[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. [Fundo musical] Olá! Seja bem-vindo ao Inédita Pamonha, o nosso podcast semanal de toda quinta-feira.
De reflexão sobre a vida boa. Temos o patrocínio sempre generoso de Eastman Chemical do Brasil. BNP Paribas Asset Management e, claro, Profuse Aché.
[Fundo musical] A palavra hoje entregaremos a Epicuro, grande sábio da ilha de Samos. Grande sábio do jardim das delícias. Homem que sempre teve reputação incompatível com a sua vida e o seu pensamento.
Sim, é verdade, Epicuro foi dos mais mal falados da história. Epicuro tinha reputação péssima e, de certa forma, ela se manteve até hoje. O seu principal apelido, o porco, dava conta de uma vida lasciva, promíscua, completamente entregue a multiplicação desenfreada dos estímulos do corpo.
Enfim, uma vida que nada tinha a ver com o seu pensamento e a sua real existência. Epicuro, na verdade, defendia uma vida espartana, curiosamente. Para usar um termo bem próprio dos gregos, em suma uma vida de muito pouca regalia, uma vida de zero luxo, uma vida portanto absolutamente asséptica, uma vida, enfim, completamente na contramão da sua reputação.
Devemos esse descompasso provavelmente a seus numerosos adversários filosóficos e inimigos pessoais, mas nós não daremos ouvidos e procuraremos deixar Epicuro se explicar por ele mesmo. Trata-se de um atomista antes de mais nada, já sabemos o atomismo é contra-história da filosofia, é na contramão da filosofia chapa-branca dos gregos, aquela de Parmênides, Sócrates, Platão e Aristóteles, e depois os Estoicos, Epicteto, Sêneca, Marco Aurélio. .
. Ah os atomistas eram adversários de todos eles. Os maiores, Leucipo, Demócrito e Epicuro.
O nosso Epicuro do podcast de hoje. [Fundo musical] Primeiro problema a enfrentar, para os atomistas só havia átomos e vazio. Dessa maneira, é pelo vazio que os átomos circulavam, que os átomos se moviam e o movimento dos átomos assegurava a transformação da matéria, essa mesma a deterioração do nosso corpo, a usura dos materiais, o perecimento das plantas e dos animais, assim tudo que a matéria se deteriora, se transforma e o movimento dos átomos é o que permite tudo isso.
Os átomos, claro, só podem se movimentar passando por onde não haja outros átomos. Portanto, átomos e vazio, ser e não ser justa postos, e é tudo o que há. A alma de Platão, átomos e vazio.
"Não, mas então ela não existia antes do corpo? " De jeito nenhum. "Então ela não existirá depois da morte?
". De jeito nenhum, dessa maneira a alma, se existir, também é átomos e vazio. Talvez seja o próprio corpo, quando pensa, quando sente, quando sente indignação.
Em suma, a alma é átomos e vazio, átomos em circulação na arte de pensar, de sentir, de se indignar. Ora, dentro desse atomismo não há espaço para uma ordem cósmica, o universo não é nem finito nem ordenado. É infinito e caótico para os atomistas.
Assim, ora, você imagina tranquilamente as consequências disso, se o universo é infinito e caótico, perceba, ele não é ordenado, não sendo ordenado as peças que o constituem não são na verdade partes de um todo integrado. O universo não passa de um agenciamento, um agenciamento circunstancial, contingente e aleatório de átomos. Dessa maneira, a nossa vida sofre as consequências.
Se para a filosofia chapa branca de Sócrates, Platão e Aristóteles, e sobretudo os Estoicos, diga-se de passagem, o universo cósmico como um grande organismo é um espaço aonde a nossa vida se encaixaria para uma possível harmonia plena, dando assim a vida um caminho, um sentido, uma direção e um valor. Ora, sendo o universo infinito e uma zona, sendo apenas uma reunião aleatória de átomos, não há esse espaço pré-estabelecido a ser ocupado por uns e outros de nós, por isso você imagina que agora nessa nova realidade atomista a gente não nasceu para nada, não nasceu para honrar nenhuma missão, nenhum compromisso cósmico. Não nascemos para cumprir uma função, Ergon, uma finalidade qualquer.
A nossa existência não é determinada, portanto, por uma causa final. Tudo o que existe tem causa material e eficiente. Assim você não nasceu para cumprir nenhuma missão, mas nasceu porque deram uma bimbada nove meses antes e eu também.
Na perspectiva de Sócrates e Platão, na perspectiva aristotélica e dos Estoicos, talvez eu tivesse uma natureza de explicador para ocupar um espaço faltante no organismo vivo, uma lacuna para explicadores. Isso justificaria o talento presumido. Agora não atomismo eu nasci em função de uma agenciamento aleatório de átomos, como eu tentei explicar.
Então é claro, você imagina se eu tenho algum talento de explicador é porque esses átomos estão dispostos de um jeito tal que facilita a comunicação, facilita a produção de discursos, e facilita o empacotamento de ideias abstratas e herméticas em soluções mais simples, redutoras de complexidade, e portanto facilitadoras da compreensão de uns e de outros. Veja você, a coisa mudou bastante deram uma bimbada, eu nasci e talvez no trabalho de exclusão de vidas possíveis eu não fui advogado, não foi jornalista, não foi filósofo, embora tenha feito as três graduações, e acabei professor. Talvez por não haver outra coisa mais a fazer.
Assim, acabei desenvolvendo mais pela necessidade de ganhar o meu dinheiro do que qualquer outra coisa, um certo número de habilidades discursivas que me permitiram livrar a cara e completar o resto da vida a viver. Percebeu? Bem menos charmoso do que imaginar que eu tenha nascido para honrar uma espécie de função universal que permita ao universo todo funcionar bem e a mim mesmo ser feliz, não de jeito nenhum.
[Fundo musical] Pois muito bem, uma vez estabelecida essa imensa diferença é preciso lembrar que Epicuro era um atomista antes de tudo. E nesse momento você levanta a mão e pergunta: "mas escuta, se para os Estoicos adversários dos Epicuristas a vida boa é uma vida em harmonia com o todo cósmico, e agora a tal da vida boa, que vida será? ".
E aqui o atomismo de Epicuro assume a sua faceta Hedonista. Hedonista de "Hedonê", prazer. Quanto ao "ismo" ou "ista", indica um conjunto de pensadores que compartilham um certo pensamento e que colocam o que vem antes do "ismo" como o de maior valor.
Dão, portanto, a isso a sua primazia. Pensemos juntos Socialismo, a sociedade em primeiro lugar. Liberalismo, a liberdade em primeiro lugar.
Comunistamo, a comunidade em primeiro lugar. E Hedonismo, o prazer em primeiro lugar. Nesse momento você levanta a mão e diz: "Este é dos meus.
Este me autorizará a enfiar o pé na jaca, este permitirá o uso de alucinógenos em sequência ou combinadamente. Este permitirá o leito repleto de corpos de etnias as mais variadas, para o deleite máximo e a estimulação mais rica de todos os poros e células do corpo". Pois é, se você imaginou que ia comer feijoada, depois botar o dedo na boca, vomitar para comer mais.
Se você imaginou tudo isso, imaginou bem errado. Sabe por quê? Para os Hedonistas, incluindo Epicuro, não era nada disso a vida boa.
No final das contas duas eram as ideias principais. Primeiro a sabedoria tinha a ver com conseguir ter prazer o mais facilmente possível, e por isso ter prazer com o que está mais na mão, mais ao alcance, como por exemplo o prazer diante da brisa que bate no rosto. Em segundo lugar, o Hedonismo aponta para necessidade de conseguir ter prazer também amanhã, portanto jamais promiscuir o corpo inviabilizando o prazer do devir.
Jamais inviabilizar uma sensação prazerosa com um exagero, com um excesso do prazer de hoje. Assim Epicuro chegará a dar exemplo de molho. Ah o molho que você põe na carne.
. . Ah o molho madeira.
Tudo isso parece absolutamente encantador as papilas e fonte de grande prazer. Mas se você não conseguir voltar a ter prazer amanhã com a carne sem molho nenhum, perceba, você regrediu. Você piorou na hora de viver, porque amanhã conseguirá ter prazer mais dificilmente do que consegue hoje.
Poderíamos lembrar de quem sempre comeu pão seco e sempre curtiu muito, paladar aguçado e grande apetite. Até que alguém sugeriu passar uma manteiguinha, na hora que você passa tal da manteiguinha, vixe. .
. Você não tem ideia do que acontece, no dia seguinte mesmo o pão seco ficou sem graça e você piorou na hora de viver. Por isso, a filosofia é de grande restrição.
Uma restrição qualitativa em nome da simplicidade dos hábitos, uma restrição quantitativa em nome da frugalidade dos hábitos. Assim você nem imagina, me ocorreu fazer jejum de 24 horas, você não tem ideia do que senti em termos de paladar quando 24 horas depois dei uma mordida em um sandubuinha singelo de pão e queijo tostado na chapa. Nossa parecia que eu estava degustando a mais sofisticada e rica das iguarias.
E ali eu entendi um tiquinho da lição de Epicuro, simplicidade na qualidade, frugalidade na quantidade, e você conseguirá ter prazer com quase qualquer coisa. [Fundo musical] Nesse momento você diz: "E o que mais tem a ver com o prazer? " A despreocupação, tirar da alma tudo que azeda e amarga a vida, o que quase sempre exige ter a mente preenchida pelo instante, de maneira a não poderia sequer pensar em lembrar do que passou ou antecipar o que virá.
Muito menos cogitar vidas paralelas, que poderiam estar sendo vividas naquele mesmo instante. Assim, com a mente preenchida ela não tem tempo nem condições para divagar sobre vidas paralelas preteridas naquele instante. Assim, os Epicuristas se aproximam dos Estoicos nesse ponto, o passado e o futuro são males a combater e naturalmente são combatidas altura quando o presente da vida preenche todos os pré-requisitos de uma vida plena e bem vivida.
Naturalmente, é preciso evitar alguns males clássicos. Assim para os Epicuristas os deuses até existem, mas não há que ter medo deles, nenhum tipo de receio, sabe por quê? Porque para os Epicuristas os deuses ainda que existam não se ocupam de nós.
Vivem lá no lugar deles, na casa deles, preocupados com eles com as suas próprias vidas e não estão nem aí para nós. Portanto, se você tinha receio de arder no mármore do inferno como ensinado pelo tio Ali na novela "O Clone", se você tem medo de um castigo divino ainda aqui em carne e ossos, ou depois da morte numa vida eterna repleta de labaredas, saiba, o deuses não estão te fiscalizando e muito menos terão paciência para te julgar em algum tribunal da eternidade. Em outro ponto importante os Estoicos e os Epicuristas se aproximam: a morte não é nada para nós.
Sabe porque? Frase clássica de Epicuro, porque não há encontro com a morte, não há encontro possível com a morte. Quando estamos, a morte não está ainda.
Quando a morte está, já não estamos nós. O desencontro é de princípio e assim quando não há encontro, não há sofrimento possível. Esqueça disso, a morte não é nada para nós.
[Fundo musical] Muito bem meus amigos, você deve ter imaginado que para Epicuro a felicidade não é tão difícil assim de ser alcançada. Afinal de contas, basta dar ênfase a busca de prazeres naturais, como saciar a fome, a sede, diminuir o frio. Prazeres naturais e necessários, aqueles sem os quais a sobrevida fica inviabilizada.
Numa vida simples e frugal você evitará todo tipo de sofisticação e com isso conseguirá ter prazer facilmente, bem aí ao alcance da sua mão. A felicidade não só está ao nosso alcance, como evitar os grandes males da vida também não é tão difícil assim. Evitar tudo aquilo que preocupa, pressupõe apenas levar a sério uma vida Hedonista de preservação do prazer de amanhã e da busca do prazer simples do dia de hoje.
Perceba então que Epicuro é dos raros grandes pensadores otimistas da história do pensamento. De fato um otimista. A felicidade não é tão difícil de ser vivida e os grandes males amargadores da vida não são nada complicados de serem afastados e excluídos do nosso dia a dia.
[Fundo musical] Concordou? Não concordou? É uma questão de desfrutar da beleza do pensamento alheio.
De um grande mestre hoje aqui sistematizado. Eu espero que você tenha curtido demais Epicuro. Para ler um tiquinho além, "Carta a Meneceu" é a dica.
Bem ao alcance do clicar dos seus dedinhos tão cerelepes na hora de navegar pela internet. Temos o patrocínio sempre generoso de Eastman Chemical do Brasil. BNP Paribas Asset Management.
E, claro, Profuse Aché. Queridos amigos pela confiança de sempre. Fica bem!
Saudade. Até quinta que vem, um forte abraço. Valeu!
Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C. Acesse: www. revistainspirec.
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