Hoje eu vou falar de mal absoluto, desejo reprimido e o eterno retorno que faz com que tudo que aconteceu de ruim na sua vida aconteça de novo. É vídeo sobre a sua vida mesquinha? Não, é sobre Berserk. Caso você seja um completo ignorante, Berserk é um grande clássico do mangá, do anime, da cultura pop. Acho que se alguém for fazer uma lista dos top 10 mangas mais conhecidos de todos os tempos, Berserk está lá. Criado por Kentaro Miura ou, no sentido original, Miura Kentaro, Berserk começou a ser publicado originalmente em 1989 e até hoje está
saindo, embora o autor mesmo já morreu, o que gerou uma grande comoção mundial, afinal deixou a história inconclusa, morreu relativamente jovem, porém seus assistentes seguem fazendo a série, então Berserk continua sendo publicado. É até bastante difícil precisar qual é o grau de influência de Berserk na cultura, já que a série acabou fazendo com que a Dark Fantasy se consolidasse ainda mais como um subgênero. E isso vai de obras como Witcher, até mesmo a série de games Dark Souls. Nesse sentido, vale retomar rapidamente o que é dark fantasy. Como o nome já diz, é uma fantasia
sombria e que não chega a ter convenções muito rígidas. Mas dá para entender que são histórias que se passam no mundo fantástico, muitas vezes de fantasia medieval, sendo que talvez o tropus mais importante, mais ainda do que o papo de fantasia medieval, seja a noção de mal absoluto. Enquanto uma série de outras histórias, outros subgêneros, e aqui a gente pode comentar literatura policial, o quadrinho noir que traz personagens que são figuras ambíguas, que estão sempre em uma certa linha cinzenta, eles não são muito bons, mas também não são muito ruins, enfim, no caso da Dark
Fantasy é o oposto, só que tudo jogado para o lado ruim, ou seja, você não tem personagens que são absoluta encarnação do bem, mas você tem o mal absoluto, aquilo que é mal porque é muito mal e não tem nada de bom naquilo que é absolutamente mal. E Berserk é uma série bastante consagrada por conseguir traduzir de maneira narrativa, de maneira gráfica, como o mal absoluto é. E isso é possível por causa da mistura de referências do Kentaro Miura. De um lado noções da patrística, da filosofia dos primeiros padres do início do cristianismo. Para Agostinho
de Hipona, por exemplo, o mal é o grande nada, é onde a obra de Deus não chegou. Então, para usar uma metáfora que eu já expliquei em outros momentos, o mal, para Santo Agostinho, é aquilo que está em volta do facho de luz de uma lanterna. Você está no meio do escuro, você liga uma lanterna, onde está batendo a luz é onde a obra de Deus chega. Para fora disso, aí é o mal. Ou seja, o mal é um grande nada, mas um nada com presença, um nada que pode ser, inclusive, tentador. Porém, na cultura
japonesa, o mal também é expresso de outras maneiras. Nesse caso específico, podemos falar de Aku, um kanji que significa mal, mas que também é proeminência, destaque. E aí você fica pensando o que tem a ver uma coisa com a outra. O lance é que esse kanji, a partir do período Kamakura, por causa da ascensão do neoconfucionismo, se tornou cada vez mais um conceito capaz de explicar o mal como aquilo que ofusca, como aquilo que se destaca demais, que perturba a natureza das coisas. E tudo isso faz sentido quando a gente pensa o quanto a cultura
japonesa, que é bastante coletivista, dá importância à ordem. Por isso que que esse kanji, pouco a pouco, vai sendo cada vez mais associado com o mal. O mal que, no sentido oposto daquele que a gente viu na patrística, não é o facho de luz no meio do escuro, mas é talvez o próprio facho de luz. Ou melhor dizendo, é aquela luz que ofusca, é aquela luz que cega, justamente porque perturba, porque corrompe, porque desorganiza a natureza das coisas. Então, Berserk já é uma obra rica e o gênero da Dark Fantasy se enriquece por tabela, justamente
por conciliar algo que, do ponto de vista lógico, é contraditório. O mal é o nada ou o mal é uma luz intensa demais. Se, do ponto de vista lógico, isso não se amarra, do ponto de vista artístico, Berserk está ali para mostrar que é possível. Mas, afinal, qual é a história de Berserk? Eu já estou fazendo uma série de vídeos sobre o mangá. O primeiro foi o Arco do Espadachim Negro, o segundo foi a Era de Ouro, que talvez seja mais conhecida das pessoas que não leram o mangá. E agora eu vou falar aqui da
Saga da Punição, mas não se preocupe caso você esteja muito perdido, porque eu vou retomar desde o comecinho a história de Berserk. Claro que eu vou passar aqui rapidão, se você quiser ver com detalhes os arcos anteriores, assista os vídeos anteriores. Eu faço vídeo para ser visto e para ser visto pelo resto da vida. Continua assistindo, mas vamos lá. Berserk é uma narrativa centrada em um triângulo, o nosso protagonista é Guts, um cara que o Kentaro Miura admite ter sido muito inspirado em personagens como Conan, o Bárbaro. E isso já diz muita coisa, porque Guts
é muito modafoca, Guts é aquele cara que consegue vencer praticamente qualquer batalha. É resiliente, é bravo, ele é um homem grandão, roupa preta, mal trapilho com uma capa preta comprida, rasgada, ele é caolho, não tem um dos braços, inclusive no lugar do braço tem um elemento um tanto steampunk, porque daí ele carrega uma besta de repetição e inclusive um canhão, sim, ele tem um canhão, modesto, mas ele tem um canhão no braço, além de carregar uma espada que é maior do que ele próprio. E eu vou ser franco com vocês, eu por muitos anos, ao
ver a imagem do Guts, não me sentia muito estimulado a ler o quadrinho, basicamente porque é um personagem que só de cara já parece muito apelão. Só que é incrível o quanto a história de Berserk mostra que esse cara que parece imbatível na verdade é alguém muito frágil e é aí que começa a se enriquecer a história de Berserk. Guts nasceu em Midland, um nome bastante óbvio para uma idade média fantástica. O nascimento dele já é um negócio extremamente trágico, ele caiu da barriga da mãe que já estava morta enforcada. Guts nasceu durante a guerra
e foi acolhido por um grupo de mercenários que, por acaso, estava passando por ali. Diante de tanta morte, acharam que a criança também estava morta, mas aquele bebezinho prematuro ainda estava vivo. Guts foi criado entre esses mercenários, tendo uma prostituta como a figura mais próxima de uma influência materna e o líder dos mercenários como o que ele poderia pensar de uma figura paterna. Só que as duas nunca se consumaram, sua mãe adotiva morreu muito cedo e seu pai era um canalha. Contudo, essa convivência do Guts desde cedo entre um grupo de mercenários, que inclusive não
tinham espadas para criança, então Guts via eles lutando, queria lutar também e acabava usando espadas maior do que ele, fez com que Guts acabasse criando quase um estilo próprio de luta, por isso que até hoje como adulto ele usa espadas imensas. Contudo, o que pega em Guts mesmo é uma sucessão de traumas. Quando ele ainda era criança, o seu pai adotivo o vendeu por uma noite para que um outro mercenário pudesse se divertir. Vamos ser diretos, são poucas as histórias, sobretudo histórias de herói, que abordam de uma maneira tão direta o es**pro masculino. A vida
de Guts só vai se complicando conforme ele cresce, o ressentimento pela figura do pai vai piorando, embora esse pai se acidenta e ainda assim Guts continua cuidando desse homem, porém no dia de uma grande briga, Guts acidentalmente mata o próprio pai. Ele foge daquele grupo de mercenários, passa a vagar por aí até ser encontrado pelo grupo do Falcão, e aqui entram outros dois personagens centrais nesse triângulo que é Berserk. Casca é uma mulher de pele negra e cabelos lisos, quer me parecer indiana, e é uma valente guerreira que aos poucos vai se apaixonando e também
fazendo Guts se apaixonar por ela. Contudo, a relação dos dois é atravessada por um terceiro personagem, que Guts e Casca também são de alguma maneira apaixonados, que é Griffith, o líder da Gangue do Falcão. De alguma maneira, Griffith é antítese de tudo aquilo que Guts é. Ainda que os dois tenham tido origens pobres e são grandes guerreiros, enquanto Guts é um cara que se veste de preto, um cara bastante sombrio e soturno, Griffith é uma figura de luz. Ele é um homem andrógino, uma figura quase que angelical, está sempre vestido de branco, tem elegância, sabe
usar as palavras, inclusive não é só um guerreiro, é também um grande político. Contudo, o grande problema de Griffith é que ele é absolutamente ambicioso e nada fica no seu caminho. Griffith tem um desejo radical de reconhecimento. E vamos ser francos, isso se dá com todos nós. Conforme diz o filósofo Alexandre Kojève, desejo é desejo de reconhecimento, desejo de se sentir desejado pelos outros, de se sentir alguém perante os olhos dos outros. Isso não é sinal de fraqueza, é sinal de que a gente só é quem a gente é na relação com as outras coisas,
com as outras pessoas. s. O lugar que você ocupa na sociedade tem muito a ver com o lugar que os outros ocupam. Você não vai ser um pai se não tiver filhos, você não vai ser um professor se não tiver alunos. Só que o Griffith leva isso até as últimas consequências. Ele quer o reconhecimento como alguém que é uma espécie de rei dos reis. Alguém que vai conseguir trazer paz à Midland e, de fato, ele consegue interromper uma guerra de 100 anos, mas ele não está contente em simplesmente ser alguém que o rei acha que
é um cara muito, muito bom. Não, ele quer estar acima dos reis, ele quer estar acima inclusive da própria Midland. Se possível, o Griffith pode estar inclusive acima do mundo material. Contudo, existe algo que perturba Griffith, um grande vilão? Não, o tesão que ele tem pelo Guts, que é recíproco. Inclusive, eu já falei isso em outros momentos, o pessoal sempre fica chocado. Berserk é um grande boys love do mal, onde a gente acompanha dois homens, dois valentes guerreiros, que tem uma dificuldade enorme de lidar com o quanto um deseja o outro. Guts, por um lado,
tem problema em relação à sua sexualidade por causa do trauma de infância. Inclusive, depois, quando ele e a Casca têm a sua primeira vez, é algo que o mangá explora lentamente, o que eu acho bom, porque também tem a ver com o fato dos dois aceitando o corpo um do outro. Para Casca também era difícil, ela também está ligada a um histórico de violência. Então, para os nossos personagens, para nenhum deles, a relação com o desejo é algo simples. Contudo, para Griffith se sentir atraído pelo Guts, ter o Guts como alguém que perturba sua racionalidade,
ele próprio fala isso, acaba fazendo com que Griffith seja imprudente. E tem a ver isso com um episódio bastante específico que vai atormentar o Guts ao longo da sua vida, que é quando ele abandona o grupo do Falcão. Griffith fala que Guts só pode ir embora se derrotar o próprio Griffith, coisa que acontece pela primeira vez na história do Griffith, e lembre-se, ele é um cara mega ambicioso, então ninguém poderia estar acima dele. Enfim, todo esse lance que vai bagunçar a cabeça do Griffith, o cara que eu amo, mas não posso reconhecer que amo, indo
embora se mostrando mais forte do que eu, sendo que eu não posso aceitar que alguém seja mais forte do que eu. Por isso, Griffith acaba sendo imprudente, tem uma torre da noite de amor com uma princesa, acaba sendo descoberto, é torturado, fica bastante fragilizado e acontece o episódio, talvez o mais marcante na história de Berserk, que é o Eclipse. E já que eu estou falando da ruína de homens fortões, vamos falar de uma outra queda, no caso, a queda dos seus cabelos. A perda de cabelo é uma parada que afeta 42 milhões de homens no
Brasil, mas para isso existe a Manual, que está aqui para mostrar que homem se cuida, quando quer e que pode se sentir bem. A Manual oferece uma solução prática e segura para os casos iniciais até os mais avançados, tudo sem sair de casa. Os medicamentos são produzidos por farmácias de manipulação credenciadas pela Anvisa, garantindo qualidade e segurança. E o melhor, você conta com acompanhamento clínico ilimitado e sem custo extra. Então é aquele negócio, se você começa o tratamento quanto antes, as maiores chances de ter resultados bastante expressivos. Sacaram? É tipo reflorestamento de juba. Agora, falando
sério, a calvície pode ser bastante cruel na autoestima. Então, Manual está aí para dar aquela forcinha e lembrar que, talvez, não seja tão legal assim deixar a si mesmo para depois. Seguindo agora, após quatro meses usando direitinho o tratamento prescrito, os resultados vão aparecer. Visite o site, responde o questionário e o médico irá criar um tratamento ideal para o seu caso. E o bacana é que, com a Manual não precisa marcar consulta, esperar em fila ou ir de uma farmácia para outra, a entrega dos produtos na sua casa é bastante discreta. Confere ali no site
as fotos de antes e depois. E agora o bem bom: usando o cupom QNS40, você consegue 40% de desconto e frete grátis no primeiro pedido. O link está na descrição do vídeo, mas não te remancha que a promoção é por tempo limitado. Aproveita, porque com a manual você pode voltar a ser um homem peludo. Na parte de cima, eu digo... Bom, vamos voltar para o vídeo. Griffith, desde cedo, era possuidor de um Behelit, que no mundo de Berserk, são figuras ovoides com um rosto assimétrico e que não tem uma definição bastante clara do que seria
um Behelit. Pode-se dizer que o behelit é aquilo que liga entre o mundo material e o mundo astral, e assim ele o faz porque ele é uma espécie de gota de sofrimento cósmico, ou seja, uma fonte de sofrimento tão forte e tão intensa que acaba sendo despertada diante de mais sofrimento. Aliás, isso é uma coisa muito típica na narrativa de Berserk, há uma voracidade em todas as coisas, o mal deseja mais mal, o sofrimento quer mais sofrimento, e quem tem tesão tem tesão demais também. Behelit, do ciríaco, quer dizer Satã. E Griffith possui um behelit
carmesim, que é bastante raro e que permite que aquele que possui o behelit possa ascender enquanto um apóstolo da Mão de Deus. Aqui vai dar uma complicada, eu vou sintetizar o máximo possível. No universo de Berserk, pelo menis até onde eu li, ao que tudo indica, Deus está morto. Inclusive, os personagens muito se referenciam a Deus como o Deus criado por nós, ou seja, só a Deus porque há a ideia de Deus entre os seres humanos. Contudo, os próprios seres humanos, que muito sofrem por causa da dor que existe no mundo, e isso é uma
questão teológica antiga, do tipo, por que tem Deus tentando sofrimento? Pois bem, por causa disso tudo, os seres humanos também criaram a ideia de mal. E esse mal, que é um grande mal absoluto, é aquilo que o teólogo Karl Barth chama de a mão esquerda de Deus. Ou seja, não é o lado bonzinho, ou talvez não seja nem o próprio Deus no sentido cristão, enfim, não importa. O fundamental é que a mão de Deus que intervém no mundo de Berserk é a mão do absoluto mal. Vocês percebem, então, por que o Berserk é tão legal?
Aqui a gente está articulando tempo todo contradições. Deus está morto, mas tem a mão de Deus, um Deus morto que ainda assim intervém com a sua mão esquerda trazendo o sofrimento para o mundo. Enfim, o lance é que todo mundo que tem um behelit pode se tornar um apóstolo dessa Mão de Deus. Para isso, basta o behelit ser despertado em um momento de muito sofrimento e você, diante desse item, fazer um sacrifício, entregar algo que é muito estimado a você. Ou seja, para você se tornar um apóstolo da Mão de Deus, você tem que entregar
os seus pais, seus irmãos, seus filhos, enfim, alguém que você ama demais. Porém, quem tem o behelit de camisinha tem uma espécie de pacote plus, que é de se tornar um dos integrantes da Mão de Deus. Processo esse que acontece a cada 216 anos, e é isso que vai acontecer na fatídica noite do eclipse, do início da Era das Trevas. Porque Griffith vai se tornar Femto, um dos integrantes da God Hand, da Mão de Deus, e o que ele vai ter que entregar em sacrifício é, basicamente, todos os seus amigos, todo o seu grupo que
ele liderava, e é aqui que tem uma das cenas mais chocantes do mangá. Porque com o advento do Eclipse e a transformação de Griffith em Femto, demônios de todo o tipo chegam à Terra e além deles matarem das maneiras mais cruéis possíveis os amigos de Griffith, tem a cena do est***o coletivo da Casca. Inclusive, essa cena é muito criticável porque em boa dose ela ainda é bastante erotizada, mas vamos ficar aqui só em termos de sentido para o enredo, porque a Casca inclusive naquele momento estava grávida do Gutsy sem saber. Então, além da violência horrorosa
que ela passa e que o Guts é forçado a assistir conforme vai perdendo o braço, conforme vai perdendo o olho, tudo isso meio que o Griffith fazendo por ciúminho de certa maneira... Ah, vocês querem ficar juntos? Vocês dois não precisam mais de mim? O Guts é mais f*** do que eu? Pois bem, eu vou destruir a vida de vocês e não só isso, eu vou corromper o filho que cresce dentro da Casca. Fazendo com que depois, inclusive, surja a criança-demônio, uma espécie de feto-monstro que transita entre os dois mundos, ele não é material, mas também
não é 100% astral, e depois terá outras funções narrativas além de ser só uma sombração para o Guts. Enfim, diante dessa noite horrorosa, Guts e Casca conseguem sobreviver, porém eles recebem o estigma do sacrifício, que é uma espécie de cicatriz que demarca que eles estão disponíveis aos demônios. Mesmo que eles não tenham sido eliminados na noite do eclipse, toda vez que as trevas caírem, então geralmente à noite, demônios podem vir pegar eles novamente e fazer o que bem entender. Esse episódio todo vai ser muito traumático, principalmente para Casca, porque, afinal de contas, ela tinha no
Griffith também uma figura de amor, no caso quase que um amor de pai, afinal ele a acolheu quando ela era novinha, de modo que depois, quando ela acaba sendo violentada, inclusive por ele na noite do eclipse, tudo se torna ainda mais aterrador. Casca, então, diante de todo esse choque, acaba perdendo a voz, perdendo inclusive a memória, se tornando uma pessoa que se comporta como uma criança de um ano de idade. Já Guts, nesse processo, é quando ele perde o olho, perde o braço e, diante de um desejo visceral de vingança, parte para destruir Griffith. Aí
é a missão do espadachim negro que é Guts, matar os apóstolos da mão de Deus para poder, em última instância, chegar até Griffith. Casca, então, é deixada com algumas pessoas de confiança de Guts, inclusive o ferreiro, que lhe deu a sua espada gigantesca. E, lá por ser um antigo lugar habitado por elfos, é um dos poucos ambientes seguros onde o mal não penetra. Então, mesmo Casca tendo estigma, ao menos ela está protegida. Já Guts, não, ele resolve que não vai ficar por lá, ele vai sair em vingança, só que, obviamente, esse processo não vai ser
simples, até do ponto de vista prático o mangá mostra isso muito bem. Guts não pode dormir à noite e durante o dia ele precisa seguir jornada, então Guts, além de tudo, é um cara cansado, que nunca dorme direito. A única coisa boa, talvez não para ele, mas enfim, para nós que estamos lendo, ou talvez nem para nós, porque eu sei que tem muita gente que não gosta do personagem, é a chegada do elfo Puck. E tem gente que vai pensar, elfo é assim? Bom, aqui tem uma mistura de elfo com fada, enfim. Puck é uma
figura andrógina, é um alívio cômico da série, porém tem a vantagem, enquanto elfo, de também ter uma espécie de poder de cura, a partir do seu pózinho mágico, do seu pó de pirlim-pim-pim. Então, do ponto de vista narrativo, Puck está ali para fazer piada, inclusive às vezes trazer piadas metalinguísticas da série de Berserk, mas também ele é uma espécie de kit de primeiros socorros que o Guts tem à sua disposição, o que é bastante útil, porque o Guts está sempre ferido. É nesse contexto todo, essa é a introdução mais longa da história desse canal, que
começa a Saga da Punição, sim, eu precisei dar essa volta imensa, porque os episódios que eu vou contar para vocês agora se dão dois anos após o episódio do eclipse, dois anos que Guts já está peregrinando pelo mundo atrás dos apóstolos, atrás de Griffith, e que tudo que já estava ruim, como sempre, pode piorar, ou melhor, e aqui eu já dou a dica do que é o mote principal dessa nova saga de Berserk, tudo que é ruim se torna pior ainda quando se repete. Dito de outra forma, o que a gente vai entender a partir
de agora na Saga da Punição é que a pior coisa que pode acontecer a nós é que nada mude. Mas antes de seu seguir com esse vídeo que está quase se tornando um longa-metragem, peço que você curta o vídeo se estiver curtindo, se inscreva caso seja novo por aqui e compartilhe. Esse canal só existe graças aos seus apoiadores e tem recompensas bem legais, como lives aqui comigo, grupo de estudo, grupo no Telegram, sorteio de gibi e conteúdo exclusivo. Inclusive, o nosso próximo encontro do grupo de estudo vai ser para analisar o mangá Homunculus. Então fica
o link para o nosso apoio na descrição do vídeo e no primeiro comentário fixado. E considere ser membro aqui no YouTube por R$6,90 ao mês e ter acesso à Sarjeta Flix, com uma série de vídeos exclusivos e lives com os membros a cada 15 dias, mais ou menos. Mas vamos embora, o arco da punição tem três blocos de história que vão se construindo como tijolinho, sendo o primeiro, talvez o mais desconectado de todos, que é o arco ou subarco de histórias das crianças perdidas. Apesar de ser uma história que, de certa maneira, você consegue tirar
ela e tudo ainda anda parecido, ela serve para trazer contornos, detalhes novos sobre quem é o Guts, ou melhor ainda, para entender como é o universo de Berserk, o que é essa era das trevas. E como eu já expliquei, essa é a era do mal absoluto. E daí você se pergunta, se a gente vive no mal absoluto, como é a infância, a inocência, a doçura infantil conseguem sobreviver neste mundo? E a resposta é que ela não consegue, ou ela tem dificuldades imensas para conseguir existir. Trazendo aqui para a historinha, Guts e Punk vão descobrir que
em um vilarejo muito específico, as pessoas têm muito medo de elfos. E a gente vai entender porque volta e meia tem uma revoada de elfos saídos do Vale da Neblina, um lugar que fica relativamente próximo de uma série de cidades, mas ninguém tem coragem de ir lá. E essa revoada de elfos devora tudo pelo caminho. Animais, pessoas e sequestra crianças. Vai ser nessa cidade que Guts vai conhecer Jill, uma menina, uma criança que já presenciou muita violência. Inclusive o pai dela é um veterano de guerra, alcoólatra, bate na mãe dela, bate nela e que eventualmente
deixa esses amigos embriagados chegarem perto demais da própria filha. Jill então está fugindo de casa, é nesse interim que ela esbarra em Guts. Enfim, muita coisa acontece, eu vou encurtar aqui o papo, basicamente o que logo de cara Guts e Puck descobrem é que aquela revoada de elfos não são bem elfos, parece elfo, mas não é. E Guts descobre isso da pior maneira possível, porque quando essa revoada chega, Guts luta com sua espada, destrói vários deles, joga fogo, consegue e sacrificar ainda mais, e aí ele percebe que esses serzinhos mágicos quando morrem são crianças humanas.
Eles inclusive passam até a forma de uma criança humana, ali daquele jeito que o Guts involuntariamente deixou. Aliás, esse é um dos episódios que humaniza muito o personagem, porque ele finge não ligar para isso tudo que está acontecendo, mas ele acaba se retirando e vomitando. Para entender o que está acontecendo aqui, tem a ver com uma amiga de infância da própria Jill, uma menina mais velha que ela, que também fugiu de casa por motivos bem semelhantes, problemas com os pais. Essa menina chamada Rosine fugiu até o Vale do Nevoeiro esperando encontrar algum elfo, mas era
apenas uma lenda. Inclusive, existe o Mito de Pirkaf naquela cultura, que é de um menino com cara de elfo que foi criado por humanos, mas que quando retorna para o mundo dos elfos também não pertence àquele lugar. Daí que ele percebe que seus pais de verdade foram aqueles que o criaram, só que no mundo dos elfos o tempo passa diferente e quando ele volta seus pais já morreram de velho, se passaram 100 anos, então Pirkaf é esse ser entre dois mundos. Esse mito aqui parece ser uma coisa muito pequena, um detalhe nessa história das crianças
perdidas. Se vocês forem olhar com calma, é o que explica as personagens das meninas, porque Rosine foi essa menina que fugiu, que não viu nenhum elfo, mas encontrou um Behelit. A partir do sofrimento que ela teve perante sua solidão, a partir do que ela presenciou da violência dos pais, o Behelit despertou e Rosine se tornou uma apóstola. Ela sacrificou os pais e se tornou tudo aquilo que ela queria, uma elfa, com o poder de sequestrar crianças, colocar eles em uma espécie de casulo e fazer eles renascerem como outros elfos. Rosine, então, também é esse ser
entre dois mundos e que, de certa maneira, busca resguardar a inocência. Só que o mito do elfo de dois mundos Pirkaf, se vocês forem parar para pensar, também é a história do próprio Guts, desse homem que ainda vive no mundo material, mas está sempre à volta com esse mundo espiritual e descobrindo, por consequência, que não pertence mais a lugar nenhum. Mas aí você deve estar pensando, bom, apesar de um jeito meio esquisito, Rosine conseguiu fazer com que crianças tivessem um espaço nesse mundo de mal absoluto. Só que aqui entra uma das referências do Kentaro Miura,
que eu nunca vi ele falando, mas para mim é bastante óbvia, que é o livro O Senhor das Moscas, de William Golding. Só para repassar aqui bastante rápido, a história do Senhor das Moscas são crianças que, fugindo da guerra, acabam ficando sozinhas e cabe tão somente a essas crianças, em um ambiente isolado, recriarem a sociedade. Essa obra é bastante famosa por mostrar que crianças têm uma série de coisas lindas, fofinhas, mas elas são tudo aquilo que a gente se tornou, de modo que princípios bastante malignos também já estão lá. E é isso que acontece no
mangá do Berserk. Esse mundo que a Rosine criou onde as crianças podem se tornar fortes, sendo uma espécie de enxame de elfos, é um mundo cruel inclusive entre as próprias crianças, elas de uma maneira muito inocente, muito lúdica, se divertem uma destruindo a outra, em brincadeiras extremamente violentas. Voltando para a referência do Miura, o Senhor das Moscas tem esse título não por acaso, porque a gente está lidando com uma tradução de Belzebu. E, não por acaso, quando tem a batalha final do Berserk contra a Rosine, ela se torna o quê? Uma gigantesca mosca. Ok, um
inseto gigante, mas que também lembra uma mosca. Ou seja, a grande melancolia dessa história é de perceber que no mundo do mal absoluto, na era das trevas, a infância não tem mais lugar. A personagem da Jill inclusive é a única que de certa maneira sobrevive a tudo isso, amadurece perante tudo isso, porque, diante de tamanha violência, consegue entender que a infância ficou para trás. É nessa que passamos para o segundo subarco, que é o mais curtinho, mas é fundamental porque vai interligar uma coisa com a outra, que é quando conhecemos os cavaleiros das correntes sagradas.
Mais uma vez, vamos contextualizar. Em Midland, o que mantém o reino coeso é a presença do Vaticano e a Santa Sé tem suas mais diversas sub-ordens. Os cavaleiros das correntes sagradas, ou que podem ser traduzidos como a Santa Corrente de Ferro, são filhos da nobreza que, para fazerem cosplay de cavaleiro, acabam entrando para essa ordem cheia de luxos. Lembrou quase aquele sketch do Porta dos Fundos sobre a Faria Lima, cosplay de trabalhador, saca? Uma coisa comum entre os cavaleiros das correntes sagradas é eles serem liderados por uma virgem. A comandante que a gente acompanha aqui
é a Farnese, e ela vai se tornando uma personagem cada vez mais rica ao longo da série. O que está rolando? Nesse destacamento dos cavaleiros das correntes sagradas, estão investigando uma série de milagres. Vocês já sacaram aqui, são essas aparições cada vez mais bizarras de monstros, demônios, que esses cavalheiros estão investigando, é basicamente porque o mundo está ficando tão mal. E a missão primária que eles têm é de ir atrás do espadachim negro, o que eles vão descobrir de um jeito muito horrível, que não é tão simples assim pegar o Guts, afinal aqueles caras ali
mal sabem lutar e o Guts tá nem aí, riquinho mesmo, ele faz picadinho. Contudo, o Guts está há dias sem dormir, ele tá cansado de ter enfrentado aquela revoada de elfos crianças, ele tá muito, muito cansado e ele consegue ser preso. Farnese, então, leva Guts ao interrogatório e, por mais que ela não seja uma inquisidora, resolve colocar em prática alguns ensinamentos da Santa Inquisição, ou seja, começa a torturar Guts. E aqui entra o quanto o Miura Kentaro é bastante malicioso, ele saca o quanto a carne, o desejo, o tesão permeiam as relações. Porque Farnese vai
torturando Guts e, conforme vai vendo aquele corpo dele sarado, cheio de sangue, ela vai ficando muito cheia de desejo. Ela vai começando a questionar, inclusive, a sua fé. Eu estou fazendo isso por Deus ou eu estou fazendo isso porque, no fundo, eu estou louca para dar para ele? Aqui entra um problema de ordem teológica que aparece até mesmo entre figuras santificadas. O sangue que eu respingo por todo lado, inclusive no alto flagelo... aquela coisa tipicamente cristã... Por que eu fiz isso? Meu Deus, como sou errado? Até que ponto esse castigo consigo mesmo não é cheio
de gozo? Eu mereço punição, alguém me amarra e me bate. Sacaram? Mesmo que a gente diga que isso não tem nada a ver com desejo, não tem nada a ver com erotismo. Spoiler, sempre tem. E isso só vai piorar no arco da Farnese, porque chega um momento que o Guts acaba conseguindo fugir, ela vai atrás dele, ela acaba sendo possuída por um demônio. Só que o que os demônios fazem com a gente não é de trazer para nós intenções estranhas a nós mesmos, o que os demônios muitas vezes fazem é de conseguir expressar tudo aquilo
que a gente já desejava, tudo aquilo que a gente queria agora toma forma. E é nesse momento de possessão que a gente tem uma das cenas aqui que eu não vou conseguir mostrar, porque a Farnese fica do jeitinho como ela veio para o mundo, curtindo enforcar o Guts em cima dele e roçando a imaculada dela na espada do Guts. E agora eu não estou falando de metáfora, é na espada mesmo, é na lâmina. Então tem essa coisa do castigo, do tipo, vamos sangrar junto aqui, vamos. É bastante visível que a importância que Farnese vai ter
aqui na narrativa de Berserk tem a ver com a produção de um contraponto, a ausência de fé de Guts. Só que assim, não se iluda, não é um contraponto onde um aprende com o outro. Basicamente, o papel da Farnese aqui é perceber aquilo que Guts está tentando dizer o tempo todo para ela. Deus está morto e, sim, tem as ideias do filósofo Nietzsche para um caralho em Berserk. Porém, tem um outro conceito desse filósofo que é fundamental para a história de Berserk, sobretudo nesse arco que eu estou comentando aqui com vocês, que é o eterno
retorno. Mas eu já vou chegar lá. Voltando aqui para a relação Farnese e Guts. Uma das falas que eu acho mais divertidas é quando eles estão diante de demônios, a Farnese, por hábito, resolve rezar e o Guts responde: Enquanto você fica de mão juntinha, você perde a oportunidade de pegar uma arma e lutar. E, gente, essa mensagem que aparece em Berserk não é só em relação à personagem. Aqui dá para ver que a ideia é sustentar essa ideia das mais diferentes formas, porque se tem algo que a gente vê direto em Berserk, é o quanto
que pessoas que esperam dos céus, ou de qualquer lugar, uma solução para a sua vida acabam servindo como carne de abate para demônio. Dito de outra forma, a mensagem é quase do tipo não espere que Deus ajude, porque se há um Deus e se ele for dar uma forcinha, vai ser só no momento em que você der um soco de volta no demônio que está te incomodando. Se isso é uma mensagem teologicamente já bastante doida, isso em Berserk, ainda que de maneira sutil, também tem contornos políticos. O povo que espera uma solução dos pastores, dos
padres, o povo que, diante do sofrimento, tem apenas Deus como esperança, é um povo que, em última instância, vai ser morto. E aqui eu já estou adiantando o mote daquele que é o terceiro e último episódio de toda a Saga da Punição, que é o mais longo arco chamado a Torre da Condenação. Aqui esse niilismo do Kentaro Miura se torna ainda mais radical, porque a gente acompanha diferentes facções. Vamos lá, Midland entrou na Era das Trevas e todas as merdas possíveis estão acontecendo. Temos uma grande peste, que aqui evidentemente a referência é a Peste Negra,
o povo Kushan está invadindo Midland. E aqui, pela indumentária, vocês já percebem que o povo Kushan são os árabes que estão chegando, são as invasões bárbaras e, além disso tudo, a Santa Sé está longe de ser um grupo de pessoas legaisinhas. Um personagem que vai ser muito importante aqui vai ser Mozgus, o Cônego de Sangue, o mais famoso e importante inquisidor da Santa Sé. E, gente, aqui chega naquele ponto que Berserk e o mangá beram insuportável, porque as ações de Mozgus são de uma crueldade que a gente não consegue nem imaginar direito. E aí o
Kentaro Miura, consciente de que a gente não consegue imaginar, ele vai lá e desenha. Ou seja, a gente acompanha sessões de torturas das mais terríveis e pelos motivos mais torpes. Porque, apesar de Mozgus se mostrar um cara muito fiel a Deus, tudo dá a entender que ele é um safado, tudo dá a entender que a fé dele é um grande pretexto para o sadismo dele puder aflorar. Mozgus, diante de uma cidade que estava em crise e não pagou os tributos para a igreja, esperou os homens saírem para trabalhar e sacrificou todas as mulheres e crianças.
Por sua vez, uma mulher que carregava um bebê morrendo de fome, ele resolveu acolhê-la, deu comida ao bebê, mas levou a mulher à seção de tortura, porque ela não deveria ter interrompido ele. Ela, se realmente ama o seu próprio filho, agora vai ter que ser sacrificada para mostrar o seu amor. Sabe a lógica de sacrifício na Cruz? Morri por vocês? Então, o Mozgus meio que vai matando os outros à sua volta para dizer que morra por Deus vocês também, deixa que eu ajudo. E é interessante perceber que tudo à volta de Mozgus é permeado de
dor. Por exemplo, a sua prática religiosa tem a ver com ele se jogar violentamente no chão mil vezes ao dia, fazendo com que o seu rosto acabe ficando totalmente estourado, por isso que ele tem uma cara de pedra. E aqui para mim é bastante óbvio que a referência do ponto de vista gráfico é o líder fascista Mussolini, que teve nessa ideia de rosto de pedra, de rosto áustero, uma das suas principais marcas. Mozgus, porém, não atua sozinho, ele tem ao seu lado uma série de freaks e todos eles são especializados em diferentes tipos de tortura,
todos eles carregam itens extremamente cruéis e o objetivo aqui de Mozgus é conseguir estirpar de vez os hereges do mundo. Só que, de novo, essa é a explicação racional da coisa. É evidente que o que Mozgus gosta é de dor e, no mundo de Berserk, onde há dor, onde há sofrimento, mais os demônios aparecem. Percebam aqui o comentário já bastante malicioso. Esse mundo de fé, de crença em Deus, que está sempre preocupado com o mal... Ai, o diabo está me tentando. Eu não posso olhar para isso. Não posso desejar aquilo porque isso é do mal.
Enfim, esse pensamento fixo em pecado e maldade, essa ideia fixa em sofrimento, não faz com que a gente se aproxime mais de Deus, mas faz com que a gente abra mais brechas para o demônio chegar. Isso é algo que a Farnese, nossa comandante aqui, vai cada vez mais percebendo, porque depois de ela não conseguir pegar o Espadachim Negro, ela recebe a missão de ser a escolta de Mozgus. E diante de todas aquelas torturas horrorosas e acontecimentos bizarros, ela vai ficando cada vez mais dividida. Guts ainda é o inimigo, mas cada vez mais esse inimigo parece
ser a única chance de salvação. Cara, quem vai nos salvar não está lá em cima, está no Espadachim Negro sujo de terra aqui na minha frente. Mas voltando aqui, contextualizando um pouco as ações. Como está tendo peste, como está tendo uma invasão dos bárbaros na região de Midland, nós estamos acompanhando milhares e milhares de refugiados se dirigindo até a torre de Santo Albion, ou popularmente a Torre da Condenação, lugar esse considerado sagrado, mas que também é palco para muita e muita tortura. A imagem de refugiados, muitas vezes de mulheres com crianças famélicas, é mais uma
dessas imagens insuportáveis que Miura não poupa a gente. E que, terrivelmente, terrivelmente faz a gente pensar em uma série de eventos que estão acontecendo agora mesmo no mundo. Se fosse uma coisa de faz de conta, talvez não perturbasse tanto, mas ver aquilo como um reflexo de algo que ainda está acontecendo, considerando que esse mangá foi escrito décadas atrás, é só mais uma bigorna na cabeça do nosso ânimo. Mas entre os refugiados, ainda há espaço para personagens que podem se mostrar fortes. É o caso de Luca, uma prostituta, mas que é, antes de tudo, uma prostituta
socialista. Ela protege as outras meninas, sobretudo Nina, que é uma menina muito, mas muito covarde, e tudo aquilo que ela ganha, ela divide com a comunidade, em partes também por estratégia a política, como ela mesma diz, se eu não dividir, vou me denunciar por heresia, então como eu não quero acabar sendo torturada e morta, tudo que eu ganhar aqui com os rapazes, eu vou dividir com todo mundo. Só que você deve estar pensando, e o Guts, o que tem ele a ver com isso tudo? O lance pessoal é que dois anos depois de ter ficado
longe de Casca, Guts resolve voltar. E não é por acaso, porque o seu bebê demônio, aquele filho corrompido pelo Griffith que ele teve com a Casca, apareceu para o Guts em um dos seus pesadelos, ou talvez não fosse um pesadelo, avisando que a mãe estava em perigo. Guts volta e percebe que, sim, Casca não está mais lá no refúgio, ela desapareceu. E vocês lembram, ela está completamente transtornada, ela não consegue nem falar, ela se comporta realmente como uma criança grande. A sorte é que ela é encontrada, vai parar ali entre os refugiados e quem cuida
dela é a Luca. Inclusive por não saber o nome dela, a Casca não consegue nem dizer o seu próprio nome, acaba a batizando de Ellen. Eu também acho que não é um nome por acaso que na história remete a valores clássicos gregos, valores helenísticos e reforça aquela imagem luminosa de sabedoria da Grécia Antiga, piriri pororó, que acaba tendo a sua ironia no fato de a gente estar vendo uma personagem que está completamente abalada, que está privada inclusive da sua própria sabedoria por causa de um trauma. Então vocês percebem aquela luz do saber, aquela luz que
inclusive pode ser pensada como luz divina, mas uma vez é mostrada que em Berserk e que não tem espaço para esse negócio. Seja como for a presença da Casca entre os refugiados em volta da torre da condenação, vai fazer com que Guts vá até lá. Ele nem sabe se ela está de fato ali, mas é a melhor pista que ele tem, até porque está tendo grandes peregrinações por causa de um presságio que todo mundo em Midland teve. Trata-se de uma visão, de uma profecia de muito sofrimento, de muita morte, mas de salvação perante um falcão
reluzente nos céus. Já sabendo da história de Berserk, um falcão cheio de luz nos céus está longe de ser uma boa coisa. Mas o povo não sabe, o povo vê luz e já acha que é coisa boa, então mais ainda todo mundo começa a virar crente, no desespero, na dor, no sofrimento, todo mundo passa a pedir ajuda de Deus. E o avatar mais próximo de Deus, que ainda resiste perante as invasões, é a Torre da Condenação, esse lugar tão cheio de amor, a partir de rodas que estilhaçam ossos, alicates que puxam partes do corpo e
damas de ferro que fazem você ficar como um queijo suíço. A situação, como vocês podem ver, está se armando como uma gigantesca tragédia, porque vou retomar que tanto Casca quanto Guts têm um estigma, são oferendas que estão são disponíveis a qualquer demônio, então são figuras que naturalmente atraem demônios. Guts, consciente disso, não se mete em multidões, apesar de não ser um herói no sentido moderno de sempre estar pensando nos fracos e oprimidos, o Guts não é nenhum babaca. Então não decide passar a noite entre pessoas vulneráveis e fracas, e não bate na sua porta pedindo
para dormir a noite, sendo que a noite vai encher de demônios. Ele não faz isso, procura ficar sozinho, isolado, mas agora não dá para evitar. A Casca sequer está ciente de si mesma, então ela está no meio de uma multidão e vai dar merda, porque que ela vai atrair demônios, já o Guts, que quer salvar a Casca, também está indo para lá. É isso, meus amigos, vai se criando um clima terrível. Até porque a gente descobre que, diante das maldades da igreja e diante do desespero que vê que o Vaticano talvez não seja a solução,
surge uma outra seita e que aqui a gente tem os esterótipos mais óbvios do satanismo, porque, afinal de contas, aqui eles veneram a deusa do fogo, tem como líder um homem bode e toda a liturgia se dá com as pessoas peladas, embriagadas em gigantescas o*** e se alimentando de restos humanos, principalmente, cr****. Aqui a principal referência do Miura Kentaro em termos artísticos são as histórias do Devilman do Go Nagai. Inclusive eu comecei a falar dele aqui no canal, fica a sugestão para que vocês assistam. Porém para além da questão das referências, também em termos de
discurso, o que o Miura está querendo dizer é que em uma situação de profundo desespero, inclusive de profunda fome, códigos e mais novos códigos de ética vão sendo criados. Para deixar bem claro, gente, ética vem do latim "ethos", é comportamento. Ou seja, as pessoas passam a buscar formas de se comportar que talvez tenha salvação. E se a salvação não vem pela mão cruel da Santa Sé, pode vir, talvez, do jantar canibal de um monte de gente pelada se querendo. Por uma sucessão de eventos que eu vou pular aqui, Casca acaba parando no meio dessa galera
e por ver em que os demônios se aproximam dela, acaba sendo eleita como uma espécie de líder desse grupo. Casca é uma bruxa, ela é talvez a encarnação da deusa do fogo. Obviamente ela não está entendendo nada do que está acontecendo em volta dela, e você já sacaram, em algum momento ela vai ser descoberta, vai ser visada, e Casca vai ser conduzida à fogueira para ser morta como a bruxa que ela supostamente é. Sacaram então os vários núcleos que estão se envolvendo aí que a gente sabe que vai dar uma maçaroca de muita merda? De
um lado nós temos os cavaleiros das correntes sagradas liderados pela Farnese, de outro lado os terríveis inquisidores liderados por Mozgus, também tem a seita da deusa do fogo, já Guts e Casca estão lá e estão atraindo todo o tipo de demônio. Teve também o presságio do falcão reluzente, ou seja, vai acontecer algo horrível. Porém, no mundo de Berserk, tudo que é ruim pode piorar. E aí surge uma figura bastante enigmática que vai sendo descoberta ao longo da história, que é o ovo do mundo perfeito, vamos lá. Uma das vítimas entre os famélicos e refugiados foi
um cara que era bastante isolado. Conforme o próprio descreve, ele não lembrava mais quem era, ele sempre foi um párea na sociedade, e ele ali, entre as pilhas e pilhas de cadáveres, buscando pertences, buscando até restos de comida, acabou encontrando um Behelit, ele guardou para si e sendo a figura que ele era, ele buscou um buraco para se esconder e ter como moradia. Porém, certo dia ele acordou e percebeu que estavam colocando cadáveres dentro daquele buraco, não sabiam que ele estava lá dentro e ele não tinha como sair, foi um cadáver em cima de outro,
em cima de outro, em cima de outro. Ele foi ficando sufocado e soterrado de corpos. Diante desse momento de sofrimento, ele acabou despertando o Behelit. Só que vocês lembram, o Behelit exige de você um sacrifício, esse cara não tinha nada. Então, o que ele entregou em sacrifício? O próprio mundo. Gente, isso aqui tem uma dimensão filosófica muito legal. O ovo do mundo perfeito, que assim é chamado porque esse cara passa a ter a forma de um Behelit com patas de aranha, tem a ver com a ideia de que o mundo, como ele é imperfeito, como
ele é sujo, como ele é corrupto, a gente precisa idealizar o mundo melhor. Pode ver, a gente até usa esse slogan no dia a dia, um outro mundo é possível. Só que a grande verdade é que não tem outro mundo, só tem esse que a gente vai ter que lidar. O que eu acho genial por parte do Miura Kentaro é inverter e tornar claro quanto aqueles que desejam o mundo perfeito são as pessoas mais assustadoras. Quem quer um mundo de luz onde toda sujeira humana possa ser varrida, no fundo está querendo a coisa mais cruel
que você possa imaginar. Porque para chegar nesse mundo de luz e limpeza, você basicamente tem que fazer uma higiene do humano e isso não se faz de forma limpinha. Você está sacando como é que a coisa está se amarrando para a profecia do Falcão Reluzente? O mundo perfeito está por vir, mas esse mundo perfeito do mundo de Berserk vem por meio do Griffith, que acho que já ficou bastante claro, que é nada mais nada menos que Lucifer, essa espécie de anjo caído, de figura andrógina que é a encarnação de todo o mal. Aliás, esse é
o tópico principal aqui, Griffith, que virou uma das God Hand, está buscando reencarnar. E essa conjunção de acontecimentos que estou mostrando aqui vai criar o momento propício para isso acontecer. Uma questão fundamental que aparece na Saga da Punição em Berserk, foi um negócio que demorei para sacar, porque conforme eu lendo, eu estava até meio que não gostando tanto e depois eu percebi que tinha uma genialidade nisso, tem a ver com repetição. Deixa eu explicar isso com calma. O arco da Era de Ouro foi, como eu disse para vocês, o arco mais famoso de Berserk. Daí
que quando começa a Saga da Punição, tudo vai sendo nos dito que o evento do eclipse vai acontecer de novo. E eu achei isso gambiarra de roteiro. Quer dizer, ainda é uma gambiarra de roteiro, mas é genial, eu vou mostrar o porquê. Vamos lá, vamos voltar para o enredo. Um personagem aqui importante, que ainda não foi tão desenvolvido na história, é o Skull Knight. Uma espécie de cavaleiro esqueleto, uma figura entre mundos, tipo o Guts, e que volta e meia surge de maneira providencial ajudando o nosso protagonista. É o Skull Knight que informa ao Guts
que tudo que acontece no mundo espiritual, acontece novamente no mundo material, ou seja, os eventos do eclipse que fizeram com que a vida do Guts e da Casca mudassem para sempre, vão acontecer de novo, como um eco do mundo espiritual. Inclusive é usada aqui uma metáfora, a Lua está no céu, a gente olha para um lago e a gente vê a Lua reluzindo. Ou seja, aquilo que acontece nos céus também vai acontecer na terra. Guts, porém, não é um fatalista. Inclusive, revolta ele essa informação de tudo vai se repetir do mesmo jeito e você não
tem o que fazer. Daí que o próprio Skull Knight fala para ele, bom, talvez você seja um peixe nesse lago. E conforme se mexe, se inquieta perante as coisas, produz uma marola que faz com que o reflexo não seja perfeito. Ou seja, repete, mas não da mesma forma. E aí eu vou dizer para vocês, por que no primeiro momento eu achei que isso era uma gambiarra preguiçosa? Porque basicamente era uma maneira do Kentaro Miura contar de novo a mesma história, reorganizando elementos, mas ainda a mesma história, precisando no final das contas, Guts salvar a Casca
perante demônios que estão tentando fazer de tudo que é possível com ela. E sim, isso vai acontecer de novo, mas isso é uma sacada boa, porque chama para si toda uma série de discussões sobre repetição que a filosofia se dedica bastante nos últimos tempos. Vamos com calma, porque aqui vem a parte mais genial de tudo isso que estou falando para vocês. Há momentos na história que o Guts pensa, caramba, está acontecendo tudo de novo, tudo está acontecendo mais uma vez, aquele horror está se repetindo. E isso tem uma explicação filosófica, mas que também podemos entender
por outras dimensões, como sociológica, psicológica. Vamos lá, acompanha comigo. Primeira coisa aqui para a gente entender, existe uma diferença entre repetição e reprodução. Reprodução, imagina, é tipo fábrica, sai 500 pacotes de macarrão, miojo, tudo igual, embora se formos olhar com muito cuidado, eles não têm como ser plenamente idênticos. E daí que entra a repetição como conceito, ela não é o retorno do idêntico, repetir não é fazer a mesma coisa acontecer de novo, e sim garantir que no acontecer de novo, talvez mudanças sejam possíveis. Ou seja, repetir é tornar possível alguma coisa mais uma vez, porém,
quando você torna possível uma coisa mais uma vez, talvez a diferença possa se infiltrar. E é isso que está aparecendo aqui nesse arco, explorando essa repetição, não só por essa questão filosófica, mas também pela dimensão psicológica. O trauma, se vocês forem parar para pensar, ele também é uma repetição. Muitas vezes uma pessoa traumatizada tem pesadelos com aquele acontecimento. Aquile popularmente chamado de gatilho também, tem a ver com aquele negócio voltar para você mais uma vez porque uma coisinha puxou. Uma memória, um acontecimento, até mesmo isso aqui que eu estou falando pode ser gatilho para alguém.
E, gente, isso faz todo o sentido quando a gente tem como protagonista o Guts ou a própria Casca. São pessoas completamente abaladas pelo trauma, daí que nada é mais aterrador para eles do que a repetição. Principalmente para Guts, que está bastante consciente disso. Pensar que tudo aquilo que aconteceu vai acontecer de novo é ter que revisitar o mais profundo trauma. Depois de vista social também, essa repetição tem outro sentido, que é o quanto o sofrimento nunca é aplacado. Porque como as coisas estão se repetindo e como as pessoas estão buscando formas de fugir do sofrimento,
o que elas encontram é mais sofrimento. Vocês lembram da Primeira Guerra Mundial, que era chamada de a guerra para por fim em todas as guerras? Ela não pôs fim em guerra nenhuma, porque toda guerra que é usada para acabar com uma outra guerra, no final das contas gera mais guerra. E aqui que entra um conceito de Nietzsche, e eu falei que ia trazer Nietzsche de volta, que é o de eterno retorno, a ideia de que tudo que acontece, acontece mais uma vez. Inclusive, tem uma provocação ética feita por Nietzsche sobre o eterno retorno que é
bastante famosa. Se você fosse condenado a repetir a sua vida para sempre, todos os seus dias tivessem que ser iguais como os dias de hoje, você ainda manteria a vida que tem? Você ainda estaria realizado perante o que você está fazendo hoje? E aí você pode pensar, não, mas o que eu estou passando agora é porque lá na frente eu vou curtir melhor e tal. Será? O que você passa por hoje tem a ver com quem você é. Que garantia que você tem que lá na frente você vai ser outra coisa? Por isso que para
filósofos como Kierkegaard, Walter Benjamin e Deleuze, a noção da repetição é tão importante. E mais do que isso, a ideia de devir. Eu sei, está ficando complicado, mas vamos com calma. Devir é tudo aquilo que pode vir a ser, ou seja, é aquilo que justamente produz diferença no seio da repetição. E é isso, se vocês forem parar para pensar, é isso que o Guts busca incessantemente. Ele busca algo que ele pode vir a ser, um além do homem que ele é. Ou seja, a ideia de super-homem de Nietzsche, uma figura que está para além do
bem e do mal, algo que é fundamental no universo de Berserk, porque superar o mal é fundamental para poder vencê-lo. Se livrar do mal moral também é poder enfiar uma espada no próprio mal. Só que se tudo se repete, se há um eterno retorno, se não há espaços para devires, o mal só se perpetua. Por isso o pior que pode acontecer no universo de Berserk é que nada mude. Inclusive, Walter Benjamin, filósofo, falou exatamente isso. A pior catástrofe é que tudo permaneça igual. E o Kentaro Miura consegue traduzir isso tudo de uma maneira poética muito
poderosa. A gente sente essa repetição, a gente sente essa opressão do eterno retorno e do quanto que o Guts luta incessantemente para conseguir trazer um pouco de dever, de conseguir produzir diferença nessa enorme mesmice. Obviamente, esse papo todo também se amarra com preceitos budistas tão importantes para o Japão, afinal, o que estamos vendo aqui é uma roda kármica, onde todos os nossos vícios, que são efeitos de causas anteriores, se tornam novas causas para vícios futuros. Por isso que, de novo, se tudo se repete, não saímos do lugar, é que precisamos, do ponto de vista budista,
encontrar uma iluminação. Só que, como já mostrei para vocês, o Kentaro Miura busca uma espécie de iluminação obscura ou profana. É preciso se livrar do karma, só que esse processo não é o encontro da luz, está mais por chafurdar na própria sujeira. A salvação não está lá em cima, está no chão, cheio de pó. Somente nesta terra de sofrimento e dor que a gente ainda assim pode encontrar alguma coisa para interromper esse processo. É isso que o nosso herói da história tenta fazer o tempo todo. Em partes ele consegue, mas aqui estamos lidando com uma
gigantesca tragédia, ou seja, o entendimento de que por mais que a gente lute, as coisas tendem a acontecer, o destino não pertence a nós. Vocês lembram do ovo do mundo perfeito? Ele tem o poder de conceder superpoderes aos outros, de fazer com que os outros se tornem mais perfeitos, muitas aspas aqui. Ele faz isso com aquele líder bode lá da seita. Ele faz isso com o próprio Mozgus e a sua trupe, que no primeiro momento se tornam figuras angelicais e depois, claramente, monstros dos mais grotescos. E aí vem aquela coisa típica em história de Berserk,
que é o Guts com a sua espada gigante tendo que enfrentar bichos horrorosos, cinco, seis, dez vezes maiores do que ele. Só que o ovo do mundo perfeito tem outra função aqui, é ele que acolhe em suas entranhas o bebê-demônio, aquela criança profana que no fundo é filha de Guts, de Casca, mas também do próprio Griffith. Essa criança-demônio estava bastante ferida, porque ela tentou, apesar de tudo, salvar a própria mãe. E é nesse ponto, é nesse detalhe que é sentida toda a gravidade, todo o peso dessas ideias aqui de eterno retorno. Porque vocês lembram lá
do presságio, do falcão luminoso e pá? Vocês lembram que esse bebê-demônio foi corrompido pelo Griffith? Pois bem, Griffith agora renasce dentro do ovo do mundo perfeito, a partir daquele feto corrompido que agora se tornou ele próprio. Sim, Griffith deu à luz a si mesmo. Que é a imagem mais terrível de eterno retorno? A ideia de que o mal concebe o próprio mal, de que o filho de Guts e Casca no final das contas é só o retorno de Griffith. É muito bacana que como Kentaro Miura, no final das contas, produz uma ideia de Santíssima Trindade,
só que profundamente maligna. O ovo do mundo perfeito é uma espécie de versão carnal do Espírito Santo, o bebê-demônio é o filho, Griffith é o pai. Só que tudo no final das contas vira a mesma coisa, tudo no final se junta para que o pai seja o filho e o filho seja o pai. Os eventos do famoso eclipse se repetem, há muita, mas muita morte, aqueles refugiados todos que esperavam algum tipo de salvação não tiveram. E gente, aqui é uma sucessão de cenas angustiantes, de novo com um realismo que é quase insuportável, mulheres com crianças,
bebês de colo, pessoas em desespero buscando ajuda, e há sombras e trevas devorando a todos. Ao mesmo tempo, e aqui isso aparece principalmente a partir do Puck, todo mundo saca que teria um jeito de interromper isso, seria o próprio Guts e Casca morrendo, porque afinal de contas os dois têm um estigma e os demônios estão indo lá porque eles estão ali. E Guts talvez não tivesse problemas em tirar a própria vida, mas Casca não está ciente de si mesma. E aí entra em um dilema ético. Eu posso matar uma pessoa que não tem consciência de
si para salvar o resto? Eu não perguntei para essa pessoa, ela sequer entende o que está acontecendo. Tenho eu o direito então de decidir por ela? Como Guts ama a Casca e também tem um componente de egoísmo humano, ou seja, ele quer a Casca perto dele, ele quer que eles fiquem juntos, Guts não topa o sacrifício da Casca, ele não deixa que ela seja queimada como bruxa, ou mesmo que ele definha a vida dela. Daí que vem o elemento da tragédia. O destino é inevitável, os demônios vão chegar e os eventos do eclipse vão se
repetir. Apesar de tudo, Guts consegue poupar desta vez com que Casca sofra a mesma violência, é o peixe se sacudindo embaixo da água, mas no geral o reflexo é o mesmo. Ao final desse processo extremamente sangrento, Griffith renasce, se torna uma figura de luz, é o Falcão Reluzente e uma nova era de paz, um novo mundo perfeito vai começar. Ou seja, vocês sacaram? Nós se fudemos. Galera, tem muito mais coisa que eu poderia comentar. Por exemplo, um personagem coadjuvante que eu deixei de lado aqui, mas que vale uma notinha, é Isidro. Um menino ladrão que
se junta ao Guts e que quer ser igual a ele. Parece ser um personagem menor, mas aqui tem mais uma vez esse comentário sobre qual é o lugar da infância nesse mundo. E a resposta que o Berserk traz é o fim da infância, obviamente, mas também a adoção da ética do guerreiro. Não pare para rezar, dê um chute no saco, e é essa sabedoria infantil que o Isidro mostra o tempo todo. Outra figura menor, mas de importância simbólica, é Nina, uma das prostitutas que acaba sendo protegida pela Luca. Nina é covarde, covarde demais ao longo
da história, num nível quase que irritante, mas ela está ali para mostrar na história, e isso até é bastante reafirmado mais para o final desse arco, de que o medo é normal e, até certo ponto, a covardia é o que nos salva. Ter medo, ter um medo profundo, está longe de ser um problema. Só vira de fato um problema quando a gente fica estagnado por causa disso, quando o medo nos imobiliza. Mas esse medo que nos leva à ação também é uma força. Daí que dizer que só os covardes se salvam. Sim, porque eles são
espertos. Sim, porque eles não têm medo do seu próprio medo, eles entendem que estão com medo. Encarar o próprio medo não é superá-lo, é agir de encontro a ele. O próprio Guts reconhece aqui. Eu tenho muito medo, meu principal medo é que tudo se repita. Eu supero esse medo. Não, eu vou em encontro, eu convivo, eu encontro formas de conviver com esse medo. E é aí nesse exato ponto que reside a nossa força, inclusive uma força vital de querer estar vivo. Só estou vivo, só estou lutando porque eu tenho muito medo. Sim, galera, estou cada
vez mais apaixonado por Berserk. É uma série riquíssima, ainda que eu acredite e muita gente também diz isso, que ela vai perder o fôlego. É difícil para algo que está tão bom, tão bom, tão bom, continuar ainda melhor. Tudo isso que eu comentei aqui para vocês no vídeo vai até o volume 21 do mangá. Como Berserk é um mangá bastante clássico, ele está sempre sendo publicado e republicado. Então vocês podem encontrar eles das mais diferentes formas, na loja de quadrinhos, sebo, até banca. Mas é aquela velha história, se você for na Amazon, use o nosso
link aqui que ajuda bastante. E também diga nos comentários se vocês querem que eu continue falando de Berserk, ou que eu fale mais também de Devilman, do Go Nagai, que inspirou tanto o próprio Berserk, de outras formas de dark fantasy, de eterno retorno do mal, enfim, tem muita coisa boa sendo produzida. Então sugiro que vai ajudar bastante. Fica a sugestão que vocês assistam nossos outros vídeos sobre Berserk e também o início de histórias de Devilman, aquele que pode ser dito como o pai espiritual do Berserk. Espiritual no sentido mais maligno que vocês possam imaginar. No
mais, siga a gente nas outras redes sociais, TikTok, Twitter e Instagram. Obrigado por assistir. Valeu, pessoal!