Um enigma, um enigma: qual o animal que de manhã anda sobre quatro patas, ao meio dia se ergue sobre duas, e ao entardecer caminha sobre três patas? Decifra-me ou te devoro. Foi o que disse a Esfinge, do Egito.
E o que que o imperador Dom Pedro II, que tava lá, respondeu? Ora, eu mesmo que engatinhei de quatro implorando pelo poder, depois me ergui, caminhando em duas patas para conduzir o Brasil rumo ao desastre, e agora aqui estou com a minha bengala, e o pior é que provavelmente tem gente querendo me expulsar a bengaladas do poder. Conseguirão ou não conseguirão?
Cara, é essa a história do Dom Pedro II, você já viu a primeira parte, o pobre menino engatinhando de quatro, sendo erguido do solo e um país sendo jogado em cima dele. Depois você viu ele se erguer, inclusive namorar várias condessas e tal, pá pá pá, conduzindo o Brasil para o seu apogeu, e agora o sol está se pondo sobre o imperador Dom Pedro II e é o entardecer da monarquia e o refugir da república. E eu quero saber de que lado tu vai ficar.
"Saco sem fundo ou cheque sem fundo, como era profundo o amor pelo Brasil do Dom Pedro II". É um poeta, é um poeta, é ou não é um poeta, cara? É um poeta, cara.
Saco sem fundo ou cheque sem fundo. Não, cara, o imperador sempre foi comedido nas coisas do dinheiro. Tu vai ver, cara.
Era um exemplo de funcionário público. Aliás, era um funcionário público número um, imperador extraordinário. Bom, esse é o lado extraordinário dele, né?
Tem o lado ordinário também que a gente vai ver depois. Mas o que interessa é que naquele jubileu de 50 o imperador sentia-se bem. Tu é tão ignorante que tu nem sabe qual é, o jubileu de 50 que eu tô falando, né?
Eu tô falando do dia sete de setembro de 1872, quando se completaram cinquenta anos da independência do Brasil. E quem é que tinha feito a Independência do Brasil? Ele, o pai dele, o pai dele, o Dom Pedro I, aí o Dom Pedro II tava com tudo, né?
Dom Pedro II tava com tudo, até porque tinha acabado a Guerra do Paraguai, né? Finalmente ele tinha se livrado da guerra e ele achou que tava tudo bem, só que não tava tudo bem, cara, não tava tudo bem. Ele festejou os cinquenta anos da independência, mas no exato momento em que ele o faz já tá tendo uma fermentação republicana.
Na verdade, cara, a paz começou a se afastar dele em 1870, quando foi lançado o manifesto republicano, né? Uma fermentação que já havia por todo o continente americano, né? É bom lembrar que todos os países ou praticamente todos os países do Alasca a Patagônia eram republicanos, né?
E nenhum mais tinha escravidão e o Brasil continuava uma monarquia escravista. Na verdade, as coisas tinham começado a piorar um pouco pro imperador em 1868 com a queda do gabinete do Zacarias de Góis e Vasconcelos. O imperador espertamente vinha há tempo governando quase numa forma de parlamentarismo.
Ele tinha criado o cargo de presidente do conselho de ministros e muito espertamente alternava no poder liberais e conservadores. Em 1853 o Marquês do Paraná criou o que se chamou de "gabinete da conciliação". É, é, e conciliou os interesses de liberais e de conservadores, que na verdade eram interesses bem escravocratas, entendeu?
Eram os interesses da oligarquia rural, eram os interesses da elite cafeicultora. E ficou tudo em paz de 1853 a 1859 foi esse gabinete da conciliação, e aí quando assume o Zacarias Góis de Vasconcelos em 1863 e fica cinco anos no poder, o país consegue uma grande estabilidade, inclusive econômica, no auge, então tinha dinheiro, todo mundo "é, agora vai, agora vai, agora o Brasil vai dar certo, ê, o Brasil vai dar certo, o Brasil vai dar certo", e mesmo durante a terrível guerra do Paraguai, mesmo com os gastos com a guerra do Paraguai, o povo vibrava, pelo menos no início, pelo patriotismo, inclusive cara, resgataram a bandeira do Brasil e o hino do Brasil. Sabe essas duas coisas horrorosas hoje em dia?
Tu vê uma bandeira do Brasil e diz "meu Deus, é um bolsominion". Tu ouve alguém cantar o hino do Brasil e tu diz "pelo amor de Deus, cala". Pois é, naquela época ninguém gostava muito nem da bandeira nem no hino do Brasil.
Mas com a guerra todo mundo "vamos lá", uma espécie de Copa do Mundo, vamos ganhar do Paraguai, vamos esmagar o Paraguai, não deixemos um só paraguaio vivo, vamos matar as mulheres paraguaias, as crianças paraguaias, os cavalos paraguaios, o uísque paraguaio, tudo! E foi o que eles fizeram no Paraguai, né? Mas a guerra começou a durar demais, durar demais, e foi por causa da guerra que o Zacarias Góis de Vasconcelos se demitiu, sabe por quê?
Porque o imperador botou no comando do exército brasileiro o Duque de Caxias e o Duque de Caxias era um conservador ferrenho, ou um ferrenho conservador né? E aí, o Zacarias que era liberal disse "Não, esse cara, não", brigaram, saiu. E a paz nunca mais voltou pro imperador.
Nunca mais. Vai começar uma derrocada que vai conduzir até a derrocada final de1889. E agora que vai começar o episódio, cara.
Agora que vai começar o episódio. Quando se lança, em dezembro, bem pertinho, bem pertinho do aniversário do imperador, aliás, quando o imperador fez o seu aniversário de 1870. .
. A guerra do terminou em primeiro de março de 1870, e aí quando o imperador fez o seu aniversário de 45 anos, no dia dois de dezembro de 1870, ele parecia um velho, o peso da guerra do Paraguai, a barba embranqueceu, a barriga cresceu, ele ficou curvado, o seu 1,90m viraram um e 1,86m, entendeu? Mas ele não deu a menor bola e deveria talvez ter dado quando surgiu, num jornal chamado A República, o manifesto republicano, né?
Pregando o fim da escravidão, um regime federalista, descentralizado, mais autonomia pras províncias e mais poder pra escravocrata. Isso é claro que sim. O imperador teria inclusive declarado "sou republicano.
Todos sabem. Se eu fosse um egoísta, inclusive proclamaria república para levar as glórias similares a Washington". É, frase bonitinha, né?
O Antônio Rebouças garante que ele disse isso lá nos recônditos do Paço de São Cristóvão. E ele de fato tinha ideais republicanos. Tanto é que uma das suas grandes qualidades é que em nenhum momento ele perseguiu a imprensa.
O contrário de energúmenos, né? Que aí estão presentes perseguindo a imprensa. E naquele momento se instaurou contra ele a "guerra do ridículo".
É. Charges e mais charges botando ele dormindo, botando ele babando, botando ele apanhando de palmatória na mão dos bispos. Né?
Principalmente do Ângelo Agostini, um extraordinário cartunista e jornalista italiano que tinha se radicado no Rio de Janeiro e que não poupava de jeito nenhum. Em nenhum momento, em nenhum momento o Dom Pedro ergueu a voz contra ele ou ergueu a voz contra qualquer outro republicano, né? E mesmo com o Brasil estando quase arruinado com os empréstimos que tinha feito na Inglaterra pra custear a Guerra do Paraguai, o Dom Pedro II continuou sendo um cara exemplar nas contas públicas.
Tanto é que os custos, os gastos, o sustento da família imperial por parte do governo, não chegavam a 3% das despesas gerais do governo, gerais do Brasil, quando ele assumiu o trono, e em 1970 ele tinha reduzido elas pra meio por cento. 0. 5% dos gastos do governo eram os gastos da família real.
E ele anotou no seu diário: "nada devo e não gosto de ajuntar dinheiro. A escrutinação de todas as minhas despesas pode ser feita a qualquer hora". E ele viajava pro exterior e quando viajava pro exterior ele próprio pagava suas despesas.
É isso aí, meu chapa. E a primeira grande viagem dele é em 1871, quando ele vai primeiro pra Europa, né, fica fascinado, sempre foi fascinado pela cultura europeia, né, visita vários países, quem fez o roteiro foi a condensa de Barral, e aí ele chega no Egito, olha aquelas pirâmides e diz "soldados, do topo dessas pirâmides quarenta séculos vos. .
. " não, não, não, esse é do Napoleão. Né?
Não foi ele que disse isso. Ele chega na frente da esfinge e a esfinge olha pra ele, ele olha pra esfinge, a esfinge olha pra ele, ele olha pra esfinge e a esfinge pergunta: "qual animal que. .
. " e ele mata a charada. Porque ele era um cara culto, simplesmente porque ele sabia falar e escrever em persa, em hebraico, em sânscrito.
É, ele era um homem de letras, ele sempre disse "eu nasci para as letras e para as ciências. O Brasil é um peso nas minhas costas". Ele sempre falou isso, né?
E dizem até que ele viajou em 1871, que era um mau momento de viajar, né, ele não devia se ausentar do país naquela hora, porque ele quis dar as honras pra Princesa Isabel da assinatura da Lei do Ventre Livre. É a lei do ventre livre, né? Todas as escravizadas que tivessem um filho, ele nasceria livre.
Que legal, né? Que generosidade, hein? Hein?
Depois de 300 anos de escravidão. Ele queria que fosse a Princesa Isabel quem assinasse essa lei, porque naquele mesmo ano de 1871 tinha morrido a princesa Leopoldina, a filha dele. Ele já tinha perdido o príncipe Afonso, que era o herdeiro do trono, ele já tinha perdido o outro filho homem, o Pedro Afonso, e agora ele perdia a Leopoldina, só lhe sobrava praticamente a Isabel, e era uma dor, muita dor.
Então, ele resolveu fazer essa viagem, inclusive foi pro Líbano, e é aí que se dá início a migração Sírio-Libanesa pro Brasil, né? E ele retorna e depois que ele retorna em 1872 ele nunca mais vai encontrar a paz. Uma das causas disso, é claro, foi a imprensa.
Porque a imprensa satírica mesmo surgiu em 1875 e um dos principais jornais foi o Gazeta de Notícias, e olha o que que o Pandiá Calógeras, que depois seria ministro da guerra já no regime republicano diz das reações do Dom Pedro II, ou das não reações, né? "O imperador tolerava que a crítica, o insulto e a própria calúnia tivessem livre curso e campeassem impunes, nunca se defendeu, seguro como estava em sua consciência de homem de bem de achar que pairava acima de tais misérias", hein? Palmas pro Dom Pedro II, palmas, palmas.
E aí, além de tudo, ele viu morrer, Caxias, Osório, Rio Branco, Nabuco, Alencar e Zacarias. Parece um time, né? Pelé, Coutinho, Rivelino, né?
Aí o que que o imperador falou, tu sabe o que que o imperador falou. O imperador falou o seguinte: "Freud está morto, Darwin está morto, Deus está morto e eu mesmo não estou me sentindo muito bem". Foi isso cara, veio a diabetes, veio a diabetes, ele começou a ter cada vez mais sérios problemas de saúde, ele teve que se ausentar do Brasil, ele foi de novo fazer uma viagem pra SPAs na Europa com o nosso dinheiro!
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Não não não, com o dinheiro dele, com o dinheiro dele. Porém essa viagem pra saúde foi depois, porque antes em 1876, quando do bicentenário da independência americana, ele foi pra onde? Foi pros Estados Unidos, cara, foi pra Filadélfia.
É, encontrou o Graham Bell, se associou com a National Geographic Society, foi saudado pelo jornal New York Times, foi na feira lá, na exposição da Filadélfia, pegou o telefone e disse "nossa, isso fala", é, introduziu o telefone no Brasil, o telégrafo. Cara, era um homem de ciência, era um homem de visão. Só que a gente não pode esquecer que tudo isso estava fundamentado nesse regime escravista.
Que em nenhum momento ele poderia de fato enfrentar, porque a base do império, o sustentáculo do governo dele era essa elite ruralista, era a bancada ruralista do Senado, entendeu? E mesmo ele sendo totalmente contra a escravidão pessoalmente, ele sabia que não tinha outra saída ali, entendeu? Então a coisa vai ficando sombria, vai ficando perturbada, aí o movimento republicano se junta com o movimento abolicionista, a inquietação nos quarteis entre os militares era enorme, a coisa vai ficando sombria, sombria, até que amanhece, raia, vem o sol do dia 15 de novembro de 1889.
O primeiro e mais patético golpe militar da história do Brasil. Cê já viu dez vezes aqui, dez vezes aqui. Ele tava em Petrópolis, meio alheio, meio doente.
Ele desce de Petrópolis e pergunta "o Deodoro tem algo a ver com isso? " Sim, o Deodoro, que você já sabe, né? Que seis meses antes tinha dito "os brasileiros estão e estarão mal educados para republicanos.
Ruim com a monarquia, pior sem ela". Ele era um monarquista. E ali, durante o golpe, ele só faltou gritar "viva o imperador".
Ele disse "o imperador é meu amigo, devo-lhe favores". E aí, quando Dom Pedro desce de Petrópolis, pergunta "o Deodoro tem algo a ver com isso? " Claro que o Deodoro tinha algo a ver com isso.
E sabe o que que ele disse? "Estão todos malucos". É, estão todos malucos.
Tavam mesmo, né? Daí ele vai pro Paço São Cristóvão e de madrugada, na madrugada do dia 16 de novembro ele é expulso do Brasil. Ele e a família dele, levados pro Cais Pharoux, são embarcados numa pequena lancha, ele quase cai, quase tropeça, se ele caísse e tropeçasse, frágil do jeito que ele tava, grande do jeito que ele era, ele ia morrer afogado e ninguém ia conseguir provar que tinha sido só um acidente, ele quase cai, ele embarca na fragata e a fragata o leva embora do Brasil.
Quando ele chega na ilha de Fernando de Noronha, ele resolve mandar a sua última mensagem para o Brasil. A ilha de Fernando de Noronha era a última última parte do território brasileiro e ele resolve mandar uma mensagem pro Brasil. Lhe dão um pombo correio e ele escreve num bilhetinho: "saudades".
E o amarra na patinha do bicho e solta a pomba e a pomba tinha as asas podadas e puft, cai e afunda na frente de todo mundo. Estou te falando sério, não é piada, e o imperador "puxa. .
. a pomba. .
. Pombas. .
. " Sério. E a coisa que vai se desenrolar a partir daí é tristemente patética.
É tragicamente hilária, porque ele chega em Portugal, visita o coração do pai dele que estava no Porto, né? Aí quando ele está voltando dessa visita morre a Teresa Cristina, a mulher dele, morreu em Portugal. Eles nunca tinham tido uma relação muito efervescente, calorosa, carnal, né?
Mas cara, tinham aprendido a respeitar um ao outro. É uma morte sombria. E aí ele se muda para Paris, fica morando em Paris e em Cannes, sempre em hotéis de três estrelas, recusa a dotação, recusa a pensão que o governo brasileiro republicano queria lhe dar, vive às suas próprias custas.
No enterro da mulher, ele estava lendo a nova edição, a nova tradução de "A divina comédia", do Dante. Ele próprio traduziu Dante. Ele próprio traduziu Victor Hugo.
Ele próprio traduziu "Prometeu acorrentado", do Ésquilo, que o atual presidente do Brasil deve chamar de "esquilo", o débil mental, o débil mental que nunca leu nenhum livro, que vê a Praça da Alegria, ele via a Praça da Alegria. . .
. Enquanto pelo menos o Dom Pedro II vivia na Praça da Tristeza enlevada, da tristeza poética, da tristeza humanista, e aí num hotel de três estrelas, na esquina das ruas Arcade com Pascal, às seis da manhã do dia cinco de dezembro de 1891, quatro dias depois de fazer 66 anos de idade, ele morre. E quem vai fotografá-lo no leito de morte é o Nadar, o maior fotógrafo do mundo na época, o homem que havia fotografado o Baudelaire, o Théophile Gautier, a Sarah Benhardt, o maior fotógrafo do mundo faz questão de registrar aquele homem em seu leito de morte, já vestido como imperador, e o governo da França lhe dá um enterro com honras de chefe de Estado, irritando inclusive a mediocridade, a mediocridade da ditadura militar brasileira.
Fazia pouco tempo que o "Washington Brasileiro" (HHOHOHO), o Marechal Deodoro tinha fechado o congresso e dado um golpe militar dentro de um golpe militar e aí logo em seguida ia renunciar e aí logo em seguida ia assumir outro ditador, o Floriano Peixoto, enquanto que o neto de Marco Aurélio, enquanto que o amigo de Victor Hugo morria exilado em Paris. E aí sabe qual é a frase que ele tinha dito pouco antes, pra Condessa de Barral? "Amo cada vez mais a minha pátria, talvez mesmo por causa dos defeitos da nossa gente".
Defeitos dos quais aliás o Dom Pedro também tinha, não só os dele como os do conjunto da obra. Mesmo assim, cara, foi um homem que pessoalmente foi magnânimo, extraordinário, então quando tu parar pra pensar "será que o Dom Pedro foi melhor ou foi pior? Será que a monarquia era melhor ou foi pior?
". A resposta é fácil, cara. A resposta está blowing in the wind, soprando no vento que uiva através das árvores da Floresta da Tijuca.
A floresta que ele mandou replantar. E pra dar um fecho definitivo a essa trilogia eu quero te dizer o seguinte: claro que o canal Buenas Ideias é monarquista. Claro que o canal Buenas Ideias apoia o regime monárquico, tanto é que eu tenho uma proposta pra você.
Se ele era o neto de Marco Aurélio, Eduardo Bueno é o neto de Dom Pedro II e a gente tem que reinstaurar a monarquia no Brasil contanto que o rei seja eu, eu para rei, eu para rei, nem que seja um Napoleão de hospício. Tchau.