[Música] Olá, tudo bem? Eu sou a Débora Tavares, eu sou professora e pesquisadora e sou especialista na obra desse autor que a gente vai descobrir juntos, o George Orwell. Então a gente vai falar um pouquinho desse livro super interessante que é o 1984.
E esse livro ele tem algumas coisas que são muito especiais dentro da obra do Orwell por vários motivos. O primeiro motivo é que o 1984 é o último livro que o George Orwell publicou e ele vai ser um livro exclusivamente único, tanto quanto o estilo, algumas escolhas narrativas e a gente vai entender como que essas escolhas que esse escritor fez fazem com que o 1984 seja tão especial e que ele faça tanto sentido até hoje. Bom, dentro da obra do George Orwell a gente pode fazer uma divisão temática de três fases.
O primeiro momento é o que eu gosto de chamar de fase documental. Então ele vai ter alguns livros que estão muito autobiográficos com uma intenção de documentar a realidade. Isso lá no começo dos anos 30, 1932 até mais ou menos 1936.
Aí a segunda fase de estilo da escrita do George Orwell é o que eu gosto de chamar de fase naturalista. É uma fase que vai abranger uns quatro, cinco livros. De 1936 até 1939.
Então, na década de 30 a gente tem duas fases: a fase documental e a fase naturalista. Qual que é a diferença de uma fase para outra? Na fase naturalista, ele vai ter uma preocupação em retratar a realidade com o olhar do naturalismo e do realismo.
Lembra quando a gente estuda os movimentos literários, as fases e os estilos? O naturalismo é uma preocupação em explicar com muito detalhe o que está acontecendo e essa explicação traz assim alguns olhares grotescos, algumas descrições estranhas. Então essa fase do meio da escrita do Orwell tem algumas imagens estranhas que vão se desenvolver no 1984.
E aí o 1984 está dentro da última fase, da fase final dos anos 40 que eu gosto de chamar de fase satírica. Que aí vão ser dois livros: o 1984 e o Animal Farm, ou A revolução dos bichos, que são os dois livros mais famosos desse autor. Então vejam só: o 1984 é o destino final de toda uma obra que esse autor vai elaborando ao longo dos anos 30 e dos anos 40, para no final da década de 40 ele organizar algumas coisas nessa obra fantástica que é o 1984.
Antes de você começar a ler esse livro é importante a gente ter em mente algumas coisas para que você faça uma leitura bem atenta e para que você consiga fazer um mergulho profundo nessa obra. E aí é interessante, toda vez que a gente vai ler um livro, é importante a gente ter em mente algumas coisas que fazem com que esse livro seja diferente. No caso do 1984, tem algumas coisas que fazem com que ele seja único.
É a única obra dentro da escrita do George Orwell que é uma distopia. E a gente vai entender melhor o que que significa isso, o que é essa distopia. E é a única obra também que ele vai fazer o uso da sátira.
Que é uma ferramenta linguística, uma figura de linguagem muito específica, que critica e que faz um olhar irônico para algumas coisas que estão acontecendo na sociedade no momento em que esse livro foi escrito, no momento em que esse texto é produzido. Então, antes de começar a ler o livro, tenha em mente que é uma sátira, ou seja, estão acontecendo algumas críticas e ironias para algumas questões muito específicas desse momento histórico, os anos 40, principalmente o período do pós-guerra. Outra coisa que é muito importante a gente ficar de olho antes de começar a ler esse romance é que o 1984 vai introduzir uma palavra que vai mudar a história da literatura: o duplipensamento.
Então o narrador, dentro de 1984, vai criar um jeito de ver a sociedade Lembra que a gente falou da sátira e da ironia? Que vai virar o duplipensamento. E a gente vai entender como que esse duplipensamento funciona.
O que mais a gente saber de elementos que vão chamar um pouco a nossa atenção dentro dessa obra? A gente vai ter um herói no 1984 que é um herói diferente, ele é um herói que eu gosto de chamar de egoísta. Então prestem atenção no herói dessa história.
O que mais que a gente vai ter? A gente vai ter um vilão, mas assim não é um vilão qualquer ou um vilão assim malvado, como a gente está acostumado a ver na literatura. A gente vai ter aqui um vilão cruel e um vilão invisível.
Além desse vilão meio invisível e bem cruel, esse é um livro que ele faz um deslocamento temporal. O próprio título já conta isso para gente. O livro se chama 1984, mas como a gente já tinha comentado, ele foi escrito em 1948.
Ou seja, tem uma brincadeira aí no título que o George Orwell vai fazer com o leitor, com a gente. Ou seja, ele escreveu o livro em 1948 com a ideia de fazer uma projeção para o futuro. E aí ele inverte os números com a ideia de que essa história é muito distante dessa realidade que ele está querendo criticar dos anos 40.
Então a gente tem um deslocamento temporal que ele é tão bem construído que mesmo quando a gente lê esse livro no século 21, a gente ainda tem essa sensação de que essa história acontece em um futuro muito, muito distante, mesmo o título sendo um número que para a gente agora, como leitor contemporâneo, já é uma data do passado mas essa sensação de futuro, de deslocamento, ela continua. E outra coisa que é exclusiva do 1984, o George Orwell não fez isso em nenhum das suas outras obras: a gente tem aqui uma história em que é a sociedade está dividida em blocos, então é como se a gente pegasse o mapa-múndi e dividisse em três grandes blocos, meio que parecido com as tensões que vão acontecer na Guerra Fria. Então esse livro foi escrito na virada da década de 40 para a década de 50, o finalzinho da Segunda Guerra e o comecinho da Guerra Fria.
Essa ideia de tensão e de inimigos invisíveis vai aparecer o tempo todo na história, então fica de olho porque são algumas coisas bem importantes. E aí depois que a gente começou a se situar um pouquinho: é um deslocamento no futuro, é uma sátira, é uma distopia. Ou seja, é um livro que vai contar uma história de uma sociedade em que deu tudo errado.
A distopia é o contrário da utopia, tem até alguns críticos literários que usam o termo "antiutopia", então é importante ter em mente esses elementos e aí a gente consegue olhar para algumas coisas dentro do romance que são muito específicas. E aí, veja só, eu gosto de apresentar uma ficha técnica. Quais são esses elementos mais básicos que compõem essa ficha técnica?
Toda vez que a gente vai ler um romance, a gente precisa identificar: o que acontece? Ou seja, o enredo. Quando essa história acontece?
E o "quando" é dentro da história, não o quando externo de contexto histórico que eu acabei de mencionar, mas o tempo dentro do romance. Quanto tempo dura para essa história acontecer? Se tem algum elemento ali na história falando de alguma data, e no caso aqui é o ano de 1984 que vai ser o nosso "quando".
A gente precisa saber também com quem essa história acontece, então fica de olho em quem vão ser os personagens principais. O herói egoísta, o vilão invisível, alguns outros personagens que vão ser importantes. E como que essa história é contada?
Ou seja, que tipo de narrador vai amarrar todos esses elementos literários. E aqui no caso do 1984 a gente tem um narrador que é bem diferente. Lembra que eu falei que esse é um livro que é único dentro da obra do Orwell?
E isso vai aparecer muito no tipo de narrador. E aí, vejam só, o narrador do 1984 é um narrador em terceira pessoa, então imagina o seguinte: o narrador é como se fosse uma câmera, uma câmera que transita dentro da história. O narrador em terceira pessoa é uma câmera que vai se focar para um outro elemento, para um terceiro elemento, ou seja, um narrador contando uma história de outra pessoa.
Esse narrador em terceira pessoa ele é onisciente. Então imagina que essa câmera está virada para outra pessoa e ela está circulando como que um panorama, por cima, ela consegue observar tudo que está acontecendo dentro do romance. Tudo bem, então narrador em terceira pessoa, onisciente.
Só que não é um tipo de narrador em terceira pessoa onisciente qualquer. Essa onisciência ela vai mergulhar dentro de um personagem só. É o que a gente chama na teoria literária de "onisciência seletiva" então uma onisciência que vai escolher dentro desses personagens aqui, em qual personagem eu vou mergulhar.
E aí a gente tem uma voz narrativa que sabe o que está acontecendo dentro da história, essa câmera panorâmica que passa por cima e mostra para a gente uma imagem bem ampla, só que ela mergulha dentro de um personagem só. Então fica de olho porque a gente vai ter um olhar específico sobre o ponto de vista seletivo de um personagem só. Então agora que a gente já tem uma noção dos elementos básicos, a gente precisa entender alguns conceitos históricos e sociológicos.
Existem três coisas que vão ser muito importante para a gente entender algumas questões dentro do romance. Primeiro de tudo: o conceito de fascismo. E aí veja só, a gente vai ter alguns elementos, eu não vou dar nenhum spoiler, mas a gente precisa entender o que é o fascismo para conseguir analisar como que algumas questões acontecem dentro do livro.
O fascismo é uma teoria, ou seja, um conjunto de ideias que está por trás de um sistema político. Que conjunto de ideias é esse? É a concentração de poder em um líder só.
E esse líder é autoritário e ele vai centralizar, ele vai centralizar de uma maneira muito violenta todo o controle da sociedade na economia, nas questões sociais, nas questões morais. Então a gente tem o controle por meio da polícia, por meio do Estado, por meio de várias instituições, a escola, a igreja, enfim. Então esse conjunto todo de ideias do fascismo vai estruturar um sistema político.
Que sistema político é esse que vai aparecer no 1984? O totalitarismo. Então esse sistema político vai organizar a sociedade desse líder que manda em tudo, que observa a tudo e todos e, principalmente, que controla o que as pessoas podem fazer e o que elas não podem fazer.
Então: fascismo, totalitarismo e o terceiro conceito bem importante: o conceito de revolução. Revolução é a ideia de você mudar radicalmente como uma sociedade funciona. Então ao longo da história a gente teve várias revoluções, ou seja, mudanças drásticas sociais, políticas, econômicas, etc.
, que vão transformar como que a sociedade vive. Então a gente vai ter um mundo totalitário, um mundo fascista e um mundo em que a ideia de revolução está sempre ali no pano de fundo. Agora, se essa revolução aconteceu se ela vai acontecer, quem vai organizar essa revolução é uma coisa que a gente precisa ficar de olho.
Então, depois de entender que o 1984 tem um gênero textual específico, essa distopia, esse deslocamento temporal no futuro, cheio de pessimismo, de tudo que não deu certo, então tudo que pode dar errado com uma sociedade se concentra nessa ideia de distopia. É uma sátira de uma sociedade totalitária, fascista e que tem algum tipo de revolução. E aí como que isso tudo vai se estruturar nesse último livro do George Orwell?
Nos elementos narrativos. Principalmente nas personagens, no tempo e no espaço. Principalmente aqui no tempo, porque é um deslocamento temporal, tanto o tempo dentro do romance, quanto o tempo com T maiúsculo, da História.
Então fica de olho, fique atento porque o tempo aqui dentro do romance como uma ferramenta literária vai ser assim fundamental. E perceba como que os personagens se relacionam entre si. Vão ter personagens que se dão bem, vão ter personagens que concordam com esse protagonista que vai ser o olhar que a gente vai ter para a história, desse narrador que mergulha dentro desse personagem e vão ter os personagens que não concordam e que não se dão bem com esse personagem, que é o que a gente chama de antagonista.
Então a gente tem o protagonista que é o personagem principal, que é o Winston Smith. Eu não vou contar nada sobre ele, você vai descobrir daqui a pouco. E a gente vai ter inimigos do Winston Smith, que são os antagonistas.
Então todas essas tensões sociais e políticas e essa crítica, essa sátira, que o livro faz elas estão apresentadas não como um livro de História, de conceito, com coisas super inacessíveis, mas tudo isso aqui que eu estou falando aparece por meio desses elementos literários, aparece no tempo, aparece nos personagens e aparece no espaço. O espaço também é um outro elemento literário muito importante, porque a gente vai ter uma cidade, um tipo de cidade muito específico, uma divisão geopolítica do mundo que já traz algumas tensões e que são muito peculiares do 1984 e a maneira como esses elementos literários estão organizados. É um narrador assim tão fantástico e tão inteligente que ele costurou todas essas coisas de uma forma que hoje, no século 21, quando a gente lê isso, a gente se identifica tanto.
Por isso que é um livro que mexe muito com a gente. Bom, então agora você tá no momento muito importante, você vai começar a ler esse romance. Então fique de olho porque nada acontece à toa na Oceania.