Ah o Castells, A Questão Urbana, esse livro foi um clássico. Esse foi um dos livros que. .
. 1979, setenta e nove. .
. Aqui, a estrutura urbana, o debate sobre a teoria do espaço. Esse debate era exatamente aquele, que o espaço não é um dado em si, o espaço é produzido segundo as forças humanas.
Eu acho a cidade especial porque na cidade tem gente, o que tem de mais especial no mundo são as pessoas, o resto é o resto porque sem pessoas não tem a mínima graça. De 1940 a 1980 o Brasil cresceu 7% ao ano, Pochmann que fala, era a China da época. E as grandes transformações são nos anos 60 depois que você acaba de montar a indústria pesada no país.
A urbanização nos países pobres não decorre da industrialização, ponto. E eu mostrei que a urbanização decorria do ganho que as companhias de terra extraíam da terra fundando cidade, companhia melhoramentos e tudo aquilo que a gente veio a saber com profundidade. Então é um país que se industrializou muito e cresceu muito no mesmo período.
Altas taxas de urbanização de uma população que ia principalmente pra metrópole e na metrópole pras periferias que ela auto construía. A auto construção é resultado de uma força de trabalho barata. Uma força de trabalho que não ganha pra comprar a casa como mercadoria no mercado residencial formal capitalista.
Essa cidade era pujante, crescia muito, se verticalizava, era muito rica, mas existia uma contrapartida a tudo isso. A segregação vai entrar como um processo necessário pra que haja dominação, sem segregação não há dominação. O cassino do capitalismo não tem apenas esta coisa de especulação financeira, tem especulação imobiliária, tem especulação por mercadoria, tem várias formas.
. . As trapaças são bastante diversificadas.
Uma delas é a urbana e esta é multiplicadora das desigualdades, ela gera desigualdades em cima de desigualdades. A primeira redação da proposta de reforma urbana que foi feita em 1963 no Hotel Quitandinha em Petrópolis é um projeto que fala do acesso à terra urbana. Terra urbana que não é terra nua, não é terra qualquer, é uma terra que tem certas qualidades, houve investimento sobre ela porque é uma terra que tem acesso ou está próxima do transporte coletivo, das escolas pras crianças, do mercado de abastecimento, da água, do esgoto, da iluminação pública.
Enfim, nós não estamos falando de qualquer terra. No mundo urbano você tem que reivindicar coisas pra você poder viver de uma maneira melhor. Reivindicar transporte, reivindicar casa, água, esgoto, educação, saúde pública, uma série de coisas.
Então a urbanização ela tem esse fator importante de implementar na sociedade transformações no sentido de forçar as pessoas a pensarem. Eu nunca me esqueço um dia que um coordenador da Comissão Pastoral da Terra falou "olha, é o seguinte, nós estamos sendo demandados demais pra atender conflitos ligados a terra urbana. E nós não temos pernas pra isso.
Então nós queremos ajudar vocês a criar um organismo na cidade. " E nós fizemos em 1979, se não me engano, uma reunião em um convento no Rio de Janeiro que fica no pé do corcovado. E a gente criou uma articulação nacional do solo urbano, o que depois foi sucedido pelo fórum de reforma urbana.
Segunda metade dos anos 80 que já mistura com esse período pré constituição, construir reforma urbana, esses movimentos todos. . .
Os sindicatos estavam muito aparecidos, tendo um papel importante de levar essa discussão junto com outros. Então isso tudo eu acho que é um período de muita formação. Você mistura aula, com o trabalho no sindicato, ia-se pra Brasília, etc e tal.
Um período muito efervescente e que eu acho que construiu na gente uma ilusão que é difícil ficar livre dela, nem sei se a gente deve, mas que formou uma geração: aquela ideia de não só trabalhar junto com os movimentos sociais, mas uma ilusão de que a gente podia construir alguma coisa pela via institucional. Nós tomamos um caminho que se mostrou depois de décadas semi equivocado. Por que estou falando de semi?
Porque é óbvio que era importante ir pra institucionalidade e fazer essas experiências. Mas em compensação, nós tomamos um caminho de luta por novas leis, uma nova legislação, que jogamos força demais nessa história. Começou pela Constituição, depois as constituições estaduais etc e a gente tinha essa crença de que se a gente conseguisse colocar na regulação, nas leis, que estava tudo garantido.
A promulgação de novas leis e avançadas, leis extravagantes, pra uma produção atrasada do espaço e profundamente desigual continuou. Então nós tivemos: O Estatuto da Cidade em 2000, que regulamentou a Constituição de 88; uma Lei de Consórcios Públicos em 2005; a Lei do Saneamento Básico em 2007; depois nós tivemos a Lei da Mobilidade Urbana, se não me engano em 2012; a Lei dos Resíduos Sólidos; Estatuto da Metrópole. .
. Quer dizer, é muito engraçado tudo isso, não deixa de ser controverso e talvez surreal. O planejamento é uma ideologia porque precisa ser uma ideologia, ele não pode ser real.
É um monte de ideias fora do lugar, as leis elas são mais de um discurso livresco, que não dialoga com a realidade, que dialoga com uma representação dessa realidade, que é onde a elite sempre viveu. Mas depois até a criação do Ministério das Cidades tem um movimento errático no Governo Federal com a política urbana no Brasil. Acho que a gente também avançou com o Ministério das cidades, mas tem vícios de origem muito ruins.
Ministério das Cidades. . .
Primeiro que "ministério das cidades", não estamos falando de cidade, estamos falando de território, de espaço, do urbano etc. Então já tem um viés meio errado. Segundo que é muito à imagem de São Paulo, o país é muito maior, muito mais complexo, a pessoa tem que sair, entender o que está acontecendo na periferia, nas várias dimensões do país.
Embora as pessoas digam "ah, rural no Brasil é residual etc etc", residual coisa nenhuma. Primeiro se a gente considera não só o número de habitantes, mas o espaço (e nós estamos falando de territórios), o rural predomina em termos espaciais. Segundo lugar, não existe vida urbana sem o rural.
A história recente, vamos dizer assim, das políticas pro rural brasileiro têm um corte muito claro com o golpe militar e o início da chamada modernização conservadora, a transformação do velho latifúndio, das grandes propriedades fundiárias etc no que hoje se chama dos modernos produtores rurais. Isso teve um custo muito grande pro Estado brasileiro e nos anos 80 quando o Brasil passa por uma crise muito grande esse modelo de financiamento de modernização da agricultura brasileira passa a enfrentar uma certa crise. Então isso cria espaço pra que nos anos 90 esse setor de pequenos produtores, ou da agricultura familiar, passe a reivindicar políticas específicas pra esse outro setor.
Como é que as relações sociais típicas de uma sociedade camponesa estavam se transformando sob o ímpeto da chegada de relações mercantis tendo como protagonistas justamente a chegada da soja. Eu assisti a chegada da soja no Brasil, de certa maneira. Não tinha soja e quando a soja chega, chegar a bolsa de Chicago, chega um outro tipo de relação de compra e venda.
A compra e venda não tá mais vinculada a um comerciante local. . .
Pra questão territorial isso é extremamente importante porque em sociedades camponesas os territórios se definem pela força dos laços de interconhecimento local, de dependência, de solidariedade, de entreajuda etc. Tava cada vez mais claro pra mim que a agricultura contemporânea tinha uma especificidade muito forte, que a agricultura tinha uma especificidade muito forte, e que o essencial do desenvolvimento da agricultura no século XX, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, não tinha consistido nos países desenvolvidos na formação de grandes unidades territoriais marcadas pelo trabalho assalariado. Apesar de toda a modernização que houve, de todo o privilégio que foi dado à grande propriedade fundiária no Brasil, existe nos anos 90 um setor importante de pequenos agricultores que com pouco ou nenhum auxílio produzem em condições de igualdade com essa agricultura patronal que custa muito caro pro Estado.
E isso viria a dar origem então justamente nesse período ao Pronaf, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar. É uma das políticas mais importantes pro meio rural brasileiro e tem essa façanha de ter atravessado dois mandatos do Fernando Henrique, dois mandatos do Lula, os mandatos da Dilma e até agora inclusive o governo Temer. Se nós queremos pensar o desenvolvimento do interior do Brasil, do interior da América Latina, não basta pensar em agricultura, nós temos que pensar em algo mais.
O que é esse algo mais? São os territórios. Nós temos um conjunto de transformações na realidade dos países do chamado capitalismo avançado que com menos força de maneira incompleta se manifestam também aqui no Brasil.
O meio rural estava se tornando cada vez menos agrícola. Então nós estamos falando de coisas como a multifuncionalidade da agricultura, da pluriatividade, enfim, um conjunto de discussões que no âmbito europeu estavam sinalizando que olhar pro rural não era só olhar para a produção, que o rural tem uma importância pra conservação da paisagem, que o rural é também o local de moradia etc etc. E aí o Zé Eli começa a propor a ideia de que o Brasil deveria ter também uma política de desenvolvimento territorial.
Isso combina um pouco com as avaliações que vinham se fazendo do Pronaf, mais ou menos cinco anos depois do começo do Pronaf, em que uma das constatações era mais ou menos a seguinte, dizer "olha, tudo bem o Pronaf dar um apoio importante pra agricultura familiar, mas se a gente não mudar as características do entorno dessa agricultura familiar a coisa não vai funcionar, ou seja, é preciso olhar pro território. E a partir de 2003, aí portanto já no primeiro ano do governo Lula, se cria então uma política de desenvolvimento territorial pras áreas rurais. Nós estamos passando por uma transformação estrutural no capitalismo em geral e do capitalismo brasileiro em particular.
Do capitalismo em geral, e estou mencionamento isso porquê, porque isso coloca aquilo que eu chamaria da questão territorial no centro da agenda, quer dizer, não vai ter um novo ciclo duradouro de desenvolvimento no Brasil, não vai haver uma superação desses grandes desafios do capitalismo mundial sem um tratamento substantivo da questão territorial. Política industrial ela se expressa no território. Política agrícola ela se expressa no território.
Política educacional ela se expressa no território. Então o território não é algo irrelevante, por isso que a gente tem que impregnar as políticas ditas setoriais da visão territorial. Eu me convenci de que tinha uma coisa chamada planejamento territorial estratégico e que o resto é programa e projeto.
A estratégia do planejamento, o que fazer, onde fazer, o que fazer primeiro, é da totalidade. O planejamento democrático tem que ter como enunciado "a minha prioridade um é o nordeste do Brasil, ou é o norte do Brasil", a prioridade é territorial e lá dentro fazer tudo articulado porque é o que dá unidade ao território, santo Deus. Dentro da questão que eu acho que tem que ser nosso objeto quando pensa o território da reprodução social da vida, um elemento central da reprodução social da vida é a reprodução material, os processos de reprodução material, é pensar o capitalismo, tentar entender o nosso capitalismo porque acho que só assim que será possível transforma-lo e criar uma outra sociedade no futuro.
O território permite você dialogar de forma mais concreta com as questões da vida, da qualidade de vida, da falta de qualidade de vida. A ligação com questões de desenvolvimento urbano, desenvolvimento local, território. A questão territorial hoje é mais importante do que nunca porque mais do que em qualquer momento anterior as desigualdades hoje tem uma manifestação de natureza territorial.
E se nós não formos capazes de atuar pra que os territórios deixem de ser a expressão do apartheid que nós vivemos, mas ao contrário, sejam os elementos que potencializam a capacidade de vivermos juntos, nós não vamos conseguir reduzir as desigualdades e nós não vamos conseguir avançar em direção a inovações interessantes pro conjunto da espécie humana e pro conjunto da vida no planeta. Até hoje a gente não consegue fazer essa dupla leitura do que acontece no território brasileiro, a grande maioria dos esforços de leitura territorial nasce com a preocupação da desigualdade e a gente esquece a diversidade. Nosso ativo de diversidade regional é uma maravilha, começa no ambiente natural, um país com 6 biomas, eles nem têm isso e valorizam tanto.
. . E a gente tem 6 biomas e trata como se fosse tudo igual.
Um país que teve um processo de ocupação humana completamente diferenciado, misturou africano com português e índio num canto, europeu com índio no outro, então tem valores, expressões culturais, patrimônios históricos completamente distintos. E eu acho que as novas políticas territoriais, sem desprezar a desigualdade, deviam valorizar mais a diversidade. Por isso que acho que um dos avanços conceituais que a gente fez nas políticas territoriais recentes é o tratamento multi escalar.
Eu acho que esse tratamento multi dimensional e multi escalar é mais difícil de fazer, mas ele é mais adequado à realidade de um país desse tamanho e tão heterogêneo e tão diverso como o da gente. Se a diversidade é uma característica importante das dinâmicas de desenvolvimento territorial onde você tem um desenvolvimento includente, então essa diversidade produtiva ela tem que se espelhar também numa diversidade de forças sociais. E o projeto territorial, portanto, obriga que você tenha algum tipo de negociação, algum tipo de combinação dessas forças sociais funcionando como uma coalizão que valoriza os atributos do território na direção de maior coesão social.
Fica tão óbvio que o planejamento territorial é o que há de revolucionário. Não há governo democrático e popular sem a base da ação política ser o território usado. E qual é a ferramenta do território usado que você usa pra governar?
É um negócio que se chama região. A região é um fato político, não é um fato geográfico. Você define a região que você quiser pra governar.
Conhecemos muito pouco hoje do Estado brasileiro e muito pouco sobre as forças privadas, o grande capital, etc. Nós precisamos, como nesse momento agora em 2017 dá pra perceber, que a gente precisa entender o Estado brasileiro, precisa entender a força da acumulação de capital etc. O Estado na configuração desse campo ele tem um protagonismo, ele não é mais um agente ele é um agente com muito protagonismo porque grande parte das ações de planejamento, não só no aqui no Brasil, mas fora, elas vão passar pela interlocução ou pela ação do Estado.
Então por aí a gente já vê o desafio, um deles, que nos aparece claramente nesse momento. Quer dizer, qual é o papel do planejamento em um contexto de redução do papel do Estado? Planejamento é quando você alarga seu horizonte temporal e você então identifica a quem interessa cada uma daquelas questões que você tá trabalhando.
Ou seja, o espaço pro planejamento no Brasil é, nos contextos que nós temos, tivemos, de tentar colocar o dedo na ferida, mostrar todos os interesses, isso é central, isso faz parte segundo Celso Furtado do próprio conceito de planejamento. O que que é preciso o sujeito entender pra mexer com essas coisas? Ele não pode ser apenas um geógrafo, um topógrafo, ou um agrônomo, ou um economista.
Ele tem que te um entendimento de como essas complexidades se juntam na cabeça. Pensar a totalidade do espaço né, eu acho que tem que estar nas nossas formações. Que o espaço é a totalidade e a sobreposição espaço tempo é que dá a totalidade.
Então eu acho que seria ótimo se a gente pudesse fazer com que toda graduação brasileira fosse multidisciplinar. É preciso ter um conhecimento da natureza, da geografia, dos recursos, da população, daquela região, o que que ela faz, deixa de fazer, o que consome, o que exporta, isso você tem que ter um conhecimento o mais profundo possível daquela região pra você saber com que material você está lidando. Ter uma visão crítica de que tá mexendo com a vida das pessoas, não é um mero avaliador quantitativo de políticas sociais.
Por isso a articulação entre planejamento e território é central pra isso, então acho que esse é o futuro da formação na nossa área que nós precisamos ter. Que esse processo de politização e de construção de um grupo ativo, desalienado, consciente do seu espaço, agente do seu próprio processo de decisão, sujeito do seu planejamento é uma questão política intrínseca. A meu ver só dá pra pensar o planejamento hoje nessa perspectiva.
Mas eu tô absolutamente convencido de que sem um lugar de destaque pros territórios não existe a possibilidade da gente pensar num futuro com maior coesão social e com o mínimo de sustentabilidade ambiental. Se você quer ser democrata você tem que abraçar o território. Esse olhar amplo, generoso, humanista, esclarecido, bem fundamentado e naturalista sobre os territórios é absolutamente indispensável.
Pensar num desenvolvimento, pensar num desenvolvimento territorial, numa perspectiva de sustentabilidade, de futuro que a gente espera exige essa preocupação com o campo disciplinar. Eu sou otimista né, então eu fico achando que a gente está caminhando nessa direção necessariamente, entendeu. E sem pensar espaço isso não é possível.