Mia Couto - 05/11/2012

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Roda Viva
Escritor moçambicano vem ao Roda Viva falar sobre sua vida e obra.
Video Transcript:
[Música] Boa noite estamos ao vivo para todo o Brasil e no Roda Viva de hoje temos como entrevistadores convidados Maria Fernanda Rodrigues que é repórter de literatura do Estado de São Paulo Mona dorf que é apresentadora do programa letras e leituras da Rádio Eldorado Norma Curi correspondente da revista portuguesa visão Manuel da Costa Pinto crítico literário do programa Metrópolis da TV Cultura e colunista da Folha de São Paulo Paulo Verneque editor do caderno ilustríssima também da fora de São Paulo e o jornalista Paulo caruzo além de twiteiros e convidados especiais da USP e a partir
desse momento perguntas e comentários podem ser feitos pela rede social Boa noite minha CTO obrigado por ter vindo já tá vai ficar um mês aqui no no Brasil eu queria saber de início o Quais as vantagens e desvantagens de ser um escritor moçambicano no sentido que a literatura moçambicana é recentíssimo moçambicano no realismo Então você é um dos grandes Escritores da atualidade de Moçambique Mas é uma literatura muito pequena fechada você certamente tem mais leitores na França e no Brasil do que em Moçambique isso te dá mais Liberdade isso te limita não tá numa tradição
forte como é que essa situação para você Eu acho que eu vejo isto dessa maneira eu tenho que ter uma raiz não é tenho que ser de um lugar Ah e de um tempo mas se eu não tiver ah digamos assim há uma vantagem nisso que é que é que é eu ter essa essa ligação com com com alguma coisa que é mais do que eu que seria essa esse Edifício literário que não como você diz bem é é muito recente é m sambique Mas por outro lado há aqui uma o escritor tem que ter
raiz tem que ter asa não é tem que voar e portanto eu sinto mais eh solto para poder fazer aquilo que eu quero sem ter sem ter esse esse esse transporte esse peso que que poderia cair sobre mim Portanto acho que há vantagem e desvantagem você como é que você é encarado em Moçambique você é lido lá existe um público paraos seus livros lá sim existe quer dizer na na nossa própria dimensão é um país pequeno tem tem tem tem 20 milhões de pessoas e e há muita há uma carga muito grande de analfabetismo ainda
o livro circula pouco circula nas cidades não é uma tiragem em Moçambique de 5000 exemplares para um livro é uma coisa extraordinária mas eu acho que eu provavelmente sou o escritor mais mais publicado mais lido infelizmente às vezes para mim mais estudado nas escolas porque isso queria uma relação que nem nem sempre será uma relação de amor com com o texto e com com o autor Mas acho que isso é um eu eu digamos eu eu sinto bem eh sinto-me bem nesse nessa função quase iniciática de de de com outros meus colegas porque não estou
sozinho né de começar alguma coisa ag você é um escritor de língua portuguesa e o português em Moçambique é a língua oficial Mas é uma língua minoritária você trafega nas outras línguas nas línguas orais ou não bom o português é uma língua minoritária sim mas é uma das línguas mais faladas no país quer dizer é a única língua que que atravessa o país inteiro e o número de falantes é um número que que digamos assim que cresce h de uma maneira quase geométrica não é até até preocupante porque ele cresce em cima das outras das
outras línguas que são línguas da raís africana não não não conheço nenhum outro escritor em Moçambique que que não escreve em português todos escrevemos em português e e eu acho que quase todos são são de língua materna portuguesa não é mesmo sendo menos mesmo sendo de outra origem social racial etc Ah o português é é moradia dessa dessa dessa a gente que escreve e existe eh literatura em Moçambique dessas outras línguas que não é português não infelizmente não eh eu só conheço dois casos de de gente que tentou escrever noutras línguas não correu bem não
os livros não se Venderam H quem sabe mas são autores que tentaram eh que eram de língua portuguesa e tentaram escrever nessas outras línguas Ou eles eram as línguas maternas eram suas línguas maternas eles se sentiam mais à vontade para fazer assim mas para que isso corra bem é preciso todo um resto de de uma outra coisa que ainda não acontece é preciso que essas línguas sejam fixadas normadas a sua grafia que é uma coisa que ainda está a ser ainda está a ser conseguida e e é preciso que haja um outro movimento de gente
que sabe ler e que tem gosto de ler por nessas outras línguas Parece que só 10% falam português não é eu acho que é mais eu acho que é bastante mais quant eu acho que neste momento deve ser entre 50 a 60 pessoas 60% da população que fala Pode falar não quer dizer que ele falem sempre que no no seu círculo mais mais íntimo falam outras línguas mas que são capazes de falar em português 60% e na capital os falantes de de língua portuguesa como língua materna já são Talvez 40% é um é um é
uma coisa que está mudando muito rapidamente quando quando Moçambique ficou independente e o analfabetismo era 95% n e e quantas livrarias existem no país hoje são poucas eu não sei eu acho que cabem 10 nos dedos da da minha 10 Mia Você costuma falar muito nas entrevistas que dá sobre a importância da tradição oral da oralidade e a gente inclusive sabe que pelas suas andanças como biólogo pelo interior do país você recolhe histórias e você recria essas histórias na sua literatura eh você diria hoje que a a história de Moçambique ela ainda é contada mais
oralmente do que nos livros e por essas líu você conversa com as pessoas em que língua Bom há mais de 25 línguas em Moçambique eu eu eu sou capaz de entender duas delas e e e mal digamos assim maneira que eu eu eu tenho que falar com as pessoas em português e percebo razoavelmente quando se falam nessas outras línguas e e aqui há um problema logo é quer dizer assim é é um país que eu obriga a tradução as pessoas têm que têm que ver vertido aquilo que é uma parte da sua intimidade da sua
alma numa outra língua E isso tem como foi dito como se começou aqui tem vantagem tem desvantagem porque o português fica numa situação de grande mobilidade de grande criatividade as pessoas não se intimidam com isso porque transportam para o português aquela aquilo que é a sua carga Cultural de origem e o português é muito vivo é muito dinâmico aceita muito por causa disso e é de facto é um é um país de histórias é um país que vive na oralidade e isso isso também é bom para um escritor porque nesse jogo de fronteira entre escrita
oralidade ele ele tem que estar atento ele tem que deixar que essa palavra oral entre para dentro do texto não é e e invada a página mas as novas gerações continuam contando suas histórias os meninos continuam escrevendo você diz uma coisa muito bonita pro biratan Brasil uma vez no Estadão que toda vez que um velho morre é uma biblioteca que arde como se essa tradição oral fosse realmente só mantida pelos mais velhos essa frase não é uma frase antiga não é minha mas H é um ditado é um ditado sim que que já já virou
uma coisa africana de toda a África mas eu acho que não acho que não é uma coisa que assim a oralidade não é a tradição oral são duas coisas diferentes a a oralidade é a maneira como Bom ela está viva no Brasil a oralidade não é uma coisa da África é uma coisa de cada um de nós é a maneira como nós transportamos aquilo que foi a nossa própria expressão de Infância não é nós já habitamos todos lá na oralidade Essa foi a nossa primeira Pátria Então acho acho que a o segredo da escrita aquela
que eu quero fazer é a maneira como como se permite que a oralidade depois realmente nos conduza e e e aquilo que eu faço é uma escrita ditada por vozes são as vozes que me contaram histórias as minhas histórias de Infância estão é lá que eu vou regresso sempre né No entanto eh perdão eh a sua a sua escrita não é marcada pelos africanism e por eh enfim o que se esperaria de uma de um de um português de um país tão marcado pela oralidade eh o novo acordo também foi uma situação em que os
Escritores se viram obrigados a ter uma opinião sobre em que português vão escrever você de início se manifestou contra recentemente quando o Moçambique ratificou o acordo você você achou uma decisão acertada Afinal em que português você escreve eh a sua Editora em Portugal e no Brasil como elas acomodam essas essas discordâncias que embora pequenas foram grandes entre os escritores que os portugueses não seguiram não estão adotando no Brasil ele foi foi do acordo não uma guerra que Os Moicanos tenham tomado grande posição até porque acho que nasceu de uma certa reação de um certo setor
em Portugal que que viu nisso uma certa perda daquilo que era su seu investimento como como como um império perdido não ali um resgate de uma de uma posição Central que Portugal achava que tomava mas mas eu não eu não escrevo quer dizer isso não afeta de maneira nenhuma que é a língua do escritor que é que a sua expressão isso afeta coisas que são de superfície que não me parece que que que me perturba de maneira nenhuma não é por outro lado você é um escritor Branco Ai desculpa é é um escritor eh Branco
quer dizer só tem 50.000 brancos no país de Entre 16 milhões de negros né e português quer dizer filho de portugueses Imagino que cristão não sim não mais ou menos sim mais ou menos tudo isso mais ou menos tudo isso e E no entanto você assimilou e eh uma vez eu eu perguntei para uma médica moçambicana Você é casado com uma médica se ela acreditava mais na medicina do que na feitiçaria e ela falou bom quando eu tenho alguma coisa eu vou nos dois e e você assimilou isso essa coisa das árvores que falam da
que mudam de lugar das árvores que viram homens toda essa essa magia eh assimilou pessoalmente e e na literatura como é que foi isso como é que Você captou essa eu acho que isso não é um não não não não a palavra acreditar nessa nesse como se fossem crenças não parece que seja seja o o verbo certo Quer dizer eu eu eu tou disponível estou aberto e e Portanto acho que ess eu eu visito esses mundos mas não moro em nenhum deles portanto ess essa outra essa outra explicação do mundo que chega por via dis
que são as oralidades diferentes de Moçambique as religiosidades diferentes que que são mais do que crenças são são religiosidades ah alimentam muito e eu eu eu combino isso eu faço uma espécie de mestiçagem disso tudo como como para ter um olhar que que que que Digamos que não é eu sou sou uma espécie de ateu praticante digamos assim ou não praticante um ateu não praticante Isto é estou estou aberto estou disponível para outras para outras lógicas e isso é uma coisa que vem da da minha infância eu bebi não desde desde que eu nasci então
é muito difícil dizer como é que eu como é que eu H sendo um biólogo e portanto tendo que ter um olhar mais científico não é com um certo método sobre o mundo encontro mais explicação n coisas por vezes na poesia do do que na ciência não é você fala muito da infância que é um lugar de onde você nunca conseguiu sair sim eh como foi crescer em Moçambique num tempo de guerra e as crianças não deix um tempo para brincar como como foi isso bom eu eu eu eu vivi uma grande parte da minha
vida ou mais de metade da minha vida foi vivida em guerra situação de Guerra hum eu eu mas eu fui muito privilegiado tive uma infância que me deu assim um me deu um lugar Um lugar de que que era uma pequena pátria que era a minha casa o meu bairro a aí que eu que eu que eu regresso sempre como um tempo que não terminou que não fechou não é então acho que que tive tive essa esse privilégio de nascer numa cidade pequena que tinha um tempo em em que havia ruas havia bairros havia havia
esse espaço infinito em que nós perdíamos a fronteira entre a casa e a rua e e isso isso é uma coisa que eu vejo com com com com tristeza que os meus filhos já não usufruiram os meus os meus netos esram menos não é porque a a cidade se fragmenta e se transforma num Território Sem sem grande identidade portanto ao mesmo tempo eu vivi numa situação de guerra mas essa guerra não desarrumou aquilo que era o o mundo onde furou a minha a minha intimidade né a experiência da da guerra tá muito presente no seu
livro mais conhecido acho que no mundo todo que é o Terra sonando Sim é mais traduzido mas nas ú nos últimos livros eh que você escreveu lançou Talvez eu esteja enganado e esteja falando só dos livros lançados no Brasil me corrija por favor se eu tiver enganado mas me parece que é uma espécie de fabulação mágica eh se sobrepôs a uma reflexão sobre a história no seu sentido mais áspero mais corrosivo destruidor como é que você lida literariamente com essa experiência sobre a qual você acaba de falar para Fernanda assim a literatura ambi tá muito
tá muito presa àquilo que é o a história do seu do país quer dizer nós somos muito aquele país ainda né e eu acho que isso ainda vai demorar uma geração até que se queria uma certa distância entre entre essa história mais imediata e as histórias que nós vamos qu Então acho que houve esse esse percurso sim que eu que eu eu tento fugir essa essa datação não esse esse contexto que que que que me prend ao lugar mas mas eu eu creio que vou vou vou fazendo as coisas de maneira que essa reflexão se
mantém mas é feita através da de uma forma poética dizer assim eu eu eu estou pensando o meu país mas como se fosse como fosse contando uma história portanto não não não não não não sei se estou a responder a que estamos eu eu eu eu procuro que mento de ondas né oscila um pouco entre a maior presença da realidade e uma maior presença da fabulação exatamente mas a fabulação é uma maneira de pensar de pensar com tanta seriedade como a outra reflexão que é feita através de um ensaio ou de qualquer outra disciplina é
que talvez eu não sei se eh acontece com os escritores de Moçambique que aquilo que muitas vezes se cobrou dos escritores brasileiros produzir uma literatura que expressasse no nosso caso os traumas da de 20 anos de regime militar de cura eh eu não sei se eh existe essa cobrança também aqui no aqui na América Latina se fala faz-se muito a comparação entre a literatura brasileira e a literatura Argentina né a literatura Argentina tem uma tradição muito forte de ter discutido o período militar a literatura brasileira embora eh tem alguns livros que eh enfim abordem esse
tema jamais eh se voltou predominantemente para isso eu queria saber então se se existe essa essa cobrança até na na vida social na sua presença pública em Moçambique uma cobrança em relação a essa atitude como escritor traduzida em ficção não uma atitude pública meramente que essa você já toma eu acho que existe sobretudo uma outra cobrança que é cobrança de ser africano e digamos e e dar provas da autenticidade que é uma coisa que ainda é pior do que aquilo que referiu Mas isso é uma cobrança que vem sobretudo de Fora que depois nós assimilamos
quer dizer o escritor africano tem que provar que que que é africano em primeiro lugar assim Isto é o e o que é ser africano ser africano é estar e digamos ligado à aqueles temas que são que são tidos como os mais mais genuínos quer dizer a fogueira e o velho e a feitiçaria etc esse tip co mas isso são os estereótipos de como os europeus vem o moçambicano e moçambicano mas o problema é que os africanos interiorizaram esses estereótipos E durante um certo tempo essa era a pergunta que eu que eu estava a responder
Manuel o os Escritores achavam-se nessa obrigação era como se fosse um passaporte que eles exigissem a si próprios eu acho está a surgir agora uma nova geração e eles encarnavam esse estereótipo sim como se como se eles tivessem também prestar provas perante si próprios não é agora há uma geração nova que se libertou quer a ser escritor não não não não não não quer ser um escritor africano quer ser escritor ponto e ter só essa obrigação de criar e poder fazer isso sem sem fronteiras não é agora você M você se sente como escritora africano
porque algumas vezes você escreve fala que a tradição oral levar isso paraa literatura tudo aquilo que você ouve ou que aprendeu ou que viveu no teu país ao mesmo tempo você não quer ser um escritor africano para francês ver né como é que você trabalha isso como é que você você lida com esse neocolonialismo cultural vamos dizer assim não sei no meu caso eu eu lido não lhe dando importância quer dizer como se fosse uma uma espécie de não autorizar que ele me diga qualquer coisa eu quero ser simplesmente quero ser uma pessoa feliz não
nem sequer quero ser escritor uhum se eu acontece que eu sou escritor e e acho que se calhar a palavra o verbo ser não é o melhor acontece que eu estou escritor e ninguém é escritor como se fosse uma condição de essência uma coisa biológica que nos marca não é a escrita para mim é uma maneira de eu olhar o mundo e portanto posso posso perdê-la e e e e e não me perder nisso não tenho quer dizer assim a escrita para mim não é um um programa uma missão uma uma intenção sequer pensada acontece-me
que eu sou essa comparação que fazem sempre com você entre você maras rosa que é uma das suas referências e também com Gabriel Garcia Marques como é que você vê essa comparação assim eu acho que o que por um lado sinto muito honrado assim eu acho que não não mereço sequer que haja qualquer equiparação mas mas eu acho que o que o escritor quer realmente é que é ser não ser comparado com ninguém que seja seja seja ele é um criador de um universo e esse universo só existe jun com ele próprio não é então
acho que essa é a grande ambição de um escritor é que ele não não surja por por comparação com ninguém não porque ele é é grande ou ou porque é pequeno mas porque não não nca é certo comparar em termos de literatura não é por isso que os prêmios Desculpa só para dizer por isso que os prêmios são tão Absurdos ao mesmo tempo não é quando se pensa em em escolher ou ou ou classificar hierarquizar um uma obra porque é que uma obra é é mais ou melhor que uma outra é sempre é sempre qualquer
coisa que temha outros critérios que não são que não são certament artísticos não é mas em termos de gosto o que que você gosta na literatura p o que eu gosto francesa a literatura brasileira importante para você o que que você go muito foi muito a a literatura brasileira foi foi fundamental Não só para mim mas para os Escritores da minha geração em todo em toda a África da língua portuguesa foram fundamentais e essa digamos mas os grandes mestres que eu tenho ou estão estão fundamentalmente são brasileiros são também portugueses são moçambicanos mas é gente
de de língua portuguesa Jorge Amado foi foi um Eu acho que o Brasil não não não não não sabe exatamente como é que ele foi importante para nós para a geração antes da minha para a minha própria geração foi uma redescoberta porque eu acho que depois depois da da da do Modernismo no Brasil quer dizer quando o Brasil começa ol a procurar-se mais na na sua própria literatura não é e não está tão preso aos modelos europeus a partir desse momento o Brasil encontra uma certa África dentro de si próprio e e e nós africanos
encontramos nessa literatura um poder de sugestão era aquilo que nós queríamos fazer era o que vocês começaram a fazer depois de de de do do do modernismo não é com Mário de Andrade e todos os outros Portanto acho que nós queríamos também uma certa rotura com a com esse esse esse Portugal que estava dentro da da Língua Portuguesa e vocês fizeram isso de uma maneira digamos ass assim com muito mais tempo com com com com alguma coisa que vinha de uma rotura que os brasileiros também queriam mostrar na própria língua portuguesa que não eram portugueses
não é e fizeram isso sobretudo na na na língua que era comum Isso foi uma operação que para nós foi muito útil né E você se sente um escritor de língua portuguesa brasileiro assim você participando disso ou não não muito sim eu acho acho que sinto sinto me sou sou sou sou sou sou um escritor e e sinto-me mais digamos assim independentemente te ser escritor ou não no Brasil ou em qualquer eu não me vejo vivendo num país que não falasse português não seria capaz mas é outra coisa não tem a ver com a escrita
tem a ver com aquilo que está para além da língua porque a língua não tá sozinha não é há há um afeto há há um uma relação que se cria com a língua que que me parece essencial você citou agora o Jorge como uma referência enfim de um de um grande escritor na sua formação no entanto essa sua situação um pouco eh solta em relação a tradições literárias grupos antagonismos que são coisas que são importantes para formação e para desenvolvimento da literatura eh você não teme também ficar solto demais eh no Brasil por exemplo tem
aqueles escritores aos quais você com os quais você se identifica que estão vivos outros que que fazem uma literatura que não é não é a sua vocês não se envolve nesses debates literários porque em Moçambique não há praticamente não não há não não S faz falta e nos outros países você se envolve no debate lit não não não eu acho que h eu fujo do dessa dessa dessa casa chamada literatura não não me sinto bem eu eu sou um contador de histórias mas ah não me sinto lá eu acho que aquilo é uma casa em
que em que há um grande risco das pessoas se tomarem muito a sério eu quando vejo um grupo de escritores Eu normalmente digo logo que sou biólogo e e fur tento escapar porque hum Claro que não é não ten grandes amigos escritores mas eu acho que depois há uma tentação enorme ent de se tomar muito a sério a si mesmo e e e levar muito a sério a escrita como se fosse como se fosse uma coisa extraordinária não é então você bebeu mais ou se aproximou mais digamos de Chico boque Caetano Roberto Carlos Do que
de drumon Rosa Jorge Amado João Cabral não não não é isso quem é que chegou mais perto de você nessa influência eu não sei assim sempre se tem a ideia que um escritor é influenciado por outros escritores e e e no meu caso eu bom e fui muito tocado pela poesia pela poesia que vinha do Brasil hh mas eu acho que eu Chico e e citano e Gil num certo momento hã tiveram marcaram e comoveram e e e digamos assim me conduziram ah tanto como como os outros escritores não tanto Roberto Carlos mas a não
mas os outros da do movimento da pical assim e o Fernando Pessoa não o Fernando Pessoa é assim é impossível é impossível escapar eu eu eu eu tenho na minha mezinha cabeceira o o livro do desassossego que é quer dizer é um livro que não não se termina nunca de ler é um é um é um um agora voltando à vos a Mia eh tem essa questão que dos neologismos né que Rosa era um personagem Urbano e ele foi pro sertão né E você mesmo disse assim ele o sertão que ele cria é um sertão
mítico sim eh como a África que você cria nos seus livros né talvez alguém que chegue à África depois de ter lido os 20 livros que você escreveu se decepcione porque você recria toda uma África mítica e e com muitos neologismos que também que é outra característica de Guimarães Rosa né ele foi uma inspiração você disse que quando você descobriu que podia se escrever dessa forma você mudou de patamar assim como é que foi essa descoberta para sim eu eu eu cheguei ao Guimarães Rosa através do luandino Vieira portanto eu luandino já já já denotava
essa essa influência e e e eu quando escrevi o primeiro livro de contos eu tinha uma uma marca de ligação ao luandino mas depois o luandino alertou que ele próprio tinha sido marcado pelo Guimarães Rosa Então eu fui procurar esse esse tal Guimarães chegou-me através de uma fotocópia Porque isto era um período de guerra e e era a fotocópia da terceira margem do rio e realmente foi uma espécie de de sismo na minha alma e eu de facto fiquei eu eu eu fiquei sem chão h e o segundo livro de contos que eu faço já
é muito marcado por essa por essa presença por essa influência mas eu acho que mais que tudo não é uma uma questão de reinvenção da palavra é uma questão de da forma poética como ele faz isso da forma como ele constrói não digamos assim O Sertão é essa sua linguagem que ela que ela oferece como como se isso não pudesse ser dito de outra maneira portanto quando eu escrevo da usando neologismos etc hum essa recriação da linguagem para dizer que o que eu quero mostrar esse esse essa essa essa Pátria essa essa nação que eu
que eu que eu invento só pode ser dita dessa maneira né mas como é que você chega a essas coisas maravilhosas tipo histórias abensonhadas é porque eu eu escuto mal eu eu eu eu não sei porque porque não não eu não eu não consigo explicar porque para mim é como se essa palavra estivesse sempre lá eu não Não inventei eu digamos eu simplesmente destape um véu que estava ali que me impedia a mim de de de de realizar que ela já estava lá não é noentanto livro parece um pouco menos marcado por esses neologismos tem
uma preocupação quase jornalística de relatar uma coisa que você viu cansando um pouco dessa enfim tá mudando de fase na não sei a certa altura eu eu eu eu tive que reagir um pouco aquilo uma coisa que que que que tem dois dois movimentos um por um lado havia uma certa uma certa perceção e entregavam essa ideia de que que eu fazia uma coisa bonita mas eu não queria fazer uma coisa bonita eu queria fazer uma coisa que fosse que fosse outra coisa que não fosse quer dizer a que a beleza que que que tivesse
ali fosse apenas uma consequência de uma outra coisa que seria mais profunda que seia o trabalho ao nível da poesia porque eu acho que esse é o meu o meu lugar é o lugar da poesia eu sou um poeta que escreve em prosa não é então Eh houve uma certa reação minha também de facto havia uma certa adolescência quando quando eu comecei esse processo e eu próprio fiquei muito encantado e deslumbrado com esse com esse procedimento mas depois eu percebi que mais grave de que não escrever um livro era escrever demasiado E e essa escrita
era uma escrita demasiado rebuscada e portanto eu tinha que passar para para alguma coisa que também me surpreendesse porque porque eu poderia chegar esse lugar que era um lugar cómodo eu já tinha alguma aceitação num certo público com isso que eu fazia mas eu queria queria queria colocar-me em causa e queria ter o mesmo gosto de de de me espantar e e não é uma espécie de resistência à língua portuguesa quer dizer uma nova língua uma um africanês uma língua que se não não eu acho que é uma certa recusa de uma língua funcional de
uma língua que que que que que se gasta no no de uma outra maneira portanto é é tentar resgatar um lugar em que a palavra tinha esse esse esse esse papel ess ess quase como se fosse uma divindade portanto é é é é uma é uma um trabalho no domínio da poesia de facto você tá usando menos glossário nos seus livros ou a impressão minha não sei eu não não nunca notei isso Provavelmente sim porque porque o glossário é sempre uma solução sim que eu não gosto Quer dizer assim quando quando o texto obriga depois
a uma essa essa consulta Não é então H provavelmente é uma coisa que eu estou estou a fazer dentro do próprio texto de maneira que também não não não não não pareça como uma explicação do termo mas o termo no contexto ele passe passe bem e por falar nesse entendimento Mia você chegou a dizer que se você não é traduzido em francês você não é lido porque Imagino que seja o o o grande público né como é que é essa tradução das suas palavras inventadas desses neologismos f em outras línguas no francês eu acho que
eh digamos na maior parte dos casos por exemplo esse que falou como é que se traduz a bhado para para para francês ou para inglês não não não funciona o que o tradutor que é bom faz esse digamos assim procura compensar isso fazendo em francês aquilo que eu não posso fazer também em português assim mas eu acho que a língua portuguesa tem hoje não não porque ela seja por Essência mais de que qualquer outra língua mas a língua portuguesa por causa da história do Brasil não é que que se apropria com outra cultura de uma
língua que em princípio era do outro depois através dos dos países africanos a língua portuguesa tem uma dinâmica tem tem uma digamos assim Há ali um um aceitar do que é novo que é que é muito feliz é é é um não é uma coisa do escritor em particular de um escritor mas a própria língua portuguesa tem oferece hoje essa essa plasticidade que outras línguas terão por razão histórica poderão ter menos a gente nó vamos agora Ah desculpa nós vamos para um rápido intervalo e daqui a pouco a gente volta com o escritor micano [Música]
minaco voltamos a Vivo para todo Brasil com escritor e biólogo M Couto M Couto me parece que você já teve uma participação política maior na guerra pela independência você até teve muito próximo da frelimo e depois participou da composição do Hino Nacional de Moçambique você se afastou você se desencantou desistiu o que que aconteceu na tua relação com a política hum eu acho que houve um afastamento para S porque quer dizer a a política também se afastou dela digamos daquele sentido que eu que eu que eu em que eu tinha alguma crença não é e
eu hoje não tenho atividade partidária e nunca vou ter mais nunca mas não quero dizer que não tenho intervenção política de cidadania Estou envolvido com com com com associações cívicas e com com com o próprio jornalismo continua a ter a ter intervenção através de um jornal mas como pessoa como como como cidadão e tua relação com com aima e com o governo Qual é distância apoio crítica como distância crítica porque parece que ah progressivamente aquilo que era essa feira Lima original esse movimento de libertação que tinha um discurso que me parecia que entre essa entre
essa esse propósito e aquilo que era a prática havia ali uma coisa que casava bem mas depois houve uma um uma distanciação h e e parece que uma distanciação menos bonita não é e eu e eu que que bom eu não tenho ressentimento nenhum não faço parte daquele grupo de gente que se tornou amarga e acho que houve uma traição eu acho que esse foi um processo que que aconteceu em Moçambique E terá acontecido em muito outro lado do mundo em que H essa a ingenuidade também era minha e pensar que num num num período
de uma geração construíamos um mundo eh e era muito fácil fazer fazer essa rotura mas mas é muito mais complicado é um trabalho de muitas gerações mas ter participado na frente de libertação de Moçambique ter atuado ter militado foi importante para você como pessoa pra sua literatura tambm absolutamente foi foi eu eu eu S eu eu só posso só posso ter gratidão com esse com esse com esse momento da minha vida porque me fez aprender aquilo que podia ser assim eu venho de uma família muito pequena queer seja são são dois dois portugueses que emigram
para a África e que cortam e que há uma rotura e depois não digamos assim a a nossa família tinha uma inveja enorme daqueles outras meninos que tinham avós e tios e primos etc eu eu eu não tinha nada disso e portanto eu acho que eu tenho essa necessidade de de de de chegar a uma família maior n assim e essa família era um país inteiro durante um durante um certo momento portanto foi foi foi uma uma grande aprendizagem viajei muito viajei muito através da da Geografia mas através também das pessoas que estavam comigo Ah
conheci gente conheci situações de entrega de grande de quase de ganhei um sentido épico da vida que que que que esses momentos que eram momentos de momentos de limite de situações de vida e de morte me ensinaram e eu acho que isso foi se eu tiv se eu tivesse vivido numa condição de normalidade num país que não tinha tido guerra que não tinha tido revolução h eu de demaria muito mais tempo a entender coisas que são para mim essenciais Moçambique pass hisória a história da confissão da leoa é uma história recente e pelo jeito te
assombrou muito a ponto de de ter que resolver com com um livro essa questão né O que que te assombra ainda em Moçambique hoje do que que trata esse livro e e e o que a gente ainda vê hoje que vai demorar muito para para se resolver eu acho que o que o que o Moçambique tem é que é que conserva uma uma diversidade enorme de mund mund quer dizer não há um Moçambique não há não há um um um um um país que possa caber dentro de uma moldura de um retrato há há vários
moçambiques com com com com que funcionam em tempos diferentes e estão aí nessa história por exemplo eles estão aí e e todos os dias há esse esse confronto de universos de Cultura etc que são que são são muito enriquecedores acho que é eu eu eu compreendo que tem que haver um país que funciona de uma maneira mais homogénea que tenha que tenha assim um retrato H mas mas ao mesmo tempo ficarei muito triste quando isso acontecer em Moçambique quando essa essa complexidade daquele daquele daquele universo se perder em nome daquilo que é unidade nacional que
que tem que ser construída né Mia e Moçambique Moçambique passou viveu colonialismo fascismo comunismo Independência uma guerra civil de 16 anos eh socialismo capitalismo violência e paz e na maioria das línguas de raiz banto Não Existe a palavra futuro é uma coisa Sagrada e você por outro lado diz que pessimismo é uma coisa pros ricos Eu queria saber como é que você vê o futuro de Moçambique Não vejo não não não vejo não é porque eu não quero ver é porque porque sim porque de facto nas línguas do Moçambique existe um uma palavra que que
Digamos que pode dizer amanhã mas não diz futuro é um território Sagrado é é um é um uma espécie de de visita que não se faz eu não vejo o futuro não não é porque eu não queira porque não porque mas porque é um exercício muito complexo exatamente para Moçambique tem uma situação que ainda moram dentro de Moçambique grandes tensões e e indefinições nós é difícil a fazer um trabalho mesmo de adivinhação sobre o que é que vai prevalecer infelizmente a o que pode acontecer é que não sabbe que seja um país como os outros
quer dizer houve um tempo que eu sonhava que aquele Como qual como qualquer outro país assim Em que em que uma elite se apropria daquilo que são as riquezas e as potencialidades desse país em que aquilo que são as leis de mercado que que hoje mandam no mundo mandem também em Moçambique assim é é um acaba por ser um país que não tem originalidade que possa mostrar e que possa oferecer a a ao ao ao ao os outros não é a não se quer dizer assim não não vejo que seja muito possível fugir a isso
isso é um pessimismo é um pessimismo assim eh digamos é não é um Realismo acho que acho que acho que hum acho que estamos todos um pouco perdidos quer dizer eu eu eu eu não vejo em Moçambique Eu também não sei se o ah outros possam ver nos seus próprios países um um futuro que não passe por essa coisa de Que hã já não não somos muito governados por nós por aquilo que são os nossos próprios interesses nacionais somos governados por aqui por rostos e e entidades que não TM um nome não é que nos
conduzem a partir de fora e e isso h não é uma coisa totalitária assim acho que aqui há fraturas aqui há zonas onde podemos ser felizes onde podemos brigar Contra isso e criar uma uma resposta não Mia você disse agora a pouco que rejeita uma participação política mais assertiva como já foi no Pass eh no entanto você se diz não só biólogo mas ecologista né que é um Fronte da política eh hoje no Brasil por exemplo tem grandes batalhas sendo travadas em torno do novo código florestal sim desse ponto de vista eh como como ecologista
a África e o Brasil como estão aí como você acompanhou essa discussão do código brasileiro não não não não eu sou ecologista porque a minha área de Formação é ecologia não sou ecologista eu acho que aqui se calhar há há uma afinação de afinação de termos que Devíamos fazer não ecologista porque faço parte de um movimento digamos assim de de de intervenção H social ecológica ou qualquer coisa ass se o faço é porque por causa da minha própria profissão não é então acho acho que o que se passa em Moçambique é é é é que
essa é muito curioso porque em Moçambique Não existe palavra para dizer meio ambiente estamos a falar da palavra futuro então as perceções indígenas sobre a sua aquilo aquilo que é natureza que é o ambiente são outras e que me agrada é perceber de que maneira que eu posso casar isso que é uma intervenção de ordem cultural com intervenções desse tipo que são intervenções de ordem de Defesa do meio ambiente etc que eu que eu me envolvo também mas percebendo que eu tenho que fazer isso de uma maneira que seria uma maneira mais mais partir de
dentro mais casada com com com as perceções que são de Moçambique não falando de Ecologia mais do ponto de vista da liter da ficção Você tá no Brasil entre outras coisas para lançar um novo romance a confissão da leoa Eh Maria Fernanda agora a pouco fez uma pergunta falando se referindo ao fato de que você eh partiu de uma experiência impressionante essa experiência é descrita nessa explicação Inicial que abre o livro né aqui você coloca uma nota mas todo leitor moderno e contemporâneo aprendeu a desconfiar das notas explicativas porque elas também podem estar impregnadas de
ficção eh e o seu romance nada tem de realista né você tem duas personagens um caçador e uma mulher de uma comunidade que está assolada por leões que devoram as pessoas e os dois destinos dessas personagens se cruzam de alguma maneira essa Qual é a Gênese desse romance e essa explicação Inicial dá um lastro de verdade para uma narrativa que é completamente não realista essa essa é bom que que os leitores desconfiem de tudo todo livro não é mas mas essa explicação é é é verdadeira Isto é eu eu eu eu vivi essa experiência vi
vivia Hum e e eu estava nessa Aldeia quando quando começou esse fenómeno que é que não é um fenómeno da África eu eu tive muita dificuldade em me posicionar neste livro porque eu de repente eu estava digamos assaltado por uma um um um um uma vivência que me parecia muito próxima daqueles clichês que h a África dos leões e África que tem só natureza não não não não tem não tem gente não tem africanos não é e e e portanto eu tive que brigar com essa história que por outro lado tinha um peso de realidade
muito grande para mim pelo menos quer dizer eu estava nessa Aldeia hã olhando para um fenómeno que eu não podia entender que não podia assimilar que era gente sendo devorada por leões não é e e gente com quem eu tinha tido uma relação um conhecimento eu conhecia aquelas aquelas aquelas camponesas que estavam que estavam sendo atacadas e portanto num primeiro momento eu tinha defender disso e e e e e fiz logo nesse momento quando sem saber que eu estava escrevendo um livro porque eu estava completamente perdido Ah com uma pequena lanterna à noite com cheio
de medo porque eu porque eu eu eu eu sabia que os leões estavam ali não é e e e portanto eu percebi que eu estava criando uma um um uma parede um um uma proteção para mim para mim próprio contra os meus medos que não eram só meus eram medos muito antigos são são são os medos atávicos da nossa espécie de ser ser Vado por um por um por por uma f os personagens do romance chegam a se transformar a assimilar o próprio Leão se e assimilar uma violência sim felina né que isso isso se
tem uma transformação ali que é quase a gente pode considerar su realista ao final né assim uma espé de identificação viceral entre a personagem e essa e a Fera né Eh isso tem tem tem predecessores literários também né Assim você pensou nessas metamorfoses literárias por exemplo falou-se muito aqui em Guimarães rosas o meu tio e a você pensou em acoplar essas duas vivências a literária e a real não foi pensado não não foi pensado foi uma coisa que me Foi ditada por aquele lugar porque naquele lugar se pensa e a maneira como como se recebeu
ali o grupo de caçadores que chegou foi exatamente essa de de lhes dizer que isto pertence a uma outra ordem estes leões não são realmente leões são uma outra coisa e esse esse isso também foi difícil para mim porque essa a maneira de olhar os leões como sendo qualquer coisa que são pessoas que podem se converter em leões Ah também era alguma coisa que remetia para um clichê de uma África que vive próxima da da das crenças da feitiçaria portanto eu tive que encontrar ali um um uma tal mas você não tem medo no bloco
anterior você havia falado sobre esses clichês da África os seus livros têm feiticeiros T lendas tem eh tradições orais você não tem medo de eh se aproximar desses clichês né quer dizer você se aproxima conscientemente dele evitando cair neles n não só Exatamente porque eles estão lá mas eu quero desconstruir é um discurso que há sobre eles não não não não não não fugindo deles não não é possível fugir uma coisa que chama atenção minha também na confissão da Leo e um pouco nos seus outros livros é um pouco uma homenagem que você faz pra
mulher né ela parece que tá assim na sua agenda você fala dessa mulher que é batalhadora que tece as redes que constrói que sai que cata lenha e que ao mesmo tempo ela tem vontade de sair daquela situação da odeia mas ela ao mesmo tempo oprimida por tradições e não consegue dar conta das fantasias da cabeça Quer dizer isso como é que isso é visto na África um país que é um continente que maltrata tanto as suas mulheres é uma bandeira sua mesmo essa essa coisa de falar muito delicadamente né da mulher como você trata
em todos os livros e você começa lindamente né Deus já foi mulher S começa assim a confissão da leô e depois transforma uma uma mulher numa leoa não eu eu eu eu recordo a a canção do Chico César diz que já fui mulher Hum e e eu fui nesse sentido que que há há um há uma dívida que eu tenho eu venho de vozes que eram essas vozes que H enquanto eu estava sentado como como como como menino que estava a fazer os deveres da escola estava sentado na cozinha esse era um universo feminino e
ali circulavam mulheres que que murmuravam histórias trocavam segredos e E essas vozes para mim ah digamos foram elas que me incentivam eu se me fiz poeta foi sentado nessa cozinha da minha velha casa escutando vozes femininas portanto eu acho que não não ah essas mulheres eu estou simplesmente devolvendo essa condição delas existirem H nessas vozes nessas histórias não é e isso é o meu projeto literário obviamente que eu também tenho que falar de uma outra coisa e esse universo é universo do da África que eu conheço e particularmente Moçambique é um universo muito machista é
um universo muito dominador sobre as mulheres é tem a cena do Incesto do estupo são bem violentas isso também é muito presente para você lá é presente sim é Eu Não inventei isso quer dizer assim há há de facto uma violência que é que é extrema que que que não que não é aceitável é nome de uma coisa que se apresenta como que é cultural e que H há muito há muita justificação antropológica desse desse dessa condição da mulher mas não não não é aceitável ela tem que ser dita não é tem que ser denunciada
E aí o peso dessa violência animal fica mais ou menos como o peso da violência do do homem por essas mules sim é portanto ess nesse caso Como estava a dizer o Manuel assim Este é um caso que existiu de facto em quro meses 20 e tal pessoas foram devoradas e e e só um homem que foi o resto foram mulheres quer dizer e para mim isso gera um sinal de alguma coisa era como se essas mulheres antes de serem devoradas poros leões já se tivessem sido devoradas por uma outra coisa pelo por esse tempo
que que elas vivem ou que elas não vivem não é portanto h para mim era uma coisa simplesmente simbólica de de de uma coisa que superava esse acidente que que gerou o livro A mulher lá também passa por aquele processo da da operação quando elas nascem no clitores que elas são cortadas não sei se Moçambique também não creio que seja seja essa digamos assim os rituais são diferentes em em países da África eu acho que é não não há mutilação Eh que que que que Digamos que que que que esteja presente nos H rituais a
cerimónias de iniciação sim mas não mas não com essa violência que existe por exemplo em algumas zonas do do norte da África e do do oeste da da África sobre essa sua participação na na história de Moçambique na movento de libertação O que foi concretamente você pegou em armas você fez Qual foi a sua ação concreta nun infelizmente não tive nunca que que que pegar uma arma porque seria péssimo acho que eu faria grandes estragos contra mim próprio principalmente mas havia também uma condição que é curiosa assim quando eu quando eu ingressei na na na
na frente libertação havia um um um um uma espécie de princípio que os brancos podiam ah eram moçambicanos e e e deviam participar eram bem-vindos mas não lhes era permitido participar como guerrilheiros nãoé como combatendo com com com arma na mão então o que eu o que eu fiz foi foi foi uma coisa Ah digamos assim um trabalho clandestino na cidade onde eu vivia como como como jornalista foi-me dito que eu devia sair da da curso de medicina que eu estava a fazer para infiltrar um órgão de informação eu trabalhei no Mas foi muito pouco
tempo porque depois houve um golpe de estado em 1974 em Portugal e eu aí já já digamos praticamente deixei esse esse essa posição que era que era assumida na clandestinidade para para para ser um militante Mas uma coisa curiosa foi que a frim Nessa altura era era um movimento de um grande Rigor do ponto de vista assim da de proteger-se contra aquilo que era que era uma certo tendência de diluir a sua a sua sua intervenção e portanto para ser membro da felim era preciso ser sujeito a um a um a um encontro em que
em que se tinha contar a sua própria história e isso foi um momento muito muito curioso na minha vida porque eu H tive que ir para uma casa fora da cidade e E aí junto de de gente mais velha eu era o único jovem era o único branco e e percebi que os outros tinham histórias de Sofrimento porque aquilo era uma prova era uma espécie de um de de um de um de um atestado que a gente tinha que ter que chamava-se narração de sofrimento é muito curioso o título que se dá era uma coisa
muito ligada a à esta atitude Cristã o sofrimento nos dá identidade e nos abre portas para alguma coisa e portanto as pessoas contavam a sua vida e mostravam como comprovavam como tinham sofrido eu não tinha sofrido grande coisa e quando a medida que chegava à minha vez e eu fui o último a ser a ser ouvido eu pensava que eu tinha que mentir eu tinha que inventar qualquer qualquer infelicidade e foi curioso porque aí quando chegou o meu minha vez as pessoas quando eu ia começar a contar a minha história as pessoas perguntaram Mas você
é poeta não é eu disse sou Então pode entrar isso foi foi muito interessante porque era poeta sim a poesia me abriu nunca me serviu para grande coisa mas Mia Você ainda trabalha com teatro você diz que no começo quando você percebeu que ia ser difícil né as pessoas lerem tanto seus livros né você começou a trabalhar intensamente com o teatro queria que você Contasse dessa experiência O que que você faz exatamente e e se isso ainda acontece bom eu fiz parte do primeiro grupo profissional que existiu em Moçambique há há muitos anos há 20
20 e tal anos era no período da Guerra era tudo muito difícil essa Gente esse grupo tem uma história muito curiosa porque eh se entregou com tanta alma e eles faziam pão à noite tinham uma padaria e com esse dinheiro depois montaram o seu próprio o seu o seu próprio lugar onde fazia um teatro e eu Ah fiquei fascinado com a hipótese de eu próprio também aprender porque eu não não havia texto dramático eles disseram tu tens que fazer eu respondi eu não sei mas e eh fazemos como sabemos e eu escrevi uns textos que
que deviam ser muito maus mas assim fazíamos isso em conjunto Foi uma foi foi uma experiência muito vivida muito intensa para mim uma uma grande escola e esse grupo ainda existe em Moçambique e mas eu já escrevo pouco para eles porque porque entretanto começaram a nascer outras outra outras competências de outras gente que faz TR texto dramático muito melhor que eu então de qualquer maneira eu eu eu eu colaboro e e e quando fazem adaptações textos meus eu sou chamado e apesar de eu querer ficar distante dessa coisa porque acho que o A pior coisa
é a presença do próprio escritor ele quer sempre prolongar o livro numa outro registo não é mas experiência se dava em teatros mesmo ou era uma coisa de itinerância ia pelo interior do país era as duas coisas era no teatro da capital depois essa peça era traduzida nas outras línguas o grupo o grupo Teve uma grande influência e criou de facto foi um grupo fundador no sentido fundador do do do do teatro moçambicano hoje Moçambique tem uma dinâmica de teatro muito muito interessante e deve-se à ação de um grupo é muito curioso como é que
como é que um grupo um pequeno grupo pode marcar tanto Não é vamos fazer mais um rápido intervalo e voltamos já com Mia CTO [Música] o Rod viva está de volta com escritor e biólogo mout escritor e biólogo você falou que estava escritor você está biólogo você você é biólogo O que que você faz como biólogo o que que é que que é eu sou muito ma biólogo eu né ninguém pode confiar em mim sim hum não sei eu há uma coisa que estávamos a conversar sobre sobre a questão da tradução e e ocorreu Que
esta e esta esta plasticidade que o português tem aquilo que se falou ah durante o intervalo sobre a a capacidade do português até se prestar para filosofia acho que aqui tá presente um pouco esta coisa o o português tem esta distinção entre o estar e o ser que pois no Inglês não funciona por exemplo que isso Isso é uma grande vantagem a nosso favor porque nas línguas nas línguas latinas né em francês italiano também não é ére não tem essa diferença essa diferença não é um detalhe quer dizer permite que que a gente faça essa
essa visitação de uma coisa que é que é tida como uma essência ou uma coisa que simplesmente é tem uma condição de vivência temporária que é que é isso eu eu eu eu eu amo muito a biologia e e e eu eu ela deu-me muito e deu-me sobretudo uma familiaridade com com com outros seres que eu que eu hoje reconheço que tem uma linguagem que que que que há um diálogo que se perdeu e que que para mim é essencial quer dizer eu eu chego ao Brasil e e sinto-me estrangeiro porque não sei falar com
as árvores que estão aqui e sei falar com as árvores que estão lá então H essa esse esse esse esse sentimento de pretensa que que que a Biologia me deu que é essencial mas agora eu não não tenho essa fé cega que os meus colegas têm como sendo a grande resposta como como há coisas que eu que eu H procuro explicação mais na poesia a poesia dá mais explicação do que me dá que me dá a ciência portanto eu não não mereço crédito como um biólogo não na prática o que é que você faz como
biólogo o eu faço eu faço estudos de impacto ambiental Eu Eu trabalho numa numa empresa de consultoria que faz e principalmente estudos de impacto ambiental mas também faz anos de de de de digamos assim de de reassentamento de população faz trabalho no nível social naquilo que é fronteira entre o a biologia e e a cultura e a sociedade fizemos trabalhos de reabilitação dos parques e do e e e e das reservas port Esse é é um trabalho multifacetado que eu faço com Sempre que há qualquer coisa na área ambiental Mas é bom te dar prazer
a Biologia a esse trabalho esse trabalho sim já me deu mais porque agora estou estou muito puxado para aquilo que é que é que são coisas ligadas com a gestão com com a gestão da da da empresa que entretanto cresceu Mas dá-me dá-me um grande prazer porque é um trabalho feito no campo é um trabalho feito com que me põe em contacto com pessoas e quando assim mais do que tudo eu a Biologia me dá uma oportunidade para não trabalhar quer dizer é um trabalho que me dá faculta essa possibilidade que portanto eu eu enquanto
estou trabalhando estou falando estou conversando estou recolhendo histórias com gente que é muito diversa gente que tem outro universo e isso é é muito mas e depois ter que apresentar um relatório dizendo qual vai ser o impacto eu às vezes misturo aquilo tudo é preciso é preciso que um colega meu faça uma cerita revisão entre mas faço faço relatórios sérios também não não sou não seim também sou uma pessoa séria nãoé você é aquele escritor do seu livro da confissão da leoa que anda com um caderninho de anotação que nem os cientistas andam em campo
e acaba recolhendo histórias que fundamentam a sua literatura depois eu tenho que fazer uma seleção do que é que é o que é que é relatório e o que é que é um texto um texto poético se você não fosse biólogo sua literatura seria outra se não fossem essas andanças aí por moç Sem dúvida Sem dúvida eu acho que eu eu não não não escreveria o que eu escrevo se não fosse se não fosse essa essa essa aproximação Eu tenho um assim é porque a Biologia para mim Eu entendo como como uma outra narrativa quer
dizer e é sobretudo a história desta coisa Fabulosa que é a nossa que é a vida quer dizer que é há esta narrativa do do não não há narrativa mais bonita que essa como como surgiu como como surgimos nós próprios nessa nessa nesse longo processo então é é uma coisa que me fascina muito mas ainda nesse trabalho e voltando um pouquinho pro livro seu Caçador tenta comparar ali a escrita com a caça Você concorda com ele é concordo Sim concordo é é é porque eu eu só percebi isso quando eu acompanhei um caçador eu tinha
uma relação ah má com a caça não era uma coisa que me agradava muito mas quando eu fui com este caçador que foi exatamente fazer digamos ar esses leões eu aprendi muito e tinha até uma certa inveja da maneira como ele tinha uma relação de intimidade el ela era capaz de ler o mundo olhar olhar para o chão e descobrir coisas que que eu não não era capaz de de de perceber e e isso esse esse trabalho da advinhação do que do que está lá só sugerido já é uma coisa parecida com a Literatura e
depois esse o que ele procurava não era el ele dis ele dizia sempre isso eu transportei para o livro ele dizia eu não mato eu Cao que para mim parecia uma coisa só de retórica mas depois fui percebendo porque o que ele procurava era aquele momento e é um momento digamos assim que que é ir repetível que é o momento em que o o caçador e o animal se se fitam não é e é como se se trocassem de alma ali um um um o o caçador se se animaliza não é ele próprio fica fica
Prisioneiro daquele momento é é é uma experiência que que é que que é muito apelativa e eu percebi que eu que eu tava a a a conversar com coisas que são são que são muito antigas em nós quer dizer essa essa essa essa tentação da caça esse esse apelo para para a caça nós fomos Caçadores centenas de milhares de anos e e só há pouco tempo deixamos de eu ser não é e sobre o Ofício do escritório de abrir o peito e ficar sem defesa na frente Exatamente esse assim o escritor procura esse momento em
que ele em que ele já não tem não tem defesa ele não sabe se é se está a ser caçado pela história se ele se ele se ele se ele se ele se ele é é é é se ele tá tá perseguindo o personagem ess é o personagem que eu que que que eu que eu prendo né Mia Mas como você fica aio essa Desculpe é que é sobre a questão do do impacto ambiental me espanta que você não não se envolva com a questão política que é eh o impacto ambiental dos grandes Empreendimentos eh
capitalistas que estão pelo mundo inteiro inclusive em Moçambique com obras da Vale com grandes Empreendimentos eh Como você consegue são dramas humanos são populações removidas são áreas inteiras que são alagadas ouou transformadas como você faz para não env eu envolvo mas não posso envolver como como como digamos assim num num movimento político ou porque assim a própria posição de uma empresa de consultoria é uma posição de alguém que funciona como um árbitro que funciona de maneira independente Eu acho que provavelmente aquilo que eu faço desde alguns anos atrás Ah tem uma eficácia que pode ser
comparada com essa outra se eu se eu tivesse abraçado essa outra via Isto é nós hh mantemos uma posição de ética eu acho que essa a maneira de fazer política é sobretudo uma uma postura ética n que que não aceitamos que esse esse tipo de de empreendimento perdedor e desonesto etc que faça esse esse desequilíbrio seja feito mas por uma via de uma de um trabalho de de de negociação de diálogo e de impor aquilo que sejam caminhos que que que essas que essas empresas têm que seguir Portanto acho que H Hum eu sinto-me bem
não sinto não me sinto em dívida com nada porque porque estou intervindo mas de uma outra maneira né você você falou sobre a caça e dessa imagem mítica que a selva Teve sempre teve no nosso Imaginário a a selva do tarzã era Moçambique né não sei parce que não era emard nenhum bom eh o que eu queria te perguntar é o seguinte eh o Brasil conhece muito pouco a África o Brasil você mencionou agora que há um uma aproximação mas o Brasil desconhece a África você é há há muito mais essa influência de lá para
cá do que daqui para lá quer dizer como é que sim eu acho que a África conhece mais o Brasil que o Brasil conhece a África mesmo que a gente esteja a falar da África assim de uma maneira muito simples mas eu vou falar do Moçambique o Moçambique tem tem tem uma ideia mesmo que seja história tipada essa a ideia que nasce daquilo que que o Brasil exporta de si mesmo a novela o futebol o carnaval mas o o ambic sabe o que é sabe onde fica sabe sabe o que é que está a acontecer
no Brasil e e eu digo moçambicano comum o moçambicano da rua o moçambicano que que que que não lê mas h o inverso Não não é tão verdade assim eu ainda hoje tenho que explicar Muita gente da rua onde é que é Moçambique porque há pessoas que me que me abordam e e acham que eu forçosamente tenho que ser português e quando eu explico não sou do Moçambique ele eu vejo por olhar dele que ele tem uma ideia vaga mas isso está mudando no Brasil eu acho que é provavemente é isso isso é culpa de
quê esse esse desconhecimento essa eu acho que o Brasil viveu viveu vive centrado numa outra num outro universo num outro tipo de preocupação isso Eo se não é se não é produzido não espontaneamente não nasce quer dizer a gente não não mas o Brasil vem conhecendo a África através de seus escritores nos últimos anos tem passado por aqui você agualusa pepetela on Jaque exatamente os seus livros são muito muito aceitos você diz que não frequenta redes sociais Mas você foi muito comentado esses últimos dias em Twitter em Facebook Inclusive tem uma pergunta de uma moça
que Gisele Zamboni Que pergunta se você conhece Manuel de Barros Conheço sim e se concorda com ele que ele fala que nos loucos graçamemes foi porque para ele faz emem poesia n se poesia inversa aquilo que que Guimarães fazem fazem prosa e e foi uma grande escola para mim eu lembro-me que ah digamos uma coisa que eu me recordo com com uma grande intensidade é um momento que o meu pai quando era suposto que ele me conduzia para uma estação de trem onde ele trabalhava e era suposto que ele me disciplinava a fazer os meus
deveres de casa ele estava ansioso por levar para fora desse desse desse lugar e percorrer as linhas de trem e aí apanhar entre Aquele lixo aquele pó hã pequenas Pedrinhas que brilhavam nãoé isso isso era um era uma coisa que fazia com que ele naquele momento ele deixasse de ser meu pai passasse a ser um um menino uma criança com como eu né E essa essa descoberta esse esse esse prazer que ele tinha em descobrir no meio do lixo pequenos objetos que Brilham isso isso eu venho reencontrar depois no Manuel de Barros não é que
essa lição que ele que ele dá sobre o valor dos inutensílios não é Hum então parece que que eu que eu reencontro uma espécie de voz paterna que ensinou poesia através desse tipo de de de de de Episódio né eu tenho uma grande dívida com com Manuel de Barros a Mona lembrou bem essa coisa das redes sociais é um é um espaço que você é muito divulgado no Brasil talvez Clarice Lispector e Fernando Abreu sejam tão citados aí suas frases Você já encontrou frases atribuídas a você que não não eram suas já E como foi
isso já encontrei textos inteiros que não eram meus e e e eu descob essa o poder imenso que tem esse esse tipo de de de de mundo não é porque houve textos que não sendo meus eram graves Porque porque me utav responsabilidades de natureza política que não eram as minhas etc e e eu percebi que era impossível a Contrariar Isso quer dizer quando se quando se pretende desmentir uma coisa dessas que circula a esse nível é como é como querer travar o meu vendo com as M esse tem um poder imenso né Você sabe que
o phip achou uma vez um um texto errado um comentário errado em de um livro dele na Wikipédia E aí ele respondeu reagiu falou olha eu sou o autor dessa história e não é assim e aí responderam para ele você não tem autoridade para para modificar is você não é o FIP precisava ter aqui a regra da Wikipedia que precisa a a fonte tem que ser uma fonte escrita e a e e a o depoimento do próprio escritor não é uma fonte escrita Então pode haver uma uma uma contradição aí mas vamos dizer mas não
é uma não é uma uma coisa non Sens não havia uma lógica interna que foi discutida depois eles até colocaram a a a vamos a contestação a contestação do autor é sobre a fonte de um Liv de uma personagem de um livro dele agora eh voltando pros seus livros mas também pro tema eh político ou geopolítico você tem um livro que se chama e se Obama fosse africano e essa semana nós temos a aí a a a eleição americana que pode reconduzir o Obama presidência ou enfim dar presidência para o candidato Republicano qual foi o
impacto eh da eleição do Obama em Moçambique no continente africano como um todo e Qual a expectativa houve frustração e há expectativa de que ele seja reeleito eh Enfim acho que não é à toa que você tem um livro que não é de ficção é um livro de CR de ensaios crônicas com esse título acho que não é casual Quer dizer imagino que continente Africano tenha havido uma grande tenha tido uma grande importância a eleição do do bar não foi uma coisa muito celebrada porque assim era o valor simbólico de ha naquilo que era a
grande nação do mundo não é um presidente negro no fundo é essa essa essa que é questão h e e e e percebi por causa das reações que que vinham até de gente que tinha H sim que tinha posições absolutamente quer dizer assim contrárias àquilo que seriam alguns dos princípios que o Obama defendia H uma certa ingenuidade quer dizer até quer dizer era uma coisa genuína quer dizer isto é H dirigentes políticos que se manifestaram contra contra contra a própria democracia por exemplo contra homossexualidade quer dizer aquela homofobia que está muito presente em alguns alguns
países africanos ah esqueciam tudo isso e celebravam o o o o Obama como um grande irmão como se esse l essa essa essa identidade fosse passada sobretudo por por a ideia de raça e e que tinha expectativa que por ser assim ah Obama iria olhar para a África de uma maneira muito particular não é como se ele fosse um africano e olhou não Óbvio que não não era ingênuo pensar nisso quer dizer Obama eh mas alguma coisa mudou ou não ou ou é foi absolutamente igual o governo Bush por exemplo não assim depois de Bush
alguma coisa tinha que mudar não é assim mas não não mudou particularmente só em relação à África mudou em relação sim mas particularmente em relação à África não houve não não assim não não sentimos que haja uma grande uma grande uma grande mudança sinceramente acho que não não por exemplo apoio com combate a Organizações e suspeitas como acontece enfim por exemplo em Angola né que é um país que de alguma maneira tá ligado a Moçambique pela história comum de colonização portuguesa quer dizer a gente sabe que em Angola existe um grande problema de grupos eh
de exploração de diamantes e de grupos petrolíferos que tão que tem uma ingerência direta na política e com desdobramentos em países como Estados Unidos e França eh perversos esses desdobramentos assim Imagino que Moçambique haja corporações também mobilizando interesses e que às vezes são criminosos politicamente falando os Estados Unidos de alguma maneira fizeram algo no plano político ou no plano da economia sanções econômicas para modificar esse tipo de situação eu acho que a intervenção é uma intervenção eh um pouco ambígua quer dizer assim por um lado há há uma investigação que para nós podia ser útil
quer dizer a investigação daquilo que que assam os laços criminosos e a gente que que dentro do Moçambique pertence a associações que são que são do crime internacional mas depois eh digamos quando se chega um momento que é preciso entregar isso e e trabalhar com Moçambique há um há uma uma posição de uma grande arrogância e e e como se lhes coubesse por uma certa inerência natural que eles fossem o polícia do mundo não é e depois H E nós queremos queremos participar nisso Queremos ser coatores dessa desse dessa correção E aí é muito estranho
não ah não nos entregam aquilo que seria esse material que seria importante para nós não é aa você fez uma uma carta a eu vou ouvir Já venho ter cons também ainda sobre mudança mas agora Olhando a crise Europeia a a crise de Portugal a realidade de Moçambique é um pouco diferente da de Angola mas vocês estão vendo algum Retorno dos retornados assim tem alguma movimentação desse desse tipo do Portugal olhando para pras exc colônias como uma um futuro sim eu acho que é É muito visível que há muitos portugueses agora que procuram ah emprego
que procuram fazer negócios ah nos países africanos todos eles em Moçambique também mas em Angola Angola foi sempre uma espécie de Joia da coroa né da da das colónias das colónias portuguesas em África sindo eu acho que é uma uma atitude assim digamos mais ou menos neutra não são eh são são como os outros OK eu acho que essa essa essa Superação do passado Colonial em Moçambique foi foi foi mais ou menos bem realizada Isto é os portugueses não são vistos de uma maneira particular particularmente negativa ou particularmente positiva não é mas é é é
o o que o que acontece é com Moçambique é um país pequeno que tem uma economia pequena e portanto essa expectativa que os portugueses Querem encontrar H migrando para para para para Moçambique é muito pouco provável que se realize não é sobre a carta ao bus que você escreveu quais foram as consequências dessa nenhumas nenhuma não não eu não tinha esperança nenhuma quer dizer eu fiz aquilo como é como como o texto que fiz para Obama esse esses textos foram feitos para para moambique para para órgãos de formação moçambicanas para o para um debate interno
que nós acho que teríamos que ter em Moçambique e depois eles saltaram esse contexto esse esse esse esse texto saltou o contexto foi traduzida sim mas eu eu nunca esperei que isso acontecesse portanto a h não eram não eram não tinha nenhuma veleidade de que isso pudesse produzir algum algum outro resultado Ah que não fosse esse debate dentro do Moçambique não era até uma estupidez minha pensar que ele podia Moçambique não existe paraos Estados Unidos é isso mais ou menos não eu que não existo assim Moçambique existe como como um lugar de interesses e e
de uma certa ge estratégia Moçambique é assim ah existe existe muito porque Moçambique é é uma espécie de de prova que um que um que um certo tipo de intervenção em África pode resultar essa desenvolvimentista esta coisa de de que fomos um bom aluno apesar de tudo das políticas do fundo monetário internacional do Banco Mundial etc Hum quando em todo o resto da África aquilo parece que não andou tão bem assim musami ainda anda bem então ainda somos um um um um menino querido não seim você acredita nisso que foi um bom aluno mesmo ou
não eu acho que não não é possível ser bom aluno dessas escolas não é mas o o o por um por um por um conjunto de circunstâncias que me parece que não vão não vão manter-se não é hum a coisa resultou bem naquilo que são para eles os indicadores importantes que são da macroeconomia não é mas para as pessoas comuns a vida não melhorou tanto assim não é eu eu eu lembro-me sempre numa entrevista os moçambicanos são muito gentis não dizem não tem uma grande dificuldade em Contrariar o outro nessa retórica que a gente facilmente
diz não não tem razão Hum e havia uma entrevista na na televisão exatamente em que aquilo que era a palavra de ordem da falma que era por um futuro melhor e o o o jornalista perguntou em camponês Mas você acha que o o o o o o seu futuro está está a melhorar e ele disse está a melhorar sim senhor mas está a melhorar muito mal então esta coisa melhorar mal é eu acho que é o que é o que pode dizer pois é minha nesse mundo globalizado onde muita gente não só escritores se sentem
mal no no seu próprio país com uma sensação de estranhamento né Isso é muito falado e eu queria saber como é que você se sente nesse Moçambique né você um filho de imigrante que chegou com uma família pequena como você falou seus pais eh vieram de Portugal ameaçaram fugir sair durante a a guerra de libertação voltaram e você tá lá como um branco bem sucedido que viaja o mundo a fora divulgando a sua literatura mas pertencente ou não né a a esse microcosmo que é Moçambique numa África um pouco abandonada assim pelo mundo digamos como
é que você se sente eu acho que você se sente que pertence a esse lugar sim Acho que sim mas pertence de maneira particular Eu não me sinto assim assim primeiro não me sinto Ahã e não me sinto Branco porque esse é uma grande vantagem de Moçambique porque a condição da raça ali hã parece muito bem resolvida não encontrei lugar no mundo que estivesse tão bem Ah digamos assim encaixado esse esse assunto da Raça mesmo sendo minoria você não se sente Branco lá não eu eu assim de vez em quando eu tropeço nisso na na
na minha própria raça e eu lembro-me que tenho que tenho uma raça e isso é um grande privilégio sim agora Hã quer dizer eu eu eu um pouco Agora tenho que recorrer à biologia para me comparar eu eu eu sinto um pouco como a baleia quer dizer assim eu eu eu eu eu Para eu tenho que vir à tona a respirar assim e e e mas o meu lugar é aquele eu eu vivo vivo no esse mar esse esse esse esse mundo é o único mundo que eu posso pertencer eu não não vejo ah mesmo
que eu tivesse que sair por uma razão forçada Hum eu viveria sempre ali de uma certa maneira porque porque nós desculpe nós vamos para um último intervalo e voltamos já com o encerramento do Roda [Música] Vida [Música] Voltamos ao último bloco do Roda Viva com o escritor Mia Couto M estava falando de ser moçambicano você se sente moçambicano mas você falou pra nma também que você não viu o futuro não viu o futuro de Moçambique no Brasil você vê algum futuro Brasil é maior é grande assim você vê alguma coisa que que acontece assim não
quando eu disse que não via o futuro para o mambi não quero dizer nesse sentido pessimista que o mambi não tem o futuro ele não é visível é entendi mas o em relação ao Brasil é muito difícil seria uma arrogância muito grande para mim começar a dizer coisas sobre sobre o Brasil que eu que eu não conheço assim o que eu vejo é que há um um um um um uma certa Euforia que há um quer dizer há uma certa efervescência que que que que os brasileiros vivem agora que convive com com também tenho amigos
meus têm uma atitude muito crítica em relação a essa essa Euforia que acham que isso que isto pode ser pode ser alguma coisa que se que já se viu noutros sítios não é que de repente não tem não queria fundamento não queria não queria não queria raiz não é portanto não sei eu não não tenho dificuldade em em em como é que você vê essa entrada da classe c e del o dobra maravilhoso mundo do consumo que tanto se fal Brasil Mou das primeiras vezes que você veio para cá ah mudou muito mudou muito sim
mudou mudou eu vejo eu vejo por por por coisas por exemplo eu eu no no Brasil tenho que viajar e aqui viajar implica andar de avião por exemplo só isso Hum o número de companhias que existem hoje o número de gente e digamos lutando os aeroportos assim há há muito mais gente consumindo coisas e para por exemplo porque é bom e por aquilo que não é bom a praias que eu conheci no Brasil que que que me apetecia voltar lá agora voltei já não são a mesma coisa foram foram devoradas foram consumidas né assim o
uza diz que que é golano ele diz que o Brasil é um dos países mais racistas que ele conhece e ele és absolutamente contra a a política de cotas em Universidade como é que você encara isso não e se seria mais uma vez eu est falado coisas sobre o Brasil eu não eu eu eu não não é só no Brasil ah eu eu não vejo bem essas políticas das cotas ou ou qualquer coisa que defina alguém pela sua condição racial não não ve não não não quero para não so sobre como é que isso funciona
no Brasil provavelmente possa ser um umum instrumento não sei de retificação provisória de alguma coisa mas não não não não não simpatizo com isso porque isso para mim continua a ser a avaliação de alguém por via de um de um critério que é um critério racial sempre e o racismo aqui você percebe você eu acho que sim Acho que acho que existe não posso dizer uma coisa tão n não sei em que contexto o osa disse isso h não há propriamente um concurso de de quem é que é mais racista mas mas percebe-se que é
uma que é uma uma sociedade muito hierarquizada não é uma sociedade que que filtra muito e que e que exclui muito H os pobres e aqueles que que são chamados de outra raça vamos dizer e o e o Brasil em Moçambique e nos países lusófonos é percebido como um um país imperialista ou ou tá tá tá tendo essa percepção cultural Econômica sim é muito curioso porque a história a primeira ligação que os moçambicanos têm com o Brasil é é uma é é uma ligação de ilusão como se fosse um como se o Brasil fosse um
espaço de Redenção porque o que chegou do Brasil primeiro foram foi foi Pelé foram os dançarinos do carnaval etc então havia como se uma ideia de que o Afinal no Brasil o negro venceu e e visível etc o que não o que não era verdade não é e portanto agora acho que a percepção é que a Brasília é outra coisa não uma perceção mais realista hum naquilo que pode ser porque o que passa do Brasil é muito por via da novela que é uma que é uma deformação que é um que é um que é
um Brasil que só existe na novela mesmo não é mas o o o o que se passa hoje é que H presença de grandes empresas brasileiras chegando a Moçambique chegando à África e aí tem perceção que o Brasil também é uma uma é uma potência de grande capitalismo e portanto não podemos esperar que que ISS é bem-vindo ou não tem Às vezes sim às vezes sim sim porque H Há Há uma grande vontade do do governo em atrair investimento isso isso é importante para a economia moçambicana mas ao mesmo tempo Acho que depois se percebe
que algumas dessas empresas cometem exatamente o mesmo os erros típicos que os outros cometeram portanto não não havia aquela expectativa Talvez os brasileiros façam de maneira mais mais ajustada assim mais mas não mais humana sim mais correta digamos assim de maior respeito pel poros outros eu acho que não é mais nem menos assim porque essas empresas têm uma Grand uma lógica que depois novelas que passaram em Moçambique não são aquelas mais mordazes em relação às elites brasileiras senão vocês não teriam essas em relação aos capitalistas brasileiros O que passa eu não eu não conheço essas
outras novelas mas o que se passa é uma O que passa é aquilo que vem da da da da Rede Globo assim que não é que mesmo as novelas da Rede Globo elas oscilam muito né Mas algumas mostram vamos dizer as elites brasileiras de uma maneira menos edulcorada menos positiva Né tava brincando só porque de fato se a visão do Brasil vem aparece predominantemente pelas Novel elas e havia Essa ilusão de que o Brasil poderia ser um um país imperialista de um imperialismo mais Benévolo E então as novelas foram aquelas novelas mais festivas em relação
aos clichês de tropicalidade brasileiro porque existem outras que são bem ácidos em relação ao país mas eu acho que essas não viajam tanto assim infelizmente O Nosso Tempo Acabou eu agradeço a presença do Mia Couto da mon dof da Maria Fernanda Rodrigues da novu do Paulo ber do Manuel da Costa Pinto do cista Paulo caruzo além dos nossos convidados especiais os telespectadores e quem nos nos seguiu pela plateia virtual uma boa semana a todos e até a próxima [Música] segunda-feira [Música] e
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