Eu sou Jake, tenho 26 anos. Até alguns meses atrás, eu morava com meus pais. Não era porque eu queria, mas porque eu tava tentando ajudar.
Meu pai tinha sido mandado embora do trabalho no ano passado e a minha mãe teve o horário dela cortado. Então voltei para casa para ajudar com dinheiro. Eu pagava conta de luz, internet e até a maioria das compras do mercado.
Não era nada chique, mas achei que ia ser só por um tempo. Eu tava trabalhando em tempo integral como desenvolvedor web e ainda faziam os freelas nas horas vagas. Então dava para pagar.
O que eu não esperava era como de repente eu deixaria de ser uma heróia da casa para virar um hóspede indesejado. No começo, tava tudo bem. Eles pareciam gratos ou pelo menos fingiam.
Minha mãe dizia coisas tipo, ainda bem que você tá aqui ou você tá se esforçando mesmo, Jake? Mas isso durou pouco. Depois de alguns meses, o clima mudou.
Eles começaram a soltar umas indiretas, umas provocações que na hora nem pareciam tão ruins. Meu pai falava: "Você vive grudado nesse notebook, nunca ajuda com nada aqui em casa. Mesmo eu pagando metade das contas, minha mãe soltava: "Você ainda mora aqui sob o nosso teto?
" E se eu não fazia o que ela pedia na hora, era como se eu tivesse ignorando tudo. Eu pensava: "O estresse faz isso com as pessoas". Só que as coisas foram ficando cada vez piores.
Eu comprava as coisas do mercado com o meu dinheiro e às vezes colocava nome em algumas que eu queria guardar para comer depois. Mesmo assim, no dia seguinte já tinham sumido. E quando eu perguntava, minha mãe só dava de ombros e dizia: "Não seja egoísta, Jake".
Uma noite, cheguei tarde do trabalho e encontrei meu pai usando meus fones de ouvido caros, aqueles com cancelamento de ruído que eu uso para as reuniões de Freela. "Eles estavam largados por aí? ", ele disse.
E quando eu pedi para ele, pelo menos perguntar antes de usar, ele nem ligou. Ele riu e falou: "Você age como se essa casa fosse toda sua novo, eu não respondi. Talvez esse tenha sido meu erro.
Fiquei tempo de mais calado. Aí veio o BAC de verdade. Era uma sexta-feira à noite, eu lembro bem, porque eu já estava esgotado depois de uma semana cheia de reuniões.
Entrei pela porta super cansado, esperando um oi. Como foi seu dia? Mas o que recebi foi um sermão completo.
Minha mãe tava parada no pé da escada, de braços cruzados, olhando feio. "Precisamos conversar", ela disse. "Mas o jeito que conversa parece mais uma bronca de tribunal.
" Ela começou a me acusar de ser desrespeitoso, de agir como se a casa fosse minha, de não ajudar em nada. "Eu fiquei sem entender nada. Do que você tá falando?
", perguntei. Eu pago metade das contas, compro comida, nunca peço nada para vocês. Foi aí que ela me cortou.
Você é só um convidado nessa casa, Jake. Não aja como se fosse dono. Essas palavras me acertaram como um tapa.
Convidado. Depois de tudo que eu fiz, eu tentei falar alguma coisa, qualquer coisa, mas nem tive chance. Ela foi até o armário do corredor, pegou minha mala, aquela que eu usava para viagens de trabalho e jogou escada baixa.
A mala quicou no último degrau e caiu perto dos meus pés com um baque seco. "Vai ficar em outro lugar. " "Você é bem-vindo", ela disse, como se estivesse expulsando um estranho e não o próprio filho.
Eu fiquei olhando para ela sem acreditar. Meu pai tava ali também, só que atrás dela, de braços cruzados, sem dizer nada. Mas o silêncio dele já dizia tudo.
Eu não discuti, não gritei, só peguei a mala, subi as escadas e comecei a arrumar minhas coisas. Eu nem tinha muita coisa, só roupas, meus equipamentos de trabalho, alguns livros, mas parecia tudo tão surreal. Fiz tudo em silêncio com o coração disparado.
Eu não tava com raiva, eu só tava anestesiado. Eu fiquei pensando, isso aconteceu mesmo? Eles realmente me expulsaram daquele jeito?
Naquela noite coloquei tudo no carro em silêncio. Não bati porta, não acendi luz da garagem, só entrei no carro e fui embora. Dirigi até um hotel ali perto e reservei um quarto por alguns dias.
Eu não tinha um plano ainda, só sabia que não dava para voltar. Não, depois daquilo. No dia seguinte, a raiva começou a bater.
Peguei o celular, abri o app do banco e olhei. Todos os meses, os pagamentos automáticos saíam certinho. Eu tava pagando a conta de luz deles, a internet, metade do mercado.
Centenas de reais indo embora todo mês, sem um obrigado, sem reconhecimento. Só insulto e uma mala jogada a escada baixa. Então eu parei tudo.
Um por um. Cancelei minha conta. A internet foi cortada e o dinheiro do mercado agora ia só paraa minha própria geladeira onde quer que fosse minha nova casa.
Não avisei ninguém. Também não precisava. Eles iam perceber logo.
Fiquei no hotel por uma semana. Depois achei um aluguel de curto prazo e comecei a montar algo mais estável. A vida ficou mais leve, mais calma.
Eu senti a falta das coisas familiares de casa. Claro, mas não da hostilidade, nem da sensação de ser um peso, de não ser bem-vindo na casa da própria família. Pela primeira vez em muito tempo, eu tava conseguindo respirar.
Aí, umas quatro semanas depois, meu celular acendeu com uma mensagem do meu pai. Só uma frase, a energia foi cortada. Senha, oi, senha, como você tá?
sem explicação, só isso. Eu fiquei olhando pra mensagem por um bom tempo, depois respondi: "Acho que o hóspede levou a eletricidade com ele e coloquei o celular no modo silencioso. Na manhã seguinte, eu tinha 15 chamadas perdidas, uma do meu pai, quatro da minha mãe.
O resto era uma mistura. minha irmã, duas tias, os parentes aleatórios que eu nem falava fazia meses. Pelo visto, a ficha tinha caído.
A notícia do grande apagão no meio do nada se espalhou pela família mais rápido do que eu imaginei. Todo mundo ficou sabendo rapidinho, no boca a boca. No começo, nem me dei o trabalho de ouvir as mensagens de voz.
Eu já sabia o que iam dizer antes mesmo de apertar o play. confusão, culpa, acusações, talvez até umas frases meio doidas tentando me fazer sentir mal. Cresci ouvindo esse tipo de coisa.
Manipulação emocional era tipo uma segunda língua lá em casa, mas depois de tudo que rolou, eu já tinha cansado de traduzir. Mesmo assim, um dia acabei ouvindo uma só por curiosidade. Era da minha mãe.
A voz dela estava fiada, estressada. Jake, isso não tem graça. Seu pai ficou sentado no escuro ontem à noite.
A gente nem conseguiu carregar os celulares. A comida da geladeira tá estragando e sua irmã vem jantar aqui hoje. A gente não vai deixar você sabotar a família só porque tá sendo dramático.
Me liga. Sabotagem. dramático.
Eu nem me surpreendi. É assim que ela via tudo. Eu cuidar da minha própria vida para ela era sabotagem, porque agora eu não tava mais bancando a vida deles.
Mas eu não respondi nem precisava. Enquanto eles estavam lá derretendo no escuro, eu estava no meu novo AP, com os pés para cima, numa mesinha de centro da IKEA, tomando meu café tranquilo, em paz. Eu finalmente tinha assinado o contrato de aluguel de um cantinho só meu.
Nada demais, só um quarto com luz boa e Wi-Fi decente. Mas era meu. E pela primeira vez em muito tempo, eu não me sentia um peso.
O mais louco. Eles ainda não pareciam entender o que tinham feito. Para eles não era sobre tudo que aconteceu antes, só sobre a luz, a conta, o incômodo.
Mas não era só isso. sobre tudo que levou até aquela noite. O jogo psicológico, o jeito como eles transformaram a minha ajuda em obrigação.
Meses e meses eu ajudando, pagando, fazendo o possível. E no fim fui reduzido a um a você só um convidado aqui. E não parou na conta de luz.
Alguns dias depois, recebi outra mensagem do meu pai. Filho, a internet caiu também. Caiu?
Você esqueceu de pagar de novo? De novo? Não tinha de novo.
Eu nunca atrasei um pagamento na vida. Sempre cuidei para que eles tivessem tudo certinho, no prazo. Toda vez.
E agora que eu parei de fazer isso, eles agem como se fosse um descuido, como se eu tivesse esquecido os meus deveres, em vez de simplesmente ter decidido parar de ser a fada mágica das contas pagas. Eu até tentei responder. Digitei uma mensagem, apaguei.
Digitei outra, apaguei de novo. No fim, mandei só isso. Deve estar difícil.
Espero que vocês consigam resolver. E enviei. Algumas horas depois, minha irmã ligou.
Agora, só para você entender, Alice sempre foi a filha perfeita. A queridinha mora a 2 horas de distância. visita umas três vezes por ano, no máximo.
Mas quando aparece é com presente, abraço de filme, legenda no Instagram, tipo Nada como Um tempo com a família coração cintilante. Aí ela vai embora no Tesla dela e sobra para mim limpar tudo depois do jantar. Ela não me ligou para perguntar como eu tava.
Nenhum. Oi, Jake. Tudo bem?
Nada. Já foi direto ao ponto. Brava.
O que tá acontecendo? Por que mamãe e papai estão dizendo que você cortou a luz e o wi-fi deles? Você tá mesmo punindo ele só porque tá com os sentimentos feridos.
Sentimentos feridos? Respirei fundo. Lis, eles jogaram minha mala escada baixo e me disseram para ir embora e procurar outro lugar.
Então eu fui silêncio do outro lado. Aí ela soltou uma risadinha sarcástica. Você é tão dramático.
E pronto, a palavra da vez de novo. Eu não discuti, só falei. Olha, eu não vou continuar pagando pelas coisas de quem não me respeita.
Se isso me faz virar o vilão na história deles, que seja. Ela desligou uns minutos depois, ainda irritada. Mas teve algo na forma como ela desligou, que me fez pensar, talvez ela não estivesse ligando só por causa deles.
Talvez uma parte dela estivesse começando a se perguntar como as coisas chegaram nesse ponto. Mas quer saber? Eu não me importei.
Eu não estava tentando convencer ninguém. Cansei de tentar agradar todo mundo, mas alguns dias se passaram. Outra mensagem de voz da minha mãe.
Dessa vez ela estava mais calma, menos irritada. Jake, eu não sei o que tá acontecendo com você, mas esse não é você. Você não se afasta família.
Você é melhor do que isso. Essa me pegou, vou ser sincero. Por um segundo bateu aquela culpa antiga.
Aquele sentimento que sempre fazia eu duvidar de mim mesmo toda vez que enfrentava eles. Será que eu tô sendo duro demais? Será que eu devia só ligar?
Mas aí olhei ao redor meu apartamento, meu cantinho, meu espaço, sem olhares frios, sem aquele silêncio pesado, só paz. E aí eu lembrei, não fui eu que fui embora. Eles me mandaram embora, me chamaram de hóspede, me fizeram me sentir um peso por estar ajudando eles a viver.
Tudo que eu fiz foi parar de tampar o buraco que eles mesmos cavaram. Não era minha responsabilidade consertar o orgulho deles, nem pagar o preço por ser o filho que eles nunca souberam valorizar. Naquele fim de semana, eu finalmente bloqueei os números deles.
Não por raiva, mas por proteção. Eu precisava de espaço, de tempo, de silêncio. Antes de sair do grupo da família, deixei só uma mensagem.
Valeu pelo lembrete. Prefiro ser um convidado na minha própria vida duque prisioneiro na de vocês. E saí, me desconectei.
Mas claro, não foi o fim, porque justo quando achei que o drama tinha acabado de vez, aconteceu uma coisa que fez tudo explodir de novo. Eu tava ali preparando a comida da semana, fone de ouvido, playlist tocando, cortando legumes na minha cozinha pequena, mas aconchegante. Quando meu celular vibrou, era um e-mail.
Assunto urgente. Cavizo de conta na Dimplante. Era da companhia de energia.
Na hora achei que tinham mandado pro e-mail errado, que era engano, mas aí abri e vi que tava endereçado certinho para mim. O problema era que a conta não era do meu endereço atual, era do endereço dos meus pais. Eu congelei.
Tinha uma linha no meio do e-mail que explicava tudo. Seu nome está registrado como titular principal da conta neste endereço. Ou seja, mesmo depois de eu ter cancelado o pagamento automático e tirado o meu cartão, eu nunca mudei o nome da conta.
Isso queria dizer que as contas atrasadas que já estavam acumulando multa ainda estavam no meu nome. E se eles continuassem não pagando, a dívida ia cair no meu CPF. meu histórico de crédito que ia pro buraco.
Na hora, meu estômago embrulhou. Eu nem tinha pensado nisso. Eu devia ter transferido a conta para nome deles assim que saí.
Erro de principiante. Corri para entrar no site da companhia de energia para tentar atualizar os dados, mudar o nome, mas não consegui. Para isso, eu precisava da assinatura dos moradores atuais, ou seja, meus pais.
Na mesma hora, liguei pro atendimento da empresa. Fiquei um tempão na espera. Parecia que nunca ia atender.
Quando finalmente atenderam, uma mulher super educada me explicou: "Olha, a menos que eles enviem um formulário de troca de titularidade, você continua sendo o responsável pela conta. E sim, mesmo que você não mor mais lá, a empresa ainda pode cobrar de você. " Então, deixa eu ver se entendi direito.
Falei andando de um lado pro outro na sala. Eles moram lá, usam a energia e eu que tenho que arcar com a bronca. Sinto muito, senhor, ela disse.
E dava para perceber que ela realmente estava tentando ajudar. Acontece mais do que você imagina. Desliguei com o coração acelerado.
Eu não tava com raiva, mas estava em choque. Eu fui embora. Fiquei na minha, mas agora eles estavam me puxando de volta por causa de uma única coisa que eu esqueci de cortar, o rastro no papel.
Então eu fiz o que devia ter feito semanas atrás. Peguei o carro e fui até lá. Não para fazer as pazes, não para conversar.
Fui lá só para resolver a parte prática, cuidar dos negócios. Foi estranho voltar para aquele bairro. Desde o dia que jogaram minha mala escada baixo, eu nunca mais tinha passado por ali.
Minhas mãos estavam suadas quando entrei na garagem. A casa tava igual. A luz da varanda estava acesa mesmo de dia.
Clássico. Meu pai sempre odiou isso. Irônico, né?
Porque aumenta a conta de luz. Caminhei até a porta. Bati de leve.
Nada. Bati de novo. Mais forte.
Finalmente ouvi passos. A porta se abriu. Era minha mãe.
Braços cruzados, olhos semicerrados. Tinha aquela cara de quem já tá esperando alguém que ela não quer ver. O que você quer?
Perguntou seca. Levantei o formulário da Companhia de Energia. Você precisa assinar isso.
Você tá morando aqui usando a energia. A conta agora tem que ser sua responsabilidade. Ela olhou pro papel como se fosse um insulto.
Eu não vou assinar nada até você me explicar porque tá agindo assim. Pronto. Foi aí.
A frustração que eu estava segurando há semanas finalmente explodiu. Tudo subiu no meu peito de uma vez. a raiva, a tristeza, a mágoa, o peso de tudo que nunca foi dito.
Saiu antes de eu pensar duas vezes. Por que eu tô agindo assim? Você me disse que eu era só um hóspede.
Você me mandou embora como se eu fosse um nada. E agora quer que eu assuma a dívida da conta de luz que vocês nem estão pagando? Ela ficou surpresa por um segundo, mas logo recuperou o Tom.
Não distorce as coisas. A gente nunca disse para você sair. Foi você que escolheu e agora tá tentando se vingar, cortar contato, fazer a gente parecer irresponsável pra família.
Não respondi firme. Você me mandou sair. Você disse a vai ficar em outro lugar.
Então eu fui e agora eu tô dizendo. Assume a responsabilidade. Isso não é vingança, isso é consequência.
Estendi o formulário de novo. Ela não pegou. Foi aí que meu pai apareceu no corredor.
Braços cruzados, parado, olhando. Como sempre, Jake? Ele disse.
Ele falou: "Você tá exagerando? Não precisava ter cortado tudo e deixado as coisas mais difíceis do que já estavam. " Eu dei uma risada amarga, curta.
Eu não deixei nada difícil, eu só deixei justo. Quer usar luz, geladeira, Wi-Fi? Então paga.
Isso é vida adulta. Isso é respeito. Minha mãe bufou.
Isso não é só sobre contas. Você tá destruindo essa família. Não falei dando um passo para trás.
Quem quebrou tudo foram vocês naquela noite em que me fizeram sentir como se eu fosse só um inquilino dentro da minha própria casa. Coloquei o papel da conta na porta e me virei para ir embora. Assina ou não assina?
Mas se não assinar, a próxima multa por atraso é problema seu, não meu. Enquanto eu me afastava, ainda ouvi minha mãe me chamando, mas eu não parei, nem olhei para trás. Entrei no carro e fui embora.
coração acelerado, mas me sentindo mais leve a cada quilômetro. E por um tempo eu não soube o que eles iam decidir. Até uma semana depois, recebi um e-mail da companhia de energia.
A transferência de responsabilidade da conta foi confirmada sem mensagem dos meus pais, sem desculpas, sem confirmação, nada, só o silêncio. Mas para ser sincero, o silêncio era tudo que eu queria, ou pelo menos achava que queria. Até a próxima reunião de família, aquela onde tudo que eu tinha deixado para trás resolveu voltar de uma vez.
e dessa vez com um novo alvo. E eu prometi para mim mesmo, não vou mais ficar quieto. A próxima reunião seria o Brante de Páscoa.
Normalmente eu teria pulado. Na real, eu planejava mesmo não ir. Mas aí, um dia antes, recebi uma mensagem da minha prima Sara, totalmente do nada.
Ei, você vem amanhã? Estranho você não estar em nada. Eu fiquei olhando para aquela mensagem um tempão antes de responder.
Respondi estranho tipo, como assim? Sara mandou outra. Sua mãe anda falando umas coisas sobre você, mas também sobre a Zoe.
Zoe, minha prima mais nova, tinha só 19 anos, estava terminando o primeiro ano da faculdade e era provavelmente uma das únicas pessoas da nossa família grande, que nunca me tratou como um caixa eletrônico ambulante. Ela era uma menina doce e quieta, sempre ajudava a limpar a mesa depois do jantar. Quando ninguém mais se mexia para fazer isso, eu perguntei: "Que tipo de coisa?
" A Sara mandou mensagem dizendo que estão tentando jogar a culpa das contas atrasadas na Zoi, falando que ela pegou dinheiro emprestado com eles e nunca pagou, que ela tá passando por aperto financeiro ultimamente. Na hora que eu li isso, meu estômago virou. Fez sentido do jeito mais torto possível.
Eles estavam precisando de um novo bode expiatório, alguém mais jovem, alguém que provavelmente não ia reagir. E a Zoi estava vulnerável. Ela estava pulando de sofá em sofá nas férias de primavera porque os dormitórios estavam fechados e ela não queria voltar para casa.
Eu não respondi na hora, só fiquei olhando paraa tela, fervendo. Eles não tinham aprendido nada, nada do que aconteceu entre a gente, nada das consequências, nada do silêncio que eu dei para eles. Eles não queriam pensar no que fizeram.
Eles só queriam outro alvo. Então eu fui não por obrigação, não por nostalgia. Eu fui porque alguém tinha que ir.
A reunião de família foi na casa dos meus tios esse ano. Um brante no quintal com aquelas mesas de plástico branco, toalhas coloridas em tons pastel, bandejas de frutas do custo, cadeiras dobráveis. Bem aquele clima clássico de reunião de família.
Parecia tudo normal, mas no momento em que desci do carro e entrei no quintal, as conversas baixaram um pouco. Algumas cabeças viraram, os olhos me seguiram. E lá estava ela, minha mãe, blusa passada direitinho, carregando uma bandeja de ovos mexidos, sorrindo como se nada tivesse acontecido, como se eu nunca tivesse ido embora, como se ela nunca tivesse dito que eu não pertencia.
Ela não me cumprimentou, nem acenou, só virou as costas e continuou. Ela colocou a comida como se eu nem estivesse lá, mas eu não tinha ido até ali por causa dela. Vi a Zoi sentada sozinha numa mesa lá no fundo com os fones no ouvido, mexendo no celular.
Ela olhou para cima quando me viu, os olhos ficaram um pouco arregalados. Aí ela deu um oi baixinho, mas sincero. Eu me sentei do lado dela.
Você veio? Ela perguntou. Tá tudo bem com você?
Ela hesitou um pouco, depois deu de ombros. Quer dizer, sim. Tô tentando ficar na minha.
Sua mãe tá meio estranha. Me inclinei mais perto. A Sara me contou.
Falei. O rosto da Zoei ficou tenso. Eles contaram pra tia Dana que eu peguei dinheiro deles.
Falaram que eu tô devendo umas centenas, mas eu nem vejo eles faz meses. Você não deve nada para eles, falei firme. Ela sentiu com a cabeça, mas apertou o maxilar.
Eu sei, mas ninguém nunca fala nada quando eles começam. As pessoas só ficam balançando a cabeça. Até o tio Gory, e ele sabe melhor.
Fiquei sentado ali olhando pro quintal. Meu pai tava na churrasqueira, minha irmã tirando selfies com as crianças, minha mãe servindo suco em copos de papel, como se fosse uma rainha do subúrbio. E todo mundo fingindo que não estava vendo atenção.
Foi aí que eu decidi. Levantei. Vem comigo falei para Zoe.
Você não vai ficar aqui se escondendo enquanto eles te destróem para todo mundo. Confia em mim. Fui direto pra mesa principal, bem onde minha mãe tava arrumando um enfeite.
Ela olhou para cima bem na hora que eu peguei a faca de bolo e bati no prato. Clin, clim clim. Algumas cabeças viraram.
Ei, falei levantando a voz. Desculpa interromper, eu só queria dizer umas palavrinhas. Deu para ouvir um suspiro coletivo passando pelos parentes.
Vi minha mãe congelar no meio do passo. Eu sei que a gente normalmente não faz discurso no brante de Páscoa. Falei com a voz calma, mas clara.
Mas já que tá todo mundo aqui, achei que era uma boa hora para esclarecer umas coisas. Virei e encarei todo mundo alguns meses atrás. Eu me mudei da casa dos meus pais.
Não porque arrumei um emprego em outra cidade, não porque me apaixonei ou achei o apartamento dos meus sonhos. Eu saí porque minha mãe me falou que eu era só uma hóspede naquela casa. Ela jogou minha mala escada abaixo e disse para eu ir ficar em algum lugar onde eu fosse bem-vinda.
Então eu fiquei quieta respeitosamente. Agora o silêncio era real. Dava para sentir no ar.
Mas aparentemente isso não bastou, porque ao invés de assumirem o que fizeram, meus pais começaram a contar para as pessoas que eu abandonei eles, que eu cortei contato, que eu tava punindo eles. O rosto da minha mãe estava vermelho, Jake, isso não é ser mãe. Falei com a voz meio falha.
Você não pode mais controlar a história. Virei um pouco pro lado e fiz sinal para Zoe vir até mim. Ela hesitou, mas se levantou e veio.
Coloquei a mão no ombro dela e agora estão fazendo a mesma coisa com a Zoe, espalhando o boato de que ela deve dinheiro, que ela tá se aproveitando deles, que ela é o problema agora. Olhei ao redor do quintal. Eu não ligo para o que vocês pensam de mim.
Talvez vocês achem que eu sou dramática. Talvez pensem que eu exagerei. Tudo bem, mas a Zoei não merece isso.
Ela não fez nada de errado. E se você é do tipo que escuta esse tipo de história e só concorda sem nem perguntar o outro lado, então talvez você também faça parte do problema. Ninguém disse nada por uns bons 10 segundos.
O quintal parecia uma foto parada. Aí, bem devagar, um dos meus tios murmurou: "Eu não sabia que tinha sido assim. " Outra tia falou: "Ela me contou que você se mudou por causa de um emprego.
Minha mãe parecia que ia explodir. O maxilar dela estava tão travado que eu achei que os dentes iam quebrar. " Jake, esse não é o momento, nenhum lugar.
Ela disse. Engraçado. Eu disse pegando o meu prato.
Porque quando você me expulsou, aquilo também não era a hora nem o lugar, né? Fui até a mesa do bifet, peguei uma fatia de quiche e voltei calmamente paraa mesa, sentando do lado da Zoe, como se nada tivesse acontecido. O resto do Brante foi tranquilo.
Meus pais foram embora mais cedo. Minha irmã nem se despediu, mas Azoi sorriu. E não foi aquele sorriso educado, não.
Foi um sorriso de verdade. Como quem finalmente viu as coisas começando a mudar. Umas semanas depois, ela me mandou mensagem dizendo que conseguiu um emprego numa livraria da cidade e achou um lugar baratinho para morar, dividindo com uma colega.
Ela me agradeceu por ter ficado do lado dela. Eu respondi sempre: "Quanto aos meus pais, a gente não se fala desde então. " Fiquei sabendo por aí que eles finalmente tiveram que aprender a fazer um orçamento de verdade.
Até arrumaram uns bicos, uns trabalhos de meio período. pararam de bancar as vítimas quando perceberam que ninguém mais estava caindo nessa. E eu tô vivendo minha vida não como hóspede, não como peso pros outros, mas como alguém que finalmente decidiu parar de pedir espaço e começar a ocupar.
M.