Para educar e para se educar é indispensável manter um espírito de abertura e disponibilidade para o novo. E é claro que, ao trabalhar com a novidade, é preciso também que o professor aprenda a lidar com o risco com mais naturalidade. As novas ideias, os novos métodos e as novas tecnologias não devem ser negadas ou acolhidas simplesmente porque são novas.
E da mesma forma, o critério de recusa ou aceitação do antigo e do tradicional também não dependem de uma questão meramente cronológica. Há coisas novas interessantes e outras problemáticas, assim como há tradições vivas e criativas, e outras que são violentas, autoritárias e preconceituosas. A escola tem o papel de contribuir na reflexão sobre essas questões, no estímulo à essa vitalidade do conhecimento acumulado e também na desconstrução das violências muitas vezes incorporadas de forma sutil nas relações sociais.
Uma das tradições antipedagógicas ainda enraizadas nas escolas são as mais variadas formas de discriminação. Os preconceitos raciais, de classe e de gênero negam todos os esforços históricos pela construção de uma sociedade e de uma escola democrática e ofendem o que há de mais substantivo na humanidade. Que é a sua diversidade.
Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres. Quão ausentes da democracia se acham os que queimam igrejas de negros e se apresentam ao mundo como "pedagogia da democracia"? O preconceito inviabiliza o conhecimento, porque o preconceituoso simplesmente se recusa a aprender com o diferente, justamente porque ele se acha superior.
E ironicamente, é ele que aprende menos. Já vimos que é preciso humildade para pensar. E além disso, é preciso bom senso para regular os nossos exageros e evitar as nossas caminhadas cegas até a insensatez.
Muitas pessoas já convertidas aquilo que Paulo Freire critica como “pragmatismo neoliberal” costumam desdenhar, ridicularizar ou mesmo atacar uma educação inspirada por valores humanos. Em geral, esse pragmatismo ideológico impõe às crianças aquele treinamento técnico restrito para que elas se tornem funcionários eficientes. E qualquer outra consideração humanista é vista como perda de tempo.
Mas Paulo Freire, entendendo que homens e mulheres são sujeitos históricos que devem construir as suas vidas e participar do mundo com autonomia, ele argumenta, que os conteúdos escolares não têm um fim em si mesmo, a escola não é uma bolha de isolamento do mundo, mas deve assumir o risco de interagir com o mundo, na reflexão e na prática. É isso que ele quer dizer quando argumenta que "pensar certo" implica a existência de sujeitos que pensam mediados por objetos. Ou seja, é sobre o objeto que deve incidir a reflexão dos sujeitos.
A reflexão não é um espectro separado da realidade. Não pensa certo quem se isola na solidão. Pensar certo é um ato comunicante.
E se, é claro, não há pensar sem entendimento, na perspectiva dialógica freireana, esse entendimento não é resultado de mera transferência de pensamento. O entendimento não é uma reação meramente passiva a uma informação "depositada" na nossa cabeça. Todo entendimento implica comunicabilidade.
Do contrário, é apenas uma informação alienada e burocratizada. A perspectiva da educação como um processo de comunicação exige interlocutores que assumem a sua condição de sujeitos. A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos.
A tarefa do educador é vencer o preconceito e assumir o risco de desafiar o estudante com quem se quem comunica a produzir a sua compreensão sobre o que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. É por isso que na perspectiva freireana, pensar certo não é uma disputa entre pessoas igualmente convictas de suas verdades e que querem simplesmente derrotar a outra, mas sim um diálogo entre pessoas igualmente curiosas e que querem, acima de tudo, examinar e compreender o mundo, juntas.
Como ensina Paulo Freire, reflexão sem prática é mero idealismo. E prática sem reflexão transforma alunos em meros repetidores mecânicos de instruções que eles devem receber sem questionar E é por isso que a pedagogia de Paulo Freire confere tanta importância a questão da reflexão crítica sobre a prática. É o que veremos no próximo vídeo.