A Câmera Clara: Notas sobre a fotografia | Roland Barthes

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Metafotográfica
A câmera lúcida, A câmera esclarecida, a câmera que pensa, a câmera que compreende, que vê clarament...
Video Transcript:
Olá meu nome é Raphael Irerê, eu sou fotógrafo  e professor. Esse vídeo faz parte da série que proponho como estudos dos conceitos introdutórios  sobre comunicação digital. Eu dividi o estudo em três eixos e esse é o segundo vídeo do eixo  sobre semiótica e esse vídeo é baseado no livro A Câmera Clara de Roland Barthes. 
Eu vou deixar o link aqui na descrição e antes de mais nada recomendo que a leitura de  Barthes aconteça com o google do lado. Porque ele comenta sobre fotos de grandes  artistas de sua época Mapplethorpe, Avedon e Nadar e nem todas essas fotos estão  no livro. Vale muito você ir buscá-los.
Outro ponto importante: ele não está se referindo  ao fotografias publicitárias ou artísticas, mas a fotos pessoais, jornalísticas, documentais e  retratos. O objetivo dele nesse livro é encontrar uma explicação sobre o que é fotografia em si.  Sem explicação estética, técnica ou retórica.
E ele encontra aqui o primeiro problema: a  fotografia é muitas vezes confundida com o seu referente O referente fotográfico não é aquilo que  se compreende da foto, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva e sem a  qual não haveria fotografia. Referente é o objeto da foto: alguma coisa ou alguém e não tem nada  a ver com composição, técnica ou significado da foto. Para Barthes, a foto pode ser objeto de  três práticas: fazer, observar e sofrer.
Quem faz a foto é -Operator-, quem observa -Spectator-,  quem sofre a prática da fotografia e que se tornou referente objeto da foto é -Spectrum- porque é ao  mesmo tempo espetáculo e uma espécie de simulação da realidade, como um espectro, como um fantasma.  Por não saber sobre as técnicas de fotografia, ele afirma que não poderia fazer análise  a partir das técnicas de quem é Operator. Só poderia analisar as fotos a partir  das suas referências: a de quem olha e a de quem é olhado.
De Spectator e de Spectrum. O  Spectrum acaba sendo uma espécie de fantasma e de uma aparição por vários motivos: uma foto nunca  representa a pessoa de maneira verdadeira, nem sempre a gente se reconhece na foto, não sabe o  que fazia ou onde estavam e se for uma foto muito antiga, mal nos lembramos de como nós pensávamos.  Somos nós na foto, mas é como um borrão, um corpo vazio.
Que sentimentos tinhamos? Quais os desejos?  A imagem está lá, é um lusco-fusco, um espectro.
Outro motivo: quando estamos em frente a uma  objetiva, seja uma câmera fotográfica ou seja de um celular, nunca somos nós mesmos. Quatro  imaginários se cruzam neste momento: aquela pessoa que achamos que somos (ou como um faz-de-conta ou  como ilusão), aquela pessoa que gostaríamos que os outros pensassem que somos (como pretensão  ou como mentira mesmo), aquela pessoa que quem fotografa acha que nós somos (que é uma imagem  que não temos controle) e a outra é aquela pessoa que de que se servem para exibir uma arte como  uma tela ou como um quadro (e por que não, como um meme). Então o que somos mesmo pouco importa. 
Assumimos outro corpo e outra personalidade, às vezes até sem querer. Então olhar-se em uma  foto pode ser um distúrbio: Que está ali? Quem está aqui?
Qual dessas duas pessoas é um espectro?  Qual deles está viva? A prática que o Spectator é um tanto que pouco segura.
Por que classificamos  as fotos por gosto algumas dão match, outras não. Porque? Por que algo Advém da foto, algo que salta  da foto e nos leva.
Uma adventure, uma aventura. O que acontece por acaso e e de maneira imprevista.  Claro que existem fotos que não provocam isso, mas as fotos que nos movem, que nos animam, são as  que provocam afeto, que provocam sentimentos.
São espectros que nos ferem. E como toda boa aventura  que nos atrai toma nosso interesse e precisamos ser envolvido por sua história. A descrição,  as ações, os objetos e até o contexto (quando prestamos atenção a esses detalhes), são que nos  fazem demorar em uma foto.
Esse é o -Studium- e não é somente estudar uma foto, mas justamente  o ato de se ocupar, de se aplicar, de se esforçar para observar, reconhecer os detalhes. Um  acontecimento simultâneo que ocorre é o que parte da foto. Algo que parte dela e nos agarra  nos fere, nos perturba, nos irrita, nos comove isso é o -Punctum-.
Mais uma vez nem toda  foto nos anima, não é em toda a foto que nos demoramos e nem todas as fotos nos comovem.  Perceba: tem foto que a gente gosta mas não ama, aprovamos ou desaprovamos. mas sempre reconhecendo  suas funções: é informar, representar, surpreender, fazer significar, dar vontade.
. . Reconhecemos a intenção de quem é Operator.
Esse reconhecimento que acontece quando a gente  se detém na foto nos dá acesso a um infra saber. Um saber discreto mas que está ali. Informações  sobre a época da foto, como traços biográficos, o que ele chama de -biografema- ou seja, as  menores unidades de um sistema de imagens que contam uma biografia: a textura e estampa do  tecido, o telefone, a máquina de escrever e até o corte de cabelo indicam uma época, indicam uma  situação econômica, indicam uma história.
Uma das coisas que chamam atenção em uma foto, é a luta  constante de quem é operator contra o espectro, contra a morte e a foto é isso: uma negação  à morte. Todas as técnicas, toda a estética, toda a escolha de algo ou de alguém a ser  fotografado, de como será essa fotografia, é um esforço para sair do mundano, do usual  e se torna o único, se tornar imortal. A foto por natureza é contingente ou seja: é incerta,  duvidosa.
Por isso para fotografia significar alguma coisa ela precisa assumir uma máscara.  Mais uma vez não é sobre estilo ou técnica, mas sobre referente, sobre o objeto,  sobre como mostrar o referente. Não é somente o tema da foto (nesse caso a  população ribeirinha da periferia de Belém) mas como o fotógrafo decide falar sobre  essas pessoas e suas vidas, os biografemas, os objetos induzem um significado, os  objetos falam e a foto se torna pensativa.
Quando nos demoramos na foto, quando  acontece o Studium mas a foto não nos fere, essa pode ser chamada de fotografia -Unária-: A  foto é o que é, uma amostra da realidade choca, grita, mas não fere. Não possui um punctum.  O -Punctum- é algo que não sofre análise, algo que por vezes possui uma força metonímica  (como um objeto ou pessoa que se refere ao outro).
O Punctum da foto nnos fere porque não está na  foto, está em nós. Algo de nossas lembranças, de nossos sentimentos surgem ali. O Punctum é o  que dá vida a foto e a retira de sua imobilidade, é o que nos faz pensar em um antes e um depois  da foto, em quem são aquelas pessoas, o porquê aqueles objetos estariam ali.
Um extracampo.  É tanto a gente imaginar o que deve acontecer depois desse beijo, quanto o olhar inquisidor e  até ciumento que nos constrange e reprime. Para Barthes, o que funda a natureza da fotografia  é a pose.
Mas a pose não é nem atitude do alvo, nem técnica do operator e sim uma conclusão de uma  intenção de leitura. Porque ao lermos uma foto, adicionamos nosso reconhecimento do instante  congelado. Como reconhecimento do ladrilho no chão, a pose de picar fumo, o cachorro.
. . que para  mim remete a algumas pessoas da minha família e algumas histórias pessoais e me leva a reviver os  tempos e os sentimentos e completar essa foto.
A imobilidade da foto é uma confusão entre dois  conceitos: o Real e o Vivo. Ao atestar que o referente foi real ela induz de forma dissimulada a acreditar que ele está vivo. O -Noema- da fotografia, o sentido do objeto enquanto  intencionado, tem relação com o fato de que alguém viu "ao vivo" o referente.
Se o referente  foi visto ao vivo a foto atesta que foi real, mas é real no estado passado, ou seja, a foto vem  nos tocar como os raios atrasados de uma estrela e o que vemos e até aquilo que acreditamos ou  percebemos como vivo, pode não estar mais. A fotografia coloca uma presença sem mediações  no mundo. Não apenas de ordem política que nos faz participar dos acontecimentos, mas de ordem  metafísica, o que nos faz sofrer a ética, a moral, o tempo, os afetos.
Mas perceba: a fotografia por  si só não é memória, não reconstrói, não relembra, é possível que uma pessoa veja uma foto  antiga e não se lembre do que aconteceu, das pessoas a sua volta ou de onde estava, mas  a fotografia atesta: ela estava lá! De novo: a fotografia não é uma cópia do real, mas  uma emanação do real passado, ela possui uma força constativa, que incide não sobre o  objeto, mas sobre o tempo. Por conta disso, a foto não é uma lembrança, é uma interrupção  do tempo.
E esse é o Punctum mais intenso. Não mais de forma, algo que salta da foto me fere,  mas de intensidade, o Tempo, instante congelado, o reconhecimento de que isso-foi. O tempo é  a ênfase do noema fotográfico.
A fotografia autentifica a existência de um determinado ser  (esse é seu noema), mas ela é plana e não pode ser aprofundada. Daqueles quatro imaginários que se  cruzam em uma foto, nenhum deles fornece leitura suficiente sobre a pessoa, sobre a referente.  No máximo encontramos um ar, uma semelhança, algo de incompleto da pessoa, que coincide com ela  em algum nível, mas longe da imagem verdadeira.
E mesmo que olhar da pessoa fotografada nos olhos  direto nos olhos, qualquer impressão que tivermos será muito mais loucura nossa do que realidade.  Será uma verdade, porque é tomada de afetos, de sentimentos. Mas será uma verdade louca, uma  verdade irreal.
A fotografia então nos afeta mais pelo que reconhecemos de nosso na foto,  do que pelo que está na foto em si. O que nos assombra são os nossos fantasmas no spectrum da  foto. A fotografia é falsa no nível da percepção e verdadeira no nível do tempo.
Só sentimos  a subjetividade da foto de maneira absoluta quando fechamos os olhos e deixamos a  foto falar no silêncio. Bom, resumindo: nesse livro, Barthes não pretende elaborar uma  metodologia de análise (ele faz isso em outros livros). Ele elabora um pensamento sobre o  comportamento da sociedade perante a imagem: se vamos deixar as imagens passaram por nós de  maneira morna, uma ilusão perfeita, mas sem nos provocar, ou se iremos sentir com profundidade,  um êxtase que desperta e afronta a nossa realidade intratável.
A metodologia de análise e outras  filosofias fotográficas serão discutidos nos próximos vídeos desse eixo de estudos sobre  sociabilidade e semiologia, esse vídeo fica por aqui. Se quiserem comentar, por favor façam  isso, vou respondendo conforme conseguir.
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