Grandes aventuras, uniformes irados, um final decepcionante e uma história de super-herói, que talvez seja uma alegoria para a sociedade de caças do Japão. Mas o que eu estou falando? Ora, do popular Boku no Hero Academia.
Escrito por Kōhei Horikoshi, ou no sentido original, Horikoshi Kōhei, Boku no Hero Academia, ou My Hero Academia, é o mangá popular que começou a sair originalmente em 2014 e agora, em 2024, 10 anos depois, teve a sua conclusão. Apesar de ter saído na famosa revista Weekly Shonen Jump, revista que lança alguns dos mangás mais populares, bom, o One Piece ainda está saindo por lá, apesar disso, Boku no Hero é muito conhecido por causa do anime, que começou a sair a partir de 2016. E o momento em que Boku no Hero chegou no mercado é um momento bastante propício.
Cabe lembrar que a década de 2010 foi a década da praga do super-herói. Era filme de super-herói, série de super-herói, super-herói de super-herói, sei lá. No cinema, todo ano, 500 filmes e, claro, a imensa maioria disso, produções vindas dos Estados Unidos.
Aí que esse negócio, que respingou no mundo todo, acabou também gerando respostas locais. O Japão, como de costume, resolveu dar o seu pitaco. Uma produção que foi importante e começou a sair um pouco antes de Boku no Hero Academia é o One Punch Man.
E eu já comecei a falar dele aqui no canal. One Punch Man é uma paródia, assumidamente uma paródia, dos super-heróis, mas também da cultura otaku, essa cultura de jovens aficionados pela cultura pop japonesa, um pessoal bem estranho. Porém, o One Punch Man é um seinen, ou seja, é um mangá voltado para uma galera mais adulta.
Já Boku no Hero, não. Boku no Hero é um shonen, é feito para o piá que se emociona com o luta e poderzinho. Então, por isso, Boku no Hero Academia não tem nenhum comentário sarcástico sobre os super-heróis americanos, certo?
Errado. Na verdade, eles até fazem comentários bem filhos da p***. Porque assim, não se enganem, por trás de todo o escarcel, Boku no Hero Academia é um comentário, em alguns momentos, bastante inteligente sobre os super-heróis dos Estados Unidos.
Mais do que isso, um estudo da recepção da maneira como os valores norte-americanos são recebidos pelos japoneses e o quanto que isso produz, em alguma dose, um choque cultural. Choque este que, inclusive, aparece na recepção negativa que teve aqui no Brasil, do último episódio do mangá e que, casualmente, para os japoneses foi um bom fim. Dito de outra forma, a provocação que eu estou querendo lançar é a seguinte.
Muito da frustração do otaku BR, perante o final de Boku no Hero Academia tem mais a ver com uma formação cultural muito acostumada com produções de super-heróis dos Estados Unidos do que, necessariamente, com o mangá em si. Mas eu estou falando, falando, falando e imagino que você que nunca viu o mangá, nunca viu o anime, nem sabe do que eu estou falando, está dizendo: qual é essa porra? Então eu vou trazer para vocês aqui a sinopse geral e, mais do que isso, eu quero aprofundar o sistema de valores de Boku no Hero.
Porque é assim, galera, eu não li o manga todo. Eu li uma série de capítulos pulados, inclusive fui em capítulos-chave para a gente poder entender uma série de questões fundamentais para Boku no Hero. E, em relação ao anime, eu agora finalmente vi a primeira temporada, tem só mais seis.
Então eu já fico até imaginando aquele fã mais ardoroso e pensando o que isso quer comentar, você nem viu direito as coisas. Porém, o que eu quero analisar com vocês aqui não é simplesmente entremeios de enredo, ou seja, do quanto a história foi daqui para ali, para colar e se daqui para colar teve algum furo ou coisa do tipo. De fato, quanto a isso, eu não tenho como comentar só lendo tudo para poder dar conta.
Porém, algo que é possível a partir de episódios-chaves e, principalmente, olhando para o começo e para o fim, é perceber se Boku no Hero Academia mantém uma ideia governante, uma pensata. E aqui é importante falar um pouquinho de teoria narrativa. Não existe uma palavra consenso sobre isso que eu vou falar agora para vocês, mas, basicamente, toda narrativa clássica que demanda uma história com início, meio e fim, e que busca, a partir do que se estabelece no início, produzir uma conclusão satisfatória, essa estrutura é relativamente fácil de analisar se você souber onde olhar.
E esse negócio, eu vou chamar aqui de pensata, mas, como eu disse, tem outros nomes, é muito utilizado por produções seriadas, seja mangá, seja anime, seja série para a TV, porque ajuda uma equipe de roteiristas a não perder o fio da meada. No caso dos mangás, muitas vezes só tem um artista e um editor, mas isso também serve para estabelecer os termos de cobrança de uma parte para outra. Ou seja, quando o manga estabelece qual é a sua pensata, o editor consegue ficar cobrando do autor que ele resolva todos aqueles problemas que ele próprio criou para si na sua história.
E, por sua vez, o autor consegue com isso mensurar o quanto o editor talvez esteja passando da linha quando ele está desobedecendo a própria pensata. Só que talvez ainda não tenha deixado claro o que é uma pensata final. É basicamente um princípio que serve para orientar toda a história a partir de agora.
Ela pode ter 500 peripécias, 500 reviravoltas, mas ela não foge dos seus princípios. É isso que mantém a coerência de uma narrativa, supostamente, é claro, porque muitas histórias seriadas acabam se afastando disso. Seja porque eles percebem que o público está curtindo mais uma coisa do que outra, seja porque a série já está muito longeva, mudanças de curso também acontecem e, muitas vezes, pensatas são refeitas.
Só que eu quero já adiantar aqui para vocês, inclusive para a galera que se decepcionou com o final, que no caso de Boku no Hero Academia, a pensata está coerente do início ao fim. Quer você goste ou não, o sistema de valores que governa o universo de Boku no Hero Academia está redondinho. Caso haja lacunas, elas são bastante secundárias, talvez até mesmo terciárias para tudo aquilo que a obra procura defender.
Porém, para eu poder me aprofundar nisso aqui, eu vou ter que repassar um pouco a história, apresentar o universo de Boku no Hero Academia, repassar conceitos-chave de modo a provar que esse mangazinho de luta e poderzinho para de pé e, ainda por cima, consegue fazer isso produzindo uma série de comentários extremamente sofisticados sobre super-heroismo, tanto no sentido estadunidense quanto no sentido japonês. Mas antes de eu continuar estrupiando o gênero de super-heróis, peço que você curta o vídeo se estiver curtindo, se inscreva caso esteja novo por aqui e compartilhe. Este canal só existe graças aos seus apoiadores e tem recompensas bem legais, como lives aqui comigo, grupo de estudo, grupo no Telegram, sorteio de gibi e conteúdo exclusivo.
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Primeiro, vamos contextualizar este mundo de Boku no Hero Academia. De pronto, ele parte de uma premissa bastante interessante, que não chega a ser inédita, tem muito quadrinho de super-herói que também faz isso, mas ainda assim é uma premissa interessante, no caso, a proliferação de superpoderes. No atual momento em que acompanhamos a história, 80% da população já tem superpoderes, ou seja, pessoas sem superpoderes já estão se tornando uma minoria.
E tudo isso começou, sem uma razão clara, quando nasceu um bebê brilhante e, a partir daí, uma série de mutações começaram a ocorrer no mundo todo, e aí começaram a surgir uma série de pessoas com superpoderes. Esse ineditismo do bebê brilhante também é algo até questionável, talvez tivesse pessoas com superpoderes antes dele, mas enfim, o que importa é entender que, em uma época específica, todo mundo começou a ganhar habilidades especiais. E uma coisa que é explicada no universo de Boku no Hero é que esses poderes são herdados, se o pai tem poderes elétricos e a mãe consegue tornar o seu corpo em metal, o filho vai ser uma usina hidrelétrica.
Ok, comentário idiota, mas essa é a lógica. Um detalhe fundamental é que esses superpoderes, essas habilidades, etc, têm um nome muito específico aqui, se chama individualidade, ou, no japonês, kosei. Galera, não se enganem, superpoderes sendo chamados de individualidade já tem aqui um comentário bastante pertinente.
Vamos avançar e depois eu desdobro mais essa parada. Como o número de pessoas dotadas de individualidades acabou se tornando dominante, passou-se a criar toda uma estrutura social nova que consiga contemplar essas super-habilidades. Desde escolas de formação para pessoas superpoderosas, até mesmo toda uma ciência que consegue catalogar e entender como cada poder se manifesta, tipificando inclusive essas individualidades.
Seja do tipo transmorfo, quando você consegue transformar o seu corpo em uma outra coisa, seja do tipo emissor, quando você emite raio, fogo, gelo, qualquer coisa assim, seja também do tipo mutante, quando essa habilidade, essa individualidade tem a ver com algum tipo de característica do próprio corpo, enfim, outras tipificações podem surgir a partir disso, só que notem, tudo isso se tornou a norma. Pois é, produzir uma sociedade que já está habituada com todas essas individualidades fantásticas. Daí o dilema do nosso protagonista, ele se chama Izuku Midoriya, chamado pejorativamente de Deku.
Midoriya é um protagonista um tanto convencional de um típico mangá shonen. É um jovem bom e é bom porque ele é bom. É como se ele tivesse uma bondade inerente a ele, contudo, é também alguém dotado de muita angústia.
Aliás, eu diria que Midoriya é mais ansioso até do que a maioria desses personagens da Shonen Jump. Chega a ser cansativo o Midoriya se questionando: meu Deus, será que eu faço isso? Será que eu vou fazer aquilo?
Será que me entenderam? O que eu faço daqui, meu Deus? E toda essa insegurança dele, essa insegurança crônica tem um motivo: ele é uma minoria.
Diferentemente de todos os seus amigos, de todos os seus colegas, ele nasceu sem superpoderes. A individualidade que costuma despertar por volta dos quatro anos de idade, no caso de Midoriya, ele já é adolescente e até agora não veio. E o sonho dele é ser um super-herói.
Porque, sim, por mais que 80% da população já tenha individualidades, alguns poucos estudam em academias de elite e se tornam super-heróis, e que servem para combater os super vilões, pessoas que utilizam essa individualidade para fazer o mal. Midoriya é um típico otaku de super-herói, ele tem cadernos onde ele estuda as individualidades, ele observa os diferentes super-heróis, e tem aquela clareza típica de um nerd, de qual poderzinho é eficiente para combater o outro poderzinho. O super-herói que o Midoriya tanto venera é o All Might.
E caso você esteja perdido, esses nomes estão, assim mesmo, em inglês. All Might tem todo um visual bastante interessante, ele é um homem corpulento, loiro, sorridente, de uma beleza tipicamente norte-americana, as cores do seu uniforme remetem à bandeira dos Estados Unidos, e os seus poderes é referente a lugares dos Estados Unidos. Daí o Detroit Smash, Texas Smash, Oklahoma Smash.
Apesar de tudo isso, o All Might é japonês. Contudo parte da sua vida super-heróica, ele passou nos Estados Unidos, e lá ele herdou todo esse senso super-herói, que havia na cultura americana. O All Might, o símbolo da paz, tem um jargão: Está tudo bem agora, por quê?
Porque eu estou aqui. Vamos começar amarrando umas coisinhas. O nome dos poderes é individualidade.
E a frase do grande herói é eu, EU estou aqui. Individualidade, eu. Mas vamos seguindo.
Uma coisa que é um mistério, até mesmo para os otakus de super-herói, é a individualidade do All Might. Enquanto que outros você consegue descrever claramente, aquele ali é fogo, aquele ali é eletricidade, aquele ali é vento, o All Might é só super, ele é super em tudo. E claro, vocês já perceberam, é um cruzamento muito claro entre Superman e Capitão América, com um baita de um sorrisão, e um cabelo em V, que parece uma orelha de coelho.
É bem esquisito na real, mas tem um visual bacana, enfim. A individualidade do All Might é um mistério, porque conforme a gente vai descobrindo, os seus poderes são herdados. O que ele detém é o One For All.
E é a partir daqui que já começa toda a macrotrama de Boku no Hero Academia. O One For All é um poder imenso e que é legado de super-herói a super-herói. Inclusive, o All Might é o oitavo a receber esse poder, contudo, ele já está querendo passar o bastão.
Não muito tempo atrás, o All Might enfrentou o seu arqui-inimigo, e apesar de ele ter vencido, foi uma batalha muito, muito violenta. O All Might acabou perdendo parte do intestino e do estômago, então, essa imagem imponente e forte, hoje é um teatro. Ele ainda detém esse poder, mas não consegue mais sustentar por muito tempo, o seu corpo está fragilizado.
Ele consegue ser All Might por três horas durante o dia, de resto, sobra um cara magrelo e fragilizado, que é Toshinori Yagi. Só que aqui entra aquele momento, onde em toda a trama, os destinos se cruzam. Midoriya quer ser muito um super-herói, ele acaba esbarrando em um incidente, onde o All Might o salva.
Contudo, o All Might, naquele momento, já estava na capa da gaita, e na frente do Midoriya, ele acaba se transformando no cara frágil que ele é. No primeiro momento, o All Might desincentiva o Midoriya a querer ser um super-herói sem super poderes. Basicamente, a lição é: menino, cresce, não tem muito o que fazer.
Contudo, o super vilão ameaça a cidade, e Midoriya, por reflexo, mesmo não tendo super poderes, resolve salvar o seu amigo, que é outro personagem importante na história, mas eu já vou explicar, calma! Diante desse gesto, All Might entende que Midoriya tem o princípio que caracteriza um super-herói, se lhe faltam os super poderes, ao menos, ele tem o ímpeto, é corajoso, é benevolente, é o super-herói que nós precisamos. E daí que surge o estalo, All Might informa a Midoriya, os meus poderes, One For All, foram a mim transmitidos, então, a partir de agora, eu vou treinar você e você vai ser o meu sucessor.
Daí o grande arco de Midoriya, de se tornar um grande super-herói. Esse treinamento, porém, não é simples, o One For All é um poder dilacerante, daí que Midoriya precisa treinar, precisa ficar em forma, ficar trincadaço, e mesmo assim, nada disso garante que ele vá sobreviver. O All Might dá um fio do seu cabelo para que Midoriya o devore, algo que é bem nojento, o próprio Midoriya reconhece, mas vai ser a partir do sangue do All Might que, aos poucos, o Midoriya vai ganhando esse poder.
Só que, como é um poder muito intenso, ele não consegue dosar, daí que, logo no primeiro momento em que ele utiliza, ele quebra um braço e duas pernas. E esse vai ser um dilema constante na história, é poder demais para o corpo de um garoto suportar. Aí a gente volta mais um pouquinho.
A individualidade, com a afirmação do eu, com um corpo que não consegue suportar o fardo de carregar tanto poder concentrado em uma só pessoa. Apesar disso tudo, Midoriya consegue entrar na U. A.
, que é a academia top ali do Japão para treinamento de super-heróis. Inclusive, os prédios são construídos de modo a demarcar um grande H, e, a partir daí, você vai ter aquela típica história de garotos, em fase escolar, só que, alegorizados para uma super escola, uma escola fantástica, enfim, essa coisa que gera muita identificação no público-alvo de um mangá como esse. Outro personagem fundamental aqui é Katsuki Bakugo, Dynamite, ou, para os íntimos, Kazinho.
Bakugo é basicamente um garoto cabeça quente e, às vezes, bastante cretino. Ele e o Midoriya são amigos de infância, mas o Bakugo sempre fez bullying contra o Midoriya. Na real, não era um bom amigo.
Inclusive, foi ele que deu o apelido de Deku para o Midoriya, e aqui a referência seria "dekunobou", bom para nada. Inclusive, o Bakugo, assim como sua índole, tem poderes de explosão, a sua individualidade é suar algo como nitroglicerina, então, ele é literalmente explosivo, esquentadinho, cabeça quente, menino chato. Me identifico, cabe dizer.
E o Bakugo, como a maioria das pessoas desse mundo, já aos quatro anos, teve a sua individualidade despertada. Daí que, mais escroto, ele passou a ser com o Midoriya. Só que essa escrotice sempre teve uma coisa um tanto mais complicada.
E aqui entra uma coisa muito, muito japonesa, porque o Bakugo sempre sentia que a sua honra estava ameaçada pelo fato de o Midoriya sempre lhe estender a mão. Sim, o Midoriya era um saco de pancada, mas um saco de pancada que zelava pelo bem do seu amigo. Então, enquanto que o Bakugo era, desde criança, paparicado por todo mundo, sua individualidade era considerada bastante poderosa, todo mundo via nele alguém promissor, já o Midoriya olhava para ele e via um menino que também precisava de ajuda, alguém que, mesmo poderoso, também é frágil.
Daí, essa amizade extremamente tóxica que os dois carregam, e que cabe ao Midoriya, no seu arco de desenvolvimento, uma hora enfrentar o amigo e dizer: olha só, você vai ter que me respeitar. Inclusive, esse arco de crescimento do Midoriya tem a ver com ele se reapropriar do apelido, ou seja, de considerar Deku não mais como algo pejorativo, mas algo próximo de Dekiru, e quer dizer "você consegue", uma sacada que ele tem a partir da sua nova colega, Ochaco Uraraka, uma menina que tem os poderes de anular a gravidade, e que vocês aqui já sacaram, vai se tornar o par romântico, quer dizer, não exatamente, está mais para aquela tensão básica que é mantida ao longo de toda a história. Inclusive, um dos motivos da galera aqui no Brasil ter subido nas tamancas por causa do final de Boku no Hero, tem a ver com o fato de que o Midoriya e a Uraraka não ficaram juntos.
Mas eu vou voltar nisso depois, então, vamos seguir. Daria aqui para comentar uma série de personagens coadjuvantes, até porque séries como essa surgem para poder criar muito personagem coadjuvante. E apesar desse dispositivo narrativo ser um tanto X-Man, Boku no Hero Academia tem a vantagem de produzir poderes e designs que são muito interessantes.
Em vez de fazer essa coisa que o quadrinho de super-herói dos Estados Unidos às vezes tende a querer dar uma certa razão para o uniforme, mesmo ele ainda sendo meio espalhafatoso, meio ridículo, ainda assim, tentar dar uma explicação minimamente funcional, no caso de Boku no Hero, essa funcionalidade é elevada ao nível do absurdo. Sim, aqui também vai ter o argumento de que o uniforme ajuda a aprimorar as habilidades, mas a série, como um todo no design dos personagens, não tem a menor vergonha de fazer coisas extremamente espalhafatosas, fantásticas e até mesmo ridículas. E isso, veja, é um grande elogio.
É assumir o absurdo do gênero de super-heróis. Então note, até mesmo no uniforme dos heróis já tem um comentário sobre o gênero. Isso para não falar dos poderes, alguns até parecidos com heróis que têm na DC e na Marvel, porém uma coisa que é muito própria da cultura japonesa é a exploração do animismo, a ideia de que coisas também são sujeitos.
Daí é comum ver super-heróis que estão no limiar de ser uma roupa, de ser um objeto, o super-herói é um hidrante. Vocês sacaram? É a radicalização daquilo que aparece no homem-aranha, no homem-morcego, no homem de ferro.
No caso de Boku no Hero vira, sei lá, homem esmeralda, homem ar-condicionado ou mulher-rã, que essa tem mesmo, é uma das personagens da história. Inclusive esse animismo radical aparece até mesmo em super-poderes que, na verdade, são já tecnologias bastante desenvolvidas, tipo o Tenya Iida, que é basicamente o CDF da turma e que o seu poder é ter um motor à reação na panturrilha. Tipo o cara nasce e a sua individualidade é ser o motor de um fusca.
Então vamos dar um passo atrás para amarrar tudo isso de novo. A individualidade, a afirmação do eu, o dilema de querer se afirmar perante a sociedade e a compreensão de que todas as coisas em alguma dose podem ser sujeitos, basta elas também terem uma individualidade. Não sei se está claro para vocês, mas essa individualidade aparece aqui como um conceito em tensão o tempo todo.
É individualidade que é coletiva. É algo único, mas também é para todos, ou quer dizer quase todos, porque o Midoriya, como a gente viu, não pertence a esse mundo. Ou ele pode pertencer, ou o super-herói vai além dos superpoderes?
Um tropos comum em toda história de super-herói é você ter vilões que costumam ser o exato oposto do herói, e aqui não é diferente. All Might, aquele que vai treinar Midoriya, que vai trazer para ele o plano do sonho americano, esse é o plano de treinamento do All Might, e que aos poucos está cedendo para Midoriya o poder do One For All, tem no seu antagonista o All For One. E este All For One também tem o seu protegido, o supervilão Tomura Shigaraki.
Esse é, talvez, o maior mistério que perpassa Boku no Hero Academia, A relação entre o One For All e o All For One, para além simplesmente dos poderes, o que tem por trás, qual é a história suja, qual é o segredinho sujo que sustenta isso tudo? E para responder isso a gente precisa aqui de uma espécie de mito de origem. Logo quando começaram a surgir pessoas com superpoderes, com individualidades, uma prostituta que estava à margem da sociedade descobriu-se grávida de oito meses.
Ela esperava gêmeos, porém um começou a se alimentar mais dos nutrientes do que outro, e acabaram inclusive muito consumindo a própria mãe por dentro. Quando eles vieram à luz, os dois bebês só tinham um ao outro, um era mais poderoso, o outro era mais frágil, e o que era mais poderoso em alguma dose guiou o mais frágil nesse processo. E cara, que imagem forte aquelas duas crianças se amamentando em um corpo morto.
Aqui não tem como não ver ecos do mito de Rômulo e Remo. Porque o que vamos acompanhar é que o menino mais forte, conforme vai crescendo, vai se tornando consciente de que tem uma individualidade, no caso, ele consegue roubar e conseder individualidades. Já o seu irmão, muito mais fraquinho, muito mais frágil, não demonstra nenhum grande poder, inclusive o pouquinho que ele tinha, o irmão mais forte tirou dele.
Contudo, para além dessa diferença de potência física, os dois irmãos também são moralmente diferentes. O mais forte é ambicioso, é frio, não tem problema em matar humanos ou mesmo pessoas dotadas de individualidade, porque seus objetivos são mais importantes. Já o irmão mais novo não quer saber desse tipo de maldade, e uma coisa que o encanta, que ele encontra nas ruínas das maldades que o irmão faz, é uma série de quadrinhos de super-herói dos Estados Unidos.
E é dali que esse irmão mais novo tira um certo senso de heroísmo. Essa ideia que é muito boa, o quanto que a origem de um senso de super-heroísmo surge da ficção, surge de uma mitificação de uma revistinha mofada de super-herói. O irmão mais velho, apesar de ser um ser muito cruel, mantém o irmão mais novo com ele, seja por um senso de estima muito mal resolvido, seja porque considera o irmão mais novo uma posse, enfim, o lance é que esse irmão mais novo está sempre junto.
E para que ele não padesça por ser tão frágil, o irmão mais forte dá ao irmão mais fraco o poder de acumular poder, o suficiente só para que ele não caísse morto. Só que daí vem o pulo do gato, individualidades podem ser combinadas. E o irmão mais fraco tinha também a mesma individualidade do irmão mais forte, ou seja, ele também conseguia transferir individualidades, e essa combinação entre transferência com acúmulo gerou o One For All.
Sim, aquele poder que vai chegar no All Might surge a partir do irmão mais fraco, e o irmão mais forte é o All For One, é aquele que recolhe os poderes de todo mundo para ele ser o mais poderoso. Ou mesmo construir uma subsociedade feita na base da troca de favores, eu tiro o seu poder, mas dou outro, se você me servir, você vai ter esse poder. Basicamente o All For One é um grande agiota de individualidades.
E essa rivalidade começa a surgir aqui. Só que lembre, eu falei para vocês, o One For All acaba sendo passado de um para outro, o irmão mais fraco acaba morrendo nesse processo, sobrando apenas a sua mão. E a sétima portadora do One For All vai ser Nana Shimura, que por acaso é avó de um garoto que tem uma narrativa muito parecida com a do Midoriya.
Ele também queria ter uma individualidade, só que ela não aparece, mais do que isso, o seu pai reprime a existência de individualidades. Esse garoto que tanto admira a existência de super-heróis é bastante repreendido pelo pai, que eventualmente até mesmo o agride por causa dos seus sonhos. Isso vai despertando nesse garoto toda uma série de manias, de toques, ele se cutuca no pescoço, ele vai criando feridas, ele não entende, mas o seu pai não gostava de super-heróis porque achava que a sua mãe foi ausente, a sua mãe o deixou para ela poder salvar o mundo.
Então na cabeça dele o pensamento é, ok, minha mãe salvou o mundo, mas ela nunca foi a minha mãe, então super-herói só gera desgraça. Não quero saber de filho super-herói! Só que as coisas fogem do controle, quanto mais esse menino é reprimido pelo seu pai, mais alguma coisa cresce nele, até o fatídico dia em que ele descobre a sua individualidade da pior maneira, ele toca no seu cachorro e o apodrece, ele toca na sua irmã e a mata, ele toca na sua mãe, nos seus avós, no seu pai e todo mundo vai morrendo no processo.
O seu poder, a sua individualidade é decaimento, isso vai fazendo com que ele acabe ficando sozinho, ficando louco e quem o adota, quem o acolhe, o All For One, que vê nele um importante discípulo. Até porque esse menino com essa trajetória tão trágica reúne em si uma série de emoções muito intensas e sentimentos intensos são necessários para que se consiga controlar o One For All. Porque não se engane, o All For One, o nosso grande vilão, quer o poder do irmão, só que esse poder é todo pensado para que não seja apropriado pelo vilão, daí que então o que precisa de uma espécie de intermediador.
Esse menino agora batizado de Tomura Shigaraki é o que vai se tornar uma espécie de Midoriya do mal, inclusive tendo um visual muito, muito bizarro, cheio de mãos ao longo do seu corpo, sendo essas mãos das suas irmãs, da sua mãe, dos seus avós, a mão do seu pai, a única mão dele, além das mãos de pessoas na rua que foram suas primeiras vítimas. Dá para pensar a partir desse arco todo que o All For One, por mais que seja um grande vilão, ainda assim ele acolheu um garoto, certo? De um jeito esquisito ele protegeu esse rapaz, mas nós descobrimos que ele estragou a vida desse moleque desde sempre, desde o nascimento dele o All For One fez questão de estar perto, sabendo que ele era o neto daquela que detinha o One For All, ele preparou um plano extremamente cruel.
Ainda bebezinho, a individualidade do Shigaraki foi roubada dele e dada no lugar o decaimento, por sua vez o pai foi manipulado para que aqueles ressentimentos se tornassem ainda mais intensos e se voltassem contra o próprio filho. Shigaraki então não acabou como um garoto que foi acolhido pelo vilão, ele era um garoto normal que foi destruído pelo vilão para que tivesse nele uma espécie de hospedeiro. Aí vem a questão chave assim como o All Might está passando o One For All para o Midoriya, o All For One também está passando o seu poder para o Shigaraki, mas não no sentido de vai lá filho é sua vez, segue adiante, mas mais no objetivo de se fundir no próprio corpo do Shigaraki, conseguir habitar o corpo de outra pessoa que a partir dessa intermediação também vai ter o One For All.
Está confuso? Vamos nos desligar um pouco de tantos detalhes da trama e entender mais enquanto valores que estão sendo colocados na nossa cara o tempo todo. Notem, do lado do herói, você tem uma ideia de que o poder é transferível, ele é acumulado e passado adiante.
Inclusive, cada um que possui o One For All, exceto o All Might e o Midoriya eram pessoas que já tinham outra individualidade, então aquela individualidade herdada também recombinou com a individualidade que a pessoa já tinha produzindo algo novo. Isso é uma alegoria bastante óbvia de tradição, não tradição no sentido pejorativo de coisa careta do passado, mas sim aquelas coisas que nós construímos, geração atrás de geração, aqueles conhecimentos, aqueles saberes que são passados. Não é por acaso que no início da história a gente vê o All Might sendo um professor, porque o professor é justamente essa pessoa que ocupa uma função de passagem, de conexão, de vínculo entre o que era e o que vai ser.
Dito de outra forma, o que a gente vê do lado dos heróis é o poder, é a individualidade enquanto dispersão, uma individualidade que se dilui no coletivo. Por isso que é importante que o protagonista seja alguém sem individualidade, para mostrar para nós que individualidade ele sempre teve, não individualidade enquanto super poder, mas enquanto alguém que está aqui. Como diz a frase do All Might: "eu estou aqui".
Midoriya acaba descobrindo ao longo da história que ele está aqui, eu existo, eu estou. Já do lado dos vilões o que você tem é concentração de individualidade. All For One não quer passar nada para ninguém.
E mesmo quando ele tem um discípulo, muitas aspas aqui, é basicamente ele tentando se fundir com outra pessoa. Então se do lado dos heróis você tem uma dispersão, do lado dos vilões você tem uma concentração, uma individualidade hipertrofiada, que inclusive se multiplica no seu egoísmo, mesmo quando é passado adiante, é para concentrar ainda mais. Daí que Midoriya é ser o nono detentor do One For All, para poder vencer de vez o vilão All For One, também aqui do ponto de vista numerológico tem alguma informação.
Cabe lembrar para os japoneses nove, 九 (kyū), tem um som muito parecidos de 苦 (ku), que quer dizer sofrimento. Daí que tem toda uma superstição em torno do número 9. E isso cabe muito bem no arco de Boku no Hero.
O destino de Midoriya, o processo que ele passa para se tornar um grande herói, a individualidade que ele herda, One For All, tudo isso vem junto de muito, muito sofrimento. Mas essa é a grande característica de um super-herói, certo? Suportar tudo isso e seguir em frente.
Sempre preciso lembrar que o Japão tem uma cultura bastante coletivista. E quando eu falo coletivista não é no sentido de como todo mundo é solidário e do bem, não caiam nesse tipo de moralização boba. Coletivismo pode ser algo bom no sentido de que de fato há uma preocupação em termos de coesão social, mas isso também pode descambar em xenofobia, pode descambar em vigilância moral eterna dos participantes dessa mesma sociedade, enfim, descambar em uma série de problemas que se vocês forem ver os mangás, os animes, os filmes, tudo que o Japão produz reflete bastante disso.
E uma coisa que de cara já traz tensão no meio dessa mentalidade coletivista é essa individualidade exacerbada do super-herói, sobretudo do super-herói dos Estados Unidos, do super-herói que acabou chegando lá como chegou aqui para nós, através de DC, Marvel e outras editoras. Para deixar aqui de uma maneira bem clara para que todo mundo entenda. Se você for olhar o super-herói dentro de uma narrativa tipicamente ocidental, ele é alguém que desponta, que se destaca da comunidade que ele pertence.
Ele pode servir a essa comunidade, mas ele é distinto, ele é diferenciado, não é à toa que hoje também tem uma série de ficções que vão explorar o super-herói como uma alegoria racial. Inclusive aquelas histórias que vão pensar os super-heróis como figuras um tanto perversas, não por acaso vai pensar eles como seres que se consideram de uma raça superior, é bom estar aí para mandar esse recado. Já Boku no Hero, se vocês forem olhar, ele está sempre levando a gente para outro lugar.
Ele começa com o All Might, ele esfrega na nossa cara uma série de clichês de topos de super-herói dos Estados Unidos, o plano do All Might é o plano do sonho americano, mas a conclusão que muita gente se decepcionou é mostrar que não, as coisas aqui no Japão são de outra forma. Enquanto o super-herói ocidental é aquele que se destaca da sua sociedade, o super-herói que nós defendemos é aquele que se dilui nela, é aquele que sacrifica a sua individualidade perante a comunidade. E daí vem o final do arco todo de Boku no Hero, quando a gente descobre a partir de uma elipse de oito anos que Midoriya não tem mais os seus poderes e ele se tornou professor da academia de heróis da U.
A. E não, ele não terminou casado com a Uraraka, nem se tornou uma espécie de celebridade dentro da escola. Aqui no Brasil vi gente comentando que queria que ele fosse uma celebridade de novo, essa lógica de alguém que se destaca.
Não, ele é só mais um professor, enfim, ou pelo menos quase fim, porque o All Might chega até ele e fala que eles têm uma mega armadura e com isso o Midoriya pode ter alguns super poderes e algumas aventuras junto, e o Midoriya vai, porque se diverte, porque é legal, mas ele é um professor. E para variar muita gente ficou revoltada. Meu Deus, que final trágico, ele virou CLT e professor.
Só que a galera aqui no Brasil, se respeitasse professor como o japonês respeita, talvez tivesse entendido melhor o final. Repito, não estou entrando aqui no mérito se é um final maravilhoso, porque pelo contrário, eu até acho bastante anticlimático. Só que ser anticlimático também não é ruim, muitas vezes, a graça da brincadeira é frustrar expectativas, é construir um monte de coisa, jogar na sua cara, você queria isso, queria isso, pois bem, a minha história não é sobre isso, vai ser sobre outra coisa.
Enfim, por mais que tudo isso possa estar contemplado, do ponto de vista da pensata, daquilo que eu expliquei no começo do vídeo, ou seja, da ideia governante, do sistema de valores, Boku no Hero termina de maneira extremamente coerente. Desde o começo uma série de elementos foram jogados na nossa cara para gritar individualidade, para no final nos entregar coletividade. Inclusive no universo de Boku no Hero existe a categoria dos vestígios, que podem ser vistos como resquícios de almas ou a própria alma.
E o que é interessante sobre esse elemento é que aqui não se demarca mais a ideia de individualidade, a todos vestígios são cabíveis, o que reforça mais uma vez essa transição da individualidade para a própria ideia de coletividade. Isso para não falar de algumas questões paralelas que também se dão muito em Boku no Hero, que é o quanto o Midoriya está ali como personagem para falar ainda dos resquícios da sociedade de castas do Japão. Cabe comentar, final do século XIX, a sociedade de castas é abolida, mas até hoje informalmente isso existe.
Então o Boku no Hero Academia também é uma maneira de você dizer: olha, essa divisão por castas não faz sentido. Aquela coisa tão doída que o Midoriya escutou da sua mãe, quando ela descobriu que ele não tinha individualidade, que era uma espécie de filho, desculpa, como se ela sentisse culpa, enfim, ali a grande lição por trás, e o próprio Midoriya explica isso, o que ele queria ouvir da mãe é que ele também podia ser um super-herói, de que ele também podia ser grande em uma sociedade onde todo mundo também pode ser grande. Ou seja, Midoriya parece que está ali para furar justamente essa divisão de castas, essa noção de superioridade, de excepcionalidade, que não por acaso quem detém é o vilão, é o All For One.
Ainda nesse terreno das alegorias, Midoriya também pode ser uma referência a uma pessoa com deficiência, porque afinal de contas no mundo onde todo mundo tem uma individualidade, ele acaba sendo a exceção. Midoriya é aquele corpo que não se enquadra no padrão atual, não detém as funcionalidades que se espera de todo mundo, e mesmo assim, como a gente vê no arco dele, essa inclusão é possível. É interessante lembrar que o Japão tem uma tradição própria de super-heróis, inclusive anterior ao Superman, tanto Ganma Ōji, ou Príncipe Ganma, e Ōgon Bat, que muitas vezes foi traduzido aqui no Brasil como Fantomas, surgiram por volta de 1930, não em mangá, mas em kamishibai, uma espécie de teatro desenhado.
Contudo a chegada do Superman e de todos esses super-heróis dos Estados Unidos acabou criando uma certa colisão de valores, e os japoneses fizeram o que sempre fazem, que é se apropriar de alguns tropos e construir a moda deles. Inclusive isso aparece até mesmo nas palavras, herói é 勇者 (yūsha), ou 英雄 (eiyū). Já super-herói é um estrangeirismo, sūpāhīrō.
Daí então que Boku no Hero é antes de tudo também uma reflexão sobre uma própria tradição poética de heróis do Japão, de reconsideração dessa herança dos Estados Unidos, mas revisando o gênero do Sūpāhīrō em direção a um homem valente, ao Yusha. Mas enfim, eu imagino que mesmo depois de tudo isso que eu falei, vai ter gente dizendo que o final não é legal, que é desrespeitoso com os professores, porque o Midoriya nem parece estar muito feliz. Contudo até onde eu vejo, não é essa questão que está ali, ele de fato não está exultante, mas ele está bem resolvido.
A única coisa que ele sente falta é dos amigos e para isso que deram uma armadura, para que ele possa reencontrar os colegas. Repito, ver ele enquanto professor um signo de fracasso diz mais sobre nós do que necessariamente sobre o que os japoneses enxergam sobre o próprio personagem. E isso não chega nem ser uma novidade dentro da história, por causa do filme em 2021, ou seja, três anos atrás, já havia saído um one shot que é canônico, e mostra que o All Might reconhece o seu alfaiate como um herói.
Aqueles que servem à comunidade também são heróis. Aliás, é tão evidente que no final da história de Boku no Hero, quando os vilões já não existem mais ou tem poucos vilões, a grande função agora dos super-heróis é ajudar as pessoas no básico, que é um negócio que sempre se questiona sobre os super-heróis americanos. Tipo o Reed Richards, do Quarteto Fantástico, o cara consegue viajar em dimensões paralelas, ele é o maior gênio da física, da química, ele é um gênio absoluto, a sua intelectualidade é venerada fora da Terra, mas esse cara não consegue achar cura do câncer.
Um mundo de heróis com habilidades hiper fantásticas e esses pulhas só servem para arranjar pancadaria no meio da rua. Perceba então o quanto a resposta de Boku no Hero Academia é muito mais esperta do que parece. E claro, também tem espaço para fanservice.
O All Might dando uma armadura para ele é dizer: vocês não queriam no final, ver ele junto com os outros super-heróis, então está aí de entrega para vocês. Outro fanservice também é terminar com o Midoriya e a Uraraka separados, aí também é uma coisa muito japonesa, porque o que aconteceu foi que ao longo da série um público feminino acabou se aproximando bastante da série, e ali aconteceu uma coisa que inclusive vocês podem ver no mundo do J-Pop, das idols e tal, que é de manter os relacionamentos não fechados para que uma série de fanfics possam ser produzidas a partir disso. Aliás, esse é um outro fator sempre fundamental para considerar esses animes e esses mangás, eles todos são produzidos dentro daquilo que o pensador Henry Jenkins vai chamar de cultura da convergência.
Ou seja, são obras que são pensadas a partir da interação do público, o quanto que o próprio público cria em cima dessas obras, passando o bastão para quem está lendo. Então se a sensação é que a história não fechou redondinha do ponto de vista narrativo, se acostume porque a maioria desses mangas de sucesso serão assim. Em uma sociedade coletivista é fundamental passar adiante.
O último detalhe que também ajuda a explicar um pouco da decepção por parte do público brasileiro, tem a ver com um problema de tradução. Na primeira história de Boku no Hero, Midoriya diz para nós, essa é a história de como eu me tornei o maior dos super-heróis. Só que ele nunca disse que ele se tornou o maior dos super-heróis, isso foi em português.
Tecnicamente a tradução da editora JBC está certa, só que 最高 (saikou) também pode ser entendido como um GRANDE herói. Inclusive a tradução americana foi nessa direção, e é por isso que o mangá terminou com ele se tornando um grande herói sim, ele se tornou um professor, um grande herói em uma sociedade onde agora todos servindo a própria sociedade são heróis. Em resumo você pode gostar ou não gostar do final de Boku no Hero, você pode gostar ou não gostar de Boku no Hero como um todo, eu mesmo acho que ele é simplesmente bom, não acho também excelente, mas não dá para negar que aqui tem uma série de reflexões de provocações muito interessantes e que ajudam a falar muito sobre o Japão, sobre os Estados Unidos com seus super-heróis e sobre nós brasileiros, inclusive com nosso eterno preconceito e descaso com professores.
Diga nos comentários que detalhes mais relevantes podem ser ditos aqui, também com certeza uma hora ou outra eu devo ter trocado uma palavra, ter me expressado errado sobre um negócio ou outro, então sim Otaku, seja feliz, exercite a sua neurose, me corrija. E também sugira outras obras que eu posso analisar aqui, talvez eu possa continuar o One Punch Man, ou mesmo outras histórias de super-heróis japoneses, sei lá. Sugiram, faça alguma coisa!
Inclusive tem que voltar a falar de Kamen Rider. Boku no Hero Academia ou My Hero Academia tá saíndo no Brasil, com eu já falei, pela editora JBC. Vocês vão encontrar umas edições aqui e acolá, seja em sebo, seja em livraria, seja a Amazon.
E é aquela história, se for na Amazon, usa o nosso link que ajuda bastante. Ou compra qualquer outra coisa, basta usar o nosso link, não pagando mais absolutamente nada com isso e você nos ajuda. Também preciso aqui fazer um agradecimento muito grande ao Gabriel Sabino, que foi a minha enciclopédia de Boku no Hero Academia e que eu importunei enormemente no Twitter e ele me respondeu tudo, valeu Gabriel.
Outro site que eu recomendo e que traz dados interessantes, inclusive sobre a recepção no Japão e no Brasil do final de Boku no Hero é AnalyzeIt, que é um site que está em português apesar desse nome. E já que eu estou estragando o mangá e o anime da galera, dá uma olhada no nosso vídeo sobre Jujutsu Kaisen, que também eu acabei esculachando o que vocês gostam. No mais, sigam a gente nas nossas outras redes sociais.
Obrigado por assistir, valeu, pessoal!