Salve, espectadores do canal! No vídeo de hoje eu vou apresentar pra vocês um pouco melhor o conceito de tempo a partir de um dos historiadores mais conhecidos do século XX, Fernand Braudel. Além do mais, vou falar um pouquinho sobre as discussões que ele teve um conhecido antropólogo, Claude Lévi-Strauss.
Antes de começar esse vídeo, vale dizer que eu não sou antropólogo, como vocês sabem, e se alguém da área de antropologia ver esse vídeo e achar que eu cometi algum equívoco ou quiser complementar, fique à vontade pra comentar aqui no baixo e se for o caso, eu posso fazer um outro vídeo de retificação ou algum outro tipo de material. Fernand Braudel foi um historiador francês que nasceu em 1902 e faleceu em 1985. Ele deu aulas não só na França, mas também na Argélia e até no Brasil.
O Braudel foi chamado junto com Claude Levi-Strauss para ajudar a fundar a Universidade de São Paulo, que começou com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A iniciativa da criação da USP partiu especialmente de Júlio de Mesquita Filho, que assim como tantos outros daquela época, era um francófilo, ou seja, aquele cara que consome muito da cultura, da língua francesa, algo que era bastante comum naquele momento; momento esse que se deu entre 1935 e 1937, período no qual Braudel deu aula no Brasil, e ele teria passado algum tempo também na Bahia, não apenas em São Paulo. Braudel inclusive teria dito que o período que passou no Brasil foi o melhor período da vida dele.
Braudel se aproximou da Escola dos Annales na França e se tornou amigo próximo Lucien Febvre, que se tornou também o seu orientador. Ele veio a se tornar o líder da revista Annales em sua segunda geração. Entre os historiadores há um consenso de que o Braudel foi o cabeça da segunda geração da Escola dos Annales, e se você não sabe do que eu tô falando eu vou deixar aqui descrição o link pra você assistiu o vídeo que eu fiz sobre o livro "Apologia da História" do Marc Bloch.
Lá eu falo um pouquinho sobre a Escola dos Annales, e eu prometo que no futuro eu faço um só sobre isso. A História, como disciplina, sofria críticas dos adeptos de outras áreas do conhecimento e talvez o momento mais crítico dessa relação um tanto quanto tumultuada foi quando o Claude Lévi-Strauss, um famoso antropólogo, lançou em 1959 o seu livro Antropologia Estrutural - apesar de que parte das reflexões que saíram desse livro já circulavam desde finalzinho da década de 1940, quando já havia material publicado sobre o assunto, parte desse material que veio a aparecer no seu livro de 59. A antropologia de Lévi-Strauss forçou a historiografia confrontar alguns problemas, entre eles: o conceito de estrutura, ele seria compatível com a história, os dois se excluem?
A proposta de uma história estrutural ela não seria contraditória? Os homens fazem a história e não sabem, ou fazem e sabem que fazem? A percepção de uma estrutura social ela não imporia um determinismo?
Ela não aboliria a iniciativa individual? Essas questões aparecem porque Lévi-Strauss pôs em dúvida a cientificidade da história, e até mesmo a possibilidade da história como saber, em um momento de renascimento da Etnografia e da Etnologia, o que deu ímpeto ao Claude Lévi-Strauss pra criticar sociólogos e historiadores. Lévi-Strauss parecia querer substituir a História pela Etnografia, que é definida como a observação e análise dos grupos humanos em sua particularidade, visando a reconstituição tão fiel quanto possível de sua vida.
Já a Etnologia, ou Antropologia, faria uma análise dos documentos que o etnógrafo produziu. Logo, o Etnógrafo seria um substituto gabaritado para o historiador, e o Etnólogo seria um substituto para o sociólogo. A História então mostraria só a superfície das coisas, dos acontecimentos, e Etnologia iria mais além para entender a estrutura e a ordem permanente das coisas.
Aquelas estruturas mentais, os comportamentos mais naturais, por assim dizer, que são comuns a todas as sociedades. Os diversos fatores históricos, como guerras, migrações, pressão demográfica, crises econômicas, catástrofes naturais - só pra citar alguns exemplos - podem fazer com que clãs, aldeias e cidades desapareçam, mas a organização social profunda e complexa permanente de uma sociedade, essa permanece. As estruturas inconscientes sempre vão reestruturar: elas vão se reorganizar e se restabelecer, segundo, claro, Lévi-Strauss, porque pra ele há essa estrutura mental, há esses comportamentos comuns a todos os grupos, que são primordiais e podem ser identificados.
Então só pra resumir de uma forma mais grosseira (e se tiver alguém da Antropologia que quiser me corrigir, fica à vontade nos comentários), na Antropologia, o que nós chamamos de Estruturalismo é uma metodologia em que os costumes das sociedades e dos agrupamentos humanos são entendidos dentro de uma estrutura maior, mais abrangente e mais duradoura. Mais primal, que carrega elementos universais da atividade humana. Esses elementos seriam partes intrínsecas do espírito humano, e estariam acima de questões geográficas e temporais.
A História como diacronia e mudança não pode ser conhecida porque ela só superfície das estruturas - dessas estruturas naturais e profundas. Ao fazer uma análise diacrônica da história, o historiador não conseguiria Enxergar essas estruturas, que são tão fundamentais pra Etnologia de Lévi-Strauss. E se você não sabe o que eu quero dizer com sincronia ou diacronia, aqui embaixo na descrição tem o link do vídeo que eu fiz sobre anacronismo, sincronia e diacronia.
Se você estiver perdido nesse vídeo, recomendo que você assista aquele primeiro. A resposta ao Lévi-Strauss veio num artigo do Fernard Braudel, que foi originalmente publicado na revista Annales em 1958, e depois foi publicado como um dos capítulos do livro "Escritos sobre a História" - mais precisamente esse livro aqui, que saiu no Brasil. Nesse livro ele saiu como o capítulo 3 chamado "História e Ciências Sociais: a longa duração".
Ao mesmo tempo em que ele combate o estruturalismo anti-histórico do Lévi-Strauss, Braudel tenta reconhecer a importância da avaliação que Lévi-Strauss fez da Historiografia. Mas para ele, ao chamar a atenção para o lado estrutural da vida das pessoas, Lévi-Strauss não estava trazendo nenhuma novidade, porque os Annales já faziam essa ligação de evento com as estruturas desde a década de 1920. Dois exemplos disso seriam "O problema da descrença no século XVI", livro do Lucien Febvre, e "Os Reis Taumaturgos", do Marc Bloch.
Para Braudel, todos os cientistas sociais deveriam ler os historiadores dos Annales para compreender a importância fundamental que o tempo tem na vida social. Para Braudel, os cientistas sociais em geral, e não somente Lévi-Strauss, erram quando ignoram a duração temporal, apelando para uma fórmula quase matemática de estruturas que podem ignorar o tempo, que pelo menos parecem ignorar o tempo. Para Braudel, essas "matemáticas qualitativas", por assim dizer, podem ser muito eficientes para sociedades mais estáveis, como as que Lévi-Strauss estudou.
Ele veio até o brasil, inclusive, e estudou uma tribo indígena aqui no Brasil, o que o ajudou a chegar a muitas de suas conclusões no seu processo de desenvolvimento do seu Estruturalismo. No entanto, para Braudel, essa matemática qualitativa terá muito mais dificuldade de funcionar quando você for tratar das sociedades modernas, dos problemas modernos bem intricados, bem complexos, das velocidades diferentes da vida das pessoas, das complexidades dessa sociedade. E aqui eu acho que é hora de falar sobre os tais "três tempos" de Fernand Braudel.
Vamos imaginar uma linha cronológica, certo? Essa linha cronológica teria um tempo muito longo, depois um tempo mediano e um tempo curto, o tempo do evento. Para Braudel, o tempo curto, ou o evento, é o tempo dos cronistas e dos jornalistas, como ele costuma falar.
São os acidentes da vida ordinária. E aí ele cita alguns exemplos, como um incêndio, uma catástrofe ferroviária, o preço do trigo, um crime, uma representação teatral, uma inundação, entre outros eventos. Já o tempo médio que Braudel chama de conjuntura, ciclo, interciclo, é um tempo mais longo que abarca coisas como uma curva nos preços, uma progressão demográfica, um movimento de salários, as variações de taxa de juros, histórico de produção, uma análise precisa de circulação, por exemplo.
Como os outros tempos, ele não tem uma medição temporal bem fechada. Você não consegue dizer "Ah, um tempo médio são tantos anos". Isso depende do objeto que você está estudando.
Mas é um tempo que passaria algumas décadas, talvez até mesmo mais de meio século, de acordo com seu objeto, é claro. Por fim, a longa duração é um tempo muito mais longo, uma organização, uma coerência contínua, que têm relações bastante fixas entre as realidades e as sociedades. São coisas estáveis que atravessam gerações, e que normalmente são chamadas de estruturas.
E aí nós podemos citar exemplos como a própria geografia, como um clima permanente de uma determinada região; um sistema econômico em longa duração num determinado local. Essa longa duração, no entanto, não é uma imobilidade onde não ocorre mudança. É uma duração longa, de mudança lenta, um tempo que demora a passar, mas onde há mudanças e algumas pequenas rupturas também.
Para Braudel, a história feita pelo Annales não narra só uma sucessão de eventos, que chamam muita atenção pelo seu impacto, mas que ofuscam as consciências dos contemporâneos a ele, pois ele não dura. O historiador que segue a tradição dos Annales saberia que esse tempo curto é uma duração mais ilusória, que fez com que a história tradicional fosse muito enganadora por ser muito herméticamente presa aos eventos que hoje eles narram. Numa analogia bem simples: você pode analisar a espuma do mar, mas o que dita o movimento das marés e das águas são os movimentos profundos desse mar.
A espuma é só uma consequência. A espuma é esse evento imediato, que é consequência de coisas muito mais profundas. Por outro lado, essa tradição dos Annales não se deixou enganar pelo conceito de estrutura social e não aceitou a imobilidade, a atemporalidade que esse estruturalismo traz pra vida social.
E essa longa duração, para Braudel, é suporte e obstáculo. Obstáculo no sentido de que ela se refere aos limites que os homens não podem ultrapassar. As geografias das quais sociedades vivem e condicionam alguns dos seus costumes; obstáculo no sentido de que ela dá limites aos homens, limites esses que eles não podem ultrapassar.
As geografias das quais sociedades vivem e condicionam alguns de seus costumes, por exemplo; as crenças; as realidades biológicas; limites de produtividade; mentalidades. . .
Essas são prisões de longa duração. E vamos pegar um exemplo pra deixar isso bem ilustrado. Vamos pegar o exemplo dos povos que nós chamamos de Vikings.
A história não é feita de "se", mas para exemplificar melhor, vamos supor que se tivessem vivido em outro contexto geográfico, como por exemplo o meio da África subsaariana, ali próximo de onde atualmente fica a fronteira da República Centro-Africana e do Sudão do Sul. Provavelmente a geografia desse local teria influenciado tanto esses povos que nós conhecemos como Viking, que eles provavelmente não teriam se tornado os grandes navegadores que eles se tornaram. Em compensação essa geografia teria influenciado em determinados certos padrões de comportamento, certas mentalidades, e certas contingências de desenvolvimento de técnicas que faria com que eles fossem diferentes do que nós os vemos hoje.
Se os Vikings foram esse grande terror dos mares para muitos, a ponto de alcançar a América do Norte e até mesmo Constantinopla, isso se deu em grande parte por influência da geografia e do clima de onde eles viviam, que condicionou eles a encontrar soluções e melhorias para a vida que eles tinham. E a navegação é uma dessas soluções. Já como suporte, eles são a base que sustenta todo empreendimento humano, que explica a história.
O historiador, segundo Braudel, há muito tempo já não cometia o erro que ele acha ser comum em muitos cientistas sociais, de opor o evento à estrutura. O historiador articula as durações: a curta média e longa. Articula do tempo curto - com períodos de 5, 10, 20 anos - há tempos mais longos, de 100 e até mil anos.
Quando os historiadores fazem a dialética da duração - ou seja, a conversa entre esses tempos - ele passa do tempo curto ao tempo longo, ou médio, ou ambos, e depois retornam ao tempo curto, reconstruindo esse trajeto, e entendendo o trajeto Quando o historiador usa metodologia estruturalista, ele não tenta fugir da estabilidade da realidade histórica. Ele tenta é observar melhor as suas transformações, pra se manter o mais próximo possível da sua tarefa, é entender a mudança - ou seja, fazer análise da mudança. Esse artigo resposta do Braudel, mais do que uma explicação do tempo o historiador, é um clamor para que os estudiosos das diferentes áreas das Ciências Humanas se preocupassem menos com a proeminência de sua própria área ou com brigas acadêmicas e políticas dizendo o que é atribuição de quem, e passasse a trabalhar mais juntos, estabelecendo as linhas que delimitam o trabalho de um e outro, mas sem ignorar as particularidades das outras.
De quebra, ele ainda nos apresentou os seus conceitos de tempo que foram muito importantes para a historiografia que se seguiu, e colocou Fernand Braudel no patamar de grande nome do estudo da história. Levando-se em consideração que, no momento do lançamento desse capítulo, a História passava por uma espécie de crise de identidade há pelo menos uns 20, a sua exposição do tempo histórico, de como os historiadores trabalham com os diferentes tempos e as diferentes durações foi fundamental pra História voltar a se solidificar como uma área de maior prestígio. E o trabalho de Braudel foi bastante influente nos anos que se seguiram.
Não necessariamente Braudel tem a mesma influência hoje do que teve nos anos 1960 ou 1970. Mas ele é unanimemente respeitado, mesmo diante daqueles que não concordam com tudo o ele diz. Bom, espero que eu tenha sido claro nessa explicação.
Se alguma coisa não ficou muito bem explicadas, vocês deixam uma pergunta aqui embaixo. Se eu achar que vou precisar fazer outro vídeo sobre isso pra explicar direito, eu posso tentar fazer. Não sou nenhum grande mestre de Teoria da História, mas na medida do possível eu vou me virando.
Muito obrigado pela sua audiência! Peço que vocês compartilhem esse vídeo com seus amigos, especialmente aqueles que fazem História, é claro, e não se esqueça de visitar as nossas redes sociais. Além, é claro, do nosso blog, o Leitura ObrigaHISTÓRIA.
Muito obrigado e até a próxima.