No século 15, a Espanha e Portugal eram as grandes potências marítimas que disputavam o controle comercial e religioso do mundo. Quando Cristóvão Colombo voltou da sua primeira viagem à América, começou uma disputa entre os dois reinos, mediada pela Igreja Católica, para ver quem tinha o direito sobre esses territórios. Depois de duras negociações, eles concordaram em dividir o globo.
Para isso, traçaram uma linha que dividia as zonas de navegação do oceano Atlântico e o chamado “novo mundo” com o Tratado de Tordesilhas. O acordo dizia que tudo o que ficava à leste dessa linha divisória passaria para as mãos da coroa portuguesa e tudo à oeste ficaria nas mãos da coroa espanhola. É por causa dele que, quando Pedro Álvares Cabral chegou à atual costa da Bahia em 1500, o Brasil ficou sob o controle de Portugal.
Os dois impérios coloniais dominaram a maior parte do continente durante mais de 300 anos, mas terminaram de maneira muito diferente. Ao se tornar independente, a América espanhola se dividiu em muitos países e a portuguesa se manteve um um só. Mas por quê?
Para entender os rumos diferentes tomados pelo Brasil e pelo resto da América Latina é importante falar das diferenças gerais entre os dois impérios a partir da metade do século 18. A primeira dessas diferenças é a organização dos territórios. Para facilitar seu controle, Portugal tinha separado a colônia em duas — o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão e Grão-Pará.
Essa divisão foi feita pensando em integrar melhor o interior da colônia ao comércio português no oceano Atlântico. As correntes marítimas fazem com que, a partir do Maranhão, seja mais rápido navegar até Lisboa. O Estado do Brasil estava dividido em capitanias gerais, cujos centros de poder se concentravam principalmente em cidades costeiras, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
Era relativamente fácil viajar de uma a outra, em comparação com o império espanhol, e isso facilitava que houvesse relação entre as elites políticas nesses centros de poder. Já a América espanhola era muito mais extensa e a forma como estava dividida, inclusive geograficamente, era mais complexa e fragmentada. Ela se estendia do que hoje é parte dos Estados Unidos até o Cone sul, e se dividia em quatro grandes vice-reinos e quatro capitanias gerais.
E o fato de que a Espanha não permitia que eles tivessem relações comerciais entre si durante séculos fez com que tivessem poucos laços e fossem administrados de maneira localizada. Outro elemento importante era a Igreja Católica. Em ambas as colônias, ela tinha um papel fundamental no controle da vida cotidiana e política.
No Brasil, ela tinha uma estrutura unificada em torno do arcebispado da Bahia. Isso reforçava os laços entre as partes diferentes do território português, que respondiam a um só centro religioso. Já na América espanhola, a Igreja estava dividida em cinco arcebispados, o que contribuía para que a organização dos territórios fosse ainda mais independente.
Mas e as pessoas? Bom, as duas sociedades eram formadas principalmente por uma elite minoritária de ascendência européia, uma enorme população de mestiços, que transitavam entre estratos sociais, e trabalhadores escravizados, indígenas e africanos. E ambas as sociedades também estavam, é claro, sujeitas ao poder de um rei que ficava do outro lado do oceano Atlântico.
A América espanhola era comandada pela dinastia dos Bourbon e a portuguesa, pela dos Bragança. Outra diferença entre as colônias era a maneira como as elites políticas dividiam o poder. O poder político das elites brasileiras estava baseado no controle de terras por uma oligarquia de grandes proprietários e do aparato burocrático, por juízes, advogados e funcionários públicos.
Mas a educação dos burocratas acontecia principalmente em Coimbra, em Portugal, já que a coroa portuguesa não permitia a abertura de universidades no Brasil. Era uma forma de manter o controle intelectual sobre as elites e evitar que o ambiente da universidade fomentasse ideias de independência. Mas essa experiência conjunta como estudantes em Portugal também ajudou a criar relações entre as diferentes elites locais brasileiras e aprofundou sua identificação com a metrópole.
Nas camadas mais altas, os reinóis, como eram chamados os nascidos em Portugal, costumavam ocupar os cargos mais altos da administração pública. Havia tensão entre reinóis e os brasileiros em algumas regiões. Mas, no século 18, essa rivalidade tinha sido, em grande parte, neutralizada pela coroa portuguesa por meio de decretos que foram ampliando o acesso dos brasileiros ao poder político local.
E isso é importante porque foi justamente o contrário do que aconteceu na América espanhola. Lá, essa diferença social entre as elites era muito mais marcada. De um lado estavam os peninsulares: eles vinham da Espanha e eram a minoria que ocupava os altos cargos políticos e administrativos.
Do outro, estavam os espanhóis nascidos na América, chamados de crioulos. Muitos eram proprietários de terras, pecuaristas ou comerciantes. Em meados do século 18, eles eram os que tinham o poder econômico.
Mesmo assim, ocupavam os postos mais baixos da administração. E se sentiam discriminados porque, apesar de serem espanhóis e de terem recursos, não estavam nos altos níveis do governo. Essa percepção piorou depois das reformas do rei Carlos 3º.
As mudanças durante seu reinado incluíram a reestruturação da administração colonial e o aumento de impostos sobre as colônias. Uma das razões para isso é que a Espanha passava por uma profunda crise econômica e precisava de dinheiro para financiar guerras contra outras potências como a Inglaterra. Mas a subida dos impostos causou mais indignação nos crioulos contra o que viam como a exploração dos seus lucros pela coroa.
Além disso, ao contrário do que ocorreu no Brasil, as reformas significaram que os crioulos passaram a perder espaço no poder local para os peninsulares. Esse contexto favoreceu uma organização das elites crioulas, que mais tarde lideraríam os movimentos de independência. Durante esses anos também começaram a circular nas Américas ideias que questionavam a autoridade das monarquias europeias e da Igreja, promovidas pelas guerras de independência nos Estados Unidos e no Haiti e pela Revolução Francesa.
Em meio a tudo isso, as guerras napoleônicas acabaram sendo um ponto de inflexão na relação entre as coroas ibéricas e suas colônias americanas. Vamos começar pelo que aconteceu no território português, que a essa altura já estava unificado em um só Estado, o do Brasil. Em 1808, as tropas de Napoleão invadiram Portugal e a família real fugiu para o Rio de Janeiro.
O rei D. João 6º levou consigo toda a corte, os arquivos, a tesouraria, as bibliotecas reais e cerca de 15 mil pessoas. E isso é muito significativo para entender a unidade do Brasil.
A chegada dos Bragança da colônia era um caso único no mundo: nunca antes um monarca europeu tinha se mudado com a corte para a América. No próprio interesse da monarquia, é claro, Dom João aboliu o monopólio comercial de Portugal sobre o Brasil, abriu os portos e permitiu que a colônia manufaturasse produtos. E o rei deu um passo além: criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ou seja, o Brasil passava oficialmente a ser o novo centro da coroa e o Rio de Janeiro, a capital do império.
Lá foram estabelecidas instituições importantes como o Conselho de Estado e a Corte Suprema, entre outras. E também foram abertas as primeiras universidades. Com o fim da dominação francesa, aumentou a pressão em Portugal para que Dom João 6º voltasse a Lisboa e criasse uma monarquia constitucional.
Ele voltou em 1821, e deixou em seu lugar seu filho, Dom Pedro. Mas as cortes portuguesas também pressionavam para que o Brasil voltasse a seu status de colônia e exigiam a volta também de Dom Pedro, por receio de que ele liderasse um movimento independentista. Mas as batalhas contra os portugueses já tinham começado em Pernambuco em 1821.
E Dom Pedro acabou desafiando a corte e declarando a independência do Brasil em 1822. Esse foi, talvez, a principal razão pela qual o Brasil chegou unificado ao momento de sua independência de Portugal. A independência foi feita com a participação da mesma família real portuguesa, que já tinha uma corte e instituições estabelecidas na colônia.
E que também tinha a experiência de reprimir revoltas das elites locais que, nos anos anteriores, tinham tentado conseguir mais autonomia e pagar menos impostos. Mas como o Brasil conseguiu se manter como um só país depois da independência? Bom, o Brasil era o país do mundo com mais escravos, e a independência recente do Haiti — que foi liderada por escravos — assustava uma parte das elites.
O estabelecimento de uma nova monarquia central, com D. Pedro 1º como imperador, era uma forma de garantir a ordem pública diante de uma revolta em potencial dos escravos. Durante o império, houve rebeliões que tentaram separar partes do Brasil ou convertê-las em repúblicas, como a Confederação do Equador, em Pernambuco, a Sabinada, na Bahia, e a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul.
Mas as elites locais não apoiaram completamente esses movimentos, por medo de que uma desordem social ameaçasse o seu poder. Por isso, foi mais fácil para a coroa reprimi-las. Ou seja, apesar das diferenças regionais, ter um país unificado sob um único governo naquele momento, fez com que as elites conseguissem manter seus privilégios e a estrutura da escravidão.
E como a invasão napoleônica impactou a América espanhola? Napoleão Bonaparte também invadiu a Espanha em 1808. O rei Carlos 4º e seu filho, Fernando 7º, abdicaram do trono em favor do general francês.
E Napoleão cedeu o trono a seu irmão, que foi coroado como José 1º. Mas, nas colônias, a elite crioula não reconheceu o novo monarca francês. Isso deixou um vazio de poder no território espanhol que os crioulos aproveitaram para criar seus próprios governos locais e promover movimentos de emancipação.
Foi assim que, em 1809, começou uma onda independentista que levou o continente a um longo e complexo processo de fragmentação. Diferentemente dos vizinhos brasileiros, os hispânicos não tinham uma experiência compartilhada de governo único. Além disso, nenhum dos novos centros de poder que surgiram durante essa época, como o México ou Buenos Aires, tinha poder militar para reunir todo o território sob sua liderança.
Quando Fernando 7º voltou ao poder, em 1814, ele tentou submeter outra vez as colônias à coroa espanhola, em vez de garantir a autonomia que elas tinham estabelecido depois de alguns anos de autogoverno. Só que essa decisão aprofundou o ressentimento das elites crioulas. E deu mais força aos movimentos de independência.
Mas, a esta altura, as colônias já estavam tão fragmentadas que foi impossível estabelecer um só país. As sangrentas guerras de independência na região durariam ainda muitos anos. Dá para fazer outro vídeo só sobre isso.
Mas, apesar das divisões entre os territórios espanhóis, também houve propostas de criação de grandes Estados. Essas propostas variavam de uma união de repúblicas como a Grande Colômbia, formada pelos atuais Colômbia, Equador, Venezuela e Panamá. .
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. até tentativas de criar monarquias comandadas por reis vindos de uma família real europeia, como as Províncias Unidas do Rio da Prata, que terminariam se tornando Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Todas elas fracassaram, e do território espanhol acabaram surgindo 18 países.
O último foi o Panamá, em 1903. No Brasil, todo o período imperial foi marcado por tentativas de criar o imaginário de uma identidade nacional e reprimir violentamente os movimentos contrários a essa ideia. Isso continuou mesmo após a proclamação da República, em 1889.
As independências das colônias de Espanha e Portugal nas Américas foram só o início de um processo que continuou até o século 20. E seu impacto na política, na economia e na cultura da região é sentido até hoje.