Capítulo 2.9 - Ensinar Exige Curiosidade - Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire

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Prof. André Azevedo da Fonseca
Uma das práticas definidoras de uma pedagogia da autonomia é aquela que favorece e estimula a curios...
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Uma das práticas definidoras de uma pedagogia da autonomia é aquela que favorece e estimula a curiosidade do estudante, e por consequência, a do professor. Professores que insistem em uma relação paternalista e autoritária com os alunos impõem obstáculos sérios ao exercício da curiosidade, tanto dos alunos como a sua própria. “Nenhuma curiosidade se sustenta eticamente no exercício da negação da outra curiosidade.
” Paulo Freire deixa claro: a curiosidade que silencia a outra nega a si mesma também. É uma atitude antipedagógica quando professores não têm nenhuma curiosidade sobre os gostos, os interesses e os saberes dos seus alunos. Como se professores já soubessem definitivamente o que já é necessário saber.
E como se os estudantes não fossem capazes de trazer conteúdos novos e surpreendentes para o professor também. Às vezes, a única curiosidade dos professores é saber se o aluno está na sala de aula na hora da chamada. .
. Mas quando se torna burocrática desse jeito, a curiosidade fica estéril. E professores e alunos perdem a oportunidade de ensinar e de aprender mais.
E é claro, há limites éticos para a curiosidade. A minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade de alguém e expor aos outros, por exemplo. Agora, exercer a curiosidade de forma ética é um direito do estudante.
Uma inteligência resignada pode até alcançar a memorização mecânica de um conteúdo. Mas a apreensão científica do conhecimento, exige que o estudante não se sinta submisso ao que lhe é ensinado. O conhecimento escolar não deve ser visto como um limite.
É o contrário. Conhecimento é uma busca. Conhecimento não é uma cerca.
É um horizonte. E a prática da ciência é o ponto alto de uma educação que preza a curiosidade. O cientista nunca está confortavelmente satisfeito com os resultados de sua pesquisa.
Quanto mais ele descobre, mais ele fica curioso sobre o que ainda não sabe. Por isso que a curiosidade científica nos leva a, primeiro, estudar, mas em seguida criticar os conhecimentos já consolidados, tomar distância do objeto, observar a partir de várias perspectivas, delimitar para enxergar melhor um detalhe, comparar, formular perguntas que ninguém nunca fez e avançar. Einstein é um caso paradigmático porque desde criança ele sempre manteve aquela curiosidade entusiasmada que era fruto de um deslumbramento permanente que ele sentia pelos mistérios dos fenômenos naturais.
Einstein fazia perguntas para coisas que os adultos imaginavam ser questões óbvias, corriqueiras, sem sentido. Tipo: "Por que um ímã se junta ao outro? " "Por que as coisas caem cada vez mais rápido?
" Enquanto os adultos se mantinham indiferentes, desinteressados, achando que isso já era coisa resolvida, Einstein se manteve, a vida inteira, profundamente curioso com o mundo. E para Paulo Freire, esse é o clima pedagógico que a educação deve buscar. O desejo de conhecer.
A valorização da pergunta e da reflexão crítica sobre a própria pergunta, em vez daquela relação passiva com as explicações do professor. Há perguntas tão poderosas que nos fazem abrir os olhos para dimensões do conteúdo que jamais havíamos pensado. Ao abrir uma lacuna naquele bloco de conhecimento, que parecia tão sólido, a curiosidade frequentemente faz com que novas ideias se encaixem e as coisas ganham novos sentidos.
Há um ganho de compreensão. Agora, é claro, Paulo Freire adverte que o elogio à curiosidade não significa que a aula deve ser um "vai e vem" de perguntas e respostas. Fazer da aula um diálogo não nega a validade de momentos explicativos em que o professor expõe o conteúdo.
O fundamental é que professor e alunos mantenham uma atitude aberta, curiosa e questionadora, não só, necessariamente, no sentido de confrontar, mas no de entender a partir de vários ângulos e de saber que todo conhecimento é incompleto. E que por isso, sempre há mais o que se descobrir. Então, seja enquanto falam ou enquanto ouvem, professor e alunos devem assumir uma postura curiosa e consciente das suas próprias limitações.
Em uma aula expositiva, o bom professor, segundo Paulo Freire, é aquele que consegue convidar o aluno a vivenciar o movimento do seu pensamento. Sua aula é um desafio e não uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem.
Cansam porque são desafiados a cada momento, a acompanhar as dúvidas do próprio professor, a refletir, a relacionar, a situar o conhecimento em um contexto, a completar o raciocínio e mesmo a formular uma conclusão. E isso é muito sério. Frequentemente é interessante e pedagógico, em uma explanação, não entregar tudo.
É importante que os alunos exercitem o seu raciocínio. A gente entrega as informações básicas, faz a pergunta e desafia os alunos para que eles mesmos façam as relações e construam uma conclusão lógica, que muitas vezes, iluminam pontos que o próprio professor não havia enxergado. Agora, isso tem que ser de verdade.
Tem professor que só faz pergunta retórica. Ele já sabe que ninguém vai responder. Ou então faz aquelas perguntas que todo mundo já tem a resposta.
Tipo: "-Vocês acham certo ser preconceituoso? " É claro que ninguém acha certo. Nem quem é preconceituoso gosta de admitir.
E outros nem esperam os alunos pensarem. Pergunta, ouve um silencio e já responde. É preciso dar tempo para os alunos formularem um raciocínio rigoroso a partir daquele conteúdo que acabaram de experimentar.
Às vezes, em uma aula expositiva, a pergunta do professor exige que ele administre um momento de silêncio para que todos possam parar para pensar. E mais. O próprio professor deve ser também ser curioso e estar pronto para ser surpreendido pelos questionamentos e pelas respostas dos alunos.
Mais do que isso: ele deve desejar ser surpreendido. E não há fórmula para isso. Isso não é uma questão de técnicas e métodos para uma aula dinâmica.
O ponto em questão é uma postura aberta do professor, que cria uma atmosfera pedagógica mais acolhedora às curiosidades. Paulo Freire propõe um exercício. Ele sugere que o professor peça aos alunos que tragam para a sala de aula as curiosidades mais marcantes que experimentaram em um fim de semana, por exemplo.
E o exercício não é propriamente responder às curiosidades, mas pensar sobre as relações entre a curiosidade e o conhecimento. Por exemplo, o aluno pode ser questionado sobre o que fez a partir de sua curiosidade. O problema foi esquecido, foi resolvido e superado rapidamente, ou conduziu a outras curiosidades?
Durante a experiência curiosa o aluno consultou fontes, dicionários, livros, a Internet ou fez perguntas aos outros? Esse exercício de reflexão sobre a própria curiosidade faz com que ela se torne mais crítica, mais metódica. Quanto mais a curiosidade espontânea pensa sobre si mesmo, mais ela se torna rigorosa e mais se aproxima daquele espírito necessário à curiosidade científica, consciente dos métodos, das etapas e dos limites do conhecimento humano.
Ou seja, uma curiosidade epistemológica. E qual é o papel das tecnologias no estímulo à curiosidade? Nesse livro Paulo Freire deixa claro que as tecnologias não devem ser nem demonizadas, nem divinizadas.
Ele reconhece o enorme potencial de estímulos e de desafios à curiosidade que as tecnologias colocam a serviço da educação. Agora, como em qualquer outra circunstância pedagógica, tecnologias não devem ser empregadas para formar usuários passivos, dependentes, que consomem recursos tecnológicos, mas não aprendem a criar a partir desta linguagem. Esse é um longo debate.
Eu fiz um vídeo específico para discutir o uso de tecnologias em sala de aula. Se você tem interesse nessa discussão, vale a pena ver este vídeo. Eu coloco o link na descrição.
O que Paulo Freire enfatiza é que o exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, o raciocínio e a capacidade de observar detalhes, perspectivas originais e relações entre os conhecimentos. A curiosidade nos mantém abertos ao exercício de busca por novos conhecimentos e não permite que as nossas hipóteses se fechem em preconceitos e inviabilizem a busca. Enfim, quando a curiosidade se torna aliada da competência profissional, a educação se torna muito mais eficiente e humanizada.
É o que veremos no próximo vídeo. Não se esqueça de curtir, compartilhar e comentar no fórum do YouTube. A sua participação é muito importante.
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