Eu me chamo Roberta e cresci em uma pequena cidade do interior de Sergipe, cercada por morros suaves, plantações de mandioca e um rio preguiçoso que cortava a paisagem com uma serenidade quase mágica. Eu tinha apenas 10 anos de idade quando meu pai, Augusto, faleceu precocemente, vítima de uma doença que os médicos do posto de saúde do município não conseguiram diagnosticar a tempo. Ele era um homem trabalhador, um agricultor simples, mas muito dedicado à família. Era dele que eu herdara o gosto pelo sol da manhã, o costume de acordar cedo e ouvir o canto dos
pássaros enquanto a cidade ainda dormia. A morte dele deixou um vazio enorme em casa, mas também despertou na minha mãe, Joana, uma determinação ferrenha. Minha mãe era costureira e, desde antes de eu nascer, ela fazia barras, consertava roupas e vestidos de festa para as filhas das vizinhas. Depois da morte do meu pai, o sustento da nossa família dependia unicamente das mãos habilidosas dela. Eu me lembro de passar horas ao lado dela, observando o vai e vem da agulha, o cuidado com cada ponto, a seleção dos tecidos. Entre um pedido e outro, ela sempre me dizia
que, para sobreviver ao mundo, era preciso saber lutar sem perder a doçura. Com o pouco que ganhávamos, minha mãe garantiu que eu continuasse indo à escola, que tivesse material escolar e, apesar de tudo, me ensinou a levantar a cabeça e não me curvar às dificuldades. A cidade em que crescia era muito pequena, quase todos se conheciam. Havia um sentimento de comunidade, mas também havia muito julgamento; qualquer deslize se tornava conversa nos balcões, e as mulheres que criavam filhos sozinhas, como minha mãe, eram muitas vezes olhadas com pena ou desconfiança. Mamãe, no entanto, não se importava
com as línguas afiadas; ela falava pouco e trabalhava muito. Quando consegui ingressar em uma escola técnica na cidade vizinha, que ficava a pouco mais de 2 horas de distância usando o transporte público, minha mãe parecia ver a esperança renascer. Ela sonhava que eu teria uma profissão melhor, não precisaria me esgotar como ela para sobreviver. A vida não era fácil, mas eu havia herdado a força da minha mãe e sua independência. Minha juventude, como o ar cheirando a terra molhada quando chovia e o calor do verão batendo no chão, me encorajava. Eu me lembro de passar
as tardes livres lendo livros velhos da biblioteca comunitária; ali conheci histórias de mulheres fortes, de figuras históricas e de personagens imaginárias que transformavam sua realidade com coragem. Eu queria ser como elas, queria construir uma vida em que eu não dependesse de ninguém, em que minhas escolhas fossem minhas e não impostas pelas circunstâncias. Contudo, naquela época, eu ainda era inocente; acreditava que bastava esforço e honestidade para se conseguir o que quisesse, não pensava na malícia do mundo nem nas armadilhas que a vida colocaria no meu caminho. Ao concluir a escola técnica, fui trabalhar como recepcionista em
uma pequena clínica na cidade. Esse foi meu primeiro emprego fora do ambiente escolar. Eu gostava de ter meu próprio dinheirinho, de poder ajudar minha mãe com as contas e, ao mesmo tempo, juntar algumas economias para um futuro que eu mal conseguia imaginar com clareza. A clínica não era grande, mas recebia pessoas de todos os tipos: lavradores, comerciantes, algumas senhoras da sociedade local e, ocasionalmente, viajantes que passavam pela cidade. Foi lá que, certa tarde, eu conheci Josias. Eu me lembro bem da primeira vez em que o vi entrar pela porta de vidro da clínica. Josias era
um rapaz de sorriso fácil, olhar vivo e cabelo escuro bem penteado. Ele não era da cidade, tinha chegado há pouco tempo e dizia estar envolvido em algum negócio que ninguém compreendia muito bem. Falava de projetos, de oportunidades, de crescimento. Tinha uma fala envolvente, prometia coisas, sonhava alto. No entanto, a princípio, não vi maldade nele; ao contrário, fui cativada pelo seu jeito confiante, por aquele brilho nos olhos que me fazia pensar que ele talvez estivesse vendo ali, naquele canto esquecido do país, um trampolim para um futuro grandioso. Josias não buscava atendimento médico na clínica; ele fazia
visitas ocasionais, conversava com médicos, procurava contatos, parecia estar sempre estudando o terreno para seus planos, mas nunca revelava o que de fato queria. Logo começou a puxar assunto comigo na recepção, perguntava sobre a cidade, sobre meu trabalho, sobre meu passado; descobriu que eu adorava literatura, que gostava de ouvir as histórias das pessoas que vinham à clínica e que tinha o sonho de um dia abrir meu próprio negócio. Ele elogiava minha simplicidade, minha responsabilidade e dizia que eu era diferente das garotas que já conhecera em outros lugares. Fazia-me sentir especial, valorizada. Eu era jovem e idealista,
e o que Josias me dava despertava em mim um misto de curiosidade e encantamento. Nunca havia namorado sério antes; houvera alguns rapazes interessados, mas eu estava sempre focada nos estudos, no trabalho, em ajudar minha mãe. De repente, aquele homem carismático aparecia na minha vida, me tratando como se eu fosse uma joia rara. Não demorou muito para que eu começasse a nutrir sentimentos por ele. Minhas amigas me avisavam, diziam que eu deveria tomar cuidado, mas eu não via motivo para desconfiança. Josias era educado, charmoso, parecia inteligente. De que mais eu precisaria? Minha mãe, no começo, não
se opôs; ela conhecia pouco de Josias, mas não me impediu. Entretanto, meu instinto deveria ter captado algo; havia uma inquietação no fundo do meu peito que me dizia para ir com calma. Contudo, a carência de um lar sem a presença paterna, a vontade de ter alguém com quem dividir planos e sonhos, a necessidade de acreditar que o amor estava finalmente batendo à minha porta, tudo isso me fez deixar as dúvidas de lado. Nosso primeiro encontro foi simples: fomos a uma lanchonete na praça principal da cidade, compramos dois sucos de caju gelados e conversamos sobre o
futuro. Josias disse que tinha grandes ideias, que um dia abriria um negócio próprio, que não gostava da mediocridade e que queria voar alto. Eu escutava seus planos com um misto de admiração e receio, ao mesmo tempo em que sua ambição me impressionava. Eu também me perguntava se haveria espaço para mim naqueles projetos grandiosos. Ele falava do próprio sucesso como se fosse inevitável e me convidava a participar, a sonhar junto com ele. Com o passar das semanas, ele se fez presente em minha vida, enviando mensagens, aparecendo de surpresa na clínica, enchendo-me de elogios. Eu, envolvida, já
começava a pensar que talvez tivesse encontrado meu futuro companheiro. Naquele momento, não conseguia prever os obstáculos que surgiriam adiante. Não imaginava o quanto Josias poderia se tornar uma pessoa diferente daquela que eu conhecia. Naquele tempo, eu o via como um parceiro em potencial, alguém com quem eu poderia caminhar lado a lado. É verdade que, às vezes, ele criticava minhas economias, dizia que eu era muito cautelosa, que deveria investir o dinheiro em algo maior. Eu desculpava esses comentários como apenas um traço da personalidade dele. Achava que o amor poderia superar tudo. Ainda não sabia, mas ali
estava sendo plantada a semente de uma história que, mais tarde, me traria lágrimas, decepções, abandono e, por fim, superação. A Roberta que morava naquela casa simples com sua mãe costureira, que acreditava na força do trabalho e da honestidade, não fazia ideia do tamanho da provação pela qual passaria nos próximos anos. Eu estava prestes a iniciar um capítulo completamente novo que transformaria minha vida de uma forma irreversível. Olhando para trás hoje, compreendo que meu passado e minha infância foram a base que me permitiram sobreviver a tudo o que viria depois. E assim termina a primeira parte
dessa história, uma parte em que minha ingenuidade e minhas raízes eram as sementes de quem eu me tornaria. Não imaginava o que o destino reservava, mas estava pronta para seguir em frente, de cabeça erguida. Eu ainda trabalhava na clínica quando meu relacionamento com Josias ganhou forma de verdade. Nos primeiros meses, nosso namoro foi alimentado por encontros simples: um sorvete na praça, uma caminhada pelo bairro, conversas longas sobre o futuro. Porém, logo percebi que Josias não era muito adepto a programas humildes. Ele queria mais, vivia falando sobre restaurantes em Aracaju, sobre viagens a capitais maiores, sobre
roupas de marca. Dizia que estava cansado da cidade pequena, que queria algo mais sofisticado. Eu, por outro lado, me contentava com as pequenas alegrias que a vida oferecia. Gostava de ler meus livros no quintal, ouvir a risada das vizinhas, sentir o cheiro de café fresco pela manhã. Mas para agradá-lo, eu tentava sonhar junto. Pensava: se ele tem ambição, talvez isso seja bom, talvez isso nos leve adiante. Josias dizia me amar, mas eu sentia, no fundo, uma certa condescendência. Ele me incentivava a querer mais, mas não no sentido genuíno de apoio mútuo; parecia mais que eu
precisava me adaptar ao ideal que ele havia criado para a própria vida, como se eu fosse um acessório na trajetória. Ainda assim, eu, apaixonada, via nele o homem que pudesse me tirar da estagnação, abrir meus horizontes. Minha mãe, no entanto, começou a ficar apreensiva. Ela dizia: "Roberta, vá com calma, conheça bem esse homem." Mas eu, jovem de coração aberto, acreditava que o amor venceria qualquer obstáculo. Com o tempo, Josias começou a fazer pequenas exigências. Dizia que eu guardava dinheiro demais e vivia na mesmice. Sugeriu que investíssemos em um módico de importação de roupas. Eu não
tinha tantos recursos, mas poderia emprestar parte das minhas economias. Ele argumentava que precisava começar em algum lugar. Confesso que me senti desconfortável; eu trabalhava duro para juntar aquele pouco e ele queria arriscar em algo que nem entendia direito. Mesmo assim, minha vontade de agradá-lo falou mais alto e acabei cedendo a certas pressões. Não colocava tudo a perder, mas deixava escapar pouco a pouco meu controle sobre as finanças. Uma vez perguntei a ele: "Josias, qual é o nosso plano real? O que você quer fazer da vida?" Ele respondia com palavras sedutoras, dizendo que tudo daria certo,
que eu precisava confiar nele, que era uma questão de tempo até as coisas engrenarem para mim. A confiança no homem que eu amava deveria ser o alicerce do relacionamento. Se não confiasse nele, em quem mais eu confiaria? Não demorou muito para que começássemos a falar de casamento. Eu imaginava algo simples, uma cerimônia pequena, talvez no quintal da casa da minha mãe, com amigos próximos e uma refeição modesta, porém carregada de significado. Mas Josias queria mais; queria uma festa maior, roupas elegantes, uma casa bonita. Falava em comprar um terreno e construir algo moderno. Aquilo me assustava.
Onde conseguiríamos dinheiro para tudo isso? Ele dizia que, com a ajuda de tios e financiamentos, tudo seria possível, que minha insegurança era fruto da mentalidade pequena da minha cidade. Aquilo me magoava, mas eu não queria brigar; dizia a mim mesma que a convivência exigia concessões, que o amor é um campo de negociação constante. Acabamos nos casando de forma relativamente simples, mas ainda assim gastamos mais do que eu considerava razoável. Eu me endividei um pouco, Josias também, e ao final tivemos uma festa maior do que eu planejava. Lembro-me da felicidade no altar, do sorriso dele, das
palmas dos convidados. Naquele instante, optei por esquecer minhas preocupações e acreditar que, a partir daquele momento, estaríamos unidos em prol de um futuro melhor. Após o casamento, passamos a viver em uma pequena casa alugada, não muito grande, mas razoavelmente aconchegante. Eu continuava trabalhando na clínica e Josias mantinha seus planos nebulosos, sempre em busca de uma oportunidade que não se concretizava. O que me incomodava eram suas críticas cada vez mais frequentes. Ele dizia que eu não me esforçava o suficiente, que nossa vida estava parada. Eu tentava argumentar que tudo era questão de tempo, que nós... Precisávamos
construir aos poucos, mas ele ficava irritado, dizendo que eu não entendia nada de sucesso. Nosso relacionamento começou a dar sinais de desgaste; eu não deixava de amar Josias, mas sentia que a ternura do início estava se perdendo em meio a cobranças e insatisfações. Minha mãe percebia, e mesmo sem dizer nada abertamente, eu via no olhar dela uma preocupação crescente. Eu me sentia presa entre a vontade de manter viva a chama do amor e o desconforto diante de tantas críticas injustas. Ainda assim, me agarrava à certeza de que o amor verdadeiro precisa ser testado, que nenhuma
relação é perfeita desde o primeiro dia e que ambos precisávamos aprender com os desafios. Lembro-me de uma noite em que chegamos a discutir porque eu comprara alguns mantimentos mais baratos no mercado, tentando economizar. Josias ficou irritado, dizia que aquilo era mentalidade de pobreza, que deveríamos nos comportar como pessoas ambiciosas. Aquilo me deixou enfurecida; eu não via problema em ser cautelosa. Afinal, nossa renda não era alta, não tínhamos segurança financeira, mas Josias via isso como um insulto ao seu sonho de prosperidade. Depois da discussão, ele pediu desculpas, mas algo dentro de mim já estava abalado. A
tensão foi crescendo de forma sutil e constante. Eu não queria admitir que havia algo de errado no homem que escolhi para ser meu marido; preferia pensar que eram apenas fases, que com o tempo ele veria o valor da minha contribuição, que finalmente colocaria em prática todos aqueles planos que vivia anunciando. Às vezes, ele me fazia promessas, dizia que quando nosso negócio engrenasse, teríamos uma casa própria, um carro novo, uma vida confortável. Eu queria acreditar nisso, queria que o amor superasse qualquer diferença. Contudo, comecei a perceber que só eu fazia esforço para entender o lado dele,
enquanto ele não demonstrava nenhuma compreensão pelas minhas angústias. Mesmo assim, seguia em frente, determinada a fazer o casamento funcionar. Mantive meu emprego, ajudei como pude nos gastos da casa, tentei evitar discussões. No fundo, eu temia perdê-lo; o pensamento de ser abandonada, de fracassar logo após o casamento, era doloroso demais. Eu me apegava às lembranças dos primeiros meses, aquela época em que ele parecia ser um homem gentil e compreensivo. Eu nutria a esperança de que, assim como os rios que serpenteiam, nossa relação passaria por curvas difíceis, mas encontraria um curso mais tranquilo adiante. Naquele momento, eu
não tinha ideia do quanto a situação se agravaria; não podia imaginar que Josias se afastaria ainda mais, que suas ambições egoístas ofuscariam minha dedicação e que a pessoa que eu amava estava prestes a tomar decisões que destruiriam minha confiança e meu bem-estar emocional. Este capítulo da minha vida foi o início do relacionamento com Josias, um período em que a realidade e as expectativas começavam a divergir, em que minhas economias e meus esforços eram subjugados pelo sonho grandioso, porém oco, de um homem que dizia me amar, mas que, na prática, não me respeitava como eu merecia.
No entanto, ainda restava alguma esperança no meu coração, e eu prosseguia acreditando que o verdadeiro amor é capaz de vencer as dificuldades. Foi durante um período de grandes incertezas que descobri estar grávida. Já sentia alguns sintomas estranhos: enjoo matinal, uma tontura leve, uma sensação de cansaço que não me abandonava. Decidi fazer o teste em segredo, nervosa e ao mesmo tempo esperançosa. Quando o resultado confirmou a gravidez, meu coração se encheu de alegria e medo em igual medida; alegria porque sempre sonhei em ser mãe e formar uma família, medo porque sabia que nossa situação financeira e
emocional não era das melhores. Conteis a Josias numa tarde quente em nossa cozinha simples. Ele estava sentado à mesa, olhando para um caderno cheio de rabiscos sobre planos mirabolantes. Comuniquei a notícia com um sorriso hesitante. Por um breve instante, ele pareceu feliz; abriu um sorriso, me abraçou e disse que tudo mudaria a partir daquele momento. Acreditei de novo que algo bom poderia surgir dessa nova fase; imaginava que teríamos um filho, que isso nos uniria mais, que ele encontraria motivação para estabilizar a vida, lutar por algo concreto. Nos primeiros dias após a notícia, ele se mostrava
solícito, perguntava sobre minha saúde, falava sobre como seria maravilhoso ter uma criança em casa. Mas essa fase durou pouco. Em questão de poucas semanas, percebi um distanciamento. Josias saía mais de casa, dizia estar fechando negócios, desaparecia por horas e voltava sem qualquer novidade concreta. Quando eu tentava conversar sobre o futuro do bebê, ele mudava de assunto, dizia estar preocupado com problemas maiores, que não podíamos nos distrair, argumentava que eu precisava contribuir mais, que eu não podia deixar que as despesas da gravidez recaíssem todas sobre ele. Aquilo me entristecia; eu já trabalhava o máximo que podia,
mesmo passando mal com os enjoos e as tonturas. Certo dia, recebi uma informação devastadora: uma vizinha que também trabalhava no local me chamou de lado e disse ter visto Josias entrando num carro caro, acompanhado de uma mulher bem vestida, bonita e claramente abastada. O nome dela era Laí, uma empresária conhecida na região, dona de algumas lojas e que estava envolvida em projetos empresariais maiores. Meu coração gelou; fui tomada por um misto de ciúme, medo e insegurança. Naquela noite, confrontei Josias; ele negou tudo, disse que eu estava sendo paranoica, que Laí era apenas uma possível parceira
de negócios. A insegurança, entretanto, não me abandonava. Com o passar dos dias, as evidências se tornaram incontestáveis. Ele chegava em casa cada vez mais tarde, às vezes com o perfume feminino impregnado na roupa. Quando falava de Laí, seus olhos brilhavam de um jeito estranho, como se estivesse vendo o reflexo de sua própria ambição. Aos poucos, caiu a máscara do bom marido; ele não se preocupava mais em esconder seu desprezo pelo nosso lar simples, pela minha falta de recursos, pela minha gravidez que, para ele, parecia mais um obstáculo do que uma bênção. Cheguei a chorar diversas
noites sozinha no quarto, segurando minha barriga que começava a despontar. Eu me perguntava o que fizera de errado, o porquê daquilo tudo estar acontecendo comigo. Não queria acreditar que o homem que dizia me amar, que havia prometido um futuro brilhante, agora me desprezava e planejava a própria ascensão ao lado de uma mulher rica. A sensação de traição e humilhação era profunda. Minha mãe, percebendo minha tristeza, tentou me apoiar, mas eu não tinha coragem de contar-lhe toda a verdade; sentia vergonha, fracasso, uma dor que me paralisava. Quando completei quatro meses de gestação, a situação se tornou
insustentável. Josias chegou em casa numa tarde com um semblante duro, quase cruel. Não se preocupou em disfarçar nada; disse que estava indo embora, que Laí o apoiaria em seus projetos, que ele não queria mais perder tempo com alguém sem ambição, alguém que, na visão dele, só sabia segurar o progresso. Tentou culpar a minha mentalidade por nossa estagnação, alegou que a gravidez tinha sido um peso, que não tínhamos recursos para criar um filho e que, portanto, era melhor que eu ficasse sozinha. Eu fiquei imóvel, sem saber o que dizer; a dor daquela rejeição me consumia. Ele
não apenas me abandonava, mas fazia isso de uma forma fria, desumana. Eu, grávida, precisava encarar a realidade de que o homem que eu amava e com quem me casei tinha decidido ir embora por puro interesse, trocando nossa família nascente pela promessa de dinheiro e status. Para piorar, antes de sair, Josias jogou em cima da mesa uma carta e alguns documentos. Na carta, uma despedida curta e cruel; nos documentos, a transferência de todas as dívidas que havíamos contraído juntos para o meu nome. Ele havia feito um jogo sorrateiro, garantindo que eu arcaria com as consequências financeiras
enquanto ele correria atrás de seus sonhos, agora com o apoio de uma mulher rica. Aquilo foi um golpe baixo. Eu estava sozinha, sem recursos, com um bebê crescendo dentro de mim e com dívidas para pagar. Lembro-me de ter gritado, chorado e implorado que ele reconsiderasse. Ele apenas me olhou com desdém e saiu pela porta, fechando-a com um estrondo que ecoou na minha alma. A sensação era de desamparo absoluto. Sentei no chão da sala, abraçando minha barriga, tentando confortar meu filho ainda não nascido com as lágrimas que não paravam de cair. Pensei na minha mãe, na
risa, no esforço que sempre dediquei ao trabalho e honestidade, agora encurralada num beco sem saída, traída pelo homem que escolhera compartilhar a vida. Nos dias que se seguiram, precisei ser forte, não tinha escolha: estava com dívidas, grávida e sem marido. Minha mãe me ajudou como pôde; apesar de ter poucos recursos, fui ao banco, negociei prazos, voltei a trabalhar ainda mais na clínica. Tive que lidar com olhares de pena. Na cidade, as pessoas comentavam, perguntavam discretamente; alguns me julgavam, outros lamentavam. Eu aprendia da pior forma possível que ninguém sofre sozinho; numa cidade pequena, a dor se
espalha como um boato e eu não tinha forças para desmentir ou justificar nada. A gravidez avançava e eu me apegava à vida que crescia em mim. Aquela criança seria minha luz, meu motivo para não desistir. Com o tempo, minha mãe descobriu toda a verdade. Ela não me culpou, não me repreendeu; apenas me consolou, dizendo que precisávamos seguir em frente, que a dor passaria, que eu era forte como ela, que carregava no sangue a força das mulheres que lutam e vencem. E era isso que eu tentava acreditar: que, apesar da traição, apesar do abandono, eu conseguiria
me reerguer. De alguma forma, eu reconstruiria minha vida para que meu filho ou filha tivesse um futuro digno. Esse foi o período mais escuro da minha vida. Olhando para trás, vejo que cada lágrima derramada, cada humilhação, cada conta atrasada, cada dor na coluna por causa da gravidez, tudo isso moldou o meu espírito. Eu estava ferida, mas não morta; a semente da força já estava dentro de mim e, embora eu não tivesse consciência plena disso naquele momento, essa força iria se manifestar no tempo certo. Depois que Josias me abandonou, senti que o mundo desabava sobre a
minha cabeça, mas não tive escolha a não ser me reerguer. Minha filha Clara nasceu em meio a dívidas e incertezas, mas também em meio a um amor incondicional que brotou do meu peito ao segurá-la nos braços pela primeira vez. No momento em que Clara chorou ao sair do meu ventre, eu soube que minha vida teria um novo propósito: cuidar dessa criança, protegê-la de todo o mal e, acima de tudo, oferecer-lhe a chance de um futuro melhor. Para isso, precisei trabalhar muito; continuei na clínica, mesmo cansada, conciliando as tarefas de casa com o serviço de recepcionista.
Minha mãe ajudava a cuidar da bebê quando eu não podia. Aos poucos, fui quitando as dívidas que Josias deixara; não podia gastar além do necessário. Minha rotina era exaustiva: acordava muito cedo, preparava algo rápido para comer, deixava Clara aos cuidados da minha mãe, pegava o transporte e seguia para a clínica. Lá, trabalhava o dia todo e, no fim da tarde, retornava para casa. As consultas médicas da minha filha eram um investimento necessário e eu contava cada moeda antes de pagar. Era uma vida dura, mas ao mesmo tempo repleta de um amor que eu jamais experimentara
antes. Clara era minha motivação. Sempre que me sentia desanimada, lembrava do sorriso banguela da minha menina, do jeito como ela agitava os bracinhos quando eu chegava perto, da esperança que ela representava. Eu não podia me entregar ao desespero. Se Josias, que tanto prometera, não estava ao meu lado, que assim fosse; eu teria que ser pai e mãe, protetora e provedora, tudo ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo em que me doía pensar no futuro incerto, eu também sentia uma determinação crescer dentro de mim, algo que me lembrava minha mãe, Joana, costurando madrugada adentro. Para sustentar a
família depois da morte do meu pai, com o tempo minha força foi sendo reconhecida. Minha chefia na clínica via o meu esforço e, sabendo da minha situação, começou a me apoiar. Não podiam me dar um salário muito maior, mas facilitaram meus horários quando necessário, e isso já ajudava. As vizinhas, também percebendo meu empenho, ofereciam ajuda esporádica, seja com pequenos favores, seja com algum conselho. Eu absorvia cada gesto de solidariedade e o transformava em coragem. Quando Clara já estava um pouco maior, resolvi que precisava dar um passo além. Eu era recepcionista, mas também tinha aprendido com
minha mãe algumas habilidades na costura. Pensei: por que não tentar algo por conta própria nos horários de folga? Assim, nos finais de semana e à noite, depois que Clara dormia, eu pegava uma máquina de costura antiga que pertencia à minha mãe e começava a fazer pequenos consertos de roupas para as vizinhas; algumas barras de calça, ajustes em vestidos. Era um trabalho simples, mas pagava bastante para que eu começasse a juntar um dinheirinho, ainda que pouco. Aos poucos, fui pegando gosto. Lembrava das lições da minha mãe, do cuidado com as linhas, do tipo de ponto, da
atenção com os tecidos. Sentia um prazer em ver uma peça de roupa ganhar vida novamente sob meus cuidados. Essa atividade paralela crescia devagar, mas eu tinha paciência; uma cliente satisfeita indicava outra, e assim minha reputação como costureira amadora foi se espalhando. Comecei a sonhar em um dia ter meu próprio ateliê, ainda que fosse algo pequeno e simples. Esse sonho me dava forças, iluminava meu caminho em meio às dificuldades financeiras. Adquiri mais confiança em mim mesma; o sentimento de humilhação que acompanhei ao ser abandonada foi dando lugar à certeza de que eu não precisava de ninguém
que não me valorizasse. Eu era capaz de lutar por mim mesma e pela minha filha. Cada conta paga, cada mês que passava sem atrasar aluguel, cada pequeno lucro obtido com a costura, tudo isso era uma vitória pessoal. Se antes Josias criticava minha mentalidade, agora eu entendia que o que ele chamava de mentalidade pobre era, na verdade, responsabilidade, pés no chão e dignidade. Quando as finanças se estabilizaram um pouco, decidi poupar o máximo possível, reduzi gastos, eliminei supérfluos e fiz sacrifícios. Enquanto isso, Clara crescia saudável, aprendia suas primeiras palavras, começava a engatinhar e, depois, a andar,
iluminando a casa com sua presença alegre. Eu conversava muito com ela, mesmo antes de ela entender tudo, dizia-lhe que a vida não era fácil, mas que o amor de mamãe era suficiente para enfrentar qualquer desafio. Prometi a mim mesma que um dia conseguiria oferecer a ela não apenas o mínimo necessário, mas também oportunidades melhores. Um ano se passou, depois dois; com esforço e disciplina consegui juntar um dinheiro suficiente para dar entrada em uma pequena casa. Era simples, duas peças, um quintal modesto, mas era um lugar para chamar de meu. Fui ao banco, negociei condições, pedi
conselhos a pessoas mais experientes e, com a ajuda da minha mãe, comprei a casa. Não era um palacete, não era luxuosa, mas era minha. A sensação de ter um lar próprio, conquistado com minhas próprias mãos, era indescritível. Aquela casa seria o refúgio meu e da minha filha, não dependeríamos de favores de marido nenhum, muito menos de alguém que nos abandonou. A partir desse momento, senti que uma nova fase começava. Eu não era mais a mulher insegura e assustada que estava no chão da sala após ser abandonada. Era mãe, profissionalizada e uma empreendedora em potência. A
vida, ao me dar teto próprio, já significava uma vitória contra todas as dificuldades impostas pelo destino. Nesse período, Clara começava a compreender o mundo ao seu redor, falava palavras desconexas, ria de maneira contagiante, agarrou minhas pernas pedindo colo. Sua presença era um lembrete constante de que eu não poderia falhar; era minha obrigação garantir que ela crescesse em um ambiente sem a sombra da escassez que tanto nos ameaçava. Eu via aimes do futuro uma mulher forte, independente, que aprendera a transformar a dor em fonte de coragem. Não foi fácil, mas um dia eu me vi estudando
a possibilidade de abrir meu próprio ateliê de costura. Pouco a pouco a ideia foi amadurecendo; o que antes era apenas um bico para ganhar uns trocados estava se tornando um ofício no qual eu depositava minha criatividade e meu empenho. Sabia que para abrir um ateliê eu precisaria de um espaço maior, de materiais melhores e de clientes fixos; precisaria também divulgar meu trabalho de maneira mais profissional. Eram muitos desafios, mas não me intimidavam; depois do que vivi, nada parecia impossível. Se o abandono de Josias havia me devastado, agora eu via que também me empurrara para encontrar
minha verdadeira força. Aprendi a não confiar cegamente em promessas vazias, a valorizar meu esforço e a construir com minhas próprias mãos um caminho sólido. Aquela Roberta ingênua e sonhadora havia amadurecido; meu passado humilde, a morte do meu pai, o trabalho árduo da minha mãe, tudo isso estava enraizado em mim. E agora, carregando minha filha nos braços, eu estava prestes a dar um novo salto, a construir a base de um futuro mais próspero e independente. Essa parte da minha jornada foi marcada pela dor, mas também pelo renascimento. Com a casa comprada e a vontade de crescer
profissionalmente, eu sentia que estava pronta para dar o próximo passo. Seguiria lutando, passo a passo, costurando não apenas tecidos, mas também os retalhos da minha vida; costurando amor, trabalho e dignidade numa colcha firme e bonita que protegeria a mim e a minha filha do frio da incerteza. Com o passar do tempo, meu pequeno ateliê de costura tornou-se realidade. Comprei uma mesa maior, uma máquina de costura mais moderna, alguns rolos de tecido e linhas de boa qualidade. O espaço, inicialmente improvisado em um quarto vago da casa que adquiri, foi sendo organizado com cuidado. Instalei prateleiras, coloquei
luminárias melhores. Cuidei da decoração para criar um ambiente acolhedor. A princípio, atendia apenas clientes conhecidas: vizinhas, colegas de trabalho da clínica, algumas amigas da minha mãe. Mas a fama do meu trabalho honesto e bem feito se espalhou pela região. Com os primeiros lucros, consegui quitar a casa mais rápido do que imaginava. Cada prestação paga era uma vitória comemorada internamente; lembrava-me de quando Josias se fora, deixando-me dívidas. Agora, minha casa estava quitada, meu nome limpo, e a sensação de independência financeira era quase doce. Já não precisava trabalhar na clínica tanto quanto antes, embora ainda mantivesse algumas
horas lá para garantir uma renda fixa. O ateliê, porém, crescia. Passei a receber encomendas maiores: vestidos para festas, uniformes escolares, fantasias para eventos locais. A cada cliente satisfeita, meu nome ganhava mais força. Clara, agora crescida, corria pelo quintal enquanto eu trabalhava. Às vezes, vinha até mim com um brinquedo na mão, pedindo atenção, e eu parava, acariciava seu cabelo e explicava que, para conquistarmos um futuro melhor, eu precisava trabalhar duro. Ela não entendia tudo, mas sentia o amor em cada gesto meu. Conforme os meses passavam, vi que eu poderia, em breve, ampliar ainda mais meu ateliê;
talvez alugar um ponto comercial na rua principal da cidade, contratar uma ajudante, diversificar meus serviços. Nesse meio tempo, quase não havia notícias de Josias. Ouvia boatos; diziam que ele fora abandonado por Laí, que sua tentativa de ascender socialmente fracassara. Alguns diziam que ele andava endividado, tentando retomar projetos que nunca chegavam a lugar nenhum. Eu não procurava saber muito, pois sua presença na minha memória ainda era dolorosa. Apesar de eu estar muito mais forte agora, não valia a pena perder tempo remoendo o passado. Minha vida estava seguindo adiante, Clara estava saudável e feliz, e isso era
tudo o que importava. Minha postura diante do mundo havia mudado; eu não me desculpava mais por ser cautelosa com o dinheiro, não sentia vergonha de lutar por cada centavo. Entendi que responsabilidade financeira e honestidade não eram defeitos, mas qualidades que me mantinham firme num mundo cheio de armadilhas. A cada final de mês, quando fechava o caixa do ateliê e via que havia lucro, sorria com satisfação; aquela era a minha conquista, fruto do meu esforço, sem depender de ninguém. Com a casa em meu nome, eu podia dizer com orgulho que não temia mais perder o teto
sobre minha cabeça. Se Josias um dia retornasse, não encontraria mais aquela jovem insegura e apaixonada, mas sim uma mulher madura que aprendera a se virar sozinha. Minha mãe, embora jamais idosa, continuava a me dar conselhos e apoio moral, torcendo para que eu continuasse crescendo. Ela não precisava mais trabalhar tanto; eu podia ajudá-la financeiramente. Foi um alívio poder proporcionar isso a ela, após tudo o que fizera por mim. A cidade pequena onde cresci passou a me enxergar de outra forma. Antes, havia boatos e pena da pobre moça abandonada pelo marido; agora, havia respeito e admiração. As
pessoas comentavam sobre minha determinação, sobre como eu conseguira dar a volta por cima. Não vou negar: sentir esse respeito era reconfortante. Não que eu vivesse em função da opinião alheia, mas saber que minha luta não passava despercebida aquecia meu coração. Quando decidi ampliar o ateliê, fiz um empréstimo calculado, com juros baixos, conversando com o gerente do banco que reconhecia minha evolução financeira. Aluguei um ponto na rua principal, uma pequena loja com vitrine e espaço para expor minhas criações. Contratei uma ajudante, Ana, uma moça jovem que estava aprendendo o ofício. Eu a ensinava, transmitia o que
sabia, e juntas oferecíamos um serviço ainda mais completo. O movimento aumentou; passei a ter agendas lotadas em épocas festivas, e as encomendas de roupas personalizadas começaram a surgir com frequência. Ela não reconhecia o homem; afinal, era muito pequena quando ele fora embora, e eu jamais exibi fotos ou referências a ele. Josias, percebendo minha frieza, tentou mudar de estratégia. “Roberta, escute! Eu cometi um erro, mas quero consertar as coisas. Podemos conversar em particular?” Respirei fundo. Tanta audácia me deixava indignada. Ainda assim, pedi a Clara que fosse até a cozinha buscar sua bola, apenas para afastá-la momentaneamente.
Então, sem rodeios, questionei: “O que você quer, Josias?” Ele fingiu surpresa: “Ora, eu sou seu marido! Não posso querer apenas conversar?” Ri amargamente. “Marido? Você me abandonou grávida! Sumiu por três anos, me deixou com dívidas. Agora volta dizendo que é meu marido? Você não é nada meu!” Ele ergueu as sobrancelhas, como se não esperasse aquela reação. Talvez tivesse imaginado que me encontraria ainda frágil, submissa, pronta para implorar seu retorno. “Roberta, eu sei que errei, mas veja, as circunstâncias mudaram. Eu tenho algumas opções de negócio agora. Pensei que poderíamos nos entender. Afinal, essa casa, este ateliê,
tudo isso não estaria tão organizado se eu não tivesse te dado aquele empurrãozinho lá atrás.” As palavras dele me deram vontade de gargalhar. “Empurrãozinho? Você me deixou à beira do abismo, Josias. Eu me levantei sozinha, sem sua ajuda!” Ele pareceu incomodado com a minha firmeza; sem se deixar abalar, tentou outro ângulo. “Escute, estou disposto a recomeçar nossa relação. Vamos fazer o seguinte: eu fico aqui na casa, continuamos casados. Mas preciso que você entenda, tenho outros compromissos também. A Laí ainda não saiu totalmente do meu caminho, mas preciso de um lugar seguro, um lar, e você
pode proporcionar isso. Em troca, posso te ajudar nos negócios, ser seu parceiro, e claro, podemos retomar nossa intimidade! Não necessariamente como marido e mulher, mas você poderia ser minha amante, entendeu?” Aquelas palavras foram um tapa na minha cara: me oferecer o papel de amante dentro da minha própria casa, como se eu fosse um objeto descartável. Meu sangue ferveu, mas mantive a postura. Olhei fundo nos olhos dele e percebi o quanto estava despreparado para a mulher que me tornei. Ele achava que eu ainda era jovem, ingênua, que acreditava em promessas vazias. Que eu ansiava por sua
aprovação, seu falso carinho. Calmamente, respondi: "Josias, você acha mesmo que pode aparecer aqui e fazer exigências? A casa, o ateliê, tudo está em meu nome. Eu conquistei tudo sozinha, eu não preciso de você." Ele abriu um sorriso descrente. "Deve haver algum engano. Quando compramos a casa, eu era o homem da relação. Com certeza, meu nome está nos documentos." Levantei o queixo e abri uma gaveta ao lado, retirando uma pasta de documentos. "Não há engano. Quer conferir?" Ele pegou os papéis, ainda convencido de que encontraria seu nome ali. Ao folheá-lo, seu sorriso foi murchando. Finalmente, seus
olhos revelaram surpresa e medo. "Não, não pode ser. Onde está meu nome? Como isso é possível?" Aproveitei o momento: "Quando você me abandonou, levou consigo a dívida, mas não a casa, que comprei depois com meu esforço. A propriedade é minha, Josias, e você não tem direito a nada." O silêncio dele foi ensurdecedor. O homem que entrou se achando dono do meu lar agora tremia, com os documentos nas mãos, perplexo diante da realidade. Mas ele tentou argumentar: "Como você conseguiu tudo isso sozinha?" Sorri, serena: "Com trabalho, honestidade, esforço, tudo aquilo que você desprezou. Enquanto você corria
atrás de promessas vazias, eu lutei por mim e pela nossa filha." Ele olhou em direção à porta da cozinha, onde Clara espiava timidamente. "Nossa filha", repetiu, em um tom entre espanto e arrependimento. "Sim, Clara era dele também, mas não tinha a menor afinidade com aquele homem. Ela cresceu sem pai, sem a figura dele, e foi feliz assim." "A Clara é minha filha, e você a abandonou, não a reconheceu, não contribuiu, não ligou nem para saber se ela estava bem." Josias deixou a pasta de documentos cair sobre a bancada. Sem argumentos, tentou se recompor: "Roberta, eu
voltei porque achei que poderíamos ter uma parceria vantajosa, mas vejo que você me enganou." Ri novamente: "Enganei você? Não fui eu que menti ou abandonei ninguém. Você que criou uma fantasia na cabeça e agora vê que não tem controle sobre mim." Ele deu meia volta, contrariado. Ainda tentando manter a pose: "Vou voltar e quero ter meus direitos." "Você não pode simplesmente me excluir da sua vida. Ainda somos casados no papel." Essa ameaça não me abalou. "Vá em frente, procure o que quiser. Tenho advogados, tenho provas do seu abandono. Se insistir, posso denunciá-lo por abandono material
e você terá de pagar pensão, além de responder judicialmente pelos seus atos. Você quer mesmo seguir por esse caminho?" A expressão dele deixou claro que estava diante de uma mulher muito diferente daquela que conhecera no passado. Percebeu que suas ameaças não surtiam efeito, gaguejou algo incompreensível, deu um passo para trás e, com o rabo entre as pernas, saiu do ateliê sem se despedir. A porta se fechou com um baque seco. O Sininho soou novamente, desta vez anunciando a partida de um intruso indesejado. Fiquei ali parada, olhando para a porta fechada, sentindo um misto de raiva,
alívio e triunfo. Clara se aproximou, segurando minha mão. Seu cabelo não disse nada a ela, apenas sorri. Entendi que, apesar de toda a dor do passado, eu estava num patamar diferente. Josias não tinha mais poder sobre mim: minha casa, minha independência, minha força, tudo era fruto do meu próprio suor. Ele reapareceu acreditando ser o dono do lugar, exigindo que eu me tornasse amante, mas enfrentou a verdade nua e crua: eu era dona de mim mesma. Eu sabia que Josias não desistiria tão facilmente; não era da sua natureza aceitar uma derrota sem tentar inverter o jogo.
Então, após aquele embate no ateliê, preparei-me para o que poderia acontecer. Continuei trabalhando normalmente, cuidando de Clara, mantendo minha rotina. Alguns dias se passaram sem sinal dele. Pensei que talvez tivesse entendido o recado e preferido sumir de novo. Mas, uma manhã, minha suspeita se confirmou: Josias apareceu na casa, batendo a porta com insistência. Abri a porta e o encontrei ali, de braços cruzados, com o cenho franzido. Ele tentou parecer calmo, mas a raiva era visível. "Roberta, precisamos conversar", disse ele, como se tivesse alguma autoridade. Eu o encarei, cansada desse jogo. "Não há mais o que
conversar, Josias. Você já viu os documentos, já sabe que não tem direito a nada. A casa é minha, o ateliê é meu, minha vida não lhe pertence." Ele tentou se impor: "Escute, você não pode negar que sou seu marido. Ainda somos casados no papel." "Isso significa que tenho direitos?" Revirei os olhos. "Você sabe muito bem que me abandonou, que transferiu dívidas para meu nome e ainda me deixou grávida e sozinha. Quer mesmo entrar nessa briga judicial? Eu tenho provas, testemunhas, tudo que preciso para te derrotar no tribunal." O rosto dele se contraiu numa careta de
raiva. "Você acha que pode me humilhar assim? Eu, Josias, vou exigir a parte que me cabe!" "Você não construiu nada disso sozinha." Seu tom era acusatório, mas eu não me abalei. Eu sabia de onde vieram meus recursos, como batalhei por cada conquista. "Tente, respondi. Procure um advogado e tente. Só não esqueça que sua ausência por três anos, sua infidelidade e o abandono da sua filha pesam contra você." Ele silenciou por um momento, respirando ofegante. Talvez estivesse pensando em estratégias, tentando achar uma brecha. Então, apontou para dentro da casa e tentou apelar para o sentimentalismo: "Você
não sente nada por mim, Roberta? Não se lembra de como sonhávamos em ter uma vida melhor? Eu poderia te ajudar agora, tenho contatos. Você pode se beneficiar da minha influência." Essas palavras me deram vontade de rir: influência? Que influência poderia ter um homem que havia falido moralmente e financeiramente, queimando pontes atrás de pontes? Mantive a serenidade. "Josias, a única coisa que você me deu foram lições valiosas: nunca depender de alguém sem caráter e jamais esquecer de manter meus próprios pés no chão. Não há nada que você possa me..." Oferecer: saia daqui antes que eu chame
a polícia! Ele recuou, não esperava a menção de autoridade, tentou mais uma manobra e a Clara... Ela é minha filha, tem o direito de vê-la! Respirei fundo. Tem mesmo? Onde estava você quando ela nasceu? Quando precisou de médico? Quando precisava de fraldas e leite? Agora aparece dizendo que tem direitos? Você sequer tentou conhecê-la antes! Não a confunda, ela não te deve nada! Ele olhou ao redor, analisando a casa, as janelas, o quintal. A verdade era amarga para ele: tudo ao seu redor estava no meu nome, não havia brecha para reivindicar posse. Enquanto ele absorvia isso,
lembrei da sensação ao jogar os documentos na cara dele no ateliê, ver o choque em seus olhos, a perplexidade, o desmoronamento daquela falsa segurança. Foi libertador. Por muito tempo, vivi me sentindo presa à sombra dele, subestimada, humilhada. Agora era Josias quem tremia diante dos fatos. — Você fez tudo isso para me punir, não é? — soltou ele, amargando a impotência. — Não fiz nada para te punir, Josias. Eu apenas segui minha vida! Você me deixou com dívidas e eu trabalhei para pagá-las. Comprei esta casa e montei meu negócio, tudo legítimo, honesto. Se isso te incomoda,
o problema é seu. Não fiz isso contra você, fiz por mim e pela nossa filha! Ele bateu a mão na porta, irritado. — Você vai se arrepender, Roberta! Vou descobrir uma forma de ter o que é meu de volta! Mantive-me firme. — Não há nada seu aqui e, se continuar me ameaçando, vou à delegacia. Agora, vai embora! Seu olhar era de ódio e impotência. Por um instante, achei que ele faria algo violento, mas ao meu lado havia um celular e eu já estava pronta para chamar ajuda. Vivemos em uma comunidade e vários vizinhos me respeitavam.
Se ele tentasse algo, não demoraria para que alguém intervisse. Finalmente, ele deu passos para trás, bufando. — Ainda nos veremos, Roberta! Isso não acabou! Virou as costas, descendo a calçada, murmurando insultos que eu não pude ouvir claramente. Fechei a porta sentindo meu coração acelerar, não que eu tivesse medo dele, mas o confronto sempre é estressante. Clara se aproximou, segurando um boneco de pano. — Quem era aquele homem? Abaixei para ficar na altura dela. — Um conhecido do passado, minha filha. Não se preocupe, ele não vai nos machucar. Os dias seguintes foram tensos, mas nada aconteceu.
Josias sumiu, talvez procurando advogados, talvez tentando juntar documentos que não existiam. Não me intimidei; procurei orientação legal apenas para me prevenir. Um advogado da cidade me garantiu que, diante das evidências do abandono, da ausência de investimentos dele no imóvel, das dívidas transferidas, ele não tinha base legal para reivindicar nada. Além disso, se tentasse algo na justiça, eu poderia exigir pensão atrasada, o que o colocaria em uma posição ainda pior. A imagem de Josias, chocado ao descobrir que a casa estava em meu nome, era quase cômica se não fosse trágica. Ele voltara achando que poderia me
manipular, exigir favores, talvez me forçar a algum tipo de relação humilhante. Encontrou uma mulher diferente, independente, orgulhosa, dona do próprio destino. A humilhação que sentia ao ser abandonada anos atrás agora era dele; ele experimentava o gosto amargo de não ter nenhum poder sobre mim. Essa vitória moral não apaga as dores do passado, mas traz um alívio enorme. Olhar nos olhos dele e dizer "não" sem hesitação foi uma catarse, uma prova de que me reconstruí por inteiro. Nada nem ninguém poderia mais me fazer abaixar a cabeça. Ele era apenas um capítulo superado de um livro que
seguiu adiante. Ainda assim, eu precisava ser cuidadosa. Homens como Josias não aceitam a derrota facilmente, mas se ele tentasse algo, enfrentaria a lei, enfrentaria minha determinação e o apoio da comunidade. Não estava mais sozinha, não era mais frágil. Quando joguei os documentos da propriedade na cara dele e vi o choque percorrer seu rosto, tive certeza de que ele compreendeu isso. O jogo havia virado completamente. Apesar da vitória moral sobre Josias, eu sabia que não podia baixar a guarda; ele era imprevisível. E, após vê-lo chocado e furioso, imaginei que poderia tentar algum artifício para me prejudicar.
Por isso, tomei algumas providências para proteger a mim e a Clara. Além de consultar um advogado, busquei orientação sobre quais medidas poderia tomar caso ele insistisse em infernizar minha vida. Recebi conselhos sobre como registrar ocorrências, guardar mensagens, documentar qualquer tentativa de ameaça. Ouvindo os conselhos do advogado, entendi que tinha elementos para processar Josias por abandono material. Caso ele tentasse aparecer novamente exigindo algo, eu poderia reivindicar pensão atrasada para Clara, o que certamente o colocaria contra a parede. Pensei em fazer isso preventivamente, mas decidi esperar. Caso ele insistisse, partiria para o ataque legal. Por enquanto, o
melhor era manter a calma. Conversei com minha mãe e contei tudo a ela. Minha mãe já sabia da volta de Josias, mas entender a profundidade da situação a deixou indignada. — Ele não pode continuar te importunando, Roberta! Você agora tem sua vida estabelecida. Não deixe que ele roube sua paz! Concordei. Minha mãe sugeriu que eu não deveria hesitar em acionar a justiça se ele insistisse. Ela lembrava bem dos meus sofrimentos, dos choros no quarto, da humilhação de ser abandonada grávida. Agora éramos duas mulheres mais sábias e preparadas. Decidi tomar uma atitude firme. Entrei em contato
com um advogado de confiança, apresentei todos os documentos que provavam a propriedade da casa e do ateliê, além das dívidas pagas em meu nome. Ele analisou a possibilidade de uma ação preventiva para garantir que Josias não tivesse direito a nada. Eu poderia, inclusive, requerer judicialmente a dissolução do casamento e, se quisesse, processá-lo pelo abandono. O advogado recomendou prudência, mas disse que era uma boa ideia ter tudo preparado. Fiquei mais tranquila; depois de tomar essas precauções, sabia que legalmente estava protegida. Também tinha o apoio da comunidade. Meus vizinhos sabiam quem eu era, conheciam minha história e
se... necessário serviriam de testemunhas. Além disso, o crescimento do meu ateliê trouxe uma certa visibilidade positiva; eu não era mais a jovem tímida e desconhecida, era uma empreendedora, uma mãe esforçada, uma cidadã respeitada. Isso contava muito numa cidade pequena. Para reforçar minha posição, também tive uma conversa séria com Clara. Na medida do que uma criança poderia entender, expliquei que aquele homem era seu pai biológico, mas que não estivera presente em sua vida e que, se ele aparecesse, não deveria acreditar em promessas. Disse que a mamãe cuidaria dela, que não precisávamos ter medo. Clara não compreendia
a complexidade, mas entendia que eu estava ali por ela, protegendo-a. Isso a deixava segura. O plano era simples: se Josias tentasse algum tipo de aproximação para tumultuar nossa rotina, eu o colocaria contra a parede. Legalmente, teria o apoio do advogado, a possibilidade de exigir a pensão atrasada, e se ele insistisse em entrar na Justiça para reivindicar algo que não lhe pertencia, acabaria se complicando. O ateliê e meus contatos estavam parando de eventos locais, desfiles, fornecendo uniformes para essa comunidade. Falei também sobre minha própria postura: não queria viver paranoica, olhando por cima do ombro; precisava lembrar
que eu havia evoluído muito. Não era mais a vítima. Em defesa, confiava em mim mesma, na minha capacidade de reação. Se no passado eu chorei sozinha no chão da sala, agora eu tinha um ateliê, uma casa, recursos e amigos. Estava muito melhor preparada para enfrentar qualquer tempestade que viesse. Além disso, decidi me informar sobre serviços de proteção à mulher em situação de ameaça. Entrei em contato com grupos da comunidade e recebi orientações sobre como proceder se Josias adotasse postura agressiva. Era uma forma de precaução. Felizmente, até o momento, ele apenas resmungou e desapareceu novamente. Talvez
tivesse percebido que o terreno era desfavorável a ele. Também considerava que a melhor arma contra Josias era a calma. Ele esperava, talvez, me ver nervosa, assustada, que me deixasse em paz. Ao contrário, me mantive serena, segura dos meus direitos. A certeza de estar agindo corretamente, de não dever nada a ele, me trazia tranquilidade. Eu construí minha vida com honestidade, não tinha nada a temer. Para Clara, a vida seguia normal: a escola, as brincadeiras, as pequenas conquistas da infância. Eu a observava e pensava que tudo aquilo era resultado do meu esforço. A presença de Josias, outrora
tão marcante, agora era apenas um ruído de fundo, algo distante que não afetava nosso dia a dia. Ele queria abalar minha confiança, mas não conseguiria, não mais. Se necessário, eu estava disposta a acionar a Justiça, a denunciá-lo. Não deixaria que destruísse nossa paz. A casa no meu nome, os documentos e a prontidão para denunciar qualquer intimidação deixavam claro que eu tinha um plano. O plano era simples: não permitir a interferência dele na minha vida. Caso Josias tentasse algo, enfrentaria consequências legais, sociais e emocionais. Ele não teria folga. A partir desse ponto, a bola estava no
campo dele. Eu vivia minha rotina, cuidava do ateliê, atendia clientes, brincava com Clara e conversava com minha mãe, consciente de ter feito a lição de casa, de ter levantado as barreiras legais e emocionais necessárias. Eu aguardava. A cada dia que passava sem nenhum contato de Josias, minha confiança crescia. Talvez ele tivesse finalmente entendido que não adiantava insistir. Caso contrário, eu estaria pronta para o confronto, não mais de forma passiva, mas com todas as armas que a lei e a minha experiência me conferiam. Como minha mãe costumava dizer: "Quem planta honestidade, colhe respeito". Eu havia plantado
honestidade e trabalho duro. Não precisava temer, esse era meu plano. Minha postura firme não permitiria que Josias arruinasse o que conquistei. Ele que tentasse; eu estava preparada. O tempo passou e a previsão se confirmou: Josias tentou novamente se aproximar. Não foi à força, nem com ameaças diretas, mas usando uma tática diferente. Certa manhã, abri a porta de casa para recolher o tapete que deixara secando e o encontrei parado na calçada, com um olhar que tentava transmitir arrependimento e doçura. Era uma tentativa patética de despertar pena. Eu havia me preparado para isso. Ele se aproximou devagar
e começou a falar, com um tom abatido: "Roberta, eu sei que falei com você. A vida me ensinou lições duras e, olhando para trás, vejo o quanto fui egoísta. Sei que abandonei você e Clara num momento difícil. Estou aqui para pedir perdão, para tentar recuperar o tempo perdido." Os olhos dele brilhavam; talvez fosse fingimento, talvez desespero, não importava. Eu não sentia mais nada por aquele homem. Cruzei os braços, encarando-o com firmeza. "Josias, não há nada a ser recuperado. Você fez uma escolha quando me deixou grávida e endividada. Escolheu outra mulher, outra vida e nos descartou.
Agora, que as coisas não deram certo para você, retorna, esperando misericórdia." Ele abaixou o olhar, tentando parecer humilhado. "Eu errei, Roberta, mas estou arrependido. Quero participar da vida da Clara, quero ser um pai para ela." Minha raiva não era mais explosiva, era calma e direcionada. "Você teve essa chance, Josias, e a descartou sem hesitar. Clara cresceu sem você; agora ela tem uma vida tranquila, feliz, sem a sua presença. Por que acha que pode simplesmente aparecer e tomar para si o título de pai?" Ele tentou argumentar: "Porque é meu direito, sou o pai biológico, posso conviver
com minha filha. Você não pode impedir isso." Naquele momento, Clara apareceu na porta, curiosa, segurando um ursinho de pelúcia. Josias sorriu, tentando parecer acolhedor. Estendi a mão, impedindo que ele se aproximasse. "Clara, entre, por favor." Minha filha obedeceu, visivelmente desconfortável com o desconhecido. Antes de fechar a porta, voltei a encará-lo: "Não tente usar Clara para se aproximar de mim ou do que conquistei. Se quiser seu papel de pai, terá de fazer isso de forma legal e depois de enfrentar o peso das consequências do seu abandono. Você está pronto para pagar anos de pensão atrasada, arcar
com a..." Responsabilidade financeira, emocional e moral. Duvido; ele hesitou, gaguejou, tentou apelar para a emoção. "Roberta, nós dois já fomos apaixonados!" Você não se lembra de como era antes? Suspirei entediada. "Lembro sim, lembro de quando eu acreditava em você, de quando achei que seríamos uma família, mas você destruiu tudo isso. Não! Eu hoje sou uma mulher diferente, que não vive mais de ilusões. Você não faz mais parte dos meus sonhos." Ele levantou a voz, talvez frustrado com minha postura inflexível. "Então vai ser assim? Vai me negar a chance de ser pai, de fazer parte da
vida dela? Onde está seu coração, Roberta?" Ouso dizer que minha compaixão havia se esgotado. "Meu coração está com Clara, com minha mãe, com a vida que construí. Não há espaço para alguém que nos abandonou. Se realmente quiser fazer parte da vida da Clara, procure a justiça; terá de provar muito mais do que palavras e, sinceramente, não acho que você esteja disposto a pagar o preço." Ele bateu o pé no chão, irritado. "Você mudou, Roberta." "Ficou fria, egoísta." Ri, sem humor. "Engraçado ouvir isso de você. Se ser egoísta significa proteger minha filha e minha casa de
um homem que nos abandonou, então sim, sou egoísta. Mas, na verdade, estou apenas sendo realista. Não há nada que você possa me oferecer ou tirar de mim: minha independência, meu ateliê, minha paz. Tudo isso é resultado do meu trabalho; você não participou de nada." Josias tentou mais uma cartada. "Se eu recomeçar devagar, mostrar que mudei, você daria uma chance?" Foi patético. "Chance? Você não entende; não há retorno para o passado. Você não é bem-vindo aqui. Não temos nenhum laço emocional; sua filha não o conhece e não tem culpa da sua ausência. Se quer se aproximar
dela, comece pela justiça: regularize a situação, pague o que deve. Acha que sou boba, que vou permitir a entrada de um homem que, anos atrás, me transformou numa devedora, me deixou sozinha com uma criança no ventre e correu atrás de dinheiro fácil?" Ele fechou as mãos em punho, com raiva. "Então é assim que vai terminar? Você me humilha e me despeja na rua?" O sarcasmo me fez erguer o queixo. "Humilhar? Você mesmo se humilhou ao abandonar sua família. Eu apenas estou seguindo adiante, sem você. Entenda, não precisamos de você; a vida seguiu. Você é um
fantasma do passado, tentando assombrar um lar que não lhe pertence." O desespero tomou conta dele. "Roberta, eu imploro: me deixa entrar, ficar ao menos uma noite? Não tenho onde dormir." Aquilo me cortou brevemente o coração, mas não era minha responsabilidade lidar com as consequências dos atos dele. "Josias, sinto muito, mas não posso ajudá-lo. Você me deixou sozinha, sem um teto garantido, endividada. Agora é você quem não tem onde dormir. Não é irônico? Mas não vou me vingar; apenas não vou facilitar. Você não merece minha ajuda." Ele tentou se aproximar, mas dei um passo atrás, pronta
para gritar, se necessário: "Não se atreva! Se você der mais um passo, chamo os vizinhos. Não pense que estou sozinha." Em poucos segundos, ouvi o ranger de um portão ao lado; o vizinho João estava atento. Josias percebeu que não teria vantagem e deu alguns passos para trás, xingando baixinho. Antes de partir, lançou um último olhar, misto de ódio e frustração. "Você vai se arrepender, Roberta, não agora, mas um dia." Não. Apenas fiquei em silêncio, contemplando a figura patética daquele homem que um dia eu amei. Ele saiu, cabisbaixo, tropeçando na própria prepotência. Fechei a porta e
encontrei Clara me esperando na sala, segurando o ursinho. Acariciei seu rosto. Ela perguntou: "Mamãe, quem era aquele homem?" Respirei fundo. "Alguém que ficou no passado, minha filha. Se preocupe, ele não vai nos atrapalhar." Sentei-me ao lado dela, aproveitando a paz da nossa casa, lembrando de todo o caminho que trilhei para chegar até ali. Agora era definitivo: não havia mais retorno para o passado. Josias fora rejeitado e minha decisão era irrevogável. A partir daquele momento, senti que o capítulo Josias estava finalmente encerrado. Por mais que ele ainda aparecesse esporadicamente em boatos pela cidade, não tinha mais
o poder de me abalar. Minha vida, minha casa, meu ateliê e minha filha seguiam adiante, firmes e seguros. Eu retomara completamente as rédeas do meu destino. Com Josias fora de cena, minha rotina transcorreu com tranquilidade. Clara crescia feliz, demonstrando interesse por artes, desenhando modelos de vestidos para as bonecas; talvez influenciada por minha atividade de costura. Eu a incentivava a explorar seus talentos, a descobrir o mundo ao seu ritmo. O ateliê estava a todo vapor; contratei mais uma ajudante e, com isso, ampliei o horário de funcionamento, atendi mais clientes e até participei de um evento regional
de moda, apresentando algumas peças originais. Fui aplaudida; aquilo simbolizava a consolidação do meu trabalho e do meu nome no mercado local. Além disso, envolvi-me mais com a comunidade; participei de projetos sociais, doando retalhos de tecido para oficinas de artesanato e ensinando meninas jovens a costurar. Queria retribuir o apoio que recebi no passado, quando eu estava fragilizada e a comunidade me estendeu a mão. Ao fazer isso, sentia-me parte de algo maior; entendia que o sucesso não faz sentido se não for compartilhado. Minha mãe acompanhava tudo com orgulho nos olhos; não precisávamos mais viver com dificuldades. Ela
podia descansar, curtir a neta, sentir a brisa fresca do fim da tarde, sem a preocupação de antigamente. Nós duas éramos fruto de gerações de mulheres lutadoras; transformamos dor em força, abandono em independência. Essa era nossa herança, nossa história. Certa tarde, decidi organizar alguns papéis antigos e encontrei a carta que Josias deixara quando me abandonou. Era um documento amarelado, as palavras frias saltando da página: "Não posso continuar com você, Roberta; tenho sonhos maiores." Li aquelas linhas e não senti ódio, apenas indiferença. Eu o perdoara, não por merecer perdão, mas para não carregar rancor no coração. Destruí
a carta. Queimando-a num recipiente de metal no quintal, as cinzas subiram ao céu, levando consigo qualquer resquício de amargura. Clara, curiosa, me perguntou por que eu queimava papel. Expliquei que era algo do passado que não precisávamos guardar. Ela sorriu e disse: "Então agora temos mais espaço para coisas novas, né, mamã?" Ri, abraçando-a. Sim, tínhamos espaço para o novo, para o bom, para o que valia a pena. A lembrança do abandono, o medo e a insegurança ficaram para trás, transformados em lições que me tornaram mais forte. De vez em quando, alguém perguntava sobre Josias: se ele
voltaria, se eu pretendia processá-lo. Eu respondia com serenidade: "Se um dia eu achar necessário, tenho meios legais, mas não vou desperdiçar minha energia com isso. Estou seguindo em frente." Essa era a minha filosofia agora. Não temia mais surpresas desagradáveis. Se algo acontecesse, eu não tinha medo de lutar sozinha. O abandono me obrigou a enfrentar o mundo de cabeça erguida, a desenvolver meu potencial, a construir algo sólido. Agora eu colhia os frutos dessa independência. O ateliê prosperava; a cada estação, eu lançava algumas peças exclusivas, criações minhas, e as clientes adoravam. Ganhei respeito, reconhecimento e segurança financeira.
Minha casa era mais do que um lar; era um símbolo da minha conquista. Clara crescia cercada de amor, sem medo do futuro. Podíamos fazer pequenas viagens nos finais de semana, conhecer lugares, descobrir sabores novos. Há 3 anos, eu mal imaginava chegar até aqui. A vida não era perfeita, é claro, mas eu aprendera a lidar com os desafios com serenidade. O que antes parecia uma tempestade insuportável agora era visto como parte do ciclo da vida. Eu entendia que, se sobrevivera àquele abandono, poderia sobreviver a qualquer coisa. Minha história inspirava outras mulheres da região que passaram por
situações semelhantes. Às vezes, uma cliente confidenciava seu problema doméstico, pedindo conselhos. Eu não era especialista, mas podia oferecer uma palavra de apoio, contar minha experiência e incentivá-la a buscar ajuda. Essa era minha vitória final: transformar a própria dor em fonte de luz para outras mulheres. Não apenas conquistei minha independência, mas também pude influenciar positivamente a comunidade. A força que descobri em mim mesma agora era compartilhada, multiplicada. Assim, eu escrevia um novo capítulo da minha vida, pleno de sentido e esperança. Olhei para o céu estrelado numa noite tranquila e pensei em tudo o que passei. Senti
gratidão, gratidão por ter tido a chance de crescer, por encontrar dentro de mim a coragem para dizer "não", por erguer um lar e um negócio a partir dos escombros do meu passado. Clara dormia no quarto ao lado e eu sabia que no dia seguinte a rotina continuaria: costura, risadas, aprendizado, conquistas. Se Josias aparecesse novamente, não teria nada para ele, apenas a fria formalidade da lei. Mas eu sinceramente esperava que ele entendesse de uma vez por todas: aquele mundo que ele imaginava dominar já não existia. Eu não era mais sua refém. O que aconteceu a seguir,
após mostrar-lhe os documentos em meu nome, foi um longo caminho de libertação. Agora, livre do peso do passado, eu estava pronta para tudo o que a vida oferecesse. Gostou do vídeo? Deixe seu like, se inscreva, ative o sininho e compartilhe. Obrigada por fazer parte da nossa comunidade. Até o próximo vídeo!