Capítulo 1 - Não há Docência sem Discência - Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire

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Prof. André Azevedo da Fonseca
Não há docência sem discência: as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se re...
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Ainda que Paulo Freire deixe claro que o seu interesse é discutir saberes indispensáveis aos educadores críticos e progressistas, ele explica que muitos desses saberes são igualmente necessários aos educadores conservadores. São saberes próprios da prática educativa, qualquer que seja a tendência política ou ideológica da educadora ou do educador. Para explicar essa noção de saberes indispensáveis à prática docente, Paulo Freire começa o seu raciocínio a partir da metáfora do ato de cozinhar.
O ato de cozinhar supõe alguns saberes fundamentais como equilibrar a chama do fogão harmonizar os diferentes temperos e tomar as medidas de segurança para evitar acidentes. Uma outra prática, como velejar, por exemplo, exige domínio das partes que compõem o barco, e também o conhecimento dos ventos e da combinação certa entre motor e velas. O essencial é que, em qualquer um dos casos, é na prática que aqueles saberes se confirmam, se modificam ou se ampliam.
Por isso, é indispensável a reflexão crítica sobre a prática. Quando essa relação teoria-prática não ocorre, a teoria vira um verbalismo, e a prática se torna um ativismo que às vezes reproduz violências sem perceber. Pois bem.
Um dos saberes fundamentais que o educador deve incorporar, desde o princípio de sua própria formação, assumindo-se como sujeito, é a noção de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção. Se na experiência de minha própria formação como professor, que deve ser permanente, eu começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem eu me considero o objeto, que o meu professor é o sujeito que me forma, e eu, aluno, o objeto por ele formado, quando eu me formar professor, eu acabo me tornando um falso sujeito ao reproduzir aquela relação sujeito-objeto com meus alunos. Mas é preciso que, pelo contrário, desde o começo de minha própria formação, vai ficando cada vez mais claro que, ainda que diferentes entre si, professores ensinam e aprendem com os alunos; e os alunos aprendem e ensinam com os professores.
É claro que o professor conhece o objeto de estudo melhor do que os alunos quando o curso começa, mas ele reaprende através dos processos de reestudá-lo e discuti-lo nas aulas, de revisar e corrigir os trabalhos dos alunos e de incorporar os questionamentos e as novas referências que eles trazem. É nesse sentido que ensinar não é transferir informação de modo unilateral, encher a cabeça dos alunos, como se eles fossem uma vasilha. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à condição de objetos um do outro.
Esse princípio parte do ponto de vista de uma educação não autoritária, mais democrática e que entende o valor pedagógico do diálogo. E parte também daquela compreensão dos conhecimentos como processos históricos, inacabados e em permanente transformação. Ensinar-aprender é uma relação humana que exige a participação de professores e alunos como sujeitos nesse processo.
Historicamente, antes das escolas, as pessoas aprendiam socialmente. E foi aprendendo no próprio cotidiano que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível e, depois, que era preciso trabalhar maneiras, caminhos e métodos de ensinar. Aprender veio antes de ensinar.
Ou melhor, ensinar se diluía na experiência primeira de aprender. Por isso Paulo Freire argumenta que aquilo que não foi "apreendido" não foi realmente aprendido. Só há validade no ensino em que o aluno se torna capaz de recriar o que aprendeu E por isso, o processo de aprender, que historicamente esteve interligado aos vários atos de ensinar, é um processo que atinge um campo promissor quando é capaz de deflagrar uma curiosidade crescente para tornar o aprendiz mais e mais crítico, autocrítico e criador.
O ponto alto é o que Freire chama de "curiosidade epistemológica", que é aquela curiosidade que se torna rigorosa e sustentada por um método de pesquisa. E daí vem a sua crítica ao que ele chama de “educação bancária”, aquela que restringe a formação aos atos de depositar a informação nos alunos e exigir que eles guardem na cabeça. Paulo Freire diz que esse modelo deforma tanto a criatividade do professor quanto a dos alunos.
Agora, devido à beleza e à força da aprendizagem, alguns alunos ainda conseguem se rebelar e superar o erro do ensino bancário. Para Paulo Freire, é precisamente o gosto da rebeldia e a chama da curiosidade que, de certa forma, “imunizam” o estudante contra esse modelo que o induz à passividade. Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar.
Agora, é claro que quando aquela curiosidade é estimulada por um professor desafiador, as condições para a aprendizagem são muito mais presentes. O que você pensa sobre isso? Participe do fórum.
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