[Foquinha] Como profetizou a Mulher do Fim do Mundo Elza Soares cantou até o fim. ♪ Chamou, meu anjo? ♪ Olá, internet!
No dia 20 de janeiro, a cantora considerada voz do milênio Elza Soares, faleceu por causas naturais, aos 91 anos. Ela tava em casa com a família e o empresário. E, segundo ele, foi uma morte sem sofrimento e sem dor.
Elza foi eternizada ainda em vida como uma das maiores vozes do Brasil e do mundo. E levou a música nacional a outro patamar. Com uma história de altos e baixos ela se tornou um dos maiores ícones da história do Brasil.
E conquistou fãs em todo mundo inspirando artistas da antiga e da nova geração. E não tem como, a trajetória da Elza é, sim, marcada por momentos muito tristes mas também por muito brilho, superação e fatos inusitados. Então, no vídeo de hoje, eu quero trazer pra vocês a história de Elza Soares.
Traçando uma Linha do Tempo resumida, claro, sobre toda sua carreira e sua vida. É impossível trazer todos os fatos, é muita história. Então eu vou trazer uma Linha do Tempo resumida.
E antes de começar, preciso dizer que algumas datas em relação à biografia da Elza são bem conflitantes. Porque alguns veículos discordam em relação às datas de acontecimentos marcantes da vida dela. Então, pra seguir uma linha, eu utilizei principalmente as datas usadas no livro Elza, de Zeca Camargo, publicado em 2018.
Que aliás, é uma ótima dica de leitura pra você que quer saber mais sobre a história da Elza. Então vamos lá? Nascida em 23 de junho de 1930, na cidade do Rio de Janeiro Elza Gomes da Conceição foi criada na favela de Moça Bonita conhecida atualmente como Vila Vintém, no Rio.
Filha de um operário de uma pedreira e de uma lavadeira, Elza teve 10 irmãos. Com uma infância bem difícil, marcada pela fome e pobreza desde pequena ela precisou se dedicar aos afazeres domésticos pra ajudar no sustento da família. E foi nessa época que ela descobriu que ela queria cantar.
Ao ser questionada sobre quando percebeu que cantava Elza sempre citou a época em que carregava latas de água pra ajudar a mãe, que fazia cerca de 25 de roupas por dia. E aí, fazendo esforço pra pegar a lata cheia no chão e colocar na cabeça Elza, ainda criança, soltava um ruído, brincava com os sons. Foi aí que a Elza cantora nasceu.
Esse ruído se tornou a sua marca registrada. E muitos anos depois, ela descobriu que essa é uma técnica musical chamada de "scat singing", popularizada por artistas como Louis Armstrong e Ella Fitzgerald. [Elza cantando] [Foquinha] A quem a Elza nunca tinha escutado até então.
Gente, parece até que ela nasceu com a música dentro dela. Aqueles clichês que a gente fala, mas que era real. Inclusive, numa entrevista pro Conversa Com Bial, em 2017 ela disse que quando conheceu o trabalho do Louis Armstrong ela achava que ele imitava ela!
Porque realmente não conhecia aquela técnica. E assim como outras divas da música, Elza Soares teve uma vida pessoal muito conturbada e de muitos altos e baixos. Pra começar, uma história bem triste.
Quando ela tinha 12, 13 anos, a Elza foi obrigada pelo seu pai a se casar com Lourdes Antônio Soares conhecido como Alaordes, que era 10 anos mais velho. E olha isso, com o casamento, Elza Gomes da Conceição passou a se chamar Elza Soares. E segundo a biografia da Elza, aquela escrita pelo Zeca Camargo o pai da Elza achava que ela tinha sido abusada por Alaordes.
E aí, que a honra da sua filha só estaria limpa com o casamento. A Elza contava que tudo foi culpa de um louva Deus pelo qual desde criança ela tinha paixão, devido ao som que ele emitia. Sempre ligado à música.
Segundo ela, um dia ela tava andando e viu um louva-a-deus no mato. E aí, quando ela parou pra pegar o inseto Alaordes chegou e realmente tentou abusar dela. Mas Elza logo começou a bater nele.
Aí rolou uma treta real, com chute, soco. E o seu pai viu de longe toda aquela confusão e interpretou como duas pessoas se agarrando. E por isso, achou que o Alaordes realmente tinha abusado da filha.
Mas, como vocês podem imaginar, o casamento com o Alaordes foi mais de baixos do que de altos, né. Na biografia, Elza conta que eles nunca se amaram. E que ela sofria abusos físicos e psicológicos do marido.
Ele também não concordava com o fato dela querer ser cantora. Porque naquela época, ser artista não era bem visto. E aí, com o Alaordes, ela teve seis filhos.
O primeiro, aos 14 anos, foi o João Carlos. Depois Raimundo, um terceiro filho que morreu no parto. E em seguida, Jerson, Dilma e Gilson.
E logo quando o Raimundo nasceu a Elza foi buscar emprego numa fábrica de sabão. Porque o que o Alaordes ganhava como operário não cobria as despesas. Mas logo uma tragédia aconteceu.
Raimundo teve pneumonia e faleceu, porque a família não tinha condições de arcar com o tratamento e nem com alimentação balanceada pros filhos. E aí, foi um baque pra Elza, que a partir daí começou a lidar de uma maneira mais madura com os filhos. Por conta da falta de dinheiro constante em casa, e consequentemente falta de acesso a cuidados básicos, Carlinhos o seu filho mais velho, também começou a adoecer.
Então, em 1953, aos 23 anos de idade Elza, que já tinha visto um filho morrer e não queria ver isso de novo resolveu apostar tudo no seu dom. E aí, escondida da família e do marido, que eram contra a profissão artista Elza se inscreveu no Calouros em Desfile o maior programa de calouros da época, da Rádio Tupi apresentado por Ary Barroso, famoso artista e compositor brasileiro que é o autor de Aquarela do Brasil inclusive o compositor mais gravado por Carmen Miranda. Bom, Elza conseguiu levar o prêmio final da rádio ao interpretar o samba Lama, escrito por Paulo Marques e Aylce Chaves.
Mas não antes de passar por um constrangimento ao vivo e, ao mesmo tempo, ter cravado ali um dos momentos mais icônicos da sua carreira. Isso porque, meus anjos, diante de tantas dificuldades a Elza apareceu com um lookinho bem diferentão. Ela contou que não sabia o que era estar bonita e decidiu ir ao programa com um penteado de Maria Chiquinha e um vestido da sua mãe que, detalhe, tinha 10 kg a mais que ela.
E aí, como a roupa ficou larga, a Elza ajustou tudo com alfinetes de fralda. E quando subiu no palco, foi motivo de deboche pra plateia e pro apresentador, que questionou: [Elza] "Então me responda uma coisa: de que planeta você veio? " [Foquinha] E aí, Elza rebateu: "Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary".
[Elza] O planeta Fome. [Foquinha] TRÁ! Claro que a resposta calou a plateia e foi a deixa pra Elza soltar o seu vozeirão.
No final da apresentação, Ary Barroso abraçou a Elza e declarou que, naquele momento, acabava de nascer uma estrela. Inclusive, a Elza contou em entrevista ao programa Conversa Com Bial em 2017, que depois dessa primeira apresentação, sempre colocava um alfinete na roupa antes de todos os shows dizendo que era pra se lembrar de onde veio. Depois da apresentação na rádio, Elza passou a buscar lugares pra cantar e entrou pra Orquestra Garam de Bailes, na qual seu irmão foi violonista.
A Elza acompanhava o grupo durante apresentações em festas e tudo mais mas nem sempre podia se apresentar, por causa do racismo. Naquela época, muitos lugares não admitiam uma pessoa negra no palco. Mas não demorou muito pras coisas começarem a mudar.
No final da década de 50, mais uma vez por meio do rádio Elza finalmente conseguiu realizar o sonho de viver da música depois de vencer outro concurso em que o prêmio era justamente a oportunidade de trabalhar com contrato e apresentações semanais. A partir daí, a carreira de Elza começou a evoluir. Ela passou a ser convidada pra participar de programas na televisão e fazer aparições.
E nesse mesmo período, fez a sua primeira turnê internacional com shows marcados na Argentina, a partir de setembro de 58. Mas como se já não tivesse sofrido o bastante a Elza levou um golpe do empresário que a contratou ficando sem dinheiro pra voltar pro Brasil. A solução, então, foi se apresentar por conta própria em casas noturnas dos hermanos até levantar a quantia necessária pra retornar ao Rio.
Um processo aí que levou cerca de um ano. E nessa mesma época, ela ainda perdeu o pai e nem pôde se despedir propriamente. Quando voltou ao Brasil, em 1959, outro susto.
A Elza ainda era casada com o Alaordes mas não tinha tanto contato com ele, porque o marido tava há anos sofrendo de tuberculose e passava muito tempo internado. Aí, logo quando voltou ao Brasil Alaordes teve uma leve melhora e saiu do hospital. Só que à essa altura, ele já tinha descoberto que Elza era cantora um assunto que era um tabu pra ele que, como eu disse, era contra essa profissão, artista.
Mas ele foi longe demais e, de acordo com a biografia da Elza no dia do aniversário da Dilma, filha do casal, Elza tava andando na rua quando Alaordes repentinamente apareceu na sua frente. E foi um mega susto por si só, porque a Elza achava que o marido tava doente, a ponto de nem conseguir estar ali em pé. Mas ele tava!
E ele tinha um revólver. A Elza disse que não entendeu muito bem o que ele falou, mas que entendeu que ele já sabia sobre sua vida como cantora. E aí, ele deu dois tiros nela!
Um pegou de raspão no braço, e o outro passou longe. Ela nem denunciou ele por medo. Mas depois nunca viu o Alaordes, até o dia da morte dele, em agosto de 59.
Bom, passado o trauma, as coisas voltaram a andar. Depois de ser rejeitada por causa do racismo em outra gravadora finalmente surgiu a oportunidade de Elza gravar um disco. Elza foi contratada pela Odeon, famosa gravadora da época.
E lançou, em 60, o seu primeiro LP: Se Acaso Você Chegasse, com 12 faixas. Sendo a principal delas a que deu nome ao álbum composta pelo famoso sambista dos anos 60, Lupicínio Rodrigues. Hoje esse álbum é um clássico da MPB.
A faixa título é uma mistura de samba com bossa nova estourou nas rádios de todo país, e deu as caras ao gênero que seria predominante na primeira década de carreira de Elza: O sambalanço, uma mistura dançante de elementos do samba tradicional com o jazz estadunidense e ritmos caribenhos. ♪Se acaso você chegasse No meu chateau e encontrasse. .
. ♪ E aí, na sequência, Elza se mudou pra São Paulo onde se apresentava em teatros e casas noturnas. E depois de terminar o seu segundo LP, intitulado de A Bossa Negra foi convidada pra ser madrinha da Seleção Brasileira da Copa do Mundo de Futebol de 1962.
Lá, Elza acompanhou a equipe até o Chile pras apresentações durante o mundial. Foi também nessa época que ela teve oportunidade de conhecer pessoalmente Louis Armstrong que pela semelhança no jeito de cantar que eu falei passou a chamar Elza de "My Daughter", Minha Filha. Chegando a propor até que ela partisse com ele pros Estados Unidos.
Mas a Elza não aceitou o convite, porque no mesmo período iniciou uma história de amor que mudou todos os rumos da sua vida. Quando Elza foi madrinha da Seleção Brasileira na Copa ela conheceu o astro daquela seleção, o jogador ponta direita Manoel Francisco dos Santos, mais conhecido como Mané Garrincha. A relação deles começou como um caso extraconjugal porque além da Elza ser comprometida o Garrincha era casado e tinha oito filhas.
E claro que o relacionamento dos dois foi muito mal visto por toda sociedade, principalmente naquela época, né. E então, em 1963, o Garrincha se desquitou da mulher porque não existia o termo "divórcio" na época e passou a viver com a Elza que foi apontada como vilã por fãs e pela imprensa. O público acompanhava esse assunto como se fosse novela, sabe?
E o assédio era tanto que o casal foi alvo de muita perseguição, ameaças, xingamentos pesados. E pra piorar tudo, convenceram a Elza a gravar uma música sobre uma amante, chamada Eu Sou a Outra. E, claro, isso só piorou tudo, né?
Porque ainda por cima, a letra, além de pedir piedade pra amante meio que alfineta a mulher traída. Aí, obviamente, o povo e a mídia não perdoaram. Inclusive, os locutores de rádio começaram a boicotar a Elza e ainda quebravam os discos dela durante a programação, ao vivo!
E a Elza, claro, com aquele jeitão dela, não levava desaforo pra casa. Ela batia de frente. Então imagina as tretas dessa época.
♪Ele é casado, eu sou a outra♪ E essa foi uma das únicas senão a única coisa que a Elza se arrependeu de fazer na sua carreira, ter gravado essa música. Bom, mas apesar do grande amor entre Crioula e Neném como eles se chamavam, a relação de Elza e Garrincha passou por muitos momentos tensos e tristes. O episódio de alcoolismo de Garrincha, registros de agressões físicas violência doméstica, traições por parte dele.
. . E anos depois, em várias entrevistas, quando questionada sobre a violência doméstica, a Elza nunca culpava o Garrincha.
Ela não gostava nem de falar sobre o passado, sobre esse assunto. Mas ela defendia que apanhava do álcool, e não do marido. Segundo Elza, Garrincha foi a pessoa mais doce que ela conheceu.
E, naquele tempo, eles não sabiam enxergar o quanto ele tava doente. Mas já numa entrevista mais recente, de 2018 a Elza revelou que no final da década de 70 pensou em denunciar ele, sim. Mas desistiu quando descobriu que Garrincha podia pegar de dois a quatro anos de prisão, caso fosse condenado.
E é aquilo, pai dos filhos dela e tudo mais. Bom, muito tempo depois, no seu álbum A Mulher do Fim do Mundo de 2015, Elza lançou o hit Maria da Vila Matilde na qual fala sobre a violência contra a mulher, como no trecho que diz: "Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim. Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180. Vou entregar teu nome e explicar meu endereço Aqui você não entra mais, eu digo que não te conheço". .
. ♪Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim♪ A música virou um hino sobre a violência contra a mulher. Depois do lançamento do álbum, em uma entrevista ao Domingo Espetacular em 2016, a Elza também falou que sofreu muito calada.
[Elza] Sofri, mas sofri muito calada. Porque não podia denunciar uma pessoa como o Mané, podia? Não.
Antes, a mulher tinha medo de denunciar e voltar pra casa. Com medo até de apanhar mais. [Foquinha] Bom, mas voltando pra linha do tempo, no final da década em 1968, Elza partiu pra mais uma turnê internacional passando por Estados Unidos e México, foi um sucesso tão grande de público que ela realmente considerou se mudar pra América do Norte.
Mas mais um empecilho: a gravadora Odeon vetou a sua ida por causa do contrato que ainda previa outros discos com eles. E prendeu ela aí. No ano seguinte, em 69, mais um episódio triste marcou a sua vida.
Quando Garrincha decidiu visitar as filhas do casamento anterior. A Elza foi contra a visita, porque na noite anterior ela teve um pesadelo e disse que tava com um pressentimento ruim. Pra acalmar a filha, a mãe dela, dona Rosária se ofereceu pra ir junto com o genro.
E horas depois, Elza recebeu a notícia de que Garrincha alcoolizado, bateu o seu carro na traseira de um caminhão na Via Dutra, capotando três vezes. Pelo impacto, a mãe de Elza foi arremessada pra fora e morreu na hora. O Garrincha sobreviveu, mas depois do acidente entrou em depressão profunda.
Também em 69, mais uma grande mudança aconteceu. Associada à ideologia política de esquerda, por ter feito um jingle pra campanha do ex-presidente João Goulart que foi destituído do poder em 64, depois do golpe militar a Elza e o Garrincha passaram a sofrer uma série de ameaças telefonemas anônimos, e até uma tentativa de sequestro. O auge foi quando a casa da família foi baleada e o segurança foi ferido.
E além disso, um dia deixaram uma carta anônima colocada embaixo da porta, que dizia: "Vocês têm que deixar o país em 24 horas". Claro que Elza e a família fizeram as malas às pressas partiram pra Itália, onde foram bem recebidos e acolhidos por um dos melhores amigos de Elza, também exilado o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda. Aí, aproveitando a estadia na Europa, a Elza fez vários shows gravou em italiano, e ainda teve a oportunidade de substituir a diva Ella Fitzgerald em uma turnê depois da cantora precisar se afastar dos palcos pra passar por uma cirurgia de emergência.
E então, em 1971, Elza e sua família voltaram ao Brasil e ela se deparou de novo com um impasse. A sua gravadora, Odeon, tinha cedido todo o repertório que seria pra Elza à nova promessa do selo, sua amiga Clara Nunes. Foi um golpe pra Elza, ela ficou super mal!
Até porque ela mesma tinha apresentado Clara pra gravadora e torcia muito pra Clara porque via o talento dela. Então ela ficou muito mal com essa situação. Porque foi ela ir pra Itália, substituíram ela com o repertório que era pra ser dela.
E aí o que aconteceu foi que, com todas as decepções a relação com Odeon foi se desgastando. E a Elza passou a trabalhar com a Tapecar, uma gravadora nova. Na mesma época, a Elza partiu pra mais uma turnê internacional passando por Estados Unidos e Europa onde ela já era considerada uma artista consagrada.
Em julho de 76, nasceu Manoel Francisco dos Santos Júnior apelidado de Garrinchinha, filho de Elza e Garrincha ou Juninho, como ela chamava. Bom, o Garrincha tinha prometido pra Elza que deixaria de beber caso tivessem um menino, uma promessa que nunca foi cumprida. Mas mesmo assim, Elza tentou de tudo, ajudar o Garrincha a largar o vício.
Mas por causa de todos esses problemas, em 1982 o casamento de Elza e Garrincha acabou. A Elza não aguentava mais aquela situação fazendo de tudo pra salvar o Garrincha. Então, ela deixou ele, a mansão e todo luxo que ela proporcionou pra eles.
E foi com o Garrinchinha pra um apartamento simples. Onde voltou a passar perrengue e viver uma vida mais humilde. Foi nessa época, inclusive, que ela pensou em denunciar o Garrincha que viveu momentos muito tensos porque o Garrincha não queria aceitar essa separação, nem nada disso.
Então foi bem tenso. No ano seguinte, dia 20 de janeiro de 1983 Garrincha morreu de cirrose hepática. E mesmo já separada, a Elza sofreu muito, né.
E apesar de ter tido outros relacionamentos depois do divórcio ela sempre declarou que Garrincha foi o grande amor da sua vida. E olha só, Elza se foi 39 anos depois exatamente na mesma data da morte do amor da sua vida. Bom, foi depois desse período tão duro que Elza chegou a pensar em encerrar a carreira, e passou a trabalhar em circos pra conseguir sustentar o seu filho.
Também tentou trabalhar numa creche. . .
E ela queria, naquele momento, na música, revolucionar a música brasileira. E não fazer só samba. Ela queria fazer outras coisas, mas ela não tinha abertura pra isso.
Então, ela já tava ali decretando o fim da carreira. Até que ela compartilhou a decisão de parar de cantar pro seu amigo, Caetano Veloso, e ele disse… [Elza] Caetano recebeu de braços abertos. Aquela gracinha,como ele é sempre.
Contei pra ele que eu ia deixar de cantar. Ele disse: "Nunca. Você não vai fazer isso.
Você é a abelha rainha". [Foquinha] Enfim, ele acolheu ela, eles tiveram uma conversa. Passou.
E depois o Caetano disse que tinha uma surpresa. E deu pra ela o samba-rap Língua. Que depois se tornaria destaque no álbum Velô, de 1984, do Caetano.
A Elza gravou, foi um sucesso, e as portas voltaram a se abrir. ♪Sambódromo Lusamérica, latim em pó♪ E aí, além do samba e da bossa, Elza passou a abordar ritmos diferentes do qual sua voz era associada, como o blues, o soul, o jazz. .
. Resultando no álbum Somos Todos Iguais, de 1985. Mas, gente, eu falei, a vida da Elza é marcada por muitos altos e baixos.
E eles vão ali, ó, sempre se intercalando e a Elza sempre sendo forte e superando. Porque mais uma tragédia aconteceu na vida de Elza, e a pior delas. Em janeiro de 86, Garrinchinha, ou Junininho, como a Elza chamava morreu num acidente de carro, aos nove anos de idade por conta do motorista, que tinha bebido.
Mas ela decidiu se curar com a música. E logo depois, ela já tava no estúdio com o Lobão que já tinha combinado com ela de gravar, e ele nem acreditou! E o Lobão conta que uma hora, lá no estúdio ela ficou no escuro e começou a improvisar.
E ele disse que foi umas coisas mais emocionantes que uma expressão musical já causou nele. E o resultado é a música Voz da Razão. ♪Você trocou o seu amor Por uma vaidade♪ Bom, a Elza seguiu trabalhando e se mostrando forte.
Mas por dentro, ela tava acabada. E não conseguia mais se enganar. Foi aí que ela viveu o período mais difícil da sua vida.
Em depressão de tudo, ela tentou de tudo pra superar essa dor. De drogas ao suicídio. Ela tava ali vivendo no piloto automático fazendo shows pra conseguir se sustentar.
E em 1988, Elza olhou novamente pras suas origens gravando o álbum Voltei, com composições de Arlindo Cruz Luiz Carlos da Vila, Pedrinho da Flor e Sombrinha. Na década seguinte, nos anos 90, a Elza foi de novo pros Estados Unidos tentar se encontrar, mas não deu certo. E depois de um tempão por lá, decidiu voltar de vez pro Brasil.
Nesse período, ela gravou apenas um disco, Trajetória com participação de Zeca Pagodinho na regravação do samba Sinhá Manda Saia. Outro destaque desse disco vai pra interpretação de O Meu Guri, do Chico Buarque, de 78, que é memorável. ♪Ai, o meu guri, olha aí♪ Em 1999, veio uma oportunidade única de fazer um grande show no Rio de Janeiro, promovido pelo sindicato dos jornalistas.
Mas, como sempre, muito sensitiva, a Elza já tava com uma sensação de que algo ruim ia acontecer duas semanas antes. Dito e feito. No meio da apresentação, enquanto cantava Beija-Me Elza caiu de cima do palco, o que causou algumas lesões na sua coluna.
E as notícias eram péssimas, e até exageradas. Parecia que Elza não ia conseguir levantar da cama e se apresentar. Mas todos estavam muito que errados!
Logo, ela tava plena, apenas no palco do Royal Albert Hall em Londres, pro festival beneficente Since Samba Has Been Samba. "Desde que o samba é samba". Dali, inclusive, nasceu uma música feita por Chico Buarque pra Elza: Dura Na Queda, que até virou título do show da própria Elza.
A letra tem tudo a ver com a sua história. ♪Bambeia, bamboleia É dura na queda♪ Em 2000, vieram os refrescos e Elza Soares foi eleita pela rádio BBC de Londres como a cantora do milênio. Apesar da surpresa, assim que foi anunciada a homenagem Elza fez um show no Hotel da Glória no Rio que foi transmitido ao vivo pela BBC.
Um marco! Essa homenagem cravou a sua entrada pra uma seleta lista de talentos musicais do mundo todo. Mas ela quis celebrar o título também com o público inglês.
E então partiu pra uma grande apresentação no Shepherd's Bush Empire em Londres, acompanhada de uma banda de sete músicos sendo três percussionistas do Afro Reggae, da comunidade da Maré no Rio com quem ela tava fazendo trabalhos sociais na época. E aí, a Elza fez o seu retorno de peso, em 2002, com o icônico álbum Do Cóccix até o Pescoço, um nome bem simbólico pelo que ela passou, né. E aí, iniciou um processo de atualização de sonoridade.
Dessa vez passando por ritmos como funk e rap e trouxe mais uma faceta pra Elza, que era a voz de protesto e de resistência. Era tudo que a Elza queria, né, que ela tava planejando colocar mais ritmos, outras sonoridades, uma coisa diferente. E não à toa, o disco foi indicado ao Grammy Latino em 2003, como o melhor álbum de MPB.
Em Do Cóccix até o Pescoço, a Elza eternizou a música A Carne composta por Seu Jorge, Marcelo Yuka e Wilson Capeletti originalmente pra Farofa Carioca, que foi um grupo forte nos anos 90 que misturava rock, funk e hip-hop, e do qual Seu Jorge é ex-integrante. O que a Elza fez, ela chegou no Seu Jorge, num show dele no Sesc e pediu permissão pra regravar a música no seu estilo. Ele concordou, e foi assim que o Brasil passou a ouvir a Elza exclamar que "a carne mais barata do mercado é a carne negra".
♪A carne mais barata do mercado é minha carne negra♪ Na biografia escrita por Zeca, a Elza disse que a música é forte mas não tinha tido uma grande repercussão. E ela não achava que a música era só pra um grupo de pessoas ouvir. Mas era pra todo mundo abrir bem o ouvido e escutar ela gritando que a carne mais barata do mercado .
era a carne negra. O clipe também é super forte. E até hoje a música é vista como símbolo da luta contra o racismo.
Um tema que voltou pro repertório de Elza alguns anos mais tarde no álbum Planeta Fome, de 2019. ♪É a carne negra♪ Em 2003, um ano depois, a Elza apostou em ritmos mais modernos e com pegada eletrônica, com o álbum Vivo Feliz. Já em 2007, Elza misturou, como só ela sabe, samba e rap e um mix de sucessos no álbum Beba-me que foi também a sua primeira gravação de show em DVD.
Olha, e se alguém tinha dúvidas, ainda, sobre o poder da obra de Elza Soares, em 2015, ela retomou os holofotes da música com o marcante álbum A Mulher do Fim do Mundo. No disco produzido por Guilherme Kastrup com direção artística de Romulo Fróes e Celso Sim Elza pediu pra cantar até o fim, e cantou. Cantou sobre as mulheres, sobre a violência doméstica sobre a violência urbana, tudo isso com um som experimental que trouxe o balanço do samba com as batidas, violão e guitarras do rock.
♪A multidão avança como vendaval. . .
♪ Na biografia, Elza disse que achava mesmo que ninguém ia entender a loucura que era A Mulher do Fim do Mundo. Ela queria se mostrar daquele jeitinho mesmo abusada, atrevida, que a Elza era assim! E ela disse: "Eu não sabia se o Brasil tava preparado pra ouvir a Elza falando de negro, de gay, da porrada, da violência".
. . Mas mal ela sabia que o mundão tava muito pronto!
O álbum A Mulher do Fim do Mundo foi premiado como o melhor álbum de MPB no Grammy Latino de 2016 considerado um dos 10 melhores do ano pelo crítico Jon Pareles, do jornal The New York Times. E classificado com nota 8. 4 pelo Pitchfork que é um dos maiores portais de crítica musical da atualidade que também incluiu o disco em 32° na lista dos 50 melhores álbuns de 2016.
A Mulher do Fim do Mundo foi um marco que posicionou a Elza como diva, também, das geração millennial e geração Z. E em 2018, foi lançado o documentário sobre a vida de Elza My Name is Now. Dirigido pela cineasta Elizabete Martins Campos o filme recebeu o grande prêmio do cinema brasileiro na categoria melhor trilha sonora original, em 2019.
E tá disponível no streaming Amazon Prime Video, então fica a dica. Os álbuns seguintes, Deus É Mulher de 2018, e Planeta Fome, 2019 seguem a mesma estética musical de A Mulher do Fim do Mundo. E também retratam questões sociais.
Inclusive, Planeta Fome faz referência à frase dita por Elza pra Ary Barroso, lá no programa de calouros. Quem que lembra que eu falei? Em Planeta Fome, Elza volta a tratar de questões raciais e complementa o sucesso de A Carne, do álbum Do Cóccix até o Pescoço com a sua nova música Não Tá Mais De Graça.
Ao lado do funkeiro Rafael Mike, Elza canta que a carne mais barata do mercado não tá mais de graça. "O que não valia nada, agora vale uma tonelada". Gênia!
♪A carne mais barata do mercado não tá mais de graça♪ Sobre a música, a Elza explicou na sua biografia que se continuasse repetindo o verso como ele era ela estaria reafirmando justamente o que a sociedade quer. Então chega! E ela diz: "Minha mãe é negra, minha avó é negra, minha voz é negra.
Mas ela não é a mais barata do mercado, não mais. Nunca foi, nunca deveria ter sido. Minha carne é cara, é valorizada".
Ó, chega arrepia! E apesar de Elza não gostar de falar de política, logo na sequência de Não Tá Mais de Graça, o álbum segue pra música País do Sonho, em que aborda corrupção e injustiças do Brasil de hoje. ♪Onde ninguém enriqueça em nome da fé♪ E, bom, devido à pobreza e o preconceito que viu de perto desde a infância Elza também militava em favor da comunidade LGBTQIA+ de quem sempre recebeu muito apoio.
A biografia, ela diz que foi com os gays que ela se fortaleceu contra os preconceitos que vivia como negra. Inclusive, em 2017, a revista Serafina fez uma matéria especial em que grandes nomes da cultura brasileira indicavam novatos que admiravam. Segundo Chico Felitti, o autor da matéria, Elza não pensou duas vezes antes de escolher a Linn da Quebrada e disse: "Ela me entende, porque a travesti é a mulher preta de 60 anos atrás".
E sempre acompanhando as tendências, além de diva da música, voz do milênio vários outros adjetivos aí, a Elza também era twitteira. Sim, meus anjos. Muito que bem.
A Elza tem um perfil no Twitter desde 2007. Por onde ela tava interagindo com os fãs, se divertindo falando com outros artistas, compartilhando opinião de vários assuntos. Até sobre BBB!
Inclusive, eu tenho uma história assim, ó. . .
Que mexe com o meu coração com a Elza. A Elza super acompanhava o BBB e as redes sociais, como eu falei. E durante o ano passado, no BBB 21 a Elza passou a acompanhar o meu conteúdo, gente.
Sério, eu levei um susto. Foi uma surpresa tão boa! Em um dos meus vídeos, daqueles de dublagem que eu comecei a fazer ano passado a Elza comentou que tava se divertindo muito comigo.
Aí ela passou a me seguir no Instagram. Foi realmente um momento muito especial pra mim que eu vou levar pra sempre, sério! E olha só que ligadinha.
Em 2018, ao saber do lançamento de God Is A Woman, da Ariana Grande a Elza fez um post compartilhando com a Ariana sobre o seu disco Deus é Mulher, de 2018. "Querida Ariana Grande, meus fãs acabaram de mostrar o título da sua nova música. Vejo que você também acredita que Deus é mulher.
Aqui vai o meu álbum pra você, com o mesmo título. Estou ansiosa pra ouvir a sua nova música. Deus é mulher, meu amor".
Ai, maravilhosa. E o último tweet de Elza antes da sua morte foi declarando torcida por Linn da Quebrada no BBB 22. "Minha Linn entrou no BBB.
Arrebenta, menina. Te amo! " E eu não trouxe isso aqui na Linha do Tempo, porque são muitos momentos.
Mas a Elza sempre teve uma relação muito forte com o carnaval. Em especial com a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Ela foi uma das primeiras mulheres a sair como intérprete na Sapucaí.
E no carnaval de 2020, a vida e obra de Elza foram celebradas no desfile da escola carioca. E o seu último disco lançado em vida, Elza Soares e João de Aquino de 2021, traz o emocionante e inédito registro de uma sessão gravada entre ela e o violonista João de Aquino, no Rio de Janeiro, em 1996. Sério, é de arrepiar do início ao fim.
E, bom, com 60 anos de carreira e uma discografia de 35 álbuns Elza Soares cantou até o fim, mas nem sempre cantou sozinha, né como a gente pode ver nessa linha. Ao longo da trajetória, ela gravou parceria com vários artistas e compositores desde os contemporâneos os clássicos, até nomes da nova geração, como Pitty, Gaby Amarantos, Liniker MC Rebecca, Baiana System, entre vários outros. Ela era realmente muito ligada.
E é isso, né. A Elza foi e é referência pra muitos músicos de diferentes gerações e de gêneros musicais, deixando a sua marca, sua resiliência sua inspiração e uma obra única, vasta e diversa. E na última década, Elza enfrentava alguns problemas de saúde.
Mas sempre manteve o pique de gravar e de estar nos palcos mesmo que de forma adaptada. E como eu falei, em 1999, a Elza sofreu aquela queda no show. E depois ela passou por duas cirurgias na coluna, em 2012 e 2014.
E o que aconteceu foi que com as sequelas do ocorrido Elza ficou com dificuldade de locomoção e passou a se apresentar sentada, diretamente do seu trono de rainha. Ela podia ter feito a escolha de se aposentar? Podia, mas ela escolheu continuar.
Em entrevista ao conversa com Bial, a Elza disse que a música pode viver sem a Elza, mas a Elza não pode viver sem a música. Inclusive, a Elza tava trabalhando num novo álbum. E dois dias antes de partir, tinha acabado de gravar um DVD no Teatro Municipal de São Paulo.
A Mulher do Fim do Mundo, de fato, cantou até o fim. E esse DVD tá pra sair daqui a pouquinho, em março. E de acordo com a sua família, a partida da Elza foi tranquila.
Ela tava em casa, como queria, cercada da sua família e do seu empresário Pedro Loureiro. E uma das suas netas contou em entrevista que momentos antes de falecer, a Elza disse: "Eles estão chegando, eles estão vindo me buscar". Fechou os olhos e descansou.
E claro que o mundo todo sentiu a sua perda, né? A sua morte repercutiu em vários veículos da mídia internacional. Ganhou destaque em jornais gigantes, como The New York Times o The Guardian, em revistas alemãs, no diário francês Le Monde.
. . E além disso, artistas gringos de vários gêneros também lamentaram a sua morte como Patti Smith, Beyoncé e ela, Rainha Elizabeth II.
Pra quem não sabe, a Elza se apresentou pra Betinha durante uma visita dela no Brasil, em 68. E depois da morte de Elza, a embaixada britânica no Brasil relembrou esse dia e disse: "Foi um encontro de rainhas. Descanse em paz, Elza".
Bom, e como vocês viram aqui, a trajetória da Elza realmente é uma trajetória de muita luta, de muitos altos e baixos. A Elza realmente é uma sobrevivente. E é uma mulher de muita força e de muita superação.
A história dela é realmente muito inspiradora. Além de todo seu talento, que realmente é um legado pro Brasil e pro mundo. A Elza Soares partiu no auge da sua glória, aos 91 anos.
E ao contrário do que ela mesma disse naquela entrevista que eu falei, não, a música não pode viver sem Elza Soares. O seu carisma, sua garra, sua voz, sua potência vão estar sempre presentes, ecoando em cada música que lançou. E que a gente celebre a sua história pra sempre.
E daqui, a gente só tem a agradecer. Muito obrigada, Elza. [Elza] Através da minha história, eu vou trazer muita gente com mais força, com mais vontade de lutar, entendeu?
Dizer assim: "Eu vou seguir o caminho que essa mulher seguiu", entendeu? Se não fosse. .
. "Ai, que medo". Não, não tem que ter medo.
Ela foi dura, danada, e chegou aí. Essa é a história que eu gostaria que fosse contada como eu falo, a minha vida.