Uma cidade no Brasil movida pelo combustível mais poluente do mundo: o carvão mineral E que agora teme o futuro causado pelas mudanças Cerca de 80% da nossa economia gira em torno do carvão mineral. Não somos más pessoas A usina é o que temos. Só estamos tentando sobreviver.
Todos tentamos sobreviver Por décadas, as reservas de carvão são motivo de orgulho e impulsionam a economia de Candiota, uma pequena cidade localizada nos pampas gaúchos, a 400 quilômetros de Porto Alegre, próximo à fronteira com Uruguai. Como o uso de carvão é baixo no Brasil, essas reservas seriam suficiente para abastecer o país por 100 anos Mas o mundo, segundo cientistas, não aguenta mais 100 anos usando carvão mineral O carvão é o combustível fóssil que mais emite gases de efeito estufa. Essas emissões do carvão são causadas hoje principalmente por países como China, Índia e Estados Unidos.
Esse combustível é apontado como um dos grandes vilões das mudanças climáticas, cujos efeitos foram associados às chuvas extremas que devastaram o Rio Grande do Sul recentemente. Meu nome é Leandro Prazeres, eu sou correspondente da BBC News Brasil. A gente está prestes a chegar na cidade de Candiota, no extremo sul do Rio Grande do Sul.
A gente veio pra Candiota porque aqui fica a maior mina a céu aberto de carvão mineral do Brasil. E também ficam duas usinas termelétricas movidas a carvão mineral. A gente veio conhecer como é que se dá essa relação de dependência dessa comunidade, da sua população em relação ao combustível fóssil que, na avaliação dos cientistas, precisa ter a sua atividade encerrada o mais rápido possível, se a gente quiser evitar os efeitos mais danosos das mudanças climáticas.
Candiota já era conhecida por suas reservas de minério desde o Brasil Imperial E a primeira usina foi aberta na cidade em 1961. Hoje em dia, o município abriga a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil, com reservas estimadas em 1 bilhão de toneladas Cerca de 80% da nossa economia gira em torno do carvão mineral. Eu diria que isso envolve em torno de 15.
000 pessoas, no mínimo, diretamente beneficiadas com o carvão mineral. Além dos empregos diretos, a economia da cidade depende do carvão por uma série de outros fatores indiretos. A empresária Gil Melo, que tem um restaurante em Candiota, conta que uma recente manutenção na usina gerou um impacto severo no seu negócio Com a usina em manutenção, nossa queda foi mais ou menos uns 60% do movimento.
Isso reflete, depois, em diminuir nosso movimento porque o pessoal que trabalha ali é o pessoal que vem se alimentar no restaurante, Temos que diminuir funcionários. Temos que contar custos. Então realmente é surge um efeito grande para nós.
É toda uma cadeia bem grande. A usina é responsável pela nossa qualidade de vida. Os números mostram com clareza a dependência de Candiota da economia do carvão.
O PIB per capita da cidade foi de 282 mil reais em 2021, o terceiro maior do Rio Grande do Sul e vigésimo do Brasil. O valor é quase seis vezes o da média nacional. Estima-se que que pelo menos 5 mil dos 10,7 mil habitantes tenham empregos diretos ou indiretos ligados à indústria do carvão.
A importância do carvão é vista em diversas placas e logomarcas pela cidade. Uma delas é a do Clube das Mães de Candiota, presidido pela moradora Rosáurea Greca. A usina, aqui, é a vida de Candiota.
Candiota gira em torno da Usina, né? Aqui é o carvão mineral, matéria prima que a gente tem em abundância no município. É filho que trabalha, marido que trabalha.
Todo mundo tem medo desse corte drástico de emprego aqui na nossa cidade, na nossa região. Mas toda essa dependência do carvão na economia de Candiota tem um efeito colateral. A cidade é, hoje, 60º (sexagésimo) município brasileiro com a maior quantidade de emissões de gases do efeito estufa.
Isso chama atenção porque o município fica na posição 2. 868 entre os mais populosos do Brasil. Nos últimos anos, a cidade vive um clima de incerteza por conta da pressão global pelo corte nas emissões dos gases do efeito estufa O Brasil já se comprometeu a zerar até 2050 suas emissões líquidas.
Mas o temor em Candiota é de que a transição energética chegue à cidade antes que ela encontre uma nova fonte de sobrevivência, como agricultura ou produção de outros tipos de energia. Em dezembro deste ano, terminam os contratos de fornecimento de energia de uma de suas usinas - a Candiota III. Sem contrato, ela terá de paralisar suas atividades – o que pode gerar um efeito dominó na cidade.
Em abril de 2024, esse temor ganhou um novo elemento depois que o Rio Grande do Sul foi atingido por enchentes que mataram mais de 170 pessoas e destruíram cidades inteiras. Após a tragédia, a bancada gaúcha no congresso recuou em relação a um projeto de lei que previa a manutenção de contratos para as termelétricas até 2043. Os moradores relatam terem medo de que a economia do carvão mineral vire uma espécie de "bode expiatório" da tragédia gaúcha.
Isso poderia acelerar as iniciativas para o declínio da atividade carbonífera na região. O sindicalista Hermelindo Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, é um dos que acreditam que o prazo da transição energética precisa ser estendido. O problema que a gente tem no Rio Grande do Sul é que a gente queima carvão em Candiota?
Não dá para a gente conectar nesse sentido. Não somos da linha negacionista que diz que a gente não polui nada. A queima de carvão tem um grau de emissão.
Qualquer país que vislumbre terminar com o carvão, não vai terminar de um dia para outro. Ele vai ter que criar um prazo para que as pessoas, aquela região, possa se adaptar. O prefeito, Luis Carlos Folador, reforça a necessidade de um prazo maior para que haja o fechamento das usinas.
Vamos melhorar as emissões de CO2 no nosso planeta fechando as usinas de Candiota? Não, precisamos de um tempo para que a gente possa gradativamente, buscando outras alternativas, melhorando a tecnologia. .
. A gente tem que ter muita responsabilidade. A situação levanta um dilema: como fazer a transição energética em uma cidade que depende tanto do carvão.
O principal argumento dos moradores de Candiota e entidades que defendem a indústria do carvão tem a ver com o tamanho do impacto ambiental. Estima-se que apenas 0,4% das emissões brutas do Brasil, em 2022, venham da geração de energia elétrica a partir do carvão mineral. Enquanto isso, 74% das emissões são resultado do desmatamento e da atividade agropecuária.
Tem também o fato de que 89% da capacidade elétrica instalada no Brasil é composta por fontes renováveis - o carvão representa pouco mais de 1% . Mas outros dados pintam um cenário diferente. O carvão responde por quase a metade das emissões de gases estufa geradas pela produção de energia elétrica no Brasil vinda de fontes não renováveis.
Apenas o gás natural é mais poluente que o carvão. Em contrapartida, essas usinas natural geram 4,5 vezes mais energia do que as movidas a carvão. No caso de Candiota, isso fica ainda mais grave.
Por dois anos seguidos, essas usinas foram apontadas como as mais ineficientes e que geram mais gases de efeito estufa por unidade de energia no país. Quando eu uso o carvão para gerar eletricidade, eu tenho que queimar grande quantidade de carvão. E, como ele é rico em carbono, eu gero grande quantidade de gases de efeito estufa, sem necessariamente produzir a mesma quantidade, de forma proporcional, de eletricidade.
As usinas de Candiota são ainda mais problemáticas porque elas usam um carvão ainda pior em termos de eficiência do que os carvões utilizados no mundo. Este representante do setor defende que as usinas têm a capacidade de reduzir suas emissões e que o carvão é importante por diversificar as fontes de energia do país O sul do Brasil é importador de energia. E ficou claro isso no momento em que houve as enchentes no Rio Grande do Sul.
E ali as térmicas a carvão, no momento em que o sistema estava fragilizado, geraram acima do seu limite, chegando a 16% a mais no caso de Pampa. Mas ambientalistas e cientistas contestam isso. E afirmam que combustíveis fósseis como o carvão nunca serão sustentáveis.
Esta foi sim a justificativa lá atrás, quando essas usinas foram inauguradas, há bons tempos, de que o Brasil precisa diversificar suas fontes uma vez que era dependente de hidrelétricas. A gente tem hidrelétrica como a principal fonte ainda, mas temos outras também, como a eólica, solar, a própria biomassa, que vem crescendo bastante, o que faz com que o carvão seja menos necessário. E mesmo quando a gente fala de combustíveis fósseis, e termelétricas, que podem ser acionadas com mais velocidade, e funcionar em momentos em que não temos sol, vento, chuvas, o carvão não se faz justificável porque a gente tem bastante usinas a gás natural, que, por sua vez, podem ser cada vez mais aposentadas utilizando outros tipos de tecnologias.
Questionado sobre a necessidade de manter usinas a carvão mineral, o Operador Nacional do Sistema Elétrico disse, em nota, que a decisão de acionar usinas térmicas é tomada por meio de "modelos matemáticos de otimização energética". O ONS disse ainda que a "energia térmica é fundamental na segurança da operação regular do sistema, além de uma garantia de suprimento energético em períodos de carga mais elevada e/ou escassez de geração pelas demais fontes". A Âmbar Energia, dona da usina Candiota III, não respondeu às perguntas enviadas pela BBC News Brasil.
Em nota, os controladores da usina Pampa Sul dizem investir em "melhorias operacionais e qualidade e eficiência da usina" o que "contribuirá para redução significativa das emissões". Alguns ambientalistas defendem que subsídios estatais dados ao setor de carvão sejam convertidos em benefícios em dinheiro a moradores, para que cidades como Candiota façam sua transição energética. Em meio a toda essa discussão, Candiota segue no dilema entre defender sua economia e almejar um futuro mais sustentável para o planeta.
Não somos contra o planeta, não somos a favor do aquecimento global. É o que temos, nos apegamos ao que nós temos.