Voltamos, hoje, com mais um episódio do estudo do livro Gênesis. Neste episódio de hoje, nós gostaríamos de fazer uma observação, uma espécie de pausa para que nós façamos uma reflexão muito importante. Não será possível avançar com segurança, se nós não ficarmos atentos a esta característica do texto bíblico.
Nós entramos, agora, na narrativa de Adão e Eva, um dos textos mais polêmicos e dos mais difíceis de toda a Bíblia que provocaram interpretações que vão desde o fundamentalismo, do excesso, do literalismo até a interpretações de um misticismo tão pueril, de uma falta de coerência, coerência, contexto. Então, esta passagem de Adão e Eva se presta a tudo, ela pode ser utilizada para qualquer coisa. Mas, nós temos aprendido, neste estudo, a fazer uma interpretação comprometida com o texto.
Não se trata de uma interpretação literal, porque nós estamos conscientes do conselho de Paulo de Tarso (a necessidade de retirarmos o espírito da letra), mas isto não significa que na interpretação o texto deva ser violentado pelo nosso voluntarismo, pelos nossos caprichos, pelas nossas preferências emocionais. O intérprete responsável tem um compromisso com o texto, ele deve buscar a coesão do texto, aquelas ligas, as junções que o próprio texto apresenta. Acontece que nós não estamos diante de um texto acidental.
Já repetimos isto várias vezes, mas, aqui, especialmente aqui nessa narrativa de Adão e Eva, vale repetir e acrescentar alguns dados. Nós estamos diante de um texto hebraico, de um texto oriental, com as características do povo hebreu. O que isto quer dizer?
Por ser oriental, é um texto mais evocativo do que descritivo. O propósito deste texto é despertar ideias, reflexões, sentimentos, impressões, empatia, porque o texto quer mexer com você, ele não quer que você fique impassível, frio diante dele, o texto é feito para te provocar, no bom sentido, te provocar no sentido de mover dentro de você – leitor – ideias, sentimentos, reflexões e, por fim – e, daí, o objetivo principal do texto -, um comportamento. O texto quer arrancar do leitor uma postura,quer que o leitor se posicione, se coloque no lugar, no ponto de vista que o leve a uma ação concreta no mundo a partir das reflexões e dos sentimentos que o texto provocou no leitor.
Por ser um texto evocativo, ele lembra uma pintura impressionista, no sentido de que você precisa completar os espaços vazios. A pintura impressionista dá esboços e a sua imaginação que junta aqueles pedacinhos, aqueles traços e faz a figura se completar. Ela conta com a sua impressão, com a sua reação.
Aqui também: nós temos que completar porque o texto apresenta lacunas, apresenta aparentes contradições. Eu vou dar um exemplo concreto. Nós estamos no capítulo 2 e, especialmente no versículo 7, que descreve a criação do homem, detalha a criação do homem nós vimos, aqui, que no capítulo 1 fala-se da criação de tudo, mas em pinceladas gerais; a partir do capítulo 2 começa haver um detalhamento da criação), que diz assim: “Então o Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo (.
. . )” O homem, aqui, que está traduzido por homem na Bíblia de Jerusalém, em hebraico, está adam, porque homem (ser humano), em hebraico, é adam, é o Adão.
Mas, à medida que você lê o capítulo 3 do texto, você percebe que Adão, que antes representava o ser humano (um ser genérico: a espécie humana) começa a se particularizar até chegar no capítulo 4 e Adão ser um nome próprio, uma pessoa (não um ser humano), um homem específico (faltou só o CPF que não tinha na época). Parece uma contradição. O mesmo Adão de Gênesis 2: 7 chega no capítulo 4 e aquilo que era genérico, abstrato, agora, se torna algo particular.
É um texto impressionista. Ele quer que você complete estas lacunas, mas ele quer que você preencha esses espaços com a sua reflexão, com os seus sentimentos, com a sua empatia. Esta é uma característica do texto oriental, de um modo geral, e, especialmente, do texto hebraico.
O texto hebraico ele se esforça para ter mais de um significado. Nós precisamos ficar atentos a isto. Ele não quer significar uma única coisa.
Se eu pudesse fazer uma comparação usando a música, depois do movimento da pintura impressionista na França, nós tivemos os chamados autores musicais ditos impressionistas. É um movimento impressionista na música: Claude Debussy, Ravel e outros, os mais conhecidos são estes dois. Há determinadas passagens da obra de Debussy, por exemplo, a peça mais famosa, Clair de Lune, em que alguns acordes, alguns elementos musicais utilizados na obra podem significar mais de uma coisa.
Você analisa aquele acordee tem muitas funções, você não consegue determinar exatamente o que é aquele acorde. E, era esta a intenção do Claude Debussy. Quer dizer, ele não fez isto por acaso, ele fez isto propositadamente.
Ele queria que aquele acorde não tivesse um único significado. Voltando para o texto bíblico, os autores bíblicos – porque eles compõem uma geração, eles compõem uma mentalidade de um povo (o povo hebreu) escrevem texto para significar muitas coisas. Então, o primeiro erro que pode ser cometido no estudo deste texto é você querer encontrar um significado.
Nesta perspectiva, a pergunta ‘quem é Adão? ’ e uma pergunta já equivocada na raiz, porque quando eu pergunto ‘quem é Adão? ’, eu estou em busca de uma resposta, uma única resposta eu seja capaz de explicar todas as ocorrências da palavra Adão no texto bíblico e não tem.
Vamos mais uma vez a um exemplo concreto. Se eu digo assim: ‘Adão é a humanidade, Adão é um símbolo da humanidade. ’ Perfeito!
Daí, você vai me citar Gênesis 2: 7: “Então o Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente. ” uma alma vivente Agora, se você for lá no capitulo 4 começar á ver por exemplo capitulo 4:25-26: “Adão conheceu sua mulher. Ela deu à luz um filho e lhe pôs o nome de Set ‘porque’ disse ela, ‘Deus me concedeu outra descendência no lugar de Abel, que Caim matou’.
Também a Set nasceu um filho, e ele lhe deu o nome de Enós, que foi o primeiro a invocar o nome do Senhor. ” Daí, começa o capítulo 5: “Eis o livro da descendência de Adão. ” Aqui, você não pode dizer que Adão é humanidade, porque nós estamos descrevendo um homem e a sua mulher, que tiveram um filho, o qual vai gerar uma descendência e esta descendência vai culminar no Cristo.
Por exemplo, na genealogia de Mateus 1 e em Lucas 1 e 2 também. Então, não há uma resposta única. Este é um ponto importantíssimo.
Nós percebemos este equívoco – porque é um equívoco gigantesco – nos livros que vão interpretar o Apocalipse. Os livros que vão interpretar o Apocalipse – não é que eles estejam errados (eu não estou errado ao dizer que Adão representa a humanidade, eu estou parcialmente certo) – não estão errados, mas também não estão completamente certos. Quando você toma o Apocalipse e você diz assim: ‘a besta apocalíptica é isto!
’, não está errado, mas está incompleto. Por quê? Porque os símbolos do Apocalipse representam muitas coisas Um símbolo e uma passagem quer dizer de várias coisas, de vários movimentos, desde o individual até o coletivo e tudo que fica entre isso.
Várias coisas sobre o individual, várias coisas sobre o coletivo: é um misto. Por isso que a tradição hebraica sempre afirmava, utilizando um texto de Jeremias – do martelo que quebrou a rocha e a rocha se despedaçou – eles sempre identificavam,este martelo como a palavra de Deus, no sentido de que palavra do Senhor, ou seja, o ensino, a orientação que vem de Deus tem múltiplas faces, o que gerou um provérbio: ‘a Torá tem setenta faces’. Quando o hebreu quer dizer múltiplo e ele não quer delimitar, ele fala setenta.
Hoje, nós diríamos diferente. Usando a linguagem da matemática, nós diríamos assim: ‘n’ vezes. Que significa ‘n’ vezes?
Um número incontável de vezes. O hebreu utiliza setenta vezes. Setenta significa incontável.
’ A Torá possui setenta faces’. Aqui, tem um jogo de palavras: setenta porque é incontável, face porque é um rosto, você tem que vê-lo, você tem que fitar, olhar para ele, reagir a ele. Não é só uma interpretação, é um rosto, é uma face.
Então, você tem que olhar para esta face e contemplá-la, você tem que reagir a esta uma pode estar brava, a outra estar alegre, uma pode estar melancólica. São faces! E, você precisa reagir a estas expressões fisionômicas do texto.
Isto é muito sutil. Assim também é o Apocalipse e todos os textos hebraicos. Adão possui uma multiplicidade de significados .
Então, é interessante a metáfora do martelo na rocha, porque você tem uma rocha, se você a quebra, ela se parte em pedaços menores, mas que reflete a estrutura da rocha como um todo. É uma espécie de cristal. O que isto quer dizer?
O texto tem um sentido _é a rocha, que é a estrutura total do texto. Nós estudamos isto aqui: se você examinar Gênesis 1:1 a 2: 4 (já falamos isto milhares de vezes), ele é o pedaço primordial. Através desta pecinha, outras de mesma qualidade vão se juntando a ela e formam um grande todo.
Eu posso olhar para a Bíblia como um todo, uma grande rocha, uma grande estrutura e na medida em que eu vou indo às suas partes, eu vou percebendo que há uma diferença quantitativa, mas não qualitativa. O que isto quer dizer? A qualidade é a mesma, é a mesma estrutura.
É um cristal! Na matemática chama-se de fractal. Você quebra um cristal em partes que são menores, mas da mesma qualidade.
Mais uma vez vamos dar um exemplo concreto para que isto fique claro. Se eu digo assim: ‘Adão é um símbolo do ser humano. ’ Qualquer ser humano?
Do ser humano enquanto um ser encarnado e frágil, o ser humano na sua limitação, na sua humanidade, ou seja, sujeito ao berço, sujeito ao túmulo, sujeito ao adoecimento, às intempéries, aos sofrimentos, portador de limitações, portador de dificuldades, portador de contradições, portador de luz e sombra. É o ser humano, em toda a sua complexidade. É uma face.
Mas, eu posso também trabalhar com outros elementos do texto e perceber que eu tenho, aqui, um Adão, uma Eva e uma serpente, que não é uma simples serpente, porque ela conversa, ela é uma serpente que instiga e, na verdade, essa serpente foi a grande detonadora do processo da queda de Adão, da perda do paraíso, foi ela que influenciou de uma maneira equivocada. Eu posso imaginar que nós estamos, aqui, diante de três grupos espirituais que aportaram na Terra? Sim, é uma outra face.
Posso trabalhar com a ideia de exilados? Sim, o texto permite claramente. Criaturas que aportaram na Terra em graus distintos de percepção, de discernimento: 1- a serpente, aqui, é a que tem mais discernimento, mas é a que tem menos senso moral, ela influencia; 2- Eva que está no meio do caminho, tem mais discernimento que Adão – pelo que o texto revela – e um pouco mais de senso moral que a serpente, porque ela chega a titubear; e, 3- Adão que tem um senso moral, tem uma certa ingenuidade, mas parece não ter aquela vontade própria, aquela capacidade de se impor, porque ele simplesmente segue, ele simplesmente acolhe ele é influenciável.
Ora, nós percebemos que isto pode dizer respeito aos grupamentos espirituais que foram exilados na Terra: alguns mais perspicazes, mais empedernidos no mal, outros medianos e outros que simplesmente seguem e vão complicando a sua jornada evolutiva porque são incapazes de dizer não, são incapazes de refletir, são influenciáveis, se entregam de uma maneira imprudente, invigilante a todo o tipo de influência, não conseguem desenvolver um senso de identidade que lhes permita dizer não, para serem aceitos, para serem aprovados, porque não conseguem aceitar-se intimamente, não conseguem uma aprovação interna, necessitam de uma aprovação exterior e se sujeitam a qualquer tipo de influencia. Agora, uma outra face: não é também a história das quedas individuais, das quedas espirituais? Quando nós imaginamos a história de um indivíduo que abandona um dever, que abandona uma situação que a providência divina preparou para ele, abandona prejudicando outras pessoas, prejudicando a si mesmo e cai nos vícios, na deserção dos compromissos, nós não temos também esta história se repetindo como um cristal?
É o mesmo padrão. É o mesmo padrão. O que o texto bíblico que mostrar é que o padrão é um, mas este padrão se expressa de múltiplas formas nos indivíduos, nas relações dos indivíduos entre si e no coletivo.
Ou seja, são níveis de manifestação do padrão, mas o padrão é o mesmo. Daqui, nós podemos depreender, lançar uma primeira ideia: o texto bíblico não está tão preocupado em descrever acontecimentos, ele está mais preocupado em descrever padrões evolutivos. padrões Quando você identifica os padrões, eles podem se manifestar de infinitas formas.
Vamos lá: a serpente de Gênesis vai se tornar mais complexa, mais robusta e vai dar origem ao dragão da profecia, que os textos apocalípticos vão falar de um dragão. Daí, o Apocalipse vai além desta figura mítica do dragão e começa a falar de uma besta apocalíptica, de um animal que é uma colagem de diversos animais, ele ganhou em extensão, mas, em termos qualitativos, ele é a velha serpente. Esta serpente ganhou o nome de satanás, em hebraico, o acusador, o que causa problema, aquele que semeia discórdia, que foi o que a serpente fez aqui, aquele que influencia para a criatura cair, aquele que leva, que conduz a criatura para a ilusão.
Isto se manifesta na vida individual. Quantas pessoas utilizando-se de posições afetivas, emocionais influenciam outras e levam outras ao abandono dos compromissos, à queda espiritual, quantas pessoas assumem esta condição de serpente! Nós precisamos estar vigilantes porque nós podemos estar dentro de casa fazendo o papel da serpente.
É um padrão! Mas, quando você pensa de um ponto de vista coletivo, você chega no livro Libertação, por exemplo, e pensa naquelas entidades que são os dragões do planeta Terra, as grandes serpentes e espíritos que dirigem a mentalidade dos encarnados, levando-os ao materialismo, ao sensualismo, ao completo abandono da comunhão com Deus, do deveres espirituais, do compromisso com a sua evolução, da acomodação espiritual, dos falsos conceitos de liberdade, o falsos conceitos de felicidade, porque é uma liberdade que agride a liberdade do outro, é uma felicidade que se constrói sobre lágrimas. Então, são conceitos fáceis.
Por quê? Porque é a via mais fácil, a porta larga, é a maneira fácil. O enriquecimento ilícito, a pilhagem, a corrupção, o roubo, o descompromisso com o sentimento do outro, são padrões que vêm desses dragões; mas, é a serpente.
Isto acontece no micro e no macro. Se alguém chega e pergunta: ‘o texto de Gênesis está descrevendo os dragões da libertação? ’ Também.
Ah, então o texto de Gênesis está descrevendo aquela pessoa dentro de casa que provoca a queda de todos os seus familiares? Também. São muitas faces, n’ faces.
‘ O texto é plural. Ao longo do estudo de Gênesis, evidentemente, primeiro, eu não tenho capacidade, aqui, de ampliar tantas faces assim e é isso que diferencia um Espírito superior de um Espírito mediano. Nós estamos, aqui, estudando Gênesis, se nós fôssemos de uma esfera superior, lá estão estudando Gênesis e vendo faces que nós não somos capazes de enxergar, eles estão contemplando faces do texto que eu não tenho, ainda, experiência evolutiva para contemplar.
Como que eu vou enxergar algo que não faz parte da minha experiência evolutiva que eu não alcancei ainda? Por isso Emmanuel dizia que quando ele ia às esferas superiores para assistir a cursos de Evangelho, ele se sentia como um crocodilo. O que ele está querendo dizer?
Que ele – o Emmanuel – o autor dessa série do Evangelho, cuja produção interpretativa é impressionante, se sentia tão inferior porque lá encontrava com professores, com orientadores já dotados de uma experiência espiritual e capazes de enxergar faces do texto que ele não era capaz de enxergar. Mas, isto é possível? É possível.
Emmanuel está enxergando algumas faces e, daí, vem João Evangelista, o autor do Evangelho: quantas faces você acha que este é capaz de enxergar? Você fala: todas. Daí, vem Jesus.
Será que João enxerga todas as faces? Quantas faces Jesus é capaz de enxergar? Por isso vale aquela palavra da Alcione no livro Renúncia, porque ela está refletindo ali uma ideia que é superior de que o Evangelho é um vasto caminho ascensional.
Não é só um trabalho de interpretação, é um trabalho de evolução. Você interpreta o texto para melhorar a sua evolução e depois que você evolui, você melhora a sua interpretação do texto. Daí, você interpreta de novo, melhora a sua evolução, evolui e melhora sua interpretação.
É um processo cíclico, é um pingue-pongue, é um vasto caminho ascensional, é uma ascensão espiritual, ou seja, o nosso propósito de estar, aqui, estudando Gênesis é ascender espiritualmente. Nós não estamos aqui apenas estudando o texto, a nossa finalidade é uma ascensão espiritual, nós estamos em busca de incrementar a nossa intimidade com recursos que ampliem o nosso discernimento, que nos tornem capazes de identificar esses padrões evolutivos ou os princípios da lei divina, esses padrões que orientam a evolução dos seres e das coisas. Portanto, a compreensão dessa característica do texto nos dá uma capacidade de ler diversas interpretações sem ficar comparando uma com a outra, sem ficar criticando interpretações que são diferentes e sem adotar uma postura fundamentalista de certo ou errado.
O que nós podemos fazer é: diante de uma interpretação – e isto tem que ser feito – verificar até que ponto esta interpretação está amparada no texto, porque se a interpretação não tem nenhum vínculo com o texto, deve ser descartada, porque, daí, ela é pura imaginação do intérprete. Por isso, quando Paulo foi estudar com Gamaliel, o que eles estudavam propriamente para ser um doutor da lei, para ser experimentado na interpretação do texto? Você era estimulado a encontrar diversas interpretações.
Mas, isto não é difícil. Qualquer pessoa pode chegar aqui e falar: ‘dá mais interpretações. ’ E, serão dadas várias interpretações.
Sabe o que é difícil? É fundamentar a sua interpretação. Quando nós lemos o Talmud, os midrash, a literatura hebraica, toda a vez que há uma interpretação, eles citam um texto de prova.
Por exemplo, Adão é humanidade porque está dito em Gênesis 2: 7: “e formou Deus o homem da argila. ” É o texto de prova. Então, você dá uma interpretação e cita um versículo que comprova ou que fundamenta aquele voo que você deu.
Se você não for capaz de citar nada que fundamente, a sua interpretação é mera imaginação, porque ela não tem amparo no texto de prova. Interessante isto, não é? Aqui, como nós não temos este tempo de ficar experimentando muitas interpretações e pegando texto de prova, nós estamos dando um contexto geral: a estrutura geral do livro, a estrutura geral dos temas, quais são os temas fundamentais da Bíblia, como é que estes temas se interconectam, porque, com este quadro geral, nós vamos minimizando o risco de sair com o carro para fora da pista.
Então, nós estamos, aqui, mapeando a estrada para evitar sair da estrada, para que nós consigamos nos movimentar, mas entendendo qual é o limite geral, o contexto geral da obra. É bastante curioso porque este tema de Gênesis deu muito trabalho para o Codificador. Depois de Kardec ter lançado O Livro dos Espíritos, ele começou a produzir alguns ensaios.
Nós percebemos isto na Revista Espírita. Ele produziu ensaios sobre Adão e Eva, até que ele amadurece este pensamento e leva isto para a obra básica, especialmente, o livro A Gênese, onde ele desenvolve mais este raciocínio dele e ele vai concluir, então, vai aí dar os germens, as sementes do chamado exílio espiritual, vai falar de agrupamentos que foram exilados na Terra, que perderam este paraíso – na ótica deles – quando vieram aqui para a Terra. Kardec já percebeu isto de um modo muito forte.
Mas, é com Emmanuel que nós temos uma concretização, uma avaliação mais sociológica deste aspecto do exílio. É claro que Emmanuel se concentrou no principal exílio, aquele exílio mais fundamental para a formação da mentalidade terrena, que é o exílio capelino, porque nós sabemos que há vários outros exílios, criaturas que vieram de vários outros lugares, mas elas não vieram em uma quantidade ou elas não se organizaram de tal modo que pudesse ter um impacto tão profundo quanto estes quatro grupos que vieram: 1- egípcios; 2-hebreus (formando, aí, uma família: egípcio e hebreu estão sempre juntos); 3- hindus; e, 4- arianos. Estes quatro, realmente, alteraram os rumos da evolução planetária.
Hoje, evidentemente, tanto aqueles que estão em evolução no orbe, quanto aqueles que vieram de outros exílios se somaram. Então nós temos já grupos maduros criando um novo rumo, apontando para novos caminhos, para novas soluções, muitas vezes até se contrapondo à influência primordial destes quatro grupos. Mas, foram eles que lançaram as bases e coube a Emmanuel trazer isto de uma maneira bem interessante.
Cabe isto aqui? O que nós tomamos cuidado e é algo que nós costumamos evitar no nosso estudo é uma avaliação puramente descritiva. O quê nós estamos querendo dizer com isto?
Nós evitamos uma interpretação bíblica que seja puramente descritiva. Então, você chega e diz assim: ‘Adão e Eva eram os exilados, eles chegaram aqui, E, eu, aqui, em Belo Horizonte, o que isto me afeta, o que isto implica? O problema da interpretação puramente descritiva é que ela é uma diversão intelectual.
Você brinca com as ideias como uma criança brincando com bolinha de sabão e aquilo não passa de uma diversão. O nosso propósito, aqui, é ‘a Torá tem setenta face’ . Então, nós estamos em busca de rostos e faces para serem contempladas.
Nós estamos em busca de interpretações que vão mexer conosco. Nós vamos pegar um texto, aqui,, no livro Vinha de Luz em que Emmanuel vai reforçar isto. Está no capítulo 1 do livro Vinha de Luz, em que Emmanuel diz assim: “É razoável que a leitura do homem ignorante e animalizado (.
. . )” Porque são coisas diferentes: uma coisa é ser ignorante, outra coisa é ser animalizado.
Você pode ser ignorante e animalizado; mas, você pode ser muito culto e animalizado, porque a ignorância pode ter a ver com o aprimoramento da inteligência, mas animalidade tem a ver com o aprimoramento do sentimento, da conduta, do padrão, do senso moral. Então, “É razoável que a leitura do homem ignorante e animalizado represente conjunto de ignominiosas brincadeiras, mas o espírito de religiosidade precisa penetrar a leitura seria, com real atitude de elevação. O problema do discípulo do Evangelho não e o de ler para alcançar novidades emotivas ou conhecer a Escritura para transformá-la em arena de esgrima intelectual, (.
. . )”.
Ah, que coisa divertida. É gostoso de ver isto, aqui, e é um vício mesmo. Você pode ficar só nessa novidade emotiva ou, então, para ficar brigando com os outros.
Eu vi isto lá e está errado, todo dia você está em uma discussão nova. “(. .
. ) mas, o de ler para atender a Deus, cumprindo-lhe a Divina Vontade. ” O texto foi fundo.
Por isso o povo hebreu começa o estudo bíblico pelo Êxodo: ‘Ouve Israel! ’ Por que ‘ouve’? Porque dá a ideia deque Deus está falando com você.
Segundo: Ele está te chamando, está te convidando, é um convite. Então, nós temos que ler para atender. É um telefone que tocou e você vai ter que atender, cumprindo a divina vontade.
Se as palavras assumem infinitos significados, a vontade de Deus é única, Deus é um. Encontrar a unidade nesta diversidade é o nosso desafio e atender ao chamado, ouvir. Ouvir, atender e cumprir essa vontade.
Por isso, Jesus fala algo que é sutil. Ele diz assim: ‘eu vim para que se cumpram os profetas. ’ Daí muitos imaginam, em um primeiro momento, que cumpriu uma profecia.
Não! Os textos proféticos são um convite. Isto está claro na história de Jonas, quando ele vai a Nínive, é um chamado (‘arrependei-vos’).
O povo se arrependeu e a profecia não se cumpriu. Então, quando Jesus diz: ‘eu vim para que se cumpram os profetas’ é no sentido de que ‘eu vim atender ao chamado’, ‘eu vim mostrar como se cumpre a vontade de Deus’, como que se atende ao chamado do Criador nos textos inspirados. São textos humanos, textos feitos por homens, inspirados pela espiritualidade superior que culmina em Deus, que é o supremo governo do Universo.
Este é um outro propósito nosso: estamos, aqui, buscando entender padrões, porque ao estudar o que fez os capelinos caírem, serem exilados. E, mais, o que impediu que os capelinos voltassem, que provocou a permanência deles além do prazo programado, uma permanência tão longa. Nós estamos estudando, na verdade, sobre a nossa evolução espiritual porque, hoje,nós corremos o mesmo risco de repetir estes padrões, se é que já nós não estamos repetindo-os, se é que já nós não estamos adotando estas posturas.
O texto é lúdico, é gostoso, tem humor, tem fineza, tem um conjunto de significados, é fluido, você tem que vir de alma aberta, de mente aberta, sem disposição de esgrima intelectual mas uma disposição de absorver. No entanto, ele implica um chamado, implica um comprometimento. Por isso é uma face e precisa ser contemplada.
Este é um esclarecimento que nós gostaríamos de fazer antes de entrar neste tema e nós vamos marcar este episódio, porque nós temos certeza absoluta que quando nós começarmos a comentar sobre Adão e Eva, lá na frente, alguém que não assistiu a este episódio alguém que não assistiu a este episódio vai dizer assim: ‘Ah, mas o Haroldo disse que Adão e Eva é isso, mas eu li e Kardec e ele está dizendo que é isto’ ou ‘eu li lá no autor Herculano Pires, eu li no Canuto Abreu Daí, nós vamos voltar para este episódio. Nós vamos numerá-lo para ficar bem destacado destacados dos outros para nós pedirmos para a pessoa voltar o episódio e assisti-lo, para entender as faces, as múltiplas interpretações. É claro que nós vamos trazer, aqui, os textos de Kardec, vamos trazer os textos de Emmanuel, do Cairbar Schutel e de outros que lançam luzes.
Nós estamos, aqui, recolhendo. A nossa ideia é de alguém que sai com um bornal buscando pérolas, buscando tesouros. Então, onde encontramos, nós vamos acrescentando, vamos somando para que a nossa visão, nossa percepção do texto se enriqueça e fique mais ampla.
É óbvio, nós estamos em busca disto. Mas, sem fechar, sem adotar a ideia de que isto significa isto. Aqui vai acontecer também.
A história de Adão e Eva é um paradigma. Tem uma palavra que eu vou utilizar aqui com um certo cuidado para não parecer que eu estou querendo entrar em uma área que não é a minha área, que também eu não tenho tanto conhecimento assim, li alguma coisa, mas pouca coisa. Eu diria que, isto aqui, é arquetípico.
São arquétipos, padrões que vão se manifestar. Então, Adão e Eva são um arquétipo, padrão. Nós vamos perceber.
Vou dar um exemplo: quando nós abrimos o Evangelho de Mateus, um jeito de cortar o texto para que a história de Jesus fique quase que paralela a esta aqui de Adão e Eva. O que ele faz? Ele tem Jesus que é o novo Adão, mas falta Eva.
Então, o que ele faz? Tira José . Então, José fica mais no pano de fundo e ele destaca Maria, a nova Eva.
Ele tirou José, deu uma ajeitada. É possível fazer isto? Claro que é possível!
Historicamente, não! Porque historicamente nós temos José, Maria, Jesus, que foi criado por eles. Mas, em termos de padrão espiritual, nós podemos pensar na Maria como a nova Eva.
Por quê? Mateus percebeu isto, tanto que ele começa o Evangelho Eu me recordo de um rapaz que fez esta pergunta: ‘por que o Evangelho de Mateus começa a genealogia? ’ E, eu respondi assim: ‘porque Gênesis começa com a genealogia.
’ Eu acho que ele não entendeu nada, ficou parecendo aqueles koan budistas, que o monge fala uma sílaba e aquilo que significar trezentas mil coisas. O livro de Gênesis é o livro das genealogias – nós já estudamos isto aqui – são dez sequências genealógicas. Nós estamos,aqui, na primeira e vamos entrar na segunda, que é a adâmica.
São dez livros de genealogia e o Evangelho começa com a genealogia. Isto é gratuito? Não, está conectando, está procurando trazer o texto do Evangelho e conectar com essa tradução.
Daí, ele começa a narrar uma mulher que, agora, recebe um comando inusitado (e, aí, tem o inusitado do comando para causar o elemento literário) para destacar o ponto primordial: a atitude de Maria é um contraponto à atitude de Eva. Enquanto Eva se coloca em dúvida e aceita a sugestão da serpente, que é o elemento rastejante (astuto, inteligente, mas que rasteja, ou seja, inteligente, mas animalizado, inteligente mais brutalizado), Maria desconecta-se desse elemento para se conectar com um anjo, que é um elemento inteligente, mas divinizado, espiritualizado. Enquanto Eva é o desejo que não consegue se conter, Maria é o desejo que se resigna (“Eis aqui a tua serva, faz-se em mim segundo a sua vontade”).
É um contraponto, criou um contraponto. criou um contraponto. Paulo percebeu isto.
É óbvio que Paulo percebeu isto: um doutor da lei, treinado por Gamaliel, passou a sua vida inteira interpretando texto, É claro que ele percebeu e escreveu lá em Coríntios 15: primeiro Adão, alma vivente; segundo Adão, Jesus Cristo, Espírito vivificante. É lógico que ele percebeu o paralelo literário, não literal. Não é um paralelo literal, é um paralelo literário, de padrão, de arquétipo.
É curioso isto, porque em O Livro dos Espíritos, lá na última parte, há uma mensagem do apóstolo Paulo. Essa mensagem, que foi psicografada, e Kardec publicou em O Livro dos Espíritos – então, nós estamos falando de algo de 1857- 1860 (2ª edição) - muito antes do trabalho de Jung e lá Paulo de Tarso usa ‘o arquétipo do homem divino’ é Jesus Cristo. É bonito isto, porque é uma mensagem – essa mensagem de Paulo é tão maravilhosa – que conecta primeira, segunda e terceira revelações.
Daí, ele faz a linha em uma frase, em uma frase ele conecta tudo: conecta Epístola aos Coríntios, com livro de Gênesis e O Livro dos Espíritos. É genial! Aliás, a mensagem como um todo é genial!
Ele vai falar de castigo. Não é à toa. Se eu falo de castigo, tenho que falar de falha; se eu falar de fala, eu tenho que falar de queda; se eu falar de queda, eu falo em Adão e Eva.
Eu já estou trabalhando com padrão: o padrão da queda, o padrão do erro, o padrão do equívoco e a consequente resposta da lei à sua desobediência, ferimento dela, aos princípios que ela representa (de ordem, de harmonia, de felicidade, de bem comum). Isto é tão sutil e são essas sutilezas que engrandecem o Consolador prometido, que fazem com que nós vejamos com mais clareza, contemplemos essas faces. Nós vamos estudar esses textos, trazê-los aqui, textos de Emmanuel, este texto do Paulo, texto do Kardec, outros textos, textos da tradição hebraica.
Nós vamos trazer o máximo que pudermos, que couber, porque nós temos que avançar, para que ilumine o nosso entendimento. Mas, fica, aqui, este episódio como um marco, que é o episódio que fala do caráter do texto bíblico. Se você não entendeu, ainda, o caráter do texto bíblico, volta nesse episódio e assiste de novo.
Nós vamos trabalhar isto mais, nós vamos trazer mais bibliografia, vamos indicar bibliografia sobre isto, porque é importantíssimo. Se eu não sei com o quê eu estou lidando, eu não lido de uma maneira adequada. É simples: se eu não sei com o quê eu estou lidando, eu não lido de uma maneira adequada.
É preciso saber com o quê eu estou lidando, para que eu lide de uma maneira apropriada com aquele objeto. Então, é preciso entender o caráter do texto bíblico. Por hoje, nós ficamos aqui.
No próximo episódio, nós vamos mergulhar nesse oceano que é Adão e Eva ou, se preferir, nesse mar de argila.