Queda enorme nas vendas, queda enorme no valor das ações, demissão do CEO e indecisão sobre o futuro: esses e outros problemas têm rondado a Stellantis, um dos maiores grupos automobilísticos do mundo, que detém marcas de enorme sucesso como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën. Criada em 2021, a Hold acumulou lucros expressivos e começou a pautar o mercado automobilístico mundial; porém, recentemente tudo mudou, e a situação atual deixa perguntas no ar: vale a pena lucrar muito no presente e se sacrificar no futuro, ou é preciso pensar mesmo é no longo prazo? Nesse vídeo, você vai entender a crise da Stellantis e por que a gigante está corrigindo sua rota.
A Stellantis, o supergrupo criado em 2021, surgiu da união de dois gigantes automobilísticos: a Fiat Chrysler, conhecida como FCA, e a PSA, que reunia as francesas Peugeot e Citroën. Após 2 anos de negociações, a fusão gerou uma nova roupagem, com ações divididas em igual proporção para acionistas dos dois antigos grupos, e passou a contemplar mais de 20 marcas e divisões, que vão desde marcas tradicionais como Fiat, Dodge, Jeep, Chrysler, Peugeot, Opel e Citroën até vis esportivas como Abarth e Maserati. Todas as marcas estariam subordinadas ao comando do executivo português Carlos Tavares, antigo comandante da PSA, que foi considerado o grande responsável pelo acordo e pelas políticas do grupo.
A partir dali, além de aproveitar as sinergias possíveis entre os dois grupos de forma a tornar o novo grupo ainda mais eficiente, o executivo tomou uma decisão que influenciou diretamente o mercado automobilístico em todo o mundo e que mudou os preços dos carros no planeta: o chamado pricing power. Em meio às dificuldades da pandemia, Tavares entendeu que era mais interessante vender menos carros com um preço mais alto e uma margem de lucro mais confortável do que espremer as margens de lucro em troca de um grande volume de vendas. Isso porque, em teoria, os compradores de automóveis tinham capacidade de arcar com preços mais altos, especialmente pelo fato de verem valor agregado nos automóveis do grupo, e por causa disso, a Stellantis poderia lucrar muito mais mesmo vendendo menos carros.
Essa política foi responsável por um aumento repentino no preço dos automóveis do grupo, que tem atuação global, e o movimento foi seguido pelas marcas concorrentes quase que de forma imediata, sob desculpas variadas como falta de matérias-primas ou de componentes de fabricação, como chips e semicondutores, como já contado detalhadamente aqui no canal. Porém, meses depois, o mercado entendeu que, de fato, tudo era uma decisão administrativa. Dessa forma, de 2021 para cá, os automóveis tiveram um aumento considerável de preço, e nos primeiros anos, a estratégia de Carlos Tavares foi extremamente bem-sucedida, já que a Stellantis acumulou lucros robustos e parecia ter encontrado o caminho para a salvação da instável indústria automobilística.
Para encorpar ainda mais as margens e engordar o caixa do grupo, também se optou por um corte agressivo de custos e pela máxima otimização de recursos já existentes, o que tornou o processo de fabricação mais barato, mas que, ao mesmo tempo, deixou de alocar recursos para o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, numa clara opção por um presente amplamente lucrativo, independente de como viria a ser o futuro do grupo. Porém, o que parecia a fórmula do sucesso rapidamente encontrou um teto, e se existia uma demanda crescente e uma percepção de valor agregado, em pouco tempo o mercado passou a ter outra percepção em relação aos automóveis 0 km, especialmente das marcas do grupo Stellantis. Apesar de ter uma atuação formidável no Brasil e excelente na América Latina, especialmente com marcas como Jeep e Fiat, o mesmo não se pode dizer das demais marcas do grupo em outros mercados, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
O grupo tem encontrado dificuldades recorrentes nesses mercados, principalmente pela alta concorrência e pelo fato de que os clientes não mais se convencem a pagar um valor mais alto por veículos do grupo. Esse movimento tem levado a mudanças de ofertas e até mesmo a alterações no portfólio de veículos oferecidos, e algumas marcas tradicionais agora têm pouquíssimas opções de modelos. Um dos principais problemas é o fato de que houve uma diminuição do capital em circulação nesses mercados, especialmente pelos recentes aumentos nas taxas de juros do mercado global, o que tem deixado os clientes bem mais criteriosos quando o assunto é a compra de um automóvel, especialmente quando essa compra é feita a prazo.
Outro problema são as queixas globais de perda de qualidade dos produtos Stellantis, o que reflete a estratégia de constante corte de custos que foi implementada nos últimos anos e que tem afastado tanto novos clientes como também clientes antigos, que se desencantaram com os novos produtos do grupo. Além disso, o grupo teve dificuldades até mesmo para introduzir novos modelos no mercado, como o lançamento dos novos Citroën C3 e Peugeot 3008, que tiveram atrasos consideráveis para chegarem às lojas. A somatória de falta de inovação e preços, além da percepção do mercado, fizeram com que a Stellantis perdesse muito terreno nesses locais.
O caso mais preocupante é justamente das marcas americanas Jeep, Dodge, RAM e Chrysler, que perderam grande parte de seu mercado nos últimos anos. Para se ter ideia, somente a tradicional Jeep, apenas neste ano, viu sua fatia no mercado americano cair de 10,4% de participação para 8,6%. Enquanto isso, as outras marcas também se tornaram cada vez mais figurantes no mercado americano; atualmente, a Dodge conta com apenas quatro modelos em seu portfólio, enquanto a Chrysler conta com três, sendo que dois são basicamente o mesmo carro e o outro modelo é uma linha de despedida que, para piorar, foi fabricado em 2023, mas ainda continua em estoque.
Somente nos Estados Unidos, o grupo demitiu 10. 000 pessoas e apontou, nesse ano, uma queda de 20% nas vendas de seus veículos. Além dos resultados ruins, os stakeholders do grupo no mercado.
. . Americano acusam que o problema foi causado diretamente pelas políticas de Carlos Tavares.
O conselho que representa os donos de concessionárias das montadoras americanas do grupo, inclusive, acusou o executivo de promover uma rápida degradação das marcas. Quando somado os números de toda a América do Norte, o resultado é ainda mais preocupante, com queda de 36% nas vendas do terceiro trimestre quando comparado com o mesmo período no ano anterior. A queda abrupta levou a pátios lotados, estoques inchados e muita preocupação, o que levou à suspensão de produção de dois dos carros mais vendidos do grupo na região: o Dodge Durango e a famosa Jeep Cherokee.
E no caso de outras empreitadas mais arriscadas, como a Alfa Romeo, a situação é ainda pior, já que há estoque para mais de um ano de vendas totalmente parado na América do Norte, somada à nítida rejeição do público e à insatisfação da rede. O grupo também precisa enfrentar a concorrência cada vez mais forte em todo o mundo; além de outros players tradicionais, as marcas Stellantis agora também esbarram na presença de montadoras chinesas que têm conquistado alguns de seus mercados e que podem representar um perigo futuro até mesmo nos mercados em que a Stellantis é dominante, como no Brasil, onde ela é líder absoluta com 29,3% de participação, e na América Latina, com 23,5%. As marcas chinesas já começaram a ameaçar o grupo em terrenos ocidentais, como em alguns países da Europa, mas no caso de mercados asiáticos não há mais o que se falar em disputa, já que, aos poucos, os carros do grupo formam uma parcela ínfima dos mercados locais dominados pelos modelos chineses.
Outro problema é o nicho de carros elétricos, em que a Stellantis ainda tem dificuldade de propor opções tanto no setor totalmente elétrico como no setor híbrido. E não bastassem os desafios do próprio grupo para introduzir modelos eletrificados, o grupo terá de atender às novas regras da União Europeia que exigem que, já em 2025, 21% das vendas totais do grupo na Europa sejam de veículos elétricos, sob pena de pagamento de multa e indenização para outras empresas que atendam aos critérios verdes. Hoje, a venda de veículos elétricos corresponde a apenas 12% do total de vendas do grupo na Europa.
Segundo o chefe da Stellantis Europa, caso não consiga atender ao percentual mínimo no ano que vem, a somatória das multas pode chegar a incríveis 3 bilhões de euros. E o desafio, nesse ponto, é duplo, já que, por um lado, a Stellantis não consegue colocar modelos suficientes para atender ao mercado e disputar com seus concorrentes, e, ao mesmo tempo, ela precisará enfrentar uma desaceleração no mercado de elétricos. Ou seja, a questão dos elétricos é um enorme problema prestes a estourar, e o grupo ainda mostra uma reação extremamente tímida, com destaque para o lançamento do elétrico Fiat grande Panda e os modelos da bandeira Lip Motor, uma nova marca com parceiros chineses.
Iniciativas pequenas para enfrentar um problema enorme. Em meio a todos os problemas, o CEO Carlos Tavares entrou em colisão com os membros do Conselho de Administração do grupo, que acreditam que a estratégia agressiva de corte de custos de Tavares foi diretamente responsável pela crise da empresa. Em meio à disputa, Tavares decidiu renunciar ao cargo e, após o pedido de demissão, as ações da Stellantis caíram 9% em apenas um dia.
Agora o mercado tem dúvidas sobre qual será o futuro direcionamento da empresa e se ela vai continuar buscando lucro imediato a todo custo ou se ela planeja tentar algo novo para combater os problemas. Vale ressaltar que os problemas não são exclusivos da Stellantis; a Volkswagen também passa por uma situação delicada. Em 2024, as ações da Stellantis acumulam perda de 40% e o último trimestre registrado mostrou queda de 27% em sua receita.
No acumulado dos nove primeiros meses, houve uma queda de 20% nas vendas globais do grupo, e curiosamente, somente na América do Sul é que houve crescimento de 14% quando comparado a 2023. Já em mercados onde o grupo é menos dominante, o resultado é ainda pior: foram 30% de queda no conjunto formado por China, Índia e países da chamada Ásia-Pacífico. E em meio a todo esse caos, a Stellantis ainda não sinalizou quais serão seus próximos passos e ainda nem sequer anunciou o seu novo CEO.
Por enquanto, o grupo será gerido interinamente por John Elkann, herdeiro da família Agnelli, que detém 14% das ações do grupo através da holding Exor. De toda forma, a estratégia de aumentar os preços e cortar os custos parecia ser uma excelente saída para fortalecer o grupo, mas o que deu a ela alguns meses de alegria pode significar agora anos de desafios. E no final, restam as perguntas: vale a pena espremer ao máximo os lucros do presente, ou é melhor pensar no longo prazo?
Por enquanto, parece que a segunda é a melhor opção. E você, acha que a Stellantis vai dar a volta por cima? Compartilhe a sua opinião com a gente nos comentários.