Um dos saberes indispensáveis à prática educativa é aquele que nos ensina a lidar com as relações tensas e inevitáveis entre a liberdade e a autoridade. É o que veremos neste vídeo. O equilíbrio entre liberdade e autoridade é um exercício complexo, mas indispensável para que professores e alunos conquistem a disciplina necessária para a aprendizagem.
Um ponto em questão é a construção de uma relação em que todos os sujeitos, professor e alunos, se respeitem mutuamente a partir do estabelecimento de alguns limites que não devem ser transgredidos. Tanto o autoritarismo como o espontaneísmo, aquela relação em que ninguém está nem aí para nada, qualquer coisa vale, essas duas práticas antipedagógicas são expressões claras de que o equilíbrio tenso entre liberdade e autoridade foi rompido. Mas Paulo Freire argumenta que tanto o autoritarismo quanto a displicência do professor são formas indisciplinadas de comportamento que negam o desenvolvimento humano.
Somente nas práticas em que autoridade e liberdade se afirmam e se preservam, mantendo o respeito comum, é que se pode falar de práticas disciplinadas e favoráveis à educação. Paulo Freire tem consciência de que o nosso passado autoritário acabou induzindo muitos professores a oscilar, com muita insegurança, entre formas autoritárias e espontaneístas de indisciplina; entre uma certa “tirania” da liberdade sem limites, por um lado Aquela em que o aluno acha que pode tudo. e um acirramento agressivo do poder autoritário do professor.
O exercício que Paulo Freire propõe é que professores e alunos assumam o confronto, que é realmente tenso, entre a autoridade, de um lado, e a liberdade, do outro, para que essas dimensões estudem uma a outra, se avaliem e aprendam sobre si mesmas a partir do diálogo. E o objetivo desse exercício é que as duas dimensões: a autoridade democrática do professor e a liberdade dos alunos, evoluam para uma relação franca de respeito mútuo. Quando se fala em formação de professores, é importante lembrar que a gente se refere a estudantes que vão se tornar professores.
Por isso que, nesse caso em especial, a experiência discente, como aluno e aluna de pedagogia no presente, é particularmente importante para a atuação docente no futuro. O estudante de pedagogia deve ter o cuidado especial em viver criticamente a sua própria liberdade, justamente para se preparar para assumir o exercício de sua autoridade, como professor ou professora, no futuro. Além do domínio dos conteúdos, o futuro professor deve refletir também sobre a maneira mais aberta, dialógica e democrática das aulas, em contraste com aquela forma mais fechada, unilateral ou autoritária com que os seus próprios professores eventualmente ensinam.
Esse exercício contribui para superar a tradição autoritária em sala de aula, e também contribui para corrigir reações equivocadas a essa tradição, que às vezes, na maior das boas intenções, acaba enxergando autoritarismo até onde só houve o exercício legítimo da autoridade. Paulo Freire menciona o caso de um jovem professor de opção democrática que se sentiu constrangido em chamar a atenção de um aluno que estava conversando alto na sala ao lado, atrapalhando a aula, imaginando que aquilo teria sido uma ação autoritária. Paulo Freire disse a ele que se ele não tivesse feito isso, aí sim, ele teria cometido o erro de ter sido omisso, desleixado.
É antipedagógico se mostrar indiferente quando algum fator prejudica o ambiente que favorece a aprendizagem em sala de aula. Para aqueles que dizem que não deve haver limites para a liberdade dos estudantes, Paulo Freire adverte que o limite é a ética. Quando a liberdade rompe os limites da ética ela se nega da mesma forma que faria se tivesse sido asfixiada.
Paulo Freire deixa claro que ele aposta na liberdade e que tem consciência de quanto é fundamental que ela se exercite assumindo as suas decisões. “A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. ” E é claro que nem sempre a liberdade do adolescente o leva à melhor solução para um determinado problema que precisa resolver, ou mesmo para se decidir em relação ao futuro.
É indispensável que os pais e os professores dialoguem com seus filhos e alunos acerca de suas angústias profissionais e acadêmicas, por exemplo. Mas se os pais e os professores não podem e não devem se omitir, eles precisam ter a consciência de que o futuro não é deles, mas dos seus filhos ou dos seus alunos. Paulo Freire argumenta que é mais pedagógico reforçar o direito da liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, do que se submeter sempre à decisão dos outros, sejam eles os pais ou os professores.
É decidindo que se aprende a decidir. Um sujeito nunca vai aprender a ser ele mesmo se ele não decidir por conta própria porque prefere sempre contar com a sabedoria, com a experiência e com a sensatez do pai e da mãe, que decidem por ele. Aí, é claro, as pessoas se preocupam.
Já imaginou o risco de perder tempo por causa de sua decisão? A questão é que faz parte do processo de construção da autonomia aprender a assumir as consequências do ato de decidir. A decisão é um processo responsável.
Uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar claro que a sua participação, indispensável no processo de tomada de decisão dos filhos, não é uma intromissão, mas é um dever da autoridade dos pais. Agora, o que não deve ocorrer é pais assumindo a missão de decidir por eles. Para Paulo Freire, a participação dos pais se dá sobretudo no diálogo, com os filhos, sobre as consequências possíveis da decisão a ser tomada.
Sem nenhum prejuízo da autoridade, os pais se tornam conselheiros, sabendo que impor a sua decisão é um desserviço à autonomia e ao processo de amadurecimento dos filhos. Paulo Freire insiste que é fundamental que o filho assuma eticamente, responsavelmente, a sua decisão, fundamentada em sua autonomia, que acompanha, é claro, a maturidade. Ninguém conquista primeiro a autonomia para depois decidir.
A autonomia vai se construindo na experiência, no acúmulo de decisões que vão sendo tomadas. Que tal desafiar o filho, ainda criança, a participar, por exemplo, da escolha da melhor hora para fazer a sua tarefa de casa? Por que os pais têm que decidir até isso?
Que tal aproveitar essa oportunidade para contribuir na criação de um senso de responsabilidade e de autonomia de decisão compatível com a idade? Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. E por outro lado, ninguém amadurece, de repente, aos 18 ou aos 21 anos.
A gente vai amadurecendo dia-a-dia, ou não. A autonomia é um processo. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia não pode deixar de estimular experiências de decisão para que os alunos assumam responsabilidade por eles, com respeito e liberdade.
Por isso é preciso ficar atento. Professores autoritários tendem a confundir respeito à liberdade com espontaneísmo, com indisciplina. Professores omissos, desleixados e indiferentes têm dificuldade para exercer a autoridade porque tendem a imaginar que qualquer disciplina é necessariamente autoritária.
Para Paulo Freire, a posição mais difícil, mas correta, é a do professor democrático que sabe que não é possível exercer a sua autoridade sem respeitar a liberdade, e vice-versa. No próximo vídeo vamos ver que ensinar exige tomada consciente de decisões. Inscreva-se no canal.
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