A série de História da Tecnologia vai falar não sobre uma empresa ou um produto, mas sobre um lugar. Pois é! Foram vários comentários já pedindo a história de uma das regiões mais influentes do mundo em toda a indústria: o Vale do Silício.
Você vai saber a origem, onde exatamente ele se localiza e como ele virou referência mundial. Antes, deixa aquele joinha no vídeo porque a pesquisa deu trabalho, se inscreva no canal para mais vídeos como esse e toca no sininho para ser avisado quando tiver capítulo novo no ar. Agora vamos lá para a história do Vale do Silício.
Antes de tudo, a gente precisa entender onde fica o Vale do Silício exatamente. Não existe uma fronteira oficial, já que esse território é um nome informal, então o que podemos classificar como vale do silício é uma região ao sul da área da Baía de San Francisco, que fica no estado da Califórnia nos Estados Unidos. Ele concentra regiões como os condados de Santa Clara e San Mateo, parte do condado de Alameda e a região de Scotts Valley, lá em Santa Cruz.
Vários locais de lá tem “vale” no nome, então a adoção dessa parte foi meio que automática. Já a outra parte vem do silício, o material primordial de microprocessadores de eletrônicos, que é até hoje trabalhado por muitas das marcas por lá. O silício é um elemento químico semicondutor muito presente aqui na Terra, mas normalmente encontrado em compostos de minerais ou na areia, não em formato puro.
Por isso, ele precisa passar por um processo de extração, purificação e moldagem que não cabe detalhar aqui nesse vídeo, mas resultam nos circuitos integrados que conhecemos hoje e que estão em falta global no mercado. A região do Vale do Silício tem esse nome por concentrar faz décadas várias sedes de empresas de tecnologia, ser o local de origem de escritórios de pequenas startups ou grandes fábricas, ter representantes de empresas de capital de investimento e também ser o território de universidades, com pesquisas, cientistas e estudantes ajudando a alimentar essa indústria. Só que nem sempre foi assim.
No começo do século 20, essa região toda era só chamada de Santa Clara Valley e era um polo de agricultura, com especializações que incluíam a de Ameixa secas e outras frutas. Ao mesmo tempo, por ser uma região portuária e de vales, como o nome sugere, ela era muito procurada para instalação e testes de equipamentos de comunicação via sinal de rádio ou telégrafo, além de estocar materiais do governo. Fora esse interesse crescente, a região tem como uma das grandes instituições a Universidade de Stanford, fundada em 1885 e tradicionalmente é um local focado em ciência e engenharia, formando muitas mentes criativas importantes para o setor de tecnologia.
Em 1909, uma das primeiras estações de rádio dos Estados Unidos é instalada por lá, na cidade de San José. Já em 1933, a marinha compra um terreno de largas proporções que vira o Moffett Field, uma superestrutura aeroespacial e militar que inclui um aeroporto. Anos depois, a NASA abre lá um famoso centro de pesquisa e testes lá dentro, o Ames Research Center.
E em 1939 tem um acontecimento histórico. Esse é o ano de fundação da HP na cidade de Palo Alto, com os trabalhos começando em uma garagem pela dupla Bill Hewlett e David Packard. Os dois eram engenheiros formados em Stanford e decidiram começar fazendo aparelhos de áudio, mas depois passaram para tecnologias militares e só mais tarde acompanharam a indústria em calculadoras e computadores, virando aos poucos gigantes que a gente conhece hoje.
É uma empresa no Vale do Silício com uma história tipicamente do Vale do Silício, com começo na garagem e tudo, mas que aconteceu antes do fenômeno estourar. E esse período era também o da Segunda Guerra Mundial, que entre tantas outras consequências acelera as transformações na região portuária da Califórnia. O local começa a receber mais pessoas e também mais instalações militares, que ao mesmo tempo exigem tecnologia, indústrias, pesquisa e gastos massivos.
E aí a gente chega em duas pessoas em especial: Frederick Terman e William Shockley, considerados os "'pais" do Vale do Silício. O Frederick Terman é um acadêmico que foi apontado como reitor da Escola de Engenharia de Stanford e foi o responsável por supervisionar vários dos projetos desenvolvidos por lá. Ele inclusive comandou a criação do Stanford Industrial Park em 1951, um departamento que vira Research Park e começa a atrair grandes empresas que estavam em outras cidades, assim como servir de berço para marcas que surgiriam dali para frente.
Já o William era um físico mais voltado para a indústria. Ele integrou o lendário Bell Labs e até participou do time que em 1947 inventou o transistor, o componente que amplificava o sinal elétrico e que revolucionou a tecnologia ao permitir a miniaturização de equipamentos. O Shockley sai do Bell Labs lá em 1956 para abrir a própria companhia, a Shockley Semiconductors.
Mas ele decide fazer isso não na cidade-sede do laboratório, em Nova Jersey, e vai para Mountain View, que é perto de onde ele nasceu. Mountain View hoje é mais conhecida por ser o lar do campus da Google. E a empresa do Shockley foi uma das primeiras a trabalhar com o transistor feito a partir do silício, sendo que antes esse componente era principalmente fabricado a partir do germânio.
Só que o empreendimento sofre um baque em 1957. Esse é o ano em que o Shockley perde um grupo influente de funcionários por ser um chefe controverso, meio exigente demais, em um episódio conhecido como ‘Os Oito Traidores’. Os rebeldes abrem a Fairchild, que virou uma gigante dos semicondutores e revelou grandes empresários do setor.
Saiu de lá também a dupla Gordon Moore e Robert Noyce, que depois fundariam a Intel, além do Sherman Fairchild, que deu nome para a companhia. Com ações da IBM herdadas, ele consegue investimentos para fazer a região bombar. A Fairchild fechou vários contratos não só com instituições privadas, mas também com o governo: a NASA, o Departamento de Defesa e outros órgãos estavam gastando alto por causa das corridas tecnológicas da Guerra Fria.
Nesse período, cidades como Palo Alto e Mountain View viram polos e locais de moradia para esses funcionários e estudantes. Muito desse pessoal, e depois filhos e netos, foram estagiar nessas gigantes, estudar em Stanford, e quem sabe depois fundar o próprio negócio. Ao mesmo tempo, empresas de capital de risco começam a surgir na região para financiar projetos em fases iniciais, identificando ali, pescando o tanto de oportunidades surgindo.
A rodovia Sand Hill Road ficou famosa por ser caminho da maioria desses escritórios. Em 1969, um certo projeto de conexão entre universidades e centros militares para compartilhar documentos entra no ar. É a ARPANET, a precursora do que hoje a gente chama de internet, e Stanford vira um dos quatro primeiros nós desse sistema.
No ano seguinte, em 1970, outro grande passo: a Xerox abriu um laboratório de pesquisa chamado Xerox Palo Alto Research Center, o PARC, que vira o berço de várias tecnologias que foram aproveitadas comercialmente ao longo dos anos. Pode colocar na conta do PARC o padrão Ethernet de conexão, a interface gráfica de navegação em computadores, o mouse e muitas outras. Já em 1971, o jornalista Don Hoefler escreve um relatório para a Electronic News sobre a indústria de semicondutores nos Estados Unidos e usa pela primeira vez o nome "Vale do Silício", que ele diz ter ouvido em uma conversa informal com uma pessoa do mercado.
Mas essa é a primeira vez que o termo aparece por escrito, e aí se populariza de vez. Ao longo dos anos, muitas companhias foram fundadas na região do sul da Baía de San Francisco, quase todas já com um episódio próprio aqui no nosso quadro. Claro que não dá pra citar absolutamente todas as empresas sediadas no Vale do Silício, mas olha só algumas que apareceram mais ou menos no mesmo período.
Em 1972, nasce a Atari por Nolan Bushnell e Ted Dabney na cidade de Sunnyvale. Essa foi uma das primeiras gigantes norte-americanas do setor de fliperamas e depois consoles domésticos. Em 76, uma garagem em Los Altos serve de primeira fábrica para a Apple, onde Steve Jobs e Steve Wozniak soldaram na mão as primeiras unidades do Apple I.
Lembrando que o Jobs é um aluno que largou Stanford, mas voltou lá décadas depois para dar aquele famoso discurso de formatura. Já em 77 nasce em Santa Clara a Oracle, enquanto a Adobe teve a primeira sede também em Los Altos, por iniciativa de Charles Geschke e John Warnock. A partir daí, mais empresas vão surgindo e ampliando a força da região.
Depois que parte do mercado estava estabelecido no local, as outras foram nascendo automaticamente por lá para aproveitar a proximidade, os contatos, os alunos de Stanford e por aí vai. Na década de 1980, tivemos mais uma leva de fundações de empresas de computador pessoal e semicondutores, como a Sun Microsystems que nasceu em Stanford em 1982. Já nos anos 90 aparecem as várias empresas de internet com a chegada das conexões comerciais.
Pode colocar na conta do Vale do Silício marcas como eBay, Yahoo e Google. Só que nem todas deram certo e essa empolgação deu uma freada por volta de 2000, quando a bolha da internet estoura e faz várias empresas ponto com perderem todo o dinheiro de uma hora para outra. Esse episódio também já foi contado aqui no canal e fez muita gente ser mais cuidadosa a partir de então.
Mas nos anos 2000 e 2010 a força da região continua: várias startups dos mais diversos setores e serviços surgem, incluindo as atuais gigantes como Facebook e Uber. Várias delas viraram rapidamente as chamadas “unicórnios”, que são aquelas avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. E tem gente que faz turismo pela região simplesmente para passar na frente das sedes de Apple, em Cupertino, ou Google, em Mountain View.
Só que, olha, vale falar de outra coisa também. A região do Vale do Silício cresceu absurdamente e se desenvolveu de forma estratosférica, mas isso também cobrou o seu preço. A moradia e o custo de vida aumentaram muito na região, o que prejudicou parte dos moradores antigos e também funcionários dessas empresas que não são executivos super bem sucedidos.
A oferta de casas e apartamentos é baixa, com valor ou aluguel altíssimos. Uma pequena movimentação de empresas abrindo filiais em outros pontos dos Estados Unidos ou gente simplesmente querendo sair desse ritmo louco do Vale do Silício começou nos últimos anos e pode se intensificar daqui para a frente. Mas nada disso vai tirar a fama ou a importância da região, que deve continuar um dos corações dessa indústria.
Para saber mais sobre a história do Vale do Silício, a principal fonte que eu usei nesse vídeo foi o livro "The Code", de Margaret O'Mara, que infelizmente por enquanto só está disponível em inglês. Mas para se divertir eu vou indicar duas séries! Uma é Halt and Catch Fire, um drama histórico que mostra a evolução do mercado da computação junto com personagens sensacionais, e também Silicon Valley, que é totalmente voltada para a comédia e faz uma paródia bem realista dos pontos positivos e bizarros do mercado atual.
E essa é a história do Vale do Silício, uma região com uma trajetória já bem longa, mas que com certeza tá muito longe do final. Se você tiver uma sugestão de empresa, produto, serviço ou lugar, deixa aqui nos comentários! As fontes que eu utilizei na pesquisa estão aqui na descrição.
Lembrando que esse é apenas um resumo, é só um recorte, e muita coisa acaba ficando de fora. Não se esqueça ainda de conferir a playlist do História, porque aquele vídeo que você tanto pede talvez já esteja por aqui. Até a próxima!