1964: Entrevistas | Maria Helena Capelato - O papel da Imprensa no golpe

12.78k views3513 WordsCopy TextShare
UNIVESP
Nesta segunda edição do programa 1964, a jornalista Mônica Teixeira entrevista a historiadora Maria ...
Video Transcript:
[Música] Olá professora muito obrigada por ter vindo ao programa 1964 O prazer é todo meu Eu que agradeço muito obrigada e Professora Maria Helena a senhora se dedicou profissionalmente a entender o papel da Imprensa no gol e depois no regime militar e primeiro lugar por que que você resolveu como historiadora eh enfrentar essa questão bom desde o início da minha carreira como pesquisadora eu sempre trabalhei com o tema da Imprensa né a imprensa como objeto e como fonte de estudo tá então eu passei muitos anos sem querer trabalhar com com a questão do regime militar
porque fui vivia aquele período fui participante então era uma coisa que eu achava que eu tinha que ter um certo distanciamento mas eu acho que esse distanciamento agora me permitiu voltar a trabalhar com a questão da Imprensa e justamente com nas proximidades do do das comemorações entre aspas golpe eu resolvi retomar essa questão da Imprensa e justamente mostrando o papel da Imprensa na no papel da grande imprensa no no na preparação do golpe né então vamos fazer a correção porque eu acabei dizendo que você desde o começo trabalhou com a imprensa no no no em
relação ao regime militar mas não foi isso seu mestrado seu doutorado foi então em quê Professor o primeiro o mestrado foi uma análise do Jornal Estado de São Paulo que chama o bravo matutino exato e depois o meu doutorado foi sobre a imprensa Paulista em geral uma análise do do ideário político do das questões mais importantes uma análise de conteúdo do do das posições dos jornais e e a no caso por exemplo do Bravo matutino do Estadão eh a senhora em relação ao que ao que o jornal eh foi desde a sua Fundação como o
comportamento em 1964 durante o governo Jango se relaciona com esse jornal mais antigo o Jornal Estado de São Paulo é um jornal de uma coerência impressionante né se você lê o jornal hoje você se remete à lembrança do que eles escrevi na época que eu estudei uhum eh o jornal então meu período né que eu acompanhei o período da da ditadura Vargas uhum as posições do Jornal Estado de São Paulo e de outros também eram muito semelhantes ao que se repetiu na época do do golpe de 64 64 porque eles sempre foram tiveram uma atitude
uma a ideologia do jornal é uma é uma ideologia conservadora né é é uma ideologia Liberal democrática mas uma uma democracia das elites né então ele se diz um representante das elites bem pensantes do país e que tinha então Eh por missão eh formar o povo brasileiro em culto e despreparado paraa política é entendi e o o jornal sempre foi contra o governo Vargas né uma oposição muito forte ao governo Vargas chamado de populista e na sequência depois da queda do Vargas a volta do Vargas ele sempre inclusive o jornal foi expropriado na época da
ditadura uhum da ditadura varas da ditadura Vargas quando a normalidade democrática voltou eles sempre foram um dos baluartes da da opos ao Vargas e a política varguista chamada de de populista e essa oposição continua no período do Jango Gular que é considerado o principal Herdeiro do do governo V Então vamos dizer tem a a a a oposição ao Jango não nasce com o Jango deste jornal tem uma continuidade ela é nasce com o Getúlio Vargas agora considera que o Jango ah e o termo é populista porque a ideia é de que esses governantes manipulam as
massas para conseguir o apoio das massas desrespeitando a grande política né ah desrespeitando vamos dizer o o o o a discussão no Congresso Possivelmente o conchar exatamente então eles se aliaram muito ao DN o DN golpista do l né Uhum E as coisas foram tomando uma tomando um rumo né de de um conflito que foi se agravando porque dentro de toda uma situação muito crítica que envolveu não só Ah o governo Jânio etc a o fato do do Jango assumir o poder numa situação muito complicada uhum tornou eh a sua presença no governo muito vulnerável
e aí então tinha a pressão das forças de de esquerda das forças reformistas no sentido de que ele avançasse eh na concretização de reformas de base importantes que assim como o Getúlio tinha feito as reformas trabalhistas nesse momento mas não mexeu com a questão do Campo no período do Jango A grande questão era como enfrentar a questão do campo aí tinha as lutas camponesas e o contexto do governo Jango também é um contexto muito particular porque nesse período já começam os ecos da Revolução Cubana ah e o contexto da Guerra Fria Uhum Então o receio
segundo esses eh esses liberais conservadores é que jango então aí tido não só como populista mas como comunista abrisse as portas para a introdução do comunismo no no Brasil a questão é bem mais complexa do que essa porque havia inclusive um projeto político e econômico muito bem articulado né Mas a questão política assim simplificada é Tá marena mas eh o você diria que os jornais e de maneira geral ainda a gente agora esquecendo um pouco o bravo matutino O Estadão eh e os jornais do Rio e de São Paulo muito similares muito parecido muito parecido
tá E qual foi como é que você descreve em geral a atitude deles em relação ao governo Gular todos eles né tirando aí porque nesse contexto de oposição ferrenha da grande imprensa ao ao jular não ou antes um pouquinho antes ao próprio Getúlio foi nesse contexto que Samuel Weiner que era braço direito do Getúlio criou a última hora então nós temos ali uma batalha cerrada da Imprensa o a última hora defendendo o governo e os outros todosos órgãos contrários né Uhum inclusive tiveram um papel muito importante na na no suicídio do Vargas que a pressão
foi terrível né Não era só dos partidos políticos dos políticos mas a imprensa teve um papel fundamental também nesse Episódio tá então eh a partir desse desse momento a grande imprensa toda sempre se colocou contra eh o governo e do do jular né foi uma oposição da grande imprensa sistemática no capítulo de livro eh seu que eu li e que é ainda é inédito né professora sim tá saindo agora é que livro qual vai ser o livro é sobre história do tempo presente e eles me pediram que dentro da história do tempo presente que é
uma uma área que a gente trabalha hoje em dia na área de história né pediram que eu H então o capítulo se chama história do tempo presente a grande imprensa como fonte e objeto do estudo a senhora dá especial enfim a senhora destaca o muito O Correio da Manhã sim eh o que que esse jornal teve de particular O Correio da Manhã é um jornal carioca que não existe mais né sim então o que que o que que eles fizeram de não na verdade uh ao Correio da Manhã é pelo fato de que você pode
perceber que eu dei muita ênfase às manchetes exato né porque dentro dos estudos da Imprensa a gente percebe que a manchete tem um papel fundamental né porque ela é a parte de maior impacto Quando você vai analisar a imprensa você tem você sabe muito bem né Não você sabe muito bem que quanto vale o canto direito acima da Dobra a direita da dobra agora agora isso tá um pouco abalado pela internet né mas que é mais PL mas nada ali é inocente e a a manchete ela é importantíssima porque ela tem o grande Impacto que
é o que a gente chama de de palavra bala uhum né porque ela tem um impacto tão forte no cérebro do leitor como dizem alguns autores que ela então é capaz de produzir um um efeito de aceitação da ideia muito maior do que um artigo onde você possibilita a reflexão tá bom né então o que a minha grande preocupação era justamente com eh mostrar a violência da situação né eh através da dos títulos né e do conteúdo dessas dessas mensagens curtas né que tem por sua vez a capacidade de mobilizar tá bom né E aí
o Correio da Manhã no dia primeo de Abril é fez o editorial fora fora Tá e depois basta basta ou seja são palavras de ordem são palavras de ordem né então a minha o título aqui no dia 31 de Março então o Correio da Manhã acho que os telespectadores estão vendo o Correio da Manhã eh [Música] eh embaixo do título Clube militar adere ao clube naval que devia ser uma um assunto sobre os militares tenha o editorial B em que ele diz até que ponto começa assim até que ponto o Presidente da República abusará da
paciência da Nação uhum eh e no dia seguinte no dia primeiro eh o editorial fora que vem que a a primeira frase é a nação não mais suporta a permanência do senhor João Gular à frente do governo bom isso tá bem longe de qualquer neutralidade jornalística etc absolutamente aí já é uma uma incitação à ação não é mais nem uma uma uma questão de convencimento já é o convencimento vem antes a tentativa de convencimento vem antes e aí já é o fato de estar dizendo agora vamos agora o que isso nos diz professora a respeito
da situação política que que o que o país vivia porque se a gente for pensar hoje 50 anos depois 2014 isso isso aqui é não eu não sei se é impensável eh eu fico eu fico em dúvida se eu digo que é impensável aver isso ou se mesmo que houvesse não teria a repercussão Digamos que teve ali bom as consequências que teve ali então precisamos pensar que naquele período a grande imprensa era o grande veículo né porque a a televisão tava começando o rádio tinha o seu papel também de mobilizador e tal mas a televisão
tava muito no início né então ela não tinha o papel que ela tem hoje e não tinha outros não tinha outros H meios de de de comunicação como internet o isso não tinha nada disso então digamos eles tinham a os jornais tinham uma posição mais privilegiada mas ao mesmo tempo o país era em grande parte letrado quer dizer letrado então não é é 5% da população Lia jornal né mas tem o efeito multiplicador tá né como funciona isso isso funciona que uma um leitor ele tem a capacidade a gente não pode pensar só que cinco
pessoas leem o jornal sobretudo quando se eh quando se trata dos grandes títulos das grandes questões então há uma multiplicador que forma opinião quer dizer que você você diria que os jornais eh eh tiveram um papel importantíssimo é incendiaram a a pradaria digamos assim examente mas é importante notar que não apenas através do Papel porque os representantes da grande imprensa eles são empresários né E eles são políticos então eles tiveram papel fundamental tem uma uma um artigo uma em que o Júlio de Mesquita foi entrevistado né aparece isso na revista lua nov não é O
Rui é o Rui perdão perdão e ele e ele diz o seguinte que eles par confessa que eles participaram das articulações E então fazia um uniões sistemáticas com os militares inclusive ã na compra de de armamentos quer dizer estava se preparando o golpe inclusive para necessidade de haver uma uma guerra né de haver uma reação que provocasse uma luta armada né Eh agora eh um um você falou no começo da entrevista sobre a sobre o contexto geral da guerra fria e mencionou Inclusive a Revolução Cubana que foi em 1959 quer dizer ela era ela era
bem recente Fidel tava tinha subido a ao poder eh Há pouco né Eh como isso como é que os os jornais isso havia um anticomunismo sendo sendo fado não é is des Revolução Russa Revolução Russa foi Vista pela grande em pensa ah como uma ameaça assustadora tá E é muito curioso porque nos e nos editoriais onde eles se referem à Rússia e se referem ao comunismo eles fazem uma espécie de associação com o povo brasileiro que ele diz que é muito perigoso porque o brasileiro o povo brasileiro tinha um as características a mentalidade muito parecida
com os russos Ah entendi Então seria muito possível que o comunismo se alastrasse no no Brasil e aí vem Prestes Ah tá bom mas aí tem um anticomunismo viceral quer dizer que o anticomunismo digamos ele não nasceu com a Guerra Fria Não ele tá ali nos anos 30 por exemplo usa quando o Getúlio começou a articular o o golpe que preparava o Estado Novo antes disso aconteceu a insurreição Comunista de 35 aquilo foi um prato cheio porque os jornais estamparam Os horrores do que significava aquilo e prestes era a o terror né era a expressão
do mal que levaria o Brasil ao ao ao comunismo Uhum E a questão era tão importante que os os os representantes da Imprensa Liberal eles começaram a pressionar o Vargas para que ele tomasse medida enérgica e eles pressionaram para a decretação do Estado de Sítio aham eles diziam precisa de um governo forte e aí quando veio 37 eles passaram a ser perseguidos então contra o Mas eles eles tiveram a mesma atitude em 36 tá e 37 que eles tiveram antes do na preparação do golpe então o anticomunismo era o mote E aí Diante Do perigo
comunismo era preciso que tivesse um um governo forte capaz de controlar a sociedade e impedir a entrada do comunismo então Então nesse sentido o anticomunismo oferece um um pretexto uma uma uma legitimação ex exatamente pro pro golpe exatamente eh civil militar civil militar tanto pro golpe de 37 aham como para o golpe eh civil militar sabe que tem uma Eu sei por isso que polêmica aí mas o anticomunismo é questão chave e se agravou muito no período da guerra fria né é exato acho que ficou esse período do pós-guerra da guerra fria e aí com
com com o aparecimento de Cuba baia dos pcos em 1961 verdade no no período anterior ao ao golpe não havia um movimento preparatório da de uma revolução Comunista de jeito nenhum porque o Partido Comunista era era favor de uma da da da transição lenta gradual contínua pro socialismo exato Partido Comunista era contra a o Partido Comunista alinhado com a com a a conferência de 1956 do partido comunista da União soviétic da Internacional comunista pra América Latina que era o reform tinha que fazer a revolução burguesa né junto com Emes ários nacionalistas para depois preparar o
caminho para o socialismo a revolução estava fora de cogitação Então nesse sentido vamos dizer assim é uma espécie de uma mentira dos jornais imputar ao ao governo o desejo de ser comunista exatamente eu não digo a gente não usa a palavra mentira né uma é é uma construção discurso construído no sentido de eh justificar os seus interesses de derrubar um governo que estava H tendo um apoio Popular muito forte a questão é essa esses liberais Popular quer dizer contra Elite no caso né contra Elite os movimentos assim que era era sim os sindicatos os movimentos
sociais né movimento no campo então e o o o Gular acenava com reformas de base o limite era a reforma de base o jul nunca foi comunista né era um proprietário de terra muito bem sucedido Pois é mas ele acenava com reformas de base né ele ele até onde a gente entende as reformas eram a forma de eh fazer o país avançar e ter uma maior participação política porque um país muito fechado do ponto de vista político de participação ínfima né E essa é uma questão recorrente na história política brasileira né social e política é
essa questão de que a participação sempre fica muito restrita às as elites políticas e bem pensantes né Uhum E o que a gente Eu por exemplo nas minhas análises digo né que esses essas elites liberais elas são conservadoras elas não são progressistas elas não são democráticas uhum porque elas têm muito receio e se opõe a qualquer forma de alargamento de participação na esf pública Uhum Então é uma esfera pública sempre muito controlada eles temem o alargamento da espera pública sempre com o discurso de que o povo não tá preparado para para participar para votar para
votar é bom eh professora o eu a maior parte dos jornais e logo se desencantou da ditadura né quer dizer aparentemente pensaram o projeto era outro né Inclusive a ideia de que os militares fariam o papel né sujo entre aspas de derrubar o governo de derrubar o governo e Algum deles a pretensão de de de Carlos da serda de vários outros líderes era somia a presidência era uma coisa temporária né Uhum então aí os jornais eh eh abandonam mas um dos jornais o globo aparentemente não abandonou Pois porque o globo teve muitos benefícios né O
Globo acabou não era um o era um jornal limitado né que tinha uma não era uma grande propriedade ainda né mas eles se beneficiaram muito dos favores da ditadura do ponto de vista Empresarial eles se tornaram o maior conglomerado de mídias né inclusive o único que faz frente à Globo é a Televisa do México e então mas esse esse potencial né Empresarial que virou a Globo se fez através das bener da do Governo dos governos militares n agora recentemente quando o globo eh abriu o seu acervo de digital e disponibilizou ho você pode a gente
pode ler isso é uma coisa muito divertida né professor que a gente pode ler todos os jornais Olha o que eu tentei fazer isso Ant al era uma caixa preta pois é mas enfim agora a gente pode procurar por palavra é a redação da Universo TV Tá se divertindo muito com isso bem mas quando o globo o ano passado abriu eh a a o seu acervo digital a população eles também eh fiz eram uma espécie de retratação o jornal fez um fez um texto que foi publicado no no próprio jornal ex eh em que eles
eh em que o jornal diz que enfim que estava errado ao apoiar a segunda fase pelo menos né do do governo militar mas isso isso é curioso né T nenhum outro jornal fez isso nemhum outro jornal e alguns realmente se arrependeram né porque o próprio jornal o estado de São Paulo né foi serado e e folha e todos os outros que participaram eles acabaram se dando conta de que não era o projeto que eles queriam é o corre da manhã inclusive acab parpando é a história do Correio da Manhã é terrível porque eles foram é
a partir do no momento que eles começaram a se opor eles aí perderam o anúncio etc foi foi um fim dramático mas no caso dos outros né eles acabaram participando da da abertura né E aí é interessante Porque como esse país não tem memória o que que ficou ficou a luta dos jornais contra a censura contra a ditadura a favor das liberdades democráticas e o passado a borracha pagou né e e o que isso mostra pra gente a respeito dos jornais professora nós estamos no finzinho da entrevista tá Isso mostra que os jornais eles são
sobretudo estamos falando da grande imprensa né O que caracteriza a grande imprensa é é um ela tem uma especificidade muito importante da gente levar em conta porque ela é uma instituição ao mesmo tempo pública e privada né então esses dois pública no sentido que ela tá na tá na arena pública não ela ela é uma instituição pública porque ela tem nessa condição de pública ela tem obrigação de informar né Essa é uma questão que tá posta lá no século XIX o papel da Imprensa como é que ela nasceu e o que que ela deve significar
formar opinião informar a verdade obj atividade etc mas a partir do fim do século XIX os jornais que eram políticos Uhum que que tinham sido formados para veicular as suas mensagens políticas né Por exemplo eh a favor da da da república e etc eles se tornaram grandes empresas jornalísticas com muitos interesses então então eles defendem tambm essa jun entre o o papel público e o papel privado a gente não pode esquecer o que que essa outra parte que não vem à tona ela tem uma importância fundamental né Professora Muito obrigada pela entrevista muito obrigada a
você foi um prazer enorme tá bom muito [Música] obrigada [Música] [Música] C
Copyright © 2024. Made with ♥ in London by YTScribe.com