 tipos de suicídio, que ele acontece em todas as classes sociais, que existe uma prevalência dele nesses países do norte da Europa, da Escandinávia.
Mas a obra do Max vai deixando claro esses dados que eu trouxe pra vocês no início do vídeo, como ele é majoritariamente reflexo de um empobrecimento, como o suicídio é um fenômeno comum nas classes subalternizadas, nas classes superexploradas, que não veem saídas pro seu sofrimento em vida. E aí a gente chega finalmente a 1929, quando o Freud publica O mal-estar na civilização/ mal-estar na cultura, depende da tradução que você for pegar, porque a palavra Kultur em alemão significa essas duas coisas, cultura e civilização. A gente já falou desse livro aqui em Medicina não é saúde.
E o que o Freud vai nos dizer? A mesma coisa que o seu Raymondinho nos diz, que é o seguinte, anjux, não existe saúde se não for saúde pública, porque a doença do outro vira a minha doença. Não existe educação se não for educação pública, porque a ignorância do outro me afeta, esse é o seu Raymondinho.
Mas nessa obra em específica, o Freud vai nos dizer, é possível pensar em saúde em uma cultura doente? É possível pensar saúde em uma sociedade que nos adoece? E se a gente pensa saúde, a gente pensa como e pra quem?
Essa é a reflexão que eu estou tentando travar aqui com vocês. E aí finalmente, a gente chega ao ponto 3 do vídeo. Quando a gente está tratando esse campo das nossas culturas e de pensar o suicídio também como um fenômeno cultural, como um produto gerado por essa cultura, eu chego a Natalie Wynn, ela vai aparecer aqui.
O que vai acontecer? A Natalie Wynn é uma filósofa brilhante que tem esse canal aqui no Youtube chamado ContraPoints. Hoje eu vou falar em específico de um vídeo dela que tem mais de 1 hora e 40 minutos de duração, ela faz verdadeiros filmes pro canal dela, e esse até onde eu vi, ele tinha legendas em português até quase 1 hora de vídeo.
A partir de então fica sem legendas, por isso que vou tentar trabalhar com vocês aqui o entendimento desse vídeo pra apontar o que eu preciso. O vídeo se chama Canceling, e ele é sobre cancelamento e saúde mental, saúde psíquica. Mas, infinitamente mais do que isso, ele é sobre as nossas posturas nessa nossa nova "cultura", que é a cultura digital, que é a cultura da internet, que é a cultura do enxame, do rebanho, e que é a cultura da rede social que não tem nada de social.
Também como tripé pra essa reflexão, eu vou usar Natalie Wynn, Heribaldo Maia que é curador do projeto Mímesis e que lá fez um vídeo muito lega, vai ficar na descrição. E a nossa amiga linguista, Janaisa Viscardi que recentemente fez um post exatamente sobre isso, sobre quando a gente troca o tempo, a gente também está trocando a demanda. To falando desse tempo da internet que é infinitamente acelerado.
Essa timeline infinita, esse conteúdo infinito, esses mil vídeos e etc. Então quando a gente troca a velocidade na qual o tempo transcorre e o nível de demanda que chega em nós pra que apreendamos coisas, pra que façamos reflexões, a gente vai ficando cada vez mais superficial, mais acelerado e mais ansioso. O resultado de pensar a cultura cibernética é pensar que a gente tá cada vez mais acelerado, raso e perdendo a capacidade de diálogo.
O ambiente da internet, se não é de certa forma melhor administrado por nós, olha o ethos liberal culpando o indivíduo. Se não é melhor administrado por nós, ou se não pode ser socialmente reformulado? Porque também cabe aqui pensar, se a internet não é produto das nossas relações.
Se ela tem mesmo esse poder de produzir novas relações ou se novas relações estão se materializando nesse meio digital. Fica aqui essa reflexão. Como a gente na internet assume essas posturas mais rasas, mais rápidas, mais ansiosas e também mais virulentas, mais odiosas, mais beligerantes, mais raivosas?
Mas dona Ritinha, por que a senhora tá falando de rede social no setembro amarelo? Não, isso é óbvio! Por que você tá falando de rede social se o vídeo é pra tratar suicídio?
E aí moçadinha, tem muita coisa que eu precisava falar. Primeiro que setembro tá sendo assim, um mês do cão. Tadinho, o cão não tem nada a ver com isso.
Um mês do Bolson*** na minha vida, porque eu tenho visto meus amigos, Jones Manoel, a Sabrina Fernandes, o Humberto Matos, a Marilia Moscovich, a Dimitra Vulcana, a Laura Sabino. Tem até os meus amigos que não são marxistas, a Gabriela Prioli. Sofrendo ataques que são feitos de uma forma que é bizarra, que me faz pensar se eu quero mesmo fazer parte disso aqui.
Mas eu acredito que a nossa presença aqui é pra disputar narrativa, é pra tentar transformar as coisas, então eu acho que é importante eu estar aqui. Mas esses ataques que ele vem sofrendo estão muito bem citados e estudados nesse vídeo da Natalie Wynn. Então a gente tem August Ames, essa atriz, que era uma atriz de cinema pornográfico, que cometeu suicídio em 2017, tendo como um dos últimos episódios na sua vida, um exame de ódio a ela direcionado, quando ela disse no Twitter que ela não participaria de um filme que tinha um ator que que tinha acabado de atuar em um filme pornô gay.
E ela disse isso porque lá em 2017, segundo ela, segundo a percepção dela, segundo o que ela sabia do mundo, os testes de saúde dentro desse cinema gay eram muito diferentes dos heterossexuais e ela estava fazendo isso pela segurança e saúde dela. Esse tweet dela foi interpretado como homofobia, ela sofreu uma enxurrada de ódio durante dias seguidos, ela tinha um quadro de depressão e ansiedade graves que devem ter sido agravados, gatilhados por esse episódio, e ela então se suicidou. Estou dizendo isso porque esse vídeo Cancelamento da Natalie, ele não fala sobre cultura do cance.
. . ele fala sobre cancelamento de vidas.
Porque né? Não tem como cancelar um bilionário branco. Ele vai continuar bilionário e branco!
A gente tem que pensar a cultura do cancelamento para as nossas irmãs tras e travestis que são assassinadas, pessoas que se suicidam porque não tem outro horizonte de possibilidade na vida. Então esse vídeo se chama Cancelamento porque ele trata dessa questão, de como parte do nosso adoecimento psíquico, juventude na internet, tá intimamente ligado com essas dinâmicas doentias da rede. E aqui eu estou trazendo ela maravilhosa, porque ela vai vai analisar a cultura do ódio, o ódio na internet como um produto e um fenômeno de cultura.
E esse "woopy" que apareceu na tela foi porque de cada lado meu apareceu o Adorno e o seu Raymondinho. Um dos pontos interessantes dessa análise da Natalie é que ela desmembra a cultura em 7 aspectos, quase como se a gente conseguisse identificar o que é crítica e o que é ataque, através desses passos que ela menciona no vídeo. E é importante delimitar isso porque nesse nosso tempo parece haver um apagamento aqui.
É quase como se a gente entendesse que a partir da tela entre nós, qualquer coisa pode ser dita, né? A gente não vê exatamente que existe um ser humano que vai receber aquilo e quais podem ser os impactos de uma enxurrada, de um enxame massivo de ódio, de ofensa pra vida daquela pessoa, pra saúde mental daquela pessoa. E aí eu adoro a hipocrisia so setembro amarelo, e todo mundo postando: "Aí setembro amarelo, cuide da sua.
. . " Ao mesmo tempo que, as vezes no mesmo dia, a pessoa está xingando, fazendo esse tipo de perseguição, esse tipo de assassinato do caráter das pessoas na internet.
Mas enfim, vamo lá! Aqui não dá pra gente discutir a filosofia do direito, mas um dos passos primeiros da justiça é a presunção de inocência, ou seja, é quando a gente tá falando sobre algo assim, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Esse lugar é importante pra que a gente não caia em um mundo distópico onde a acusação é a sentença.
Então se alguém aponta pra você e diz "ASSASSINO", você é um assassino e, portanto, você vai ser linchado na rua. A presunção de inocência é, todas as pessoas, independente da acusação que lhes for feita, são inocentes, até que depois de um processo de coleta e análise de provas, a sua culpa fique enunciada. Quando a pensa o cancelamento e essa dinâmica odiosa da internet, as acusações viram as sentenças, e todo mundo é culpado até que prove sua inocência.
O segundo ponto que a Natalie fala é sobre abstração. Quando a partir de uma frase a gente abstrai algo que não está ali. Então ela usa um exemplo pessoal da vida dela, eu vou usar o que a gente fez no vídeo do Capacitismo.
O fato é, há não sei quanto tempo atrás, no horário tal, numa troca de mensagens: Rita Von Hunty diz "quero muito mas não tenho tempo", e aí a abstração é: Rita Von Hunty é capacitista. Esse fenômeno do ódio como política, esse fenômeno do cancelamento precisa dessa abstração, né? E transforma a abstração nessa apreensão rasa que a gente consegue fazer da realidade.
E o terceiro ponto está intimamente ligado com esse, sobre essencialismo. Quando a gente se distancia da crítica a atitude e se liga com a crítica a pessoa. E quando o verbo "fez, disse, alegou, escreveu, tweetou" passa pro verbo "ser e estar", né?
Então tal pessoa, é tal coisa! E a gente luta nesse campo essencial. Então se a pessoa é racista, distrói a pessoa!
Se a pessoa é homofóbica. . .
e não é, "a pessoa fez uma declaração", não, a pessoa é! E aí portanto, ela passa a ser um inimigo, uma inimiga. O quarto ponto é quando esse ataque pessoal disfarçado de crítica é feito a partir de uma posição elevada moralmente, pseudo moralmente elevada ou pseudo intelectualmente elevada.
E aí, o ataque ganha um ar de crítica porque queremos sujeitos melhores, porque queremos que as pessoas melhorem, e aí quando a gente analisa como ela é feita, a gente percebe que isso não existe. Isso não existe por causa do quinto ponto, que dentro dessa cultura, não há perdão. Então não importa se a pessoa se desculpe, a desculpa não é legítima.
Não importa se a pessoa apresente uma ação mitigadora do que ela fez, a ação não é legítima. Então não existe possibilidade de que a coisa seja perdoada. E aí eu vou ficando cada vez mais assustada com a genialidade da Natalie, porque o ponto seis que é talvez um dos mais interessantes, é a propriedade transitiva do cancelamento.
Então a partir de agora uma pessoa cancelada é contagiosa, e se você a segue, se ela faz parte do seu círculo de amigos, se você tem um vídeo com ela, você também "pegou" o cancelamento. Você está doente da mesma coisa. Você passou para o lado errado da força.
Você passa a ser um inimigo. A parte sete é sobre um dualismo e também essencialismo. O mundo acontece de forma binária.
Só existem luz e sombra, pessoas boas e pessoas más, fadas sensatas e cancelados, cancelades. Essa ideia faz com que a todo momento o enxame da internet esteja à procura do momento em que a máscara escorrega, e você vê a essência da pessoa racista, homofóbica, machista, má! E a partir daquele momento ele é seu inimigo e ele tem que ser destruído.
Essa ideia de que só existem esses dois lugares para estar, racista e antirracista, misógino e antimisógino, faz com que a gente, de novo, essencialize os seres humanos como se eles fossem aquilo e não como se eles tivessem posturas daquela forma. Quando a gente não olha pra todas essas opressões que a gente conhece, a gordofobia, o capacitismo, o machismo, o racismo, e a gente esquece que eles são estruturais, que eles fazem parte de como a sociedade foi construída, né? Como a sociedade foi construída, capitalismo.
Se a gente esquece disso, e essencializa o debate, a gente se incapacita de fazer luta política. A gente se incapacita de lutar por uma mudança estrutural. É o entendimento de que numa estrutura racista, a gente está o tempo todo estabelecendo lutas antirracistas, mas a estrutura que nos engloba é racista.
Em uma estrutura gordofóbica, a gente está a todo tempo lutando contra a gordofobia, mas a estrutura que nos engloba é gordofóbica. Eu tô falando de catraca de ônibus, eu tô falando de assento em restaurante, você tá entendendo? A estrutura!
E se a gente olha pra pessoa como, "Ai ela tem uma essência mázinha! Corte-lhe a cabeça! " A gente não está fazendo luta política, a gente voltou para o ethos liberal.
A culpa é do indivíduo, a gente não pensa a estrutura social. E pra concluir, eu peguei dois excertos de um texto que eu gostaria de ler com vocês, lá dos anos 70, meados dos anos 70, da Jo Freeman, uma feminista importante nos Estados Unidos, que publicou um texto chamado Trashing: The Dark Side of Sisterhood, alguma coisa como, Trashing, que eu não vou encontrar a tradução, mas seria jogar no lixo, descartar, tratar como lixo, o lado obscuro da irmandade. Ela vai falar de tretas que teve dentro do movimento feminista norte americano em Chicago, que não foram tratadas como tretas, que sempre se tornavam ataques pessoais, e que ela pensou em suicídio, etc etc.
Só que olha só que curioso! Esse texto que a Natalie trás no vídeo dela, ele é de 1976, portanto, prévio a internet. Portanto, prévio a essa cultura com a qual estamos todas e todes familiarizados agora.
E aí vou lê-lo, pra vocês verem como parece que a gente tem aqui um indicativo de que a internet não está fomentando novas relações, a internet está desnudando relações que estavam mais ou menos encobertas pelo modo com o qual a gente vivia, e pelo modo com o qual a gente vive agora. Ela diz o seguinte. "Esse descartar, jogar no lixo, não é discordância, não é conflito, não é oposição, esses são fenômenos perfeitamente comuns.
Os quais quando engajados mutamente, honestamente e sem excessos, são necessários para manter um organismo ou organização, saudável e ativa. " Então né, deixar esse ponto salientado. Crítica é necessária, não há crescimento sem crítica, não há evolução sem crítica.
Mas crítica é muito diferente de ataque pessoal. É tão doido ter que falar isso né? Mas bora lá!
Trashing é uma forma particularmente perversa de assassinato de personalidades, que ascende a estupro psicológico. É manipulador, desonesto e excessivo. Normalmente é mascarado por uma retórica de conflito honesto ou incoberto pela ideia de que não há ataque nenhum, mas ele nunca é feito para expor discordâncias e resolver diferenças, ele é feito para depreciar e destruir.
Independentemente dos métodos utilizados, Trashing envolve a violação da integridade de alguém, a declaração da inutilidade dessa pessoa e a contestação dos seus motivos reais. No fim o que é atacado não é a ação ou as ideias de alguém, mas a pessoa propriamente dita" E pra encerrar, um outro trecho do ensaio, eu estou deixando ele também aqui na descrição. Eu fui uma das primeiras no país, talvez em Chicago, a ter o meu caráter e meu comprometimento, e a minha pessoa propriamente dita, atacados de tal forma por mulheres do movimento, que fiquei estilhaçada e incapaz de funcionar.
Eu levei anos até me recuperar e mesmo hoje, as feridas ainda não cicatrizaram. Este ataque é realizado através de fazer com que a pessoa sinta que a sua própria existência é inimiga de um movimento, e que nada pode mudar isso além de deixar de existir" Eu estou fazendo essa discussão no setembro amarelo, porque eu acho que qualquer discussão que não passe pelo nosso modo de vida e por esses nossos novos modos de "socialização", não é uma discussão em si. A gente também não pode falar sobre saúde mental sem avaliar as nossas práticas no tempo que a gente passa nessas dinâmicas.
A gente também não pode esquecer que novos tempos e novas demandas resultam em novos sentimentos e novos sofrimentos psíquicos. É isso! O vídeo de hoje tem muita referência.
Espero que vocês gostem de ler, assistir e ouvir o que a gente está deixando na descrição. E até semana que vem. Um beijinho.
Tchaaau!