Esse vídeo é uma iniciativa do departamento de fisiologia e biofísica do ICB UFMG, juntamente com os monitores da disciplina, e hoje vamos falar sobre potencial de membrana. A célula é a unidade estrutural e funcional fundamental de seres vivos, isso se deve muito a capacidade separar o que é próprio do meio externo e consequentemente criar um microambiente em que é possível manter a integridade seus processos. Essa propriedade depende essencialmente da presença da membrana plasmática.
Todos já fizeram aquela experiência de jogar óleo em água, certo? Pois então, você se lembra que no instante em que o óleo entra na água ele vira uma bolinha? Isso ocorre devido à característica anfipática dos lipídios que compõem essa gota, ou seja, eles possuem uma parte hidrofílica e uma parte hidrofóbica.
Para que as duas partes fiquem satisfeitas ou estáveis elas se organizam de modo que a parte hidrofílica fica em contato com o meio externo enquanto a hidrofóbica fica voltada para o meio interna. Nas células ocorre um processo parecido, já que tanto noo citosol quanto o meio extra-celular existe água, porém, ao invés de formar uma bolinha os lipídios organizam em uma bicamada. Entretanto, uma estrutura composta apenas por lipídios não faria com que ela fosse capaz de participar de processos começou a exocitose e endocitose, permitir a interação com outras células, interagir com neurotransmissores e hormônios e, como veremos mais adiante, terá importante propriedade de permeabilidade seletiva.
Para exercer todas essas funções a membrana citoplasmática conta com outros componentes como os carboidratos, que formam os glicocálix responsáveis, por exemplo, pelo reconhecimento de outras células, além de diversos tipos de proteínas que formam os receptores para neurotransmissores e hormônios, canais e transportadores transmembranicos que permitem a passagem seletiva de íons e outras moléculas para dentro e fora das células dentre muitas outras funções e assim nós demos o primeiro passo para entendimento sobre permeabilidade seletiva. Para sobreviverem as células precisam de um fluxo de substâncias tanto para dentro quanto para fora de seu interior em vários momentos. Essa mobilidade de água e solutos através da membrana é denominada permeabilidade, e além disso essa travessia pode acontecer sem ou com gasto de energia.
No primeiro caso chamamos o processo de transporte passivo, e no segundo caso transporte ativo. O transporte passivo pode ocorrer de duas formas: por meio de difusão simples, na qual substâncias solúveis à parte lipídica da membrana conseguem atravessá-la diretamente, os gases O2 e CO2 são exemplos de substâncias que conseguem passar pela membrana por difusão simples. Já para substâncias polares e portanto insolúveis na membrana, o transporte passivo requer um mecanismo de difusão facilitada, no qual proteínas transportadoras ou canais iônicos facilitam a passagem pela membrana.
Já no transporte ativo também há o uso de proteínas transportadoras, mas diferente do transporte passivo, o transporte ativo requer uma fonte de energia. No transporte ativo primário a proteína precisa de uma molécula energética como o ATP para fazer o transporte da substância. Um exemplo de transporte ativo primário é a bomba de sódio e potássio ATPase, que acopla a energia proveniente da hidrólise do ATP ao movimento de íon sódio para fora e potássio para dentro.
No transporte ativo secundário a proteína transportadora usa o gradiente eletroquímico existente como fonte de energia. Um exemplo disso é o transportador de glicose dependente de sódio que usa o gradientes de concentração de sódio para mover a glicose. Esses diferentes tipos de transporte são necessários devido à diferença de concentração entre os meios e a carga dos íons que serão transportados, assim, duas forças atuarão nessa mobilidade soluto do espaço intracelular e extra-celular: a difusão e a força eletrostática.
A difusão é um processo passivo pela qual moléculas se movem espontaneamente de uma região de alta concentração para uma de baixa concentração, sendo impulsionado pela movimentação térmica das moléculas, o movimento browniano. Pense que quanto maior a temperatura mais agitada as partículas ficarão, fazendo com que elas se trombem com mais frequência, resultando gradualmente o movimento de regiões em que estão muito concentradas para uma de menor concentração. Um exemplo que podemos utilizar é quando colocamos uma gota de tinta na água, com o tempo as partículas de tinta se misturam na água devido à difusão das moléculas até que se espalhem completamente.
A movimentação dos íons através da membrana entretanto não se dá apenas pela diferença de concentração entre o meio interno e externo. O fato dos íons possuírem cargas os fazem sensíveis a um campo elétrico. É aquela antiga questão em que cargas opostas se atraem e cargas equivalentes se repelem.
E de onde vem o campo elétrico? É o próprio movimento dos íons. A passagem de íons de um lado da membrana para outra causa separação de cargas gerando uma diferença de potencial elétrico entre o espaço intra e extra-celular.
Esse campo elétrico gera uma força adicional além da difusão que incide sobre todos os íons, dessa forma, o movimento passivo de íons não segue apenas a força e difusão e sim o conjunto de forças de difusão e eletrostática. O movimento passivo de íons é um processo de eletrodifusão, e segue o gradiente eletroquímico. Conforme citamos anteriormente, a presença da membrana cria um microambiente para a célula que é diferente do meio extra-celular, isso possibilita a presença de meios completamente distintos no que tange a concentração de íons e moléculas e permite a manutenção de gradientes eletroquímicos entre essas regiões.
Para criar esses gradientes, ou seja, para empurrar um íon contra sua vontade e atuar de forma oposta de fusão, é necessário um gasto de energia pelos mecanismos de transporte ativo primário, descrito anteriormente. A combinação de gradientes de concentração de diferentes íons junto com a permeabilidade seletiva da membrana faz com que se estabeleça uma diferença de potencial elétrico entre o meio interno e externo. Essa diferença de potencial elétrico é denominado potencial de membrana.
Dessa forma, quando pensamos simultaneamente nessas duas forças que incidem em determinado íon, a força difusão determinada pela diferença de concentração e a força eletrostática determinada pela carga do íon e a diferença de potencial elétrico, estamos olhando para o potencial eletroquímico daquele íon. Se em um dado momento a intensidade das duas forças foram iguais, porém, em direções opostas e de forma que o somatório seja nulo, se diz que o íon está em equilíbrio eletroquímico, nesse ponto ainda pode existir um movimento de íons para dentro e fora da célula, mas sem fluxo restante e conseguimos saber qual é o valor de equilíbrio para cada íon por meio da equação de Nernst. Entretanto, não é apenas um íon tentando alcançar seu próprio equilíbrio, o processo é dinâmico e multifatorial e por isso há necessidade de levarmos em conta os principais íons que influenciam nos potenciais transmembrana das células estáveis: o sódio, o potássio e o cloro.
Os pesquisadores Goldman, Hodgkin e Katz desenvolveram uma outra equação, conhecida como equação GHK, que calcula o potencial de membrana em determinado estado estável levando em conta as contribuições diferenciais dos equilíbrios desses íons. Para isso deve-se levar em conta não apenas a diferença de concentração de cada íon, como também sua permeabilidade. E o que seria essa permeabilidade?
Como foi dito anteriormente, é a facilidade do íon de entrar ou sair da célula, e para isso é necessário pensarmos na quantidade de canais que ele teria para atravessar e na configuração daquele canal naquele momento, ou seja, a probabilidade dele estar aberto ou fechado, por exemplo. Bem, resumindo, as equações de GHK e Nerst são formas teóricas de mensurar o potencial de membrana de uma célula e o potencial de equilíbrio de um íon em determinados momentos, respectivamente. Por exemplo, sabemos que quando um neurônio está em repouso a permeabilidade da membrana para os íons potássio é maior do que para os outros íons.
Isso ocorre porque existem mais canais de potássio abertos do que para os demais, dessa forma, o valor da permeabilidade do potássio domina na equação de GHK, de modo que ele terá uma maior influência no valor final de -70 milivolts, que é aproximadamente o potencial de membrana medida experimentalmente em um neurônio no repouso. Está vendo? Tudo faz sentido!
O neurônio é a principal célula, ou o pop star do sistema nervoso, responsável por levar informação ao encéfalo para o processamento e desencadeamento de uma resposta. Como comentado ele é uma célula excitável, ou seja, possui um potencial de membrana relativamente negativo em comparação com as células epiteliais, por exemplo, e além disso é capaz de alterar rapidamente o seu potencial, o que pode gerar sinalizações que irão levar informações para diversas partes do corpo humano.