Meu nome é Cleide e, aos 45 anos de idade, eu acreditava ter construído uma vida sólida e feliz em São Paulo. Casada há mais de 20 anos com Roberto, morávamos em uma casa espaçosa que sempre considerei o símbolo da nossa estabilidade familiar. Roberto era um executivo bem-sucedido e eu trabalhava como professora universitária. Tínhamos uma rotina confortável, amigos em comum e fins de semana preenchidos com atividades que nos mantinham unidos — ou assim eu pensava. As primeiras mudanças foram sutis: Roberto começou a passar mais tempo no escritório, chegando cada vez mais tarde em casa. Quando
questionado, ele sempre tinha uma desculpa pronta: um projeto importante, uma reunião que se estendeu, um cliente que precisava de atenção extra. No início, aceitei suas explicações sem questionar muito; afinal, confiança era a base do nosso relacionamento, não era? Mas então os sinais começaram a se acumular. Roberto passou a se trancar no quarto de hóspedes por horas a fio, alegando que precisava de privacidade para fazer ligações de trabalho. Seu celular, antes sempre à vista, agora estava constantemente em modo silencioso e raramente saía do seu bolso. Quando me aproximava enquanto ele estava no computador, a tela era
rapidamente fechada. Uma noite, enquanto Roberto estava no banho, ouvi seu celular vibrar. Sem pensar duas vezes, peguei o aparelho. A tela mostrava uma mensagem de alguém chamado "Em". O texto dizia apenas: "Mal posso esperar para te ver amanhã." Meu coração disparou rapidamente. Voltei a colocar o celular no lugar, fingindo que nada havia acontecido. Nos dias que se seguiram, observei Roberto com ainda mais atenção. Seus horários tornaram-se mais erráticos; às vezes, ele saía cedo de casa alegando ter reuniões matinais, outras vezes ficava até tarde no escritório, chegando em casa apenas para dormir. E sempre, sempre havia
aquelas horas trancadas no quarto de hóspedes. A frieza entre nós crescia a cada dia: os beijos de boa noite tornaram-se mecânicos, os abraços, raros. Quando tentava iniciar uma conversa sobre nosso relacionamento, Roberto desconversava ou simplesmente dizia que estava cansado demais para falar. Foi numa tarde de sábado, enquanto Roberto estava trabalhando no quarto de hóspedes, que tomei uma decisão que mudaria tudo. Sentada na sala, olhando para a porta fechada daquele quarto, senti uma determinação crescer dentro de mim. Eu precisava saber a verdade, não importava o quão dolorosa ela pudesse ser. Na segunda-feira seguinte, aproveitei que Roberto
havia saído cedo para o trabalho e fiz uma visita a uma loja de eletrônicos. Com a ajuda de um vendedor discreto, escolhi um conjunto de câmeras minúsculas, fáceis de esconder e com ótima qualidade de imagem. O vendedor me olhou com uma mistura de pena e compreensão quando expliquei vagamente que precisava monitorar minha casa. Voltei para casa com o coração acelerado, as câmeras escondidas na bolsa como se fossem uma bomba prestes a explodir. Passei as próximas horas estrategicamente posicionando os dispositivos pela casa: uma câmera no corredor, outra na sala e, a mais importante, uma escondida numa
pequena fenda na estante do quarto de hóspedes, com visão direta para a cama e a escrivaninha. Quando terminei a instalação, sentei-me na beira da nossa cama de casal, olhando para o aplicativo no meu celular que me permitiria acessar as imagens das câmeras. Meus dedos tremiam sobre a tela. Parte de mim queria apertar o botão imediatamente e ver o que estava acontecendo naquele exato momento, mas outra parte — uma parte que ainda se agarrava à esperança de que tudo não passasse de um mal-entendido — me fez hesitar. Decidi esperar, observar, coletar evidências antes de tirar qualquer
conclusão precipitada. Nos dias que se seguiram, mantive uma fachada de normalidade: preparava o café da manhã como sempre, despedia-me de Roberto com um beijo no rosto, ia para o trabalho e voltava, tudo como se nada tivesse mudado. Mas por dentro, eu fervia de ansiedade e medo. Cada vez que Roberto se trancava no quarto de hóspedes, eu sentia o impulso quase incontrolável de pegar meu celular e checar as câmeras. Resistir era uma tortura, mas eu tinha que esperar o momento certo. Esse momento chegou numa quinta-feira à noite. Roberto havia chegado em casa mais cedo do que
o usual, alegando que não estava se sentindo bem. Ele mal tocou no jantar que eu havia preparado, recolhendo-se rapidamente para o quarto de hóspedes com a desculpa de que precisava descansar. Sentada na sala, ouvi o clique da porta se fechando. Esperei 10 minutos, contando cada segundo. Então, com as mãos trêmulas, peguei meu celular e abri o aplicativo das câmeras. A princípio, a imagem mostrava apenas Roberto sentado na escrivaninha, aparentemente trabalhando no laptop. Soltei um suspiro de alívio momentâneo. Mas então, ele olhou para o relógio e um sorriso que eu não via há meses surgiu em
seu rosto. Roberto levantou-se e foi até a janela, abrindo-a levemente. Meu coração disparou. Nossa casa tinha um pequeno jardim lateral, facilmente visível da rua. Observei, incrédula, enquanto uma figura feminina entrava silenciosamente pela janela. Quando a mulher se virou, senti como se todo o ar tivesse sido arrancado dos meus pulmões. Eu a conhecia: era Márcia, nossa vizinha de dois quarteirões abaixo, uma mulher que já havia estado em nossa casa para jantares, que sorria e conversava comigo como se fôssemos amigas. Vi Roberto abraçá-la, beijá-la com uma paixão que há muito tempo não era direcionada a mim. As
lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto enquanto eu observava, paralisada, a cena que se desenrolava na tela do meu celular. A traição estava acontecendo bem diante dos meus olhos, dentro da minha própria casa. O homem com quem eu havia compartilhado mais de duas décadas da minha vida estava nos braços de outra mulher, a poucos metros de onde eu estava sentada. Naquele momento, algo dentro de mim escureceu. A Cleide confiante e amorosa, que eu sempre fui para ele, deu lugar a uma mulher magoada, traída e, acima de tudo, furiosa. Enquanto observava Roberto e Márcia se entregarem
um ao outro... Certeza se formou em meu coração: eles pagariam por isso. Eu faria com que sentissem cada grama da dor e da humilhação que estava sentindo naquele momento. Com os olhos fixos na tela, comecei a planejar minha vingança. Nos dias que se seguiram à minha descoberta, vivia em um estado de choque e raiva contidos. Cada manhã era um desafio para manter a compostura, para olhar nos olhos do homem que dormia ao meu lado e não gritar, não explodir com toda a fúria que fervia dentro de mim. Roberto, alheio à tempestade que eu continha, continuava
sua rotina como se nada tivesse mudado. Decidi manter minha descoberta em segredo por enquanto, não por piedade ou esperança de reconciliação, mas porque precisava de tempo: tempo para planejar, para reunir mais evidências, para garantir que minha vingança fosse completa e devastadora. Continuei monitorando as câmeras obsessivamente. Márcia aparecia pelo menos três vezes por semana, sempre entrando pela janela do quarto de hóspedes. Às vezes ficava por horas; outras vezes, eram encontros rápidos e furtivos. Cada vez que eu os via juntos, a dor da traição se renovava, alimentando minha determinação. Uma tarde, enquanto assistia às gravações, notei algo
que havia escapado à minha atenção antes: Roberto havia dado a Márcia uma chave, uma cópia da chave da nossa casa. O descaramento, a audácia daquele gesto fez meu sangue ferver. Ela agora tinha livre acesso ao nosso lar, como se tivesse direito de estar ali. Comecei a notar pequenas mudanças pela casa: um perfume diferente no ar, uma xícara fora do lugar, as cortinas do quarto de hóspedes ligeiramente desarrumadas. Eram detalhes que eu teria ignorado antes, mas agora cada um deles era uma prova gritante da invasão do meu espaço. Roberto, por sua vez, tornava-se cada vez mais
distante. Nossas conversas, já raras, agora eram praticamente inexistentes. Ele passava a maior parte do tempo em casa, trancado no quarto de hóspedes, alegando estar sobrecarregado com o trabalho. Eu fingi acreditar, mordendo a língua para não confrontá-lo ali mesmo. Uma noite, durante o jantar, uma refeição silenciosa que compartilhávamos mais por hábito do que por desejo, Roberto mencionou casualmente que precisaria viajar a trabalho na semana seguinte. Seria uma viagem de três dias ao Rio de Janeiro; uma oportunidade importante para a empresa, ele disse, mal fazendo contato visual comigo. "Não posso recusar", murmurou, algo sobre entender a ansiedade
do trabalho dele. Por dentro, no entanto, eu fervia, sabia sem sombra de dúvida que ele acabaria nessa viagem de negócios. Naquela noite, enquanto Roberto dormia ao meu lado, comecei a formular um plano. A viagem deles seria minha oportunidade perfeita: três dias inteiros para agir, sem interferências, para preparar o terreno para minha vingança. No dia da partida de Roberto, dei-lhe um beijo de despedida, desejando-lhe uma boa viagem. Observei pela janela enquanto ele entrava no táxi, sua mala de viagem ao seu lado. Menos de uma hora depois, vi Márcia saindo de sua casa, também carregando uma mala.
Assim que tive certeza de que eles haviam partido, entrei em ação. Meu primeiro passo foi fazer uma varredura completa da casa, procurando por qualquer evidência física do caso deles que pudesse ter escapado às câmeras. No quarto de hóspedes, encontrei um par de brincos que certamente não me pertencia, escondido atrás da cabeceira da cama. No closet de Roberto, descobri uma caixa de preservativos de uma marca que nunca usávamos. Cada descoberta era como uma facada, mas eu me forcei a continuar. Fotografei tudo e catalogei cada evidência meticulosamente. Não deixaria nenhum detalhe escapar. Em seguida, concentrei-me nas gravações
das câmeras. Passei horas revendo as filmagens, selecionando os momentos mais incriminadores. Ver repetidamente as cenas de intimidade entre Roberto e Márcia era torturante, mas me forcei a assistir; precisava conhecer cada detalhe de sua traição para poder usá-la contra eles. No segundo dia da ausência de Roberto, decidi dar o próximo passo. Usando a chave que havia encontrado escondida na gaveta de Roberto, entrei na casa de Márcia. Meu coração batia freneticamente enquanto eu vasculhava cada cômodo, procurando por mais provas de seu caso. No quarto dela, encontrei um diário. As páginas estavam repletas de entradas detalhando seus encontros
com Roberto; seus planos para o futuro, suas fantasias de uma vida juntos. Lendo aquelas palavras escritas pela mão da mulher que estava destruindo meu casamento, senti uma mistura de nojo e fúria. Mas foi no closet de Márcia que encontrei a peça final do quebra-cabeça: escondida entre suas roupas, estava uma pequena caixa de joias. Dentro, um anel de diamantes que eu reconheci imediatamente: era uma herança de família de Roberto, um anel que sua avó havia lhe dado antes de morrer com a instrução de entregá-lo à mulher com quem quisesse passar o resto de sua vida. Segurando
aquele anel, símbolo de um futuro que Roberto aparentemente planejava com outra mulher, senti algo dentro de mim se endurecer. Qualquer resquício de dúvida ou hesitação se dissipou: eles não mereciam piedade, não mereciam uma segunda chance; mereciam sentir a mesma dor, a mesma humilhação que eu estava sentindo. Voltei para casa com o diário de Márcia e o anel, adicionando à minha coleção crescente de evidências. Passei a noite inteira planejando, organizando, preparando cada detalhe do que faria a seguir. Na manhã do terceiro dia, recebi uma mensagem de Roberto informando que voltaria naquela noite. Era o sinal que
eu esperava; meu tempo de preparação havia acabado e agora era a hora de agir. Passei o dia arrumando a casa, preparando um jantar elaborado. Para qualquer observador externo, pareceria que eu estava simplesmente dando as boas-vindas ao meu marido após uma viagem de negócios. Mas cada movimento meu era calculado, cada detalhe cuidadosamente planejado para o que estava por vir. Às 19 horas, ouvi o som da chave na fechadura. Roberto entrou, parecendo cansado, mas satisfeito; seus olhos se arregalaram ligeiramente ao ver a mesa posta, as velas acesas. "Cleide", ele disse, com um toque de surpresa em sua
voz, "não precisava se..." Incomodar sorri, um sorriso que não alcançava meus olhos. "Não é incômodo nenhum, querido. Sente-se, vou buscar o vinho." Enquanto servia as taças, observei Roberto disfarçadamente; ele parecia relaxado, confiante, provavelmente achava que sua pequena aventura havia passado despercebida, que poderia continuar sua vida dupla sem consequências. Conversamos casualmente durante o jantar; perguntei sobre a viagem, fingi interesse em seus relatos sobre reuniões e negócios. Roberto, por sua vez, fazia perguntas superficiais sobre como eu havia passado os últimos dias. Era uma dança familiar, um ritual de normalidade que agora parecia grotesco à luz do que
eu sabia. Após a sobremesa, sugiri que nos mudássemos para a sala. Roberto concordou, levando sua taça de vinho consigo. "Entendo", minha voz calma. "O que precisamos..." "O que foi? Aconteceu alguma coisa?" Levantei-me, caminhando até a estante; detrás de alguns livros, peguei um envelope grande que havia preparado mais cedo. Voltei para o sofá, sentando de frente para Roberto. "Sim, aconteceu", respondi, minha voz agora fria como gelo, "e acho que está na hora de colocarmos todas as cartas na mesa." Abri o envelope, despejando seu conteúdo sobre a mesa de centro: fotografias, transcrições de conversas, cópias das páginas
do diário de Márcia. Todas as evidências que eu havia coletado nos últimos dias se espalharam diante de nós. Vi o rosto de Roberto empalidecer à medida que seus olhos percorriam os documentos. Ele abriu a boca, fechou-a novamente, claramente em choque. "Eu posso explicar", ele começou, mas o interrompi. "Explicar o quê, exatamente?", perguntei, minha voz cortante. "Como você tem traído sua esposa há meses? Como você traz sua amante para a nossa casa? Ou talvez você queira explicar isso?" Tirei o anel de diamantes do meu bolso, colocando-o no centro da mesa. Roberto empalideceu ainda mais. "Onde... onde
você encontrou isso?", ele gaguejou. "Na casa da Márcia", respondi friamente. "Aparentemente, você planejava um futuro com ela, um futuro que incluía dar a ela o anel da sua avó." Roberto se levantou abruptamente, as mãos pelo cabelo em um gesto de desespero. "Por favor, não é o que você está pensando!", não o deixei terminar. "Então me diga, Roberto. O que exatamente eu deveria pensar? Porque, do meu ponto de vista, parece que meu marido de 20 anos tem me traído descaradamente, trazendo outra mulher para a nossa casa, fazendo planos para um futuro com ela." Ele se virou
para mim, seus olhos implorando. "Foi um erro! Eu... eu me deixei levar, mas não significa nada, eu juro! Você é a mulher da minha vida!" Soltei uma risada amarga. "A mulher da sua vida? É por isso que você passa horas trancado no quarto de hóspedes com Márcia? É por isso que você deu a ela uma cópia da chave da nossa casa?" Roberto congelou. "Como você sabe disso?" Em resposta, peguei meu celular e abri o aplicativo das câmeras. Reproduzi uma das gravações, mostrando Roberto e Márcia juntos no quarto de hóspedes. Assistia seu rosto passar do choque
para o horror, à medida que a realidade da situação o atingia. "Você... você nos filmou?", ele sussurrou, incrédulo. "Sim, Roberto. Eu filmei", respondi, minha voz carregada de desprezo. "Porque, ao contrário de você, eu não sou idiota. Eu tinha certeza de que algo estava errado e fiz o que era necessário para descobrir a verdade." Roberto desabou no sofá, a cabeça entre as mãos. "Por favor, podemos conversar sobre isso? Podemos tentar consertar as coisas?" Levantei-me, olhando para ele com toda a frieza que consegui reunir. "Não há nada para consertar, Roberto. Você destruiu tudo o que tínhamos. Cada
momento que passamos juntos nos últimos meses foi uma mentira." Caminhei até a porta da sala, virando-me para encará-lo uma última vez. "Quero você fora desta casa até amanhã à noite. Não me importa para onde você vai, mas não quero você aqui quando eu voltar do trabalho." Roberto levantou a cabeça, o desespero evidente em seus olhos. "Por favor, não faça isso! Eu te amo! Podemos superar isso!" "Não, Roberto", interrompi, minha voz firme. "Você não me ama. Se me amasse, não teria feito o que fez. Acabou. E se você não estiver fora daqui amanhã, acredite, farei com
que todos saibam exatamente o tipo de homem que você é." Com essas palavras, saí da sala, deixando Roberto sozinho com as evidências de sua traição espalhadas à sua frente. Subi as escadas, entrei no nosso quarto — não, no meu quarto agora — e tranquei a porta. Deitada na cama, olhei para o teto; senti uma mistura de emoções me invadir: dor, raiva, alívio, uma estranha sensação de liberdade. O futuro era incerto, mas uma coisa era certa: a partir daquele momento, minha vida seria minha e de mais ninguém. A vingança ainda não estava completa. Márcia ainda precisava
enfrentar as consequências de suas ações, mas isso poderia esperar até amanhã. Por enquanto, permiti-me sentir o peso dos últimos dias, das últimas semanas, finalmente se dissipando. Despertei na manhã seguinte com o som de movimentação no andar de baixo. Roberto estava recolhendo suas coisas, cumprindo minha ordem de sair da casa. Fiquei deitada, ouvindo o arrastar de malas e o abrir e fechar de gavetas. Parte de mim queria descer, gritar com ele novamente, fazê-lo sentir mais da dor que eu estava sentindo, mas me contive. Minha vingança ainda não estava completa e eu precisava manter o controle. Quando
finalmente ouvi a porta da frente se fechar, levantei-me. A casa estava silenciosa, estranhamente vazia. Caminhei pelos cômodos, notando os espaços vazios onde antes estavam os pertences de Roberto. No closet, metade dos cabides estavam vazios. Passei pelo quarto de hóspedes, o cenário de tantas traições. O cheiro de Márcia ainda pairava no ar, uma lembrança constante de sua presença indesejada em minha casa. Com determinação, abri as janelas, deixando o ar fresco da manhã entrar. Comecei a retirar os lençóis da cama, decidida a queimá-los mais tarde enquanto... trabalhava. Minha mente fervilhava com planos para Márcia. Roberto já havia
recebido sua punição inicial, mas ela ainda precisava enfrentar as consequências de suas ações. Ela havia invadido minha casa, meu casamento, minha vida. Era hora de retribuir o favor. Depois de limpar meticulosamente o quarto de hóspedes, removi as câmeras que havia instalado; não precisaria mais delas. As evidências que eu já tinha eram mais que suficientes. Tomei um banho demorado, deixando a água quente lavar parte da tensão dos últimos dias. Ao me vestir, escolhi cuidadosamente minha roupa: um vestido que me fazia sentir poderosa, confiante. Hoje não era dia para fragilidades. Saí de casa determinada, dirigindo até o
local de trabalho de Márcia. Eu havia decorado sua rotina de cor graças às conversas que havia ouvido entre ela e Roberto. Estacionei do outro lado da rua, esperando pacientemente. Às 12:30 em ponto, vi Márcia saindo do prédio para seu almoço. Ela caminhava com confiança, um sorriso no rosto, completamente alheia ao furacão que estava prestes a atingi-la. Saí do carro e a segui até o restaurante que ela frequentava. Márcia sentou-se em uma mesa nos fundos, pegando seu celular, provavelmente para mandar uma mensagem para Roberto. Pensei amargamente. Aproximando-me silenciosamente, parei ao lado de sua mesa. Márcia levantou
os olhos, a surpresa evidente em seu rosto ao me reconhecer. — Cleide! — ela disse, um toque de nervosismo em sua voz. — Que surpresa te ver aqui! — Olá, Márcia — respondi friamente. — Podemos conversar? Sem esperar resposta, sentei-me na cadeira à sua frente. Márcia olhou ao redor, nervosamente, como se procurasse uma rota de fuga. — Cleide, eu... eu não sei o que dizer — ela gaguejou. — Não diga nada, então — cortei. — Apenas escute. Tirei da bolsa o envelope com as evidências que havia mostrado a Roberto na noite anterior. Os olhos de
Márcia se arregalaram ao ver as fotos e as transcrições de suas conversas com Roberto. — Como... como você conseguiu isso? — ela sussurrou, o pânico evidente em sua voz. — Isso não importa — respondi. — O que importa é que eu sei de tudo, Márcia: cada encontro furtivo, cada mentira, cada momento que você passou na minha casa, na minha cama. Márcia empalideceu, suas mãos tremendo sobre a mesa. — Cadê? Eu posso explicar! — Explicar o quê? — interrompi, minha voz carregada de desprezo. — Como você traiu minha confiança? Como você entrou na minha casa, fingindo
ser minha amiga, enquanto dormia com meu marido? Lágrimas começaram a se formar nos olhos de Márcia. — Eu... eu me apaixonei... — Não queira me fazer de idiota! — cortei, como uma lâmina. — Então vocês tinham tudo planejado: iam destruir meu casamento, minha vida, e seguir felizes para sempre. Ela tentou falar novamente, mas a interrompi. — Não, Márcia, agora você vai me ouvir. Acabou seu pequeno conto de fadas! Com Roberto terminou. Ele saiu de casa ontem à noite, depois que mostrei a ele todas essas evidências. Os olhos de Márcia se arregalaram em choque. — Ele...
ele saiu? — Sim — confirmei. — E agora é sua vez de enfrentar as consequências. Tirei da bolsa o diário que havia encontrado na casa dela. Os olhos de Márcia se fixaram no objeto, o reconhecimento e o medo evidentes em seu rosto. — Seu diário? Faz uma leitura fascinante — comentei sarcasticamente. — Tantos detalhes sobre seus encontros, seus planos para o futuro... Imagino o que seus colegas de trabalho, seus amigos, sua família pensariam se lessem isso. — Você não faria isso! — Márcia sussurrou, horrorizada. — Não faria? — rebati. — Você invadiu minha vida, Márcia!
Destruiu meu casamento! Por que eu deveria me importar com sua reputação? Márcia começou a soluçar baixinho, atraindo olhares curiosos das mesas próximas. — Por favor, Cleide, eu faço qualquer coisa! Não destrua minha vida! Olhei para ela friamente. — Como você destruiu a minha? Ficamos em silêncio por alguns momentos, o único som sendo os soluços contidos de Márcia. Finalmente, falei novamente. — Aqui está o que vai acontecer, Márcia: você vai se afastar de mim, de Roberto, de tudo relacionado à minha vida. Vai pedir transferência no trabalho, mudar-se para longe. Se eu souber que você tentou entrar
em contato com Roberto ou se você mencionar uma palavra sobre nosso relacionamento para alguém, acredite, farei com que todos saibam exatamente o tipo de pessoa que você é. Márcia assentiu freneticamente, as lágrimas escorrendo por seu rosto. — Eu farei isso, prometo! — Você nunca mais vai me ver! — levantei-me, olhando para ela uma última vez. — Ótimo, e Márcia, aquele anel de diamantes que Roberto te deu, quero de volta. Deixe na minha caixa de correio até amanhã ou as consequências serão ainda piores! Sem esperar por uma resposta, virei-me e saí do restaurante, deixando Márcia em
lágrimas à mesa. Enquanto caminhava de volta para meu carro, senti uma mistura de emoções: satisfação por ter confrontado Márcia, raiva renovada ao lembrar de suas palavras, um toque de tristeza pelo que poderia ter sido. Passei o resto do dia em um estado de agitação nervosa. Parte de mim esperava que Roberto ou Márcia tentassem entrar em contato, implorando por perdão ou tentando se explicar novamente, mas meu telefone permaneceu silencioso. À noite, sentada sozinha em minha sala de estar, a realidade da situação finalmente me atingiu com toda a força: meu casamento havia acabado. A vida que eu
conhecia por mais de 20 anos havia sido destruída em questão de dias. Permiti-me, pela primeira vez desde que descobri a traição, chorar verdadeiramente. Chorei pela confiança perdida, pelos anos desperdiçados, pelos sonhos que nunca se realizariam. Chorei até não ter mais lágrimas, até me sentir completamente exausta. Quando finalmente me acalmei, olhei ao redor da sala. As fotografias de momentos felizes com Roberto ainda adornavam as paredes, agora parecendo uma cruel zombaria. Levantei-me determinada e comecei a retirá-las uma a uma. Cada foto removida era como arrancar um pedaço do passado: doloroso, mas necessário. Juntei todas as fotos em
uma caixa, junto com outros objetos que me lembravam Roberto, presentes que ele havia me dado ao longo... Dos anos, souvenirs de nossas viagens juntos, não estava pronta para me desfazer deles completamente, mas também não podia suportar vê-los todos os dias. Guardei a caixa no fundo do armário, prometendo a mim mesma que um dia, quando a dor não fosse tão aguda, decidiria o que fazer com aquelas lembranças. Na manhã seguinte, acordei sentindo-me estranhamente leve. A dor ainda estava lá, um peso constante em meu peito, mas havia também uma sensação de liberdade. Pela primeira vez em muito
tempo, meu dia não seria ditado pelas necessidades ou expectativas de Roberto. Preparei meu café da manhã apenas para mim e sentei-me à mesa da cozinha, planejando meu dia. Precisava informar minha família sobre o fim do casamento, ligar para um advogado para iniciar procedimentos, e começar a reorganizar minha vida. Enquanto elaborava minha lista mental de tarefas, ouvi o barulho da caixa de correio sendo aberta. Meu coração acelerou, lembrando do ultimato que havia dado a Márcia sobre o anel. Caminhei até a porta da frente, abrindo a caixa de correio com mãos trêmulas. Dentro, havia um pequeno pacote
embrulhado em papel pardo. Abrir ali mesmo, na varanda. O anel de diamantes da avó de Roberto brilhava sob a luz da manhã. Junto com ele, havia um bilhete escrito às pressas: "Sinto muito por tudo. Adeus." Fiquei olhando para o anel por um longo momento; ele representava tantas coisas: a história da família de Roberto, as esperanças quebradas, os sonhos desfeitos. Por um instante, fui tomada pelo impulso de jogá-lo longe, de me livrar desse último vestígio de meu casamento fracassado. Mas algo me impediu. Talvez fosse o respeito pela memória da avó de Roberto ou talvez fosse a
consciência de que aquele anel agora representava não apenas o fim de meu casamento, mas também o início da minha nova vida. Voltei para dentro de casa, guardando o anel em minha caixa de joias. Um dia, decidiria o que fazer com ele; por enquanto, era um lembrete não do amor que perdi, mas da força que descobri em mim mesma. O restante do dia foi preenchido com telefonemas e e-mails. Conversei com meus pais, explicando a situação da forma mais calma possível. Eles ficaram chocados, é claro, mas ofereceram seu apoio incondicional. Falei com minha irmã, que imediatamente se
ofereceu para vir ficar comigo por alguns dias. Recusei gentilmente, explicando que precisava desse tempo sozinha para processar tudo. Entrei em contato com um advogado recomendado por uma colega de trabalho, marcando uma consulta para a semana seguinte. A ideia de oficializar o fim do meu casamento através de papéis e tribunais parecia surreal; era um passo necessário. À tarde, recebi uma mensagem de texto de Roberto. Meu coração disparou ao ver seu nome na tela, uma mistura de raiva e ansiedade me invadindo: "Podemos conversar? Preciso pegar algumas coisas que ficaram na casa e gostaria de tentar explicar." Olhei
para a mensagem por um longo tempo, considerando minhas opções. Parte de mim queria ignorá-lo completamente, cortar qualquer possibilidade de contato. Outra parte, uma parte que eu odiava admitir que ainda existia, queria ouvi-lo, queria entender como ele pode jogar fora 20 anos de casamento. Finalmente, respondi: "Você pode vir buscar suas coisas amanhã, às 14 horas. Estarei em casa. Não há nada para explicar." Sua resposta veio quase imediatamente: "Obrigado, estarei lá." Coloquei o telefone de lado, sentindo uma onda de exaustão me atingir. Amanhã seria outro dia difícil, outro confronto, mas eu estaria pronta. Não permitiria que Roberto
me visse fragilizada, não daria a ele a satisfação de saber o quanto suas ações haviam me afetado. Naquela noite, preparei um jantar elaborado apenas para mim, algo que raramente fazia quando estava casada. Abri uma garrafa de vinho que havia guardado para uma ocasião especial, decidindo que começar minha nova vida como uma mulher solteira era motivo suficiente para celebrar. Enquanto saboreava minha refeição, refleti sobre os eventos dos últimos dias. A dor da traição ainda estava lá, uma ferida aberta que levaria tempo para cicatrizar, mas junto com a dor havia uma crescente sensação de empoderamento. Eu havia
enfrentado uma das piores traições possíveis e sobrevivido. Havia confrontado tanto Roberto quanto Márcia, recusando-me a ser a presa silenciosa em minha própria história, e agora estava dando os primeiros passos em direção a um futuro que, embora incerto, era inteiramente meu. Quando terminei meu jantar, lavei a louça e arrumei a cozinha, uma tarefa simples que, de alguma forma, parecia simbólica. Eu estava limpando os restos do meu antigo eu, preparando o terreno para o que viria a seguir. Fui para a cama cedo, sabendo que precisaria de todas as minhas forças para o encontro com Roberto no dia
seguinte. Enquanto me acomodava sob os lençóis, olhei para o lado vazio da cama, o lado de Roberto. Em breve, pensei, isso seria apenas o meu lado da cama, minha cama, em minha casa, em minha nova vida. Acordei na manhã seguinte com um misto de ansiedade e determinação. O relógio marcava 7 horas, dando-me bastante tempo para me preparar para o encontro com Roberto às 14 horas. Decidi usar esse tempo para fortalecer minha resolução e organizar meus pensamentos. Após um café da manhã leve, passei a manhã reorganizando a casa. Retirei os últimos vestígios da presença de Roberto:
fotos que ainda restavam, pequenos objetos pessoais que ele havia deixado para trás. Cada item removido era como cortar mais um fio que me prendia ao passado. Às 13 horas, tomei um banho demorado, deixando a água quente relaxar meus músculos tensos. Escolhi cuidadosamente minha roupa, um vestido que me fazia sentir confiante e poderosa, sem ser obviamente provocativo. Não queria que Roberto pensasse que eu estava tentando impressioná-lo ou seduzi-lo de volta. Pontualmente às 14 horas, a campainha tocou. Respirei fundo, alisando meu vestido uma última vez antes de atender à porta. Roberto estava parado ali, parecendo desconfortável e
cansado; seus olhos percorreram meu rosto como se procurassem sinais de fraqueza ou hesitação. "Olá," disse ele, sua voz baixa. E, incerta, Roberto respondi friamente, dando um passo para o lado para permitir sua entrada. Ele entrou hesitante, seus olhos percorrendo a sala de estar. Notei quando seu olhar se fixou nos espaços vazios onde antes havia fotos nossas. “As suas coisas estão no quarto de hóspedes”, informei, minha voz deliberadamente neutra. “Eu as organizei para facilitar.” Roberto assentiu, caminhando em direção ao quarto. Segui-o, mantendo uma distância segura, observei enquanto ele pegava as caixas que eu havia preparado, contendo
suas roupas, livros e outros pertences pessoais. “Cide”, ele começou, virando-se para mim. “Eu sei que disse que queria explicar, mas a verdade é que não há explicação que justifique o que fiz.” Cruzei os braços, encarando-o friamente. “Você tem razão, não há.” Ele baixou os olhos, a culpa evidente em seu rosto. “Eu arruinei tudo. Não foi 20 anos de casamento jogados fora por uma estupidez?” “Sim, você arruinou”, concordei, minha voz dura. “E não foi apenas uma estupidez, Roberto. Foi uma escolha, uma série de escolhas, na verdade. Cada vez que você se encontrava com Márcia, cada mentira
que você me contava era uma escolha.” Roberto ergueu os olhos, a dor evidente em seu olhar. “Eu sei e se pudesse voltar atrás...” “Mas não pode”, interrompi. “O que está feito, está feito. Não há como desfazer a traição, a quebra de confiança.” Ele deu um passo em minha direção, sua mão estendida, como se quisesse me tocar. “Recuei.” “Cleide, por favor!”, ele implorou. “Não podemos ao menos conversar sobre isso, sobre nós?” Senti uma onda de raiva me invadir. “Não há nós, Roberto! Você destruiu qualquer chance de um nós no momento em que decidiu trair nosso casamento.”
“Eu cometi um erro terrível”, ele admitiu, sua voz embargada. “Mas 20 anos, 20 anos de história não podem simplesmente desaparecer.” Olhei para ele, sentindo uma mistura de pena e desprezo. “Não, não podem. Esses 20 anos sempre existirão, Roberto. Mas agora são apenas isso: história. O presente e o futuro, isso você jogou fora.” Roberto deixou escapar um suspiro trêmulo. “Eu amo você, Cleide. Apesar de tudo, eu realmente amo.” Soltei uma risada amarga. “Amor? É isso que você chama de amor? Trair sua esposa por meses, trazer outra mulher para nós fazer planos de futuro? Se isso é
amor, prefiro ficar sozinha.” Ele falou novamente, mendigando. “Meu advogado entrou em contato sobre o procedimento...” “Menos como um físico”, intercedi. “Roberto, claramente anseia na parte do divórcio”, ele repetiu, sua voz quase um sussurro. “Cleide, por favor, não podemos tentar. Tentar consertar isso!” Olhei para ele, incrédula. “Consertar, Roberto? Algumas coisas, uma vez quebradas, não podem ser consertadas. Nossa confiança, nosso casamento, são algumas dessas coisas.” Ele baixou a cabeça, derrotado. Em silêncio, começou a recolher as caixas com seus pertences. Observei enquanto ele fazia várias viagens até seu carro, carregando o que restava de sua vida em nossa
casa. Finalmente, quando a última caixa foi carregada, Roberto parou na porta da frente, virando-se para mim uma última vez. “Eu sinto muito”, ele disse, sua voz carregada de arrependimento. “Por tudo. Você merecia coisa melhor.” “Sim, eu merecia”, concordei. “Adeus, Roberto.” Fechei a porta antes que ele pudesse responder, encostando nela e deixando escapar um longo suspiro. Era o fim, realmente o fim. Caminhei até a janela, observando Roberto entrar em seu carro e partir. Uma parte de mim queria chorar, gritar, quebrar algo, mas outra parte, uma parte mais forte, sentia apenas alívio. O peso da mentira, da
traição, finalmente havia sido removido. Passei o resto do dia em um estado de nervos. Limpei a casa obsessivamente, como se pudesse apagar os últimos vestígios de Roberto com produtos de limpeza e esfregões. Reorganizei armários, joguei fora coisas que há muito deveriam ter ido para o lixo. À noite, exausta física e emocionalmente, afundei no sofá com uma taça de vinho. Peguei meu telefone, hesitando por um momento antes de fazer uma ligação. “Alô?” A voz de minha irmã, Laura, soou do outro lado da linha. “Oi, Laura”, respondi, sentindo minha voz tremer ligeiramente. “Lembra quando você se ofereceu
para vir ficar comigo? Acho que estou pronta para aceitar essa oferta agora.” Laura não hesitou. “Claro, Cleide, posso ir amanhã mesmo. Você está bem?” Pensei por um momento antes de responder. “Não, não estou, mas vou ficar.” Conversamos por mais alguns minutos, combinando os detalhes da visita de Laura. Quando desliguei, senti uma onda de gratidão por ter alguém em quem podia contar nesse momento difícil. Na manhã seguinte, acordei cedo para preparar o quarto de hóspedes para Laura. Era estranho estar naquele quarto novamente, o local onde tantas traições haviam ocorrido. Decidi que, assim que tivesse condições financeiras,
renovaria completamente esse cômodo. Talvez até mesmo o transformasse em um escritório ou sala de leitura, qualquer coisa para apagar as memórias dolorosas associadas a ele. Laura chegou por volta do meio-dia, trazendo consigo uma energia reconfortante. Assim que entrou, envolveu-me em um abraço apertado. “Oh, Cleide”, ela sussurrou, “sinto muito por tudo isso.” Deixei-me ser abraçada, sentindo as lágrimas que havia reprimido por tanto tempo finalmente começarem a cair. Laura me guiou gentilmente até o sofá, sentando-se ao meu lado e segurando minha mão enquanto eu chorava. Quando finalmente me acalmei, Laura preparou um chá para nós duas. Sentadas
na cozinha, comecei a contar a ela todos os detalhes sórdidos da traição de Roberto, as manipulações, a descoberta das câmeras. Laura ouviu em silêncio, sua expressão alternando entre choque e raiva à medida que eu revelava a extensão da traição. “Não posso acreditar que Roberto faria isso”, ela disse, quando terminei. “Ele sempre pareceu tão dedicado a você.” Dei de ombros, tomando um gole do meu chá. “Eu também não podia acreditar no início, mas as provas estavam lá, claras como o dia.” “E essa Márcia?”, Laura continuou, a indignação evidente em sua voz. “Que tipo de pessoa faz
isso? Entrar na casa de uma mulher, dormir com o marido dela?” “O tipo de pessoa que não tem escrúpulos”, respondi amargamente. Mas ela recebeu o que merecia. Duvido que ela volte a mostrar o rosto por aqui tão cedo. Laura assentiu, um sorriso de aprovação em seu rosto. "Bem feito! E quanto a Roberto? O que você vai fazer agora?" Suspirei, colocando minha xícara sobre a mesa. "Vou seguir em frente. O divórcio será final em breve, depois disso, bem, depois disso começo uma nova vida." "E como você se sente sobre isso?" Laura perguntou gentilmente. Pensei por um
momento antes de responder: "Assustada, magoada, mas também livre, de certa forma. É como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros. Não preciso mais viver com a suspeita e a desconfiança." Laura apertou minha mão. "Você é mais forte do que pensa, Cleide. Vai superar isso." Sorri fracamente. "Obrigada, Laura, por estar aqui." Passamos o resto do dia conversando, relembrando momentos de nossa infância e fazendo planos para o futuro. Laura conseguiu me fazer rir pela primeira vez em semanas, e senti uma onda de gratidão por sua presença. À noite, depois que Laura se recolheu para o
quarto de hóspedes, fiquei na sala, olhando pela janela para a rua silenciosa. A casa parecia diferente agora: não mais um local de traição e mentiras, mas um espaço de possibilidades. Peguei meu celular, abrindo o aplicativo que havia usado para acessar as câmeras. Olhei para ele por um longo momento antes de pressionar o botão de deletar. Observei enquanto o aplicativo era removido do meu telefone, levando consigo as últimas evidências digitais da traição de Roberto. Era um pequeno gesto, mas muito simbólico. Eu estava deletando não apenas um aplicativo, mas toda uma fase da minha vida— a fase
de desconfiança, de dor, de traição. Caminhei até o quarto, parando na frente do espelho. A mulher que me encarava de volta não era mais a Cleide ingênua de alguns meses atrás. Seus olhos carregavam uma nova sabedoria, uma força recém-descoberta. "Você sobreviveu," sussurrei para mim mesma. "Amanhã será outro dia, um dia mais próximo do meu começo." Na manhã seguinte, acordei com um cheiro de café fresco. Por um momento desorientador, pensei que Roberto estava na cozinha, como costumava fazer aos domingos. Então a realidade me atingiu, e lembrei que era Laura quem estava em casa. Levantei-me, vestindo meu
roupão, e fui até a cozinha. Laura estava lá, preparando o café da manhã. "Bom dia!" ela sorriu. "Espero que você não se importe. Pensei em fazer um café da manhã reforçado para nós." Sorri de volta, sentindo uma onda de afeto por minha irmã. "De forma alguma. Obrigada, Laura." Sentamos para comer, conversando sobre planos para o dia. Laura sugeriu que saíssemos, talvez para fazer compras ou ir ao cinema. "Seria bom você sair um pouco de casa," ela disse. "Mudar de ares." Concordei, percebendo que há semanas não saía, a não ser para trabalhar. A ideia de passar
um dia fora, longe das lembranças dolorosas que permeavam cada canto da casa, parecia revigorante. Passamos o dia no shopping, comprando roupas novas, incluindo algumas peças mais ousadas que normalmente eu não usaria. Laura me incentivou a experimentar estilos diferentes, argumentando que era hora de uma mudança: nova vida, novo visual. Ela brincou, segurando um vestido vermelho contra mim. Ri, pegando o vestido. "Sabe de uma coisa? Você tem razão!" À noite, exaustas, mas satisfeitas com nossas compras, voltamos para casa. Enquanto guardava as sacolas no armário, notei o espaço vazio onde as roupas de Roberto costumavam ficar. "Acho que
preciso de mais roupas novas," comentei com Laura. "Para preencher todo esse espaço." Ela me olhou, uma expressão compreensiva em seu rosto. "Ou talvez você precise de um armário novo. Algo que seja só seu, sem lembranças do passado." Considerei suas palavras, percebendo a sabedoria nelas. "Você está certa. Acho que está na hora de algumas mudanças por aqui." Nos dias que se seguiram, Laura e eu começamos a planejar uma pequena reforma na casa. Escolhemos novas cores para as paredes e novos móveis para substituir aqueles que carregavam muitas memórias de Roberto. Cada mudança, por menor que fosse, parecia
me fortalecer. Era como se eu estivesse reclamando meu espaço, minha vida. Na véspera da partida de Laura, sentamos no sofá com uma garrafa de vinho, refletindo sobre os últimos dias. "Como você está se sentindo agora?" ela perguntou. Pensei por um momento antes de responder: "Melhor. Não completamente curada, mas melhor. Cada dia fica um pouco mais fácil." Laura sorriu, apertando minha mão. "Estou orgulhosa de você, Cleide. Você é mais forte do que imagina." Retribuí o sorriso, sentindo uma onda de gratidão por minha irmã. "Obrigada, Laura, por tudo." Na manhã seguinte, levei Laura até o aeroporto. Nos
abraçamos longamente antes dela passar pelo controle de segurança. "Ligue se precisar de qualquer coisa," ela disse. "A qualquer hora." A senti sentindo lágrimas nos olhos. "Obrigada, Laura, de verdade." Observei enquanto ela desaparecia na multidão de passageiros, sentindo uma mistura de gratidão e apreensão. Os últimos dias com Laura haviam sido um bálsamo para minha alma ferida, mas agora eu enfrentaria o mundo sozinha novamente. No caminho de volta para casa, decidi fazer uma parada. Estacionei em frente a uma loja de tintas e entrei, determinada. Saí uma hora depois com latas de tinta em tons vibrantes: um azul
profundo para a sala de estar, um verde suave para o quarto, um amarelo alegre para a cozinha. Em casa, sem perder tempo, comecei a mover os móveis e cobrir o chão com lonas. Liguei uma playlist animada e mergulhei no trabalho de pintura. Enquanto passava o rolo pelas paredes, cobrindo o bege neutro que Roberto havia escolhido anos atrás, senti como se estivesse pintando por cima das memórias dolorosas, criando um novo cenário para minha vida. Trabalhei incansavelmente por horas, parando apenas para comer algo rápido. Quando finalmente terminei, a sala de estar já passava da meia-noite. Exausta, mas
satisfeita, desabei no sofá coberto por lona, observando meu trabalho: as paredes azuis. pareciam dar nova vida ao ambiente. Era como se a sala e eu pudéssemos finalmente respirar. Nos dias que se seguiram, continuei meu projeto de renovação. Pintei o quarto, a cozinha, até mesmo o banheiro; cada pincelada era um ato de reclamação, de autodefinição. Uma semana depois, com a casa transformada, senti que era hora de dar o próximo passo. Liguei para minha chefe na universidade pedindo uma reunião no dia seguinte. Sentada em seu escritório, expus minha situação e meu pedido: gostaria de me candidatar para
o programa de câmbio em Lisboa, disse. Senti meu coração acelerar. Sei que o prazo passou, mas esperava que houvesse exceção. Ela olhou para mim, depressa e perguntando: "Você tem certeza? É uma grande decisão, especialmente considerando tudo o que você passou recentemente". Senti-me firme: "Tenho certeza. Preciso disso, um novo começo em um lugar novo". Ela considerou por um momento antes de sorrir. "Bem, sua dedicação e excelência no trabalho certamente merecem uma consideração especial. Vou ver o que posso fazer". Saí de seu escritório sentindo uma mistura de ansiedade e excitação. A ideia de passar um ano lecionando
em uma universidade em Lisboa, longe de todas as lembranças dolorosas, parecia assustadora e libertadora ao mesmo tempo. Duas semanas depois, recebi a notícia de que minha candidatura havia sido aceita. Teria três meses para me preparar antes de partir para Portugal. Enquanto arrumava minhas coisas, decidindo o que levar e o que deixar para trás, encontrei a caixa onde havia guardado as lembranças de meu casamento com Roberto. Hesitei por um momento antes de abri-la. As fotos, os presentes, as cartas; tudo parecia pertencer à outra vida, a outra vida. Com um suspiro, fechei a caixa novamente e a
coloquei de lado. Não a levaria comigo para Lisboa, mas também não estava pronta para me desfazer dela completamente. Talvez, quando voltasse, estivesse preparada para esse passo final. Na véspera de minha partida, fiz uma última visita à casa. Olhei para as paredes recém-pintadas, para os novos móveis, para o espaço que havia sido completamente transformado. Era um reflexo físico da transformação pela qual eu havia passado. Peguei as chaves, pronta para entregá-las à imobiliária que cuidaria da casa durante minha ausência. Antes de sair, parei na porta, olhando uma última vez para o interior. "Adeus", sussurrei, não apenas para
a casa, mas para a vida que havia deixado para trás. Fechei a porta, sentindo um misto de nostalgia e expectativa. À minha frente, um novo capítulo aguardava, um capítulo que eu escreveria sozinha, em minhas próprias cores vibrantes. O voo para Lisboa foi longo e cansativo, mas cada quilômetro que me distanciava de São Paulo parecia me aproximar de uma nova versão de mim mesma. Quando finalmente pousamos no Aeroporto Humberto Delgado, senti uma mistura de exaustão e excitação. Meu pequeno apartamento alugado no bairro de Alfama era uma mudança drástica da espaçosa casa que eu compartilhava com Roberto.
As ruas estreitas e íngremes, os azulejos coloridos nas fachadas dos edifícios, o som distante do fado flutuando no ar; tudo era novo e fascinante. Nos primeiros dias, me ocupei em arrumar o apartamento e me familiarizar com meu novo ambiente. Cada decisão, desde onde colocar os móveis até que cortinas escolher, era inteiramente minha. Era uma liberdade que eu não experimentava há anos. A universidade me recebeu calorosamente. Meus novos colegas eram curiosos sobre a professora brasileira que havia chegado de repente, fora do cronograma normal de intercâmbio. Compartilhei apenas o mínimo necessário sobre minha situação pessoal, preferindo me
concentrar no trabalho que tínhamos pela frente. As primeiras semanas foram um turbilhão de novas experiências; aprendi a navegar pelo sistema de transporte público, descobri cafés acolhedores onde podia trabalhar em meus planos de aula e, aos poucos, comecei a me sentir em casa nesta cidade antiga e cheia de história. Foi durante uma dessas tardes em um café que recebi uma mensagem de Roberto. Meu coração acelerou ao ver seu nome na tela do celular. "Cleide, espero que esteja bem. Nosso divórcio foi finalizado hoje. Queria que você soubesse: desejo-lhe toda a felicidade do mundo". Fiquei olhando para a
mensagem por um longo tempo, uma tempestade de emoções me invadindo: alívio, tristeza, raiva e, finalmente, uma estranha sensação de paz. Era oficial agora; eu era uma mulher divorciada. Não respondi imediatamente. Em vez disso, peguei minha bolsa e saí para caminhar pelas ruas de Lisboa. O sol se punha, pintando o céu em tons de rosa e laranja. Subi até o miradouro de Santa Luzia, um dos pontos mais altos da cidade, e observei a vista panorâmica do Rio Tejo. Ali, com a cidade aos meus pés e o vento suave em meu rosto, finalmente respondi a Roberto: "Obrigada
por me informar. Desejo o mesmo para você. Adeus, Roberto". Pressionei enviar e bloqueei seu número. Era o fim definitivo de um capítulo da minha vida. Os meses passaram rapidamente. Mergulhei em meu trabalho na universidade, desenvolvendo novos cursos e orientando alunos. Aos poucos, fiz amizades entre meus colegas e vizinhos e comecei a explorar mais da cidade e do país. Nos fins de semana, visitava praias deslumbrantes, cidades históricas e vinícolas pitorescas. Foi durante uma dessas excursões de fim de semana, em uma pequena cidade no Alentejo, que conheci Miguel. Ele era um professor de história local que se
ofereceu para me mostrar os pontos turísticos da cidade. Passamos o dia conversando sobre história, cultura e nossas experiências de vida. No final do dia, quando Miguel me convidou para jantar, senti uma hesitação familiar. A ideia de me envolver romanticamente com alguém ainda parecia assustadora, mas algo na gentileza de Miguel e na forma como ele respeitava meu espaço e minha história me fez aceitar. O jantar foi agradável, cheio de conversa fácil e risos. Quando nos despedimos, Miguel não tentou me beijar ou pressionar por mais; apenas me deu seu número e disse que gostaria de me ver
novamente quando eu voltasse a Lisboa. No trem de volta para a cidade, refleti sobre tudo. O dia, pela primeira vez em muito tempo, eu havia me permitido desfrutar da companhia de um homem sem medo ou desconfiança. Era um pequeno passo, mas significativo. Nas semanas seguintes, Miguel e eu nos falamos regularmente por telefone e mensagens; ele veio a Lisboa algumas vezes e saímos para explorar a cidade juntos. Nosso relacionamento cresceu lentamente, com respeito mútuo e compreensão. Conforme o final do meu ano de intercâmbio se aproximava, me vi diante de uma decisão difícil: voltar para o Brasil
ou ficar em Portugal? A universidade em Lisboa havia me oferecido uma posição permanente, impressionada com meu trabalho durante o intercâmbio. Numa noite, sentada em meu pequeno apartamento em Alfama, olhando para a vista da cidade iluminada, fiz uma lista de prós e contras. Do lado dos prós, para ficar em Lisboa: meu trabalho satisfatório na universidade, as amizades que havia feito, a sensação de paz que havia encontrado nesta cidade e, é claro, Miguel. Do lado dos contras: a saudade da família e amigos no Brasil, a familiar de São Paulo e o medo do desconhecido. Peguei meu telefone
e liguei para Laura. Depois de contar a ela sobre minha oferta de trabalho e meu dilema, fiquei em silêncio, esperando sua opinião. “Cleide,” ela disse finalmente, “o que o seu coração diz?” Fechei os olhos, deixando a pergunta ressoar dentro de mim. Quando os abri novamente, olhando para a cidade que havia se tornado meu refúgio, minha resposta estava clara: meu coração diz para ficar, respondi suavemente. Laura riu do outro lado da linha. “Então acho que você tem sua resposta, irmã.” Nos dias que se seguiram, comecei os preparativos para tornar minha estadia em Lisboa permanente. Informei à
universidade no Brasil sobre minha decisão, agradecendo pela compreensão e apoio durante meu período de licença. Miguel ficou radiante com minha decisão de ficar e celebramos com um jantar romântico à beira do Tejo. E, pela primeira vez, permiti-me imaginar um futuro ao lado dele. Meses se passaram e minha vida em Lisboa caiu em uma rotina confortável. Meu trabalho na universidade era gratificante, meu relacionamento com Miguel florescia e, aos poucos, a dor do passado foi se tornando uma memória distante. Em uma tarde de sábado, enquanto arrumava meu apartamento, encontrei a caixa que havia trazido do Brasil, contendo
as lembranças do meu casamento com Roberto. Hesitei por um momento antes de abri-la: as fotos, os cartões, os pequenos presentes; tudo parecia pertencer a outra vida, a outra cidade. Com um suspiro, fechei a caixa novamente e a coloquei de lado. Estava na hora de me livrar desses últimos vestígios do passado. No dia seguinte, levei a caixa para uma instituição de caridade. Enquanto a entregava, senti como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros. Era o fim definitivo de um capítulo da minha vida e o início de outro. Naquela noite, no meu apartamento com Miguel,
senti uma paz profunda. A traição de Roberto, a dor da descoberta, a amargura da vingança, tudo isso parecia tão distante agora. “No que você está pensando?” Miguel perguntou suavemente, notando meu olhar distante. Sorri, entrelaçando meus dedos nos dele. “Estou pensando em como a vida pode nos surpreender, em como, às vezes, o que parece ser o fim de tudo pode ser apenas o começo de algo maravilhoso.” Miguel apertou minha mão, seus olhos cheios de compreensão e afeto. “Você é uma mulher incrível, Cleide. Estou feliz por fazer parte desse novo começo.” A traição de Roberto havia sido
dolorosa, devastadora; mas ela também havia sido o catalisador para uma transformação profunda em minha vida. Eu havia sobrevivido, me reinventado e encontrado uma felicidade que nunca imaginei ser possível, ali, com a cidade que havia se tornado o meu lar se estendendo diante de mim e o homem que havia me ensinado a confiar novamente ao meu lado. Sabia que estava exatamente onde deveria estar. A noite caiu sobre Lisboa, as luzes da cidade cintilando como estrelas terrenas. Era o fim de um dia, mas o começo de mais um capítulo na minha nova vida. Uma vida que eu
havia escolhido, uma vida que era inteiramente minha; e naquele momento, isso era mais do que suficiente. Gostou do vídeo? Deixe seu like, se inscreva, ative o sininho e compartilhe! Obrigada por fazer parte da nossa comunidade. Até o próximo vídeo!