Quando você olha uma porta, você sabe que ela tem fechadura e maçaneta. É preciso prestar mais atenção na maçaneta do que na fechadura. Embora quem quer abrir uma porta não pode desconsiderar que ela tem uma fechadura.
Mas há pessoas que ficam tão obsecadas pela fechadura que não enxergam nunca a maçaneta e aí não abrem o que pode ser aberto. E nesse sentido, claro, a ideia de uma capacidade de ter a percepção do não desistir, de ir buscar, de procurar, é algo decisivo. Na vida é preciso ter esperança, mas tem que ser esperança do verbo esperançar, porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Ai, eu espero que dê certo. Espero que resolva, espero que aconteça.
Isso não é esperança, é espera. Esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. Esperançar é ter uma postura ativa em relação à aquilo que pode inclusive nos perturbar, como perturba estando vivo, que é a expressão mais simples, menos sofisticada.
sem elaboração teórica e sem abstração. Afinal, o que é que um ser vivo deseja? Permanecer vivo?
Se essa vitalidade nos honra, se essa vitalidade ainda é digna, se essa vitalidade não nos machuca. Nesse sentido, é claro que o sentido da vida se coloca na possibilidade de tê-la naquilo que ela pode ser de plenitude, naquilo que impede algo decisivo. Quando você é jovem, como a vários aqui, para você chegar a 60 70 demora.
Quando você tem 20 anos, alguém de 60 anos já tá perto do checkout. Quanto você tem? Mais de 60.
Outro dia eu fui renovar meu cartão de crédito, que já tava bem antigo, cartão de crédito, renovei e aí fui fazer uma compra na internet e naquele momento da compra em que você tem que colocar a data de validade do cartão de crédito, eu quase fiquei meditando. Meu cartão tem mais validade que [Música] eu. Quando teu cartão tem mais validade que você, é preciso pensar.
Minha mãe, 86 anos de idade, domingo retrasado, estava eu caminhando na praça com a minha mulher, aí encontrei com ela fim de tarde. Ela falou: "Filho, eu tava agora lá na igreja, sabe o que que uma velhinha me falou? " Eu falei: "Mãe, defina a [Música] velhinha".
A senhora tem 86 anos? Ela falou: "Ela deve ter uns 88 por aí. A vida é muito curta para ser pequena.
E quando é que você e eu apegamos a vida? Quando a gente tem uma vida banal, fútil, superficial, inútil, morna, descartável. Um grande, um grande pensador, gaúcho tem uma frase de uma clareza.
Só não entende quem não quer. Disse ele, a única coisa que você leva da vida é a vida que você leva. A única coisa que você leva da vida é a vida que você leva.
Não é a vida que te leva, é a vida que você leva com a tua condição, com a tua esperança, com a tua turbulência, com a tua dificuldade, mas sem acovardar-se, sem desistir, sem entregar. Interessante esse expressão, essa expressão de Paris Torelli, a única coisa que você leva da vida e a vida que você leva, ela se aproxima um pouco do grande poeta gaúcho, que é aquele sim que eu admiro mais. Mari Quintana, um homem estupendo.
Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão, eu passaria. Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão, eu passaria. Mario Quintana, um homem genial.
Ele tem uma trova que eu vou fazê-la para você e eu não esquecermos. Ele disse: "Um dia pronto, me acabo seja o que tem de ser. Morrer que me importa o diabo é deixar de viver.
E quando é que você e eu deixamos de viver? " Não quando a gente morre, mas quando a gente vai tendo mortes cotidianas, com a morte da expectança, a morte do afeto. Você deixa de viver quando morre tua capacidade de amorosidade, de solidariedade, de fraternidade.
Por isso, quando de Israel fala: "A vida é muito curta para ser pequena, é claro que nós não somos obviamente imortais, mas nós podemos ser eternos". Claro que mortais não somos. Aliás, vários filósofos pensaram sobre o tema da vida e da morte.
Entre eles, Epicuro, que tem a mais expressiva frase sobre isso, dizia ele: "Eu não temo minha morte por uma razão, nunca vou encontrá-la. Enquanto eu existo, minha morte não existe. Quando ela existe, eu não existo.
Então, não vou encontrá-la nunca. Porque temê-la? " Disse assim: "Ué, mas isso é só uma frase?
" Bom, é simbologia. Nós vivemos de simbologias ou o de Allen que disse: "Eu não tenho medo da morte, eu só não quero estar lá quando isso acontecer". Ou Chico Arísio que dizia: "Eu não tenho medo de morrer, eu tenho [Música] pena".
Claro, Mariuno Suasuna, nosso grande especial, né? Intelectual que dizia que chamava morte de Can, né? De demônia.
Claro que ele tava falando ali não da morte que um dia já o levou, mas da vida que podia ser banal, fútil. E é claro que Ariano Suçuna continua vivo na sua obra, no seu projeto. Cada vez que um de nós assiste o Auto da Compadecida, vive ele outra vez.
Claro, mas não precisa ser um escritor, um ator, não precisa ser um inventor. Cada um e cada uma de nós tem a sua obra no dia a dia, tem as suas obras naquilo que faz. Interessante.
Eu corta, até 10 anos de idade não havia televisão na minha cidade. Não é que não havia TV na minha casa, não havia TV na minha cidade. Por isso à noite, que que eu fazia?
Ficava pensando, tinha que fazer. E do que que eu pensava? que no dia que eu morresse qual seria o meu epitáfio, isto é, qual seria a inscrição no meu túmulo?
E eu já tinha tendência a inutilidade filosófica e ficava pensando isso. Hoje eu não tenho mais essa questão porque eu não quero ser eh sepultado, quero ser cremado. Essa é uma decisão individual, cada um que decide.
Se você observa um dos sentidos da vida é ser capaz de não descuidar das outras vidas e da própria. Um dos sentidos da vida é cuidar da vida, seja da própria, seja de outras e outros. E nesse sentido, claro, se a gente lembra a necessidade de pensar na obra.
E eu imaginava até 10 anos qual seria o meu epitaf. Um dia eu sosseguei, cheguei ao epitaf que eu queria. Eu não estou aqui.
Se você imagina a expressão eu não estou aqui, é um sinônimo daquilo que aqui é sempre lembrado de que nós não somos mera materialidade que se encerra com o perecimento de uma biologia. Isto é algo em nós que persiste. Alguns creem que seja imaterial e outros creem que seja além da imaternalidade a própria obra daquilo que fica.
Olha que coisa interessante. Quando a gente imagina qual é o impacto que isso carrega, é necessário lembrar de novo, a vida é muito curta para ser pequena. E quando é que você e eu apegamos a vida?
Quando a gente tem uma vida banal, fútil, inútil, superficial.