Cooperação e trapaças | Nerdologia Ensina 09

Sejam bem vindos a esse Nerdologia ensina. Eu sou Átila biólogo pesquisador e prestes a colaborar com você por aqui. No nono episódio desta série vamos ver o valor da colaboração, o que isso tem a ver com descascar depois de tomar sol e o que que acontece quando ela falha.

Se você já levou a ferroada de abelha sabe o problema que isso pode ser. Uma abelha sozinha voltando do trabalho para a colmeia geralmente está na paz e não quer briga com ninguém. Só se você pisar, apertar ou incomodar muito ela que você vai ter algum problema.

Agora se você incomodar uma colmeia a conversa é bem diferente. Não só a boa parte das abelhas defendem a colmeia agressivamente, como se uma delas dar uma ferroada ela libera um cheiro que atrai as companheiras para ajudarem no ataque. É o fim da picada.

Aliás, o começo de muitas ferroadas. E ao contrário da maioria das vespas que tem o ferrão liso, o ferrão das abelhas lembra um arpão ou anzol com uma farpa que não deixe ele sair de dentro da nossa pele. Por um lado, ainda bem já que às vezes podem ferroar várias vezes e não é um bom negócio.

Por outro, isso quer dizer que, acredite ou não, a ferroada é pior para a abelha do que pra você. abelha não tem como tirar o ferrão de dentro da sua pele e perde a ponta do abdome e morre pouco depois da ferroada não sem antes garantir que a sua pele foi injetada com toxinas e vai ficar bem inchada e dolorida por um bom tempo ou seja se uma abelha ferrou a você chamar as companheiras todas aquelas que conseguirem ferroar também estão se sacrificando para proteger a colméia aí sim o fim da picada e o começo do altruísmo altruísmo como esse das abelhas é uma situação que parece bastante natural se a gente tem bombeiros, policiais, soldados e outros grupos que literalmente sacrificam a própria vida pelo bem da sociedade porque outros animais não podem ser altruístas e de fato principalmente entre os insetos sociais como as abelhas as vespas, as formigas e os cupins a gente tem vários exemplos de organismos que podem se sacrificar pelo próximo, mas por trás desse fato está uma das maiores questões evolutivas se sacrificar pelo bem comum não bate muito com as ideias do Wallace e do Darwin a evolução que a gente viu até aqui nessa série entre a origem das primeiras formas de vida da produção da energia da fotossíntese, das células complexas, do sexo da multicelularidade, da biomineralização e até da produção e da resistência aos antibióticos podia ser encaixada dentro da hipótese da sobrevivência e da reprodução dos mais bem adaptados quem tinha alguma característica favorável dessas deixou mais descendentes foi selecionado e a evolução aconteceu agora pelo menos olhado por cima a abelha que ferrou você morreu em seguida e não deixou nenhum descendente, como que a evolução pode ter selecionado esse tipo de comportamento altruísta pelo bem dos outros se quem tem esse tipo de atitude não deixa mais descendentes? e essa realmente é uma questão difícil de responder se não impossível na época dos dois velhinhos porque até então a gente não tinha o conhecimento sobre a relação genética entre os organismos nem sabíamos sobre a contribuição dos gametas que a gente explicou no episódio sobre reprodução sexuada foi só depois do trabalho do monge tcheco Gregor Mendel e de todo o avanço do conceito de genes que a gente começou a formular uma versão mais moderna da teoria da evolução que levava em conta o conhecimento de genética aplicado a seleção natural a síntese moderna da evolução descrita nas décadas de 1930 e 40 foi aí que o trabalho de pesquisadores como o inglês Ronald Fisher quantificou o valor que um gene azão como o do elefante da tromba longa lá no começo precisa ter para ser favorecido ou fixado pela evolução foi só pensando quantitativamente que a gente começou a formular a seleção por parentesco que ajuda a explicar o altruísmo e é bem resumida na frase do também inglês John Haldane eu daria a minha vida por dois irmãos ou oito primos um jeito bem diferente de resolver disputas familiares no natal mas que faz todo sentido genético quando disse isso Haldane estava pensando no grau de parentesco genético que nós compartilhamos com os nossos parentes como já vimos lá atrás quando os nossos pais formam os gametas mandam metade do seu material genético isso quer dizer que você tem 50% do seu material genético da mãe e 50% do material genético do seu pai se você tiver uma irmã como eu ela também recebeu uma mistura da mesma proporção genética só que a metade dos genes que a sua irmã recebeu da sua mãe não é a mesma que você é o mesmo que o pai, no meu caso por exemplo dos cromossomos sexuais xy que meu pai podia me mandar ele mandou cromossomo y pra mim já pra minha mãe mandou cromossomo x e esse padrão se repete para o resto dos genomas dos 50% dos genes que a mãe manda pra cada filho eles compartilham em média metade 25% dos 50% dos genes que o pai manda para cada filho eles compartilham 25% e somando as duas partes irmãos de pai e mãe compartilham 50% do material genético enquanto meio irmãos uterinos ou consangüíneos compartilham só os 25% de parentesco em comum já os primos compartilham metade do que o irmão ou irmã de parentesco compartilham ou seja metade de 25% 12 e meio por cento quando Haldani fez as contas dos familiares que salvaria ele estava levando em conta justamente essa proporção do ponto de vista evolutivo sobreviver é preservar 100% do seu genoma mas dois irmãos de 50% de genes compartilhados também somam 100 por cento assim como oito primos com 12,5 por cento e é isso que a gente vê na natureza em boa parte em muitos casos de animais que vivem em bandos como leões, esquilos, macacos e até perus a colaboração tem de acontecer bem mais entre parentes mais próximos usando esse mesmo tipo de raciocínio para as abelhas a gente pode entender um pouco melhor o altruísmo das ferroadas o padrão de determinação de sexo e o compartilhamento de cromossomos delas é um pouco diferente, a abelha rainha tem 32 cromossomos enquanto uma abelha macho tem metade dos cromossomos da rainha, o zangão nasce de um óvulo que não foi fertilizado e tem só 16 cromossomos quando ele forma um espermatozóide ele manda todos os seus próprios 16 cromossomos já as abelhas operárias nascem todas de óvulos fertilizados e também tem 32 cromossomos como rainha o que quer dizer que todas as abelhas operárias descendentes de um mesmo macho compartilham 75 por cento do material genético delas 25% por parte de mãe dos óvulos que a rainha formou como a gente forma os nossos e 50% por parte de pai porque todos os cromossomos do zangão nos espermatozóides isso quer dizer que as abelhas operárias são mais próximas entre elas do que os nossos irmãos e com tanto material genético em comum faz todo sentido evolutivo proteger as suas companheiras nem sempre precisa ser esse o caso pode acontecer por exemplo da rainha usar espermatozoides de machos diferentes para fazer operárias de uma mesma colmeia o que quer dizer que nem todo mundo aqui dentro é tão próximo e quem deu uma explicação para como a colaboração pode acontecer mesmo quando o parentesco não é tão próximo foi mais um inglês tratando de evolução dessa vez William Hamilton o Hamilton propôs uma regra que diz que a cooperação acontece quando o custo dela é menor do que o grau de parentesco e o benefício evolutivo entre quem colabora quando o custo é baixo fica bem fácil colaborar hordas de animais de várias espécies plantas sinalizando quando predadores aparecem por ali ou compartilhando os nutrientes pelas raízes ou até a sociedade em que a gente vive podem cair nessa categoria onde o parentesco não é tão alto mas o custo é baixo os benefícios compensam se os benefícios são bons também compensa colaborar bastante como bactérias e fungos crescendo no solo fazem onde as espécies que compartilham o espaço e os esforços para alterar o ambiente crescem melhor do que organismos mais individualistas já quando o curso de colaboração é muito alto a gente só faz colaboração com quem é mais próximo e fica tudo em família como é o caso das abelhas mesmo assim como é que a evolução de egoístas não atrapalha essa colaboração?