Estou seguindo um provérbio antigo, que diz assim: "Quando você tiver que falar, vá de barriga vazia. " Eu falei: "Mas esse provérbio tem sentido? " Ele falou: "Claro, porque você vai com fome".
A força da fala tem a ver com estar vazio. Você tem duas opções: morrer de fome, ou morrer de tédio. Quando eu mergulhei nesse estudo, de nós mesmos, eu vi que nós já tínhamos experimentado, no século XX, muitas orientações pedagógicas.
Afinal de contas o Brasil teve Paulo Freire. E no mundo, outros grandes educadores. Eles pensavam sempre em como preparar esse corpo humano para o trabalho, para a eficiência.
Quando a gente virou, do século XX para o XXI, A gente descobriu que acabou o mundo do trabalho. O que produz a fome e a miséria é a inadequação das pessoas para a sobrevivência, porque eles foram preparados para o mundo do trabalho. E o mundo do trabalho saiu debaixo dos pés dele, deles, nós, todos.
Então, esse nós todos, sem o mundo do trabalho, o piso para a gente pisar, eu comecei a olhar que a gente ia cair numa espécie de abismo, onde a gente não teria no que se segurar. E que a própria ideia de esperançar, a ideia linda de esperançar, do mestre Paulo Freire, ela ficava sem âncora, porque você não pode esperançar no mundo de zumbi, de gente que não sabe mais de onde é, que não tem território, e que não consegue sonhar. Para esperançar, tem que sonhar.
Uma outra semente que me alimenta no meu modo de pensar o mundo é o sonho. Então como sonhar num abismo sistêmico desse? Eu fiquei pensando: como é que a gente vai se educar para a convivência?
Nós vamos ter que aprender com a Terra a viver de novo. E tudo indica que uma boa parte de nós não vai ficar vivo nas próximas décadas diante dos eventos climáticos. Então nós vamos ter que nos educar para entender o sinal da Terra.
Aprender com a Terra. Eu já falei mais de uma vez sobre isso, e eu fico muito feliz de estar bem acompanhado, porque Nego Bispo, antes de encantar-se ele dizia: "a Terra dá, a Terra quer". Então a Terra ela dá, ela doa, mas ela também come.
E eu acho que agora está na hora da Terra comer a gente. Eu costumo invocar a primeira manifestação das mulheres, as margaridas, as mulheres indígenas, as camponesas, todas, sem Terra e tudo. Fazendo uma marcha das mulheres em Brasília, com uma faixa imensa dizendo: "Nosso corpo, nosso território".
Muito provavelmente, a mentalidade retrógrada entendeu que as mulheres estavam discutindo a proteção de si, uma proteção da intimidade do corpo. Na verdade, o que elas estavam era invocando o território. É um corpo território.
Um corpo território, é a cura possível desse abismo cognitivo, sensorial, que a gente se meteu nele, onde o nosso corpo foi separado mesmo do corpo da Terra. O Kopenawa Yanomami fala que existe uma crescente sociedade da mercadoria, que é como se um corpo fosse sendo modificado e virando tudo mercadoria. E os Yanomami estão dentro do território deles, sofrendo uma invasão garimpeira.
Quer dizer, é como se não fosse mais uma escolha sua, essa perda da comunhão com o território. Entra uma cunha no meio dele que é a fúria do capital, mesmo. Imagina garimpo chegar lá na fronteira do Brasil, lá em cima, fronteira com a Venezuela, para fazer garimpo?
Há 40 anos atrás eu escutei um relatório, dizendo que aquele minério que estava lá nos Yanomami era inviável, porque não tinha logística para tirar aquilo de lá. A miséria é tanta, que agora entram homens desesperados lá, para morrer no meio do mato caçando ouro. Uma outra Serra Pelada.
Então, um alerta sobre a fome e a miséria no mundo, a pobreza, combater a pobreza no mundo, pode ser uma espécie de última fronteira disso que eles chamam de governança, porque o resto já foi. A ideia de democracia, sociedades com algum grau de soberania, as corporações comeram tudo isso. Nem os EUA que era metido a ser império consegue mais, eles estão avassalados.
Chega lá um desses plutocratas e compra o governo inteiro.