Se um dia encontrarmos vida no universo, essa será a pior notícia que a humanidade já recebeu. Era uma noite normal de observação para os astrônomos do Observatório de Radioastronomia de Mullard, em Cambridge, no Reino Unido. A astrônoma responsável por analisar os dados daquela noite, Jocelyn Bell Burnell, notou algo estranho.
Uma das regiões do céu parecia vibrar, aumentando e diminuindo a radiação emitida em intervalos muito precisos, de 1,3373 segundos. A região era pequena, então o que estava sendo observado só poderia ser uma fonte pontual, como uma estrela distante. Diante de um fenômeno ainda desconhecido, Jocelyn anotou as evidências em um pedaço de papel que entraria para a história.
Estrelas eram grandes demais para poderem rotacionar e emitir sinais tão regulares de maneira tão rápida. E mesmo tentando imaginar possíveis origens humanas para aquele sinal, como interferência de outros aparelhos, as evidências apontavam que ele vinha de fora do sistema solar. A fonte dos sinais recebeu o apelido de LGM-1, ou Little Green Man, uma referência à possível origem extraterrestre do sinal.
Mas não demorou muito tempo para que a hipótese extraterrestre para os sinais se mostrasse errada. O que Jocelyn Bell Burnell descobriu naquela noite foi um tipo peculiar de estrela, os pulsares. Não é difícil de imaginar o porquê de a origem extraterrestre para pulsares ter passado pela cabeça de algumas pessoas.
A astronomia avançou muito desde então e hoje nós conseguimos enxergar até o que nós imaginamos serem as primeiras galáxias do universo, formadas apenas algumas centenas de milhões de anos depois do Big Bang. Mas não importa para onde nós olhamos o universo, nós continuamos imersos no que é conhecido como o grande silêncio. Nós vivemos em um universo tão diverso, tão rico em estrelas e planetas, que a vida deveria ser extremamente comum, mas o que nós vemos e ouvimos é justamente o contrário, é o mais puro silêncio, é a falta completa de qualquer evidência de vida fora da terra.
E esse é o Paradoxo de Fermi. Nós vivemos em um universo que deveria estar recheado de vida, mas só encontramos aqui na Terra. Então, onde está todo mundo?
Até onde sabemos hoje, nós estamos sozinhos no Universo. E não é por falta de procura. A busca moderna e científica por evidências de vida fora da Terra já acontece há mais de 40 anos.
Na minha visão pessoal, a existência de vida fora da Terra é uma simples questão de matemática. Nós habitamos um planeta rochoso que existe ao redor de um tipo de estrela bem comum no Universo. Nós podemos inclusive ir até além.
Não existe nada de especial no lugar em que nós estamos no cosmos. Só na nossa galáxia existem até 400 bilhões de estrelas. E pesquisas recentes mostram que é provável que quase todas tenham planetas ao redor.
O que coloca o número estimado de planetas só na nossa galáxia também em pelo menos 400 bilhões. Mas esse número provavelmente é bem maior. Mas eu optei por ser pessimista aqui.
A Terra é só um mundo entre 400 bilhões. Você realmente imagina que nós somos tão especiais a ponto de a vida só ter surgido uma vez na nossa galáxia em um dentre 400 bilhões de mundos possíveis? Se você respondeu que sim, deixa eu tentar te fazer entender melhor o quão grande é um bilhão.
Se você começasse a contar um número por segundo, você demoraria 11 dias e meio para chegar no primeiro milhão. Mas eu recomendo não parar de contar, porque ainda faltam quase 32 anos para você chegar no primeiro bilhão. Ainda assim, mesmo com um número esmagador de mundos possíveis, nós ainda não temos evidências convincentes de que a vida existe fora da Terra.
E hoje eu quero discutir uma das possíveis respostas para o paradoxo de Fermi, o grande filtro. Só antes, eu queria avisar que se você quiser uma camiseta igual a essa que eu uso nos vídeos, você tem 15% de desconto se usar o cupom CIÊNCIA todo dia na loja. É só ser rápido e clicar no link aqui da descrição.
E agora, de volta ao vídeo, o que é o grande filtro? Existem diversas maneiras de explicar o grande filtro, mas a maneira que eu mais gosto é pensar nele como uma espécie de barreira de probabilidade. A ideia central é que existem passos ou acontecimentos ao longo da evolução da vida que são tão raros e improváveis que é por isso que nós não vemos sinais de outra civilização inteligente no universo.
E mais, o grande filtro é uma das únicas respostas ao paradoxo de Fermi em que a humanidade não é vencedora por existir. A razão é que nós não temos como saber onde o próximo filtro está até nós passarmos por ele. Ele ainda pode estar no futuro nos aguardando.
E para entender melhor as consequências de um encontro com um grande filtro, nós precisamos entender o que é um grande filtro. A melhor definição que eu já vi veio de um artigo do filósofo Nick Bostrom, o mesmo que sugeriu a famosa ideia de que a gente vive em uma simulação. De acordo com ele, existem dois critérios que fazem de um evento um bom candidato a grande filtro.
O primeiro critério é que esse evento só pode ter acontecido uma vez durante a história. E para entender essa condição, nós não podemos nos esquecer do nosso objetivo principal, que é encontrar eventos que sejam extremamente improváveis, quase impossíveis. Faz sentido que, se um evento é extremamente improvável, então ele só deveria acontecer uma vez durante a história da evolução da vida.
A fotossíntese, por exemplo, foi a responsável pelo Grande Evento de Oxigenação, que quase acabou com a vida no planeta Terra há 2,4 bilhões de anos, mas que também tornou a nossa atmosfera rica em oxigênio, que no futuro seria uma condição para nós existirmos. Em um primeiro olhar, a fotossíntese pareceria ser um forte candidato a grande filtro, mas ela surgiu independentemente mais de uma vez na história da Terra, embora através de mecanismos diferentes. E é por isso que, usando o primeiro critério, a fotossíntese não é um bom candidato a grande filtro.
Mas e você? Você consegue imaginar algum outro candidato a grande filtro olhando apenas para o primeiro critério? Isso nos leva ao segundo critério, que diz que o evento que nós estamos analisando precisa demorar para acontecer, mesmo que as condições sejam favoráveis.
A ideia aqui é que passar por um grande filtro é tão improvável que nós precisamos de muito tempo, o que significa muitas chances de um evento acontecer para que ele de fato aconteça. E aqui nada melhor do que demonstrar os dois critérios funcionando juntos para ajudar a identificar possíveis grandes filtros durante a história da vida na Terra. E se o primeiro grande filtro de todos foi o próprio surgimento da vida?
Antes de pular para conclusões, nós precisamos de alguns dados. A Terra se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos, e essa idade também coincide com o período em que o sistema solar ficou bem parecido com o que ele é hoje. Cerca de 200 milhões de anos depois, as condições se tornaram favoráveis para que a vida surgisse aqui na Terra, e nós sabemos disso através de registros geológicos.
Mas só 600 milhões de anos depois disso que a vida de fato surgiu no nosso planeta. Só que eu preciso fazer um parênteses importante. Essa estimativa de tempo vai até onde os nossos registros fósseis e marcadores geológicos chegam.
A vida pode ter demorado menos tempo para surgir, mas esse é o máximo de ir para trás no tempo que nós conseguimos chegar. Sabendo disso, o que nós podemos dizer quanto ao surgimento da vida? Primeiro, vamos olhar para o primeiro critério.
O evento só pode ter acontecido uma vez na história. Até onde nós sabemos, a vida na Terra só surgiu uma vez na história. Colocando isso em outras palavras, a abiogênese só aconteceu uma única vez na história do nosso planeta.
Não faltaram tentativas de recriar as condições que nós imaginamos que eram as da Terra no passado em laboratório, na esperança de repetir o mesmo processo de abiogênese, de surgimento da vida a partir da matéria não-viva. Todos falharam! O mais próximo que nós chegamos de conseguir replicar o surgimento da vida ainda ficou um tanto quanto longe.
Nós só conseguimos criar algumas moléculas que sabemos que são os blocos de construção da vida. E mais! Todos os organismos vivos na Terra hoje parecem ser descendentes de um mesmo ancestral em comum, o que só reforça a ideia de que a vida só surgiu uma vez no nosso planeta.
Qual conclusão que nós podemos tomar com base nisso? A de que o surgimento da vida na Terra parece ser um bom candidato a grande filtro, de acordo com o primeiro critério. Mas e quanto ao segundo critério, que diz que o evento precisa demorar para acontecer mesmo depois de as condições se tornarem favoráveis?
De novo, até onde nós sabemos, existiu um espaço de 600 milhões de anos entre as condições para a vida na Terra se tornarem favoráveis e a vida de fato surgir. E essa escala de tempo de cerca de meio bilhão de anos é exatamente do que nós precisamos para satisfazer o segundo critério. Mesmo com as condições favoráveis, ao que tudo indica, a vida na Terra demorou para surgir.
Ou seja, é possível que o surgimento da vida seja o primeiro grande filtro enfrentado por nós. Outro forte candidato a grande filtro é o surgimento de células complexas, eucariontes. Quando a vida surgiu na Terra, ela era procariote, um tipo de célula simples em que uma das principais características é o DNA espalhado dentro delas.
Foram necessários algo em torno de 1,8 bilhões de anos de vida no nosso planeta para as primeiras células eucariontes surgirem, que agora tinham um DNA dentro de um núcleo bem definido. E até onde nós sabemos, esse salto evolutivo só aconteceu uma vez. Mas e você?
Consegue reconhecer mais algum evento que seja um bom candidato a grande filtro? Digita aqui nos comentários. Se eu pudesse escolher qual é o principal ponto que eu gostaria que você lembrasse depois de assistir esse vídeo, seria o seguinte.
A hipótese do grande filtro resolve o paradoxo de Fermi dizendo que nós estamos sozinhos no universo por uma de duas possibilidades. A primeira é que nós somos a única civilização inteligente sortudo o suficiente que conseguiu passar por um ou mais eventos que são extremamente improváveis de acontecer, como o próprio surgimento da vida. A segunda é que nós ainda não passamos pelo grande filtro e nós só estamos sozinhos no universo porque a nossa hora ainda não chegou.
As probabilidades não estão do nosso lado. Todas as outras civilizações já se foram. Qual das duas você acha que é a certa?
Mas ainda temos uma ponta solta que eu gostaria de discutir nesse vídeo, que é a frase que eu falei logo no começo. Se um dia encontrarmos vida no universo, essa será a pior notícia que a humanidade já recebeu. Pra entender o que essa frase quer dizer, nós primeiro precisávamos entender o grande filtro.
Descobrir vida fora da Terra parece ser uma ideia maravilhosa. Imaginar o tanto de conhecimento que nós poderíamos trocar com outra civilização inteligente. Será que eles têm religião?
Ou em que estágio está a ciência deles? Eles já descobriram como viajar em velocidades próximas à da luz? O que pouca gente para pra pensar é que existe uma outra possibilidade.
Encontrarmos vida em outros corpos do Sistema Solar. E essa notícia teria implicações sombrias pra humanidade. Primeiro, vamos imaginar que a gente um dia descubra fósseis de vida simples, microorganismos procariontes, em algum outro lugar do sistema solar.
Essa notícia não seria boa. Para entender o porquê, lembre-se dos critérios para o grande filtro. O evento só pode acontecer uma vez e, mesmo com as condições favoráveis, ele deve demorar para acontecer.
Descobrir que a vida surgiu duas ou mais vezes só no nosso sistema solar nos indicaria que talvez o surgimento da vida não seja um bom candidato a grande filtro. Quem sabe ela surge em qualquer lugar que tenha as condições certas, não importa se em um oceano congelado de uma lua de Júpiter ou em Marte antigamente. Mas se a vida é tão comum, então por que não parecem existir outras civilizações inteligentes no universo?
O que isso quer dizer pra nós é que o grande filtro provavelmente estava depois do surgimento da vida. Mas a pior notícia de todas seria encontrar fósseis de vida complexa, como células eucariontes. A notícia ficaria pior conforme a complexidade da vida fosse aumentando.
Isso colocaria com alta probabilidade o grande filtro no nosso futuro. O nosso maior desafio ainda está por vir. Você acha que nós estamos preparados?
Muito obrigado e até a próxima.