Em 2011, Florianópolis viveu um carnaval diferente. A escola de samba União da Ilha da Magia desfilou ao som de um enredo em homenagem a Cuba, com uma alegoria inteira temática sobre Che Guevara. O carro representava um tanque de guerra que simbolizava a chegada de Che a Havana, após anos de luta guerrilheira na Sierra Maestra.
A apresentação teve direito ainda a uma presença ilustre - a filha de Che Guevara, Aleida Guevara March, em pessoa, no carro, ao lado de uma figura que representava o pai. Mas essa não foi a única vez que o líder cubano apareceu nos desfiles de carnaval aqui no Brasil. Poucos anos depois, em 2013, a escola Salgueiro, também homenageou Che Guevara, trazendo a sua bateria inteira com uniformes e instrumentos que ilustravam o rosto do guerrilheiro.
Em 2020, 53 anos após a morte de Che Guevara, o então presidente Jair Bolsonaro afirmou em suas redes sociais que o seu legado inspirava "marginais, drogados e a escória da esquerda". Para uns herói, para outros vilão… Mas e aí, quem está certo? Quem realmente foi Che Guevara?
No vídeo de hoje a Politize! , te conta a verdade por trás do mito do guerrilheiro mais famoso do mundo. Entre as décadas de 50 e 60, o contexto político geral, era bastante influenciado pela Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a hegemonia global.
Era um momento de conflito e forte polarização que logo criaria um ambiente propício ao surgimento de movimentos revolucionários por todo o mundo. É aí que Che Guevara aparece na história. Apesar de estar sempre muito associado a Cuba, o que pouca gente sabe é que Che na verdade era argentino e nasceu em Rosário.
Após concluir o ensino médio em 1946, mudou-se para Buenos Aires, onde começou a cursar engenharia e mais tarde migrou para a medicina em 1947. Ainda por lá, ele iniciou uma série de viagens de moto por 8 países sul-americanos. Foi especialmente durante sua estadia na Guatemala, que o jovem se envolveu em movimentos populares contra o Golpe de 1954 que derrubou o governo do socialista Jacobo Guzmán Arbenz.
Nesse período, Guevara precisou se refugiar na embaixada Argentina, onde ganharia o famoso apelido de Che, que significa amigo ou companheiro em espanhol. Mudou-se, então, para o México, onde se envolveu na cobertura fotográfica dos Jogos pan-americanos para uma agência de notícias argentina. Foi lá que ele reencontrou Hilda Gadea, sua futura esposa e mãe de seus filhos, e que seria responsável por apresentar a Che outros dois nomes bem famosos: os irmãos Fidel e Raúl Castro.
E aí que tudo começa… Quem acompanha o canal já conhece o contexto, Cuba tornou-se independente em 1898 com o apoio dos EUA contra a Espanha, mas logo se transformou em um playground para negócios norte-americanos. Em um país essencialmente agrário e marcado pela pobreza, a polarização política se acentuaria no começo dos anos 50, quando um golpe apoiado por grupos econômicos americanos derrubou o governo democraticamente eleito de Carlos Prío Socarrás e iniciou uma ditadura repressiva comandada por Fulgêncio Batista. Após o golpe, os irmãos Castro se envolveram em iniciativas de resistência à ditadura, liderando ações para derrubada do governo de Batista.
Os dois chegaram a ser presos em 1953 e foram soltos 3 anos depois, quando se exilaram no México. Por lá, Fidel e Raul Castro desenvolveram uma forte amizade com Che Guevara, com quem compartilhariam seus planos revolucionários para o futuro de Cuba. Inicialmente cético, logo Che se juntaria ao Movimento 26 de Julho e passaria a articular com as lideranças exiladas a derrubada da ditadura cubana.
Só que nessa época nem os irmãos Castro, e nem Che Guevara eram realmente comunistas. O movimento era inicialmente desprovido de uma ideologia socialista, e motivado pelos ideais de justiça social e independência nacional. Com o tempo eles encontrariam no comunismo soviético apoio estratégico, econômico e militar.
Mas naquela altura, Che Guevara, não se via ligado a grandes ideologias, mesmo atuando em movimentos revolucionários. No final de 1956, o grupo decidiu que era o momento certo para tomar o poder em Cuba. Adquiriram um barco, o iate Granma e em 25 de novembro, Fidel, Raul e Che partiram discretamente do cais do Rio Tuxpan, em Veracruz.
Era o início da revolução cubana. A partir desse momento, Che Guevara desempenhou um papel importante na revolução e tornou-se uma figura icônica no movimento revolucionário global. Ferido no primeiro combate em 5 de dezembro, Che Guevara foi promovido a comandante em 12 de julho de 1957 devido ao seu destacado desempenho na Revolução.
A atuação do movimento culminou na queda da ditadura em 1º de janeiro de 1959, o que alçou Che Guevara a figura internacionalmente reconhecida. Nas primeiras semanas do novo regime ocorreu um episódio sangrento envolvendo o grupo de Che que ficaria conhecido como "El Paredón", uma expressão em espanhol associada a locais de execução. O "paredón" era um local onde prisioneiros políticos ou opositores ao governo eram levados para serem fuzilados.
Após a ascensão do governo liderado por Fidel Castro, houve execuções de indivíduos ligados ao regime anterior de Fulgêncio Batista, bem como de outros considerados traidores e inimigos da revolução. Essas execuções que assassinaram cerca de 700 pessoas ocorreram em diferentes lugares, muitas vezes após julgamentos sumários. Após receber a nacionalidade cubana como mérito para a sua atuação na revolução, Che Guevara desempenhou um papel crucial como líder do novo governo, destacando-se em diversas frentes: líder militar, presidente do Banco Nacional, ministro da Indústria, membro da cúpula da direção política, representante de Cuba no exterior e organizador do internacionalismo militante.
Foi durante seu tempo na guerrilha, que ele intensificou seu interesse pela leitura, incluindo pensadores como Marx e Lenin. Apesar de não produzir muitas obras teóricas, seus escritos se concentram na experiência da guerrilha em Cuba e em aplicar essas experiências a outros países latino-americanos. Como defensor do socialismo, Che dedicou-se à busca da propriedade coletiva dos meios de produção e à eliminação das disparidades sociais.
Sua visão, enraizada no marxismo-leninismo, incluía a convicção na luta armada para derrubar regimes opressivos, utilizando a guerrilha como estratégia eficaz para mobilizar massas e instigar transformações sociais radicais. Mas a atuação de Che Guevara se guiava para além, e buscava a ideia de construir um novo modelo de socialismo, o socialismo cubano. Em uma carta de 1965 ao amigo Armando Hart ele criticou severamente o "continuísmo ideológico" em Cuba, expressando descontentamento com manuais soviéticos de marxismo.
Era uma busca por um socialismo autêntico, distinto do modelo soviético e baseado na realidade individual latino-americana. Ele antecipava que um "socialismo" que imita o capitalismo está fadado ao fracasso. Nas "Notas críticas" de 1965-1966 sobre um manual soviético, Che expressou a necessidade de uma democracia socialista, envolvendo o povo nas decisões econômicas fundamentais.
Em 1965, a formação desse novo pensamento socialista de Che o afastou de Fidel Castro. Os dois passaram a ter grandes diferenças ideológicas e estratégicas. Fidel defendia uma aproximação com a União Soviética e adoção de seu modelo econômico, enquanto Che buscava construir um novo socialismo mais democrático e amparado nas necessidades de Cuba.
Assim, nesse mesmo ano, Che Guevara renunciou aos cargos no governo e deixou Havana, partindo em uma missão clandestina para dirigir um contingente cubano que apoiava os revolucionários no Congo. A missão não obteve sucesso, e o grupo se retirou em novembro de 1965. Em poucos meses, ele embarcou para a Bolívia, onde se juntou ao Exército de Libertação Nacional, composto por bolivianos, cubanos e peruanos, com o objetivo de espalhar a Revolução na região.
O combate começou em março de 1967, enfrentando condições cada vez mais adversas. E foi no dia 8 de outubro, na Quebrada del Churo, que Che Guevara foi ferido, capturado e, no dia seguinte, assassinado. Este evento marcou o desfecho da vida do revolucionário, mas sua figura e suas ideias continuaram a influenciar gerações pela frente.
Uma coisa parece ser consenso nisso tudo, Che Guevara transcende seu tempo, e ironicamente se tornou uma mercadoria cultural no século XXI, presente em camisetas, faixas, bonés. . .
Mas as opiniões sobre Guevara continuam divididas entre quem o admira e quem o critica. E essa polarização persiste em uma pergunta: seria Che vilão ou herói? Os críticos de Che Guevara costumam afirmar que o líder era reconhecido pela repressão a minorias e apoio a movimentos homofóbicos e até racistas, destacando sua postura rígida contra opositores políticos e suas visões conservadoras sobre questões sociais e culturais.
Será que isso é verdade? Essa crítica a Che está amparada na análise dos seus materiais teóricos, principalmente no que seria chamado de “homem novo”, uma concepção que era fundamental para Guevara e que definia a pessoa dedicada ao bem comum e aos valores socialistas. Esse sujeito deveria ser libertado das “influências negativas do passado”, através da educação direta pelo Estado e pelo Partido Comunista, em que os indivíduos, sob pressão, refletiriam sobre sua conduta, resultando no surgimento do "homem novo comunista".
Por isso, foram criadas as Unidades Militares de Ajuda à Produção, oficialmente destinadas ao serviço militar obrigatório para indivíduos desocupados, e que foram apresentadas como uma medida educativa para evitar que os jovens se tornassem futuros "parasitas" ou "delinquentes contra revolucionários". Logo, esses espaços se tornaram em campos de reeducação e trabalho forçado para indivíduos considerados desejados pelo regime e associados às tais “taras do passado” teorizadas por Che, como prostitutas, desempregados, homossexuais e artistas de rua. Mas e sobre racismo?
É comum encontrar pela internet frases racistas atribuídas a Che Guevara. Na mais famosa, o guerrilheiro teria dito que o “negro indolente e sonhador” gastava seu dinheiro com frivolidades enquanto o europeu tinha o hábito de trabalhar. A frase de fato foi escrita por Che e pode ser facilmente encontrada em seu diário escrito durante sua viagem pela América do Sul quando ainda era um estudante de medicina, muito antes de ele se tornar o líder mundialmente conhecida.
No entanto, a biografia de Che Guevara nos mostra um papel ativo nos movimentos de libertação colonial no continente africano, essencialmente anticoloniais e antirracistas. Seu pensamento era reivindicado por figuras como Samora Machel, Lumumba, Mandela, Steve Biko, entre outros. Cuba mandou soldados e ajuda para os movimentos de luta contra o racismo, colonialismo e imperialismo em países africanos, e Che atuou pessoalmente em muitos desses movimentos.
O que nos leva a outro ponto que é alvo de discussões e contradições: o caráter internacionalista de Che Guevara, e a chamada promoção do internacionalismo armado, a prática de apoiar ativamente movimentos revolucionários ou lutas armadas em diferentes países como uma expressão de solidariedade global. Esse movimento, embora tenha seus defensores, enfrenta muitas críticas. Alguns aspectos negativos apontados são a intervenção nos assuntos internos de outras nações, os fracassos operacionais que resultaram em consequências adversas, o uso da violência armada, desafios éticos associados e a promoção potencial de instabilidade política e social.
Enquanto alguns a veem como uma abordagem beligerante com potenciais consequências negativas, outros destacam aspectos positivos de sua figura e contribuições históricas. Para muitos, Guevara é um herói revolucionário, desempenhando papel crucial na luta contra regimes opressivos. Além disso, há críticas à romantização excessiva de Che Guevara, apontando que sua imagem muitas vezes eclipsa aspectos controversos de sua vida e ações.
A repressão política durante o governo de Fidel Castro, no qual Che teve papéis importantes, é frequentemente apontada como responsável por violações dos direitos humanos, censura, perseguição política e grandes assassinatos em massa. As alegações do Projeto Verdade e Memória, da organização Arquivo Cuba, por exemplo, afirmam que Che Guevara teria sido diretamente responsável por 144 execuções durante a Revolução Cubana, contexto em que houve conflitos armados, instabilidade política e medidas repressivas por parte do governo revolucionário. Por outro lado, Jon Lee Anderson, autor da biografia de Che Guevara enfatiza que rotular Che Guevara como "assassino" é uma caracterização muito forte, especialmente quando se considera o contexto de guerra em que ele esteve envolvido durante a Revolução Cubana, a intervenção no Congo e a campanha na Bolívia.
Para ele, é preciso destacar que, em situações de guerra, a morte de pessoas torna-se uma consequência inevitável das operações militares. Assim, a interpretação desses eventos pode variar, e diferentes fontes históricas podem apresentar perspectivas distintas sobre o papel específico de Che Guevara e o número exato de execuções atribuídas a ele, que não pode ser verificado com exatidão. Nessa jornada entre herói e vilão, podemos ver que Che Guevara parece não ser uma figura muito fácil de definir.
No entanto, a história da política comunista em Cuba é uma trama complexa. Você já parou para pensar como realmente funciona a política em Cuba? Quem toma as decisões por lá?
Clique nesse vídeo e descubra! Não esqueça de contar para a gente aqui nos comentários que outra figura histórica você gostaria de ver por aqui. Esse foi o vídeo de hoje.
Até a próxima!