Olá, meus queridos irmãos, minhas queridas irmãs! Aqui é o padre Paulo Ricardo. Iniciamos mais uma vez o nosso programa Testemunho de Fé.
Vamos refletir a respeito da palavra de Deus que a Igreja, na sua grande riqueza, nos dá como alimento a cada domingo. Nesse domingo, nós estamos no terceiro domingo da quaresma: Evangelho de São Lucas, capítulo 13, versículos de 1 a 9. A quaresma é tempo de conversão, e o evangelho desse domingo é exatamente isto: é um convite à conversão, um convite à mudança de mentalidade.
Duas vezes Jesus pronuncia a palavra "metanoiete": "convertei-vos". Ou seja, esta é a finalidade principal desse evangelho. Mas que tipo de conversão Jesus quer de nós?
Que mudança de mentalidade, metáia, mudança de pensamento, Jesus deseja para nossa vida? Vamos olhar de perto para esse evangelho e vamos ver que Jesus, nesse evangelho, de alguma forma, ele destronca a lógica da teologia da retribuição do Antigo Testamento e também da teologia da prosperidade que estão na moda nos últimos tempos, principalmente em algumas igrejas protestantes. Em que sentido?
Vamos olhar de perto. Bom, primeiro trazem para Jesus a notícia de uma matança de Pilatos no templo de Jerusalém. Pois bem, qual seria a lógica da teologia da retribuição?
Se aqueles homens foram mortos, se aqueles galileus foram executados por Pilatos, é porque eles mereciam, ou seja, eles cometeram algum pecado grave, e Deus então os puniu com aquela matança. Esta é a lógica da teologia da retribuição: você pecou, então você vai pagar; portanto, desgraças só acontecem com os injustos. Bom, essa é toda a dificuldade que o livro de Jó, no Antigo Testamento, tenta abordar.
Ainda hoje nós encontramos isso na teologia dos espíritas. A doutrina espírita é um pouco isto: ou seja, se você está sofrendo aqui nesta vida, você está pagando alguma coisa que você fez. Se você, examinando a sua consciência, vê que não cometeu nenhum pecado que merecesse aquele tipo de castigo, então está resolvido o problema: você está pagando um pecado de uma outra vida.
Eis aí, simples assim, a lógica da teologia da retribuição. Pois bem, Jesus quebra isso e diz: "Não é verdade! Eu vos digo: se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.
" Isso quer dizer o seguinte: eles morreram, vocês não morreram, mas não pensem que estão numa condição diferente. Vejam, o que Jesus quer colocar para nós é uma leitura solidária, não é dos nossos destinos, mas sobre isso eu irei comentar daqui a pouco. Vamos agora resolver o problema da teologia da prosperidade.
Vejam, a lógica da teologia da prosperidade seria esta: o contrário da teologia da retribuição. Mas, na verdade, a lógica é a mesma. Ou seja, aqueles galileus foram massacrados e eu não fui massacrado.
Ora, se eu não fui massacrado, é porque eu sou justo, sou um dos eleitos! Eu fui escolhido por Deus, e Deus então irá me dar nesta vida prosperidade, fartura, saúde, bênção. É nisso que está baseada toda a lógica da teologia da prosperidade.
As igrejas protestantes costumam insistir nesse tipo de lógica: que os justos, aqueles que são eleitos por Deus, serão abençoados nesta vida. Portanto, se você não é um abençoado, se tem um câncer, se tem algum problema financeiro, se não vai bem com a sua família, se você não é um abençoado, é porque a sua fé é fraca e, portanto, você não é um dos eleitos. Jesus diz: "Não é assim!
Eu vos digo que não! Mas se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo. " Esta frase de Jesus se repete duas vezes neste evangelho.
Vamos então ver como é que Jesus resolve o problema da teologia da retribuição e da teologia da prosperidade. Jesus resolve com a solidariedade, ou seja, nós, seres humanos, estamos no mesmo barco, estamos no mesmo navio. E se existem pessoas que são abençoadas e existem pessoas que vivem uma vida mais dura, mais difícil, tudo isso deve nos servir de palavra de Deus para a nossa conversão.
Ou seja, a chave de leitura de tudo isso que está aqui em cima é a pequena parábola que Jesus conta a respeito da figueira. Ou seja, o proprietário foi lá procurar figo e, então, disse ao agricultor: "Eu vou cortá-la, já que faz três anos que essa figueira não dá figo algum. " O agricultor, porém, intercede e diz: "Deixa, espera um pouco.
Vou cavar ao redor dela, vou colocar adubo e vamos ver se ela dá fruto. " É o tempo da paciência. Então, vejam: se você vê pessoas abençoadas, sejam elas justas ou injustas, sejam elas grandes pecadores ou pequenos pecadores, porque todos nós somos pecadores.
Pois bem, se você vê pessoas abençoadas, saiba que essas pessoas estão vivendo o tempo da paciência de Deus. Aproveite o tempo da paciência de Deus! E se você vê pessoas que estão levando uma vida desastrada, este tempo de vida desastrada e de punição é igualmente para a conversão.
Estão vivendo o tempo em que Deus está pesando a sua mão para que elas se convertam. E isso é uma mensagem não somente para aquelas pessoas, mas também para mim. Ou seja, Jesus está nos ensinando aqui neste evangelho que, quando eu vejo uma desgraça acontecer ao meu redor, aquilo deve ser uma palavra de Deus para mim, que não sofria aquela desgraça.
É claro que, se é uma mensagem para mim que não sofria a desgraça, tanto mais deve ser para a pessoa que está vivendo aquela realidade. Bom, um pouco disso é a chave de leitura. Ou seja, a chave de leitura solidária, seja na bênção, seja na miséria.
Nós todos devemos olhar a bênção como uma palavra de Deus que diz: "Veja o tempo da paciência, que bom! Glória a Deus! Vamos nos converter.
" E, numa miséria, também uma palavra de Deus que me diz: "Olha aqui, eu estou chamando sua atenção para que você. . .
" “Se converta! Essa é a chave de leitura solidária, digamos assim, do Evangelho desse domingo. Porém, poderíamos aprofundar um pouco mais teologicamente esta realidade, que é a seguinte: por que é que Deus permite que nós estejamos num mundo tão trágico?
Tragédias que vêm do pecado humano, como, por exemplo, o massacre promovido por Pilatos, ou tragédias que acontecem a partir do mundo natural, dos acidentes não premeditados e não desejados por ninguém, como aqueles construtores que foram esmagados pela torre de Siloé. Por que é que este mundo tem aflições assim? Bom, a resposta é muito clara: as aflições desse mundo provêm do fato de que nós pecamos.
Existe o pecado original, e nós não estamos no mundo paradisíaco; nós somos expulsos do paraíso terrestre. Vejam, a nossa expulsão do paraíso terrestre é uma providência amorosa de Deus que a gente pode chamar de castigo, mas é algo realmente do amor de Deus. Santo Tomás, na sua Suma Teológica, na segunda sessão da segunda parte, ele responde a respeito destes castigos de Deus.
É na segunda sessão da segunda parte, no artigo questão 164, que Santo Tomás diz claramente que não convinha ao homem continuar no paraíso terrestre depois que ele pecou. Por quê? Porque o que é que aconteceu com o pecado?
Antes do pecado original, as coisas eram ordenadas, ou seja, Deus mandava no homem, e esta ordem colocada por Deus acontecia da seguinte maneira: o espírito de Deus iluminava a alma, e a alma organizava o corpo. Ou seja, havia uma hierarquia: Deus manda na alma, a alma manda no corpo. A partir do pecado original, essa hierarquia foi subvertida; o homem voltou as costas para Deus, não quis mais ouvir o espírito de Deus.
Por isso, a sua alma, ao invés de mandar no corpo, foi oprimida pelo corpo. E a partir daí, nós temos essa realidade de que o corpo, a todo momento, quer mandar na alma. O corpo, a todo momento, se rebela, está querendo mandar na alma.
Ora, se o homem continuasse no paraíso terrestre, seria a pior desgraça para ele. Por quê? Porque imagine agora um corpo que está mandando na alma, sendo mimado, ou seja, um corpo que recebesse todas as benesses, todos os confortos, todos os prazeres do paraíso terrestre.
Ora, esse corpo ficaria ainda mais caprichoso, ainda mais arrogante, e a desgraça da alma seria ainda maior. Deus, na sua providência, então, o que faz? Na sua bondade, vendo a situação na qual o homem havia se reduzido por causa do seu pecado, Deus então expulsa o homem do paraíso terrestre.
Ou seja, Ele nos coloca num mundo onde acontecem desgraças; Ele nos coloca num mundo em que realmente acontecem aflições. Por quê? Para que nós, vendo estas aflições, como o massacre de Pilatos ou o desabamento da torre de Siloé, enxerguemos que precisamos nos converter e, então, colocar um freio nos desejos desordenados da carne e permitir, mais uma vez, que Deus, no seu Santo Espírito, mande em nossa alma, para que a nossa alma mande nos nossos corpos.
É esse o projeto de Deus. Então, aqui nós vemos um pouco aquilo que é a forma de Deus agir na sua pedagogia e na sua graça. É isso que explica um pouco os “castigos” que nós sofremos.
Não é que Deus goste de castigar, mas é que, na sua bondade, Ele precisa nos acordar para a miséria na qual estamos vivendo. É interessante nós olharmos um pouco como é que o coração de Jesus reage diante dessas misérias, como a desgraça dos galileus em Jerusalém. O próprio Evangelho de Lucas que estamos lendo nos dá uma noção bastante precisa do coração de Deus.
Quando Jesus se aproxima da cidade de Jerusalém, no capítulo 19, Ele se aproximou da cidade e começa a chorar, e Ele diz assim, no capítulo 19, versículo 42: 'Ah, se tu compreendesses hoje o caminho da paz! ' Está falando com Jerusalém. 'Agora, porém, isto está escondido aos teus olhos.
Vão chegar dias em que os inimigos farão trincheiras contra ti e cercearão e te apertarão de todos os lados. Eles esmagarão a ti e aos teus filhos e não deixarão pedra sobre pedra, porque tu não conheceste o tempo em que Deus te visitou. ' Eis aí, nós somos visitados pela graça de Deus; Deus envia a sua graça a nós.
Deus nos dá o tempo da visita; é o tempo da paciência, é o tempo em que a graça nos é enviada. Lucas 19:44 fala isto: 'O tempo em que Deus veio nos visitar. ' O kairos tes episcopes, o tempo da visita de Deus, é exatamente esse tempo da paciência em que Deus nos dá a graça.
Mas o que acontece? Deus vai nos dando a graça, mas chega um momento em que Ele vê que nós não estamos nos convertendo. E Deus, que tudo sabe, Deus que tudo enxerga, vê que a graça dEle está redundando em desgraça.
Sim, isso pode acontecer. Você que é pai, você que é mãe e educa os seus filhos, você sabe perfeitamente disso. Você dá presentes para o seu filho, mas chega um ponto em que o seu filho fica tão mimado com esses presentes que os seus presentes redundam em desgraça para ele.
Ou seja, na verdade, ao invés de educá-lo, você está deseducando o seu filho; você está perdendo o seu filho. Pois é assim que Deus envia a sua graça. E Ele, enviando a sua graça, nós vivemos o tempo da paciência de Deus, o tempo em que nos é dada a possibilidade de conversão.
Mas se nós não nos convertemos, não se preocupe, Deus irá retirar a sua graça. Mas não por falta de amor, exatamente por amor. Ou seja, Deus nos expulsa do paraíso; Deus retira a sua graça quando Ele vê que a graça está redundando em desgraça para nós.
Então Jesus diz no Evangelho: se vocês veem uma pessoa. . .
” Que caiu em desgraça, não pense que você é menos pecador do que ela. Não converta-se, porque senão você perecerá do mesmo jeito. Ou seja, enquanto isso, eu estou te dando a graça.
Aproveite, mas saiba: pode vir o tempo em que você não receba mais essa graça, porque você não está aproveitando esta graça. Então, é exatamente esse tempo da paciência. Ou seja, existe o tempo em que Deus tem paciência; cava ao redor do pé, coloca ali o adubo, rega para ver o fruto.
Mas se não vier o fruto, ele cortará a árvore. Eis aí: tudo isso é bondade de Deus. Então, nós temos que ver isso.
Jesus chora; Deus é o primeiro a chorar. Olha lá Lucas 19: Deus é o primeiro a chorar quando vê que o seu povo não olhou para a graça, não aproveitou o tempo da graça, o tempo da paciência, mas se esqueceu de Deus. Então, Jerusalém foi pisada pelos gentios porque nós não nos convertemos.
Eis aí a mensagem do Evangelho desse domingo. É interessante ver que essa é a forma de Deus agir também no Antigo Testamento. Veja, por exemplo, o livro do profeta Ezequiel.
No capítulo 10 do profeta Ezequiel, o povo não se converteu. Ezequiel pregou, disse, falou, fez sinais proféticos; o povo não se converteu. Pois bem, no livro do Ezequiel, capítulo 10, a glória de Deus se retira do templo de Jerusalém.
Ou seja, Deus tira a sua graça. Que coisa trágica, que coisa horrível: a glória de Deus se afastando do templo de Jerusalém, como é descrito naquele livro. E logo em seguida, as tropas dos invasores se aproximam; serão desterrados, virá o inimigo.
Então, enquanto a glória de Deus vai se retirando da cidade, os inimigos vêm se aproximando. E Deus entrega o seu povo nas mãos dos inimigos, mas não porque Deus odeia o seu povo, mas porque ele sabia que aquilo seria para eles tempo de conversão, porque haveria um resto, um resto de Israel que se converteria. As tropas da Babilônia se aproximam ao exílio da Babilônia, porque o resto de Israel retornará e retornará para realizar a vontade de Deus.
Deus pode nos dar a graça ou Deus pode ver que a sua graça está redundando em desgraça para nós, que nós estamos ficando mimados. Ou seja, que nós, católicos, não estamos nos convertendo, nós não estamos mudando de vida. Essa é a mensagem de Deus: sempre convertei-vos, senão perecereis.
É a mensagem do Evangelho: se converta, se converta, porque senão Deus nos tira a graça e nos tira a graça por amor. Por amor! Ou seja, existe o tempo da paciência e existe o tempo da ira.
Na segunda carta de São Pedro, capítulo 3, versículo 15, nos diz assim: "Considerai que a paciência de Deus para conosco tem em vista a nossa salvação, conforme vos escreveu o nosso amado irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada. " Vejam só a paciência de Deus, o tempo da paciência, da macrotimia de Deus, conforme foi escrito por Paulo. A gente se pergunta: onde é que Paulo escreveu a respeito da paciência de Deus?
Bom, em vários lugares. Um deles, a carta aos Romanos, capítulo 2. São Paulo diz assim, capítulo 2, versículo 3: "Tu, ó homem, que julgas os que praticam tais coisas, mas cometes também, pensas que escaparás ao juízo de Deus?
Ou desprezas as riquezas de sua bondade, tolerância e longanimidade? " Vejam: desprezas a sua macrotimia, desconhecendo que a bondade de Deus te convida ao arrependimento. Mas pela tua obstinação e coração impenitente, vais acumulando ira contra ti para o dia da cólera e da revelação do justo juízo de Deus.
Então, nós vivemos o tempo da paciência, mas poderá vir o dia da cólera, exatamente por causa da bondade de Deus. Deus nos ama, nos dá a sua graça, mas ele não nos mima. Se a graça começar a redundar em desgraça, ele permitirá, sim, um castigo.
É essa a mensagem do Evangelho desse domingo. Se você vive um tempo de tribulação, se converta, porque tudo isto é amorosa benevolência de Deus que diz: "Olha, não foi pelo amor, vai pela dor. " E se você está vivendo um tempo de bênção, um tempo de prosperidade, também se converte, porque você está vivendo, na verdade, o tempo da paciência; então, Deus está te dando um tempo a mais.
Mas cuidado: se você não aproveitar a graça, Deus irá retirá-la antes que ela se torne uma desgraça. Que Deus abençoe você e lhe dê uma santa quaresma. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Amém.