Filha mendigava para poder ajudar seu pai deficiente, mas fica confusa quando vem entrando no Hotel. Maria é uma menina de 15 anos que pede esmolas na rua desde os 10 para ajudar seu pai, Antônio, que está preso a uma cama devido a uma deficiência, sempre tentando enxergar o lado bom da vida. Maria é uma menina alegre, na medida do possível; faça chuva ou faça sol, ela sai com suas roupas esfarrapadas para pedir moedas a estranhos.
O inverno é sempre o período mais difícil de conseguir esmolas, pois além de as pessoas estarem mais mal-humoradas, ainda tem o fato de que Maria passa muito frio, vivendo com quase nada. A menina não tem dinheiro para comprar casacos; a blusa fina de manga longa que ela usa por cima da sua regata, nos dias mais frios, foi uma doação da igreja perto de sua casa. Como cresceu bastante nos últimos dois anos, a blusa fica curta e um palmo de braço que fica para fora faz com que a menina quase congele.
Na cidade de São Paulo, os invernos estão cada vez mais rigorosos; o mês de junho está começando e Maria já está se preparando para ficar doente e cheia de dores por passar o dia todo se encolhendo de frio. Todas as noites, antes de se deitar na sua cama feita de papelão, Maria reza para que no dia seguinte não chova; assim, pelo menos, ela não ficará molhada no frio. Às vezes, a garota pensa que se não fosse pelo seu pai, nessa triste situação de estar preso em uma cama, ela já teria desistido e procurado um abrigo.
Porém, como ela poderia ir morar num abrigo com roupa e comida se o seu pai está sofrendo na cama velha de segunda mão que eles ganharam através de uma doação? Maria não conheceu sua mãe, pois segundo seu pai conta, Rita faleceu um ano e meio após dar à luz à filha. Antes de sua esposa falecer, Antônio trabalhava como pintor e tinha uma boa clientela; muito eficiente em seu trabalho, ele sempre era indicado pelos clientes para novos serviços.
Nessa época, pelo que vizinhos contam para Maria, a família tinha condições razoáveis de vida, embora não fossem ricos, nunca faltavam comida ou roupas. Maria sempre pensa que gostaria de se lembrar desse tempo. Desde as primeiras lembranças que ela tem, a vida já era difícil; ela nunca soube o que era ter comida na mesa.
Quando era menor, vivia da caridade dos vizinhos; um dia um vizinho lhe dava um pão, outro dia um vizinho lhe dava um pouco de sopa e assim por diante. Até os 10 anos de idade, ela apenas vivia abandonada na casa que divide com seu pai. Antônio nunca foi muito carinhoso, porém as coisas que já eram ruins pioraram ainda mais quando ele ficou terrivelmente doente.
De um dia para o outro, o homem caiu da cama e nunca mais se levantou. Maria se desesperou; ainda que o pai não levasse muito dinheiro para casa por estar sempre bebendo, era alguma coisa. A partir do momento em que ele ficou preso na cama, os dois não teriam oficialmente nenhum dinheiro.
A sorte, entre aspas, era que a casa em que residiam era uma invasão e, dessa forma, não havia, em teoria, alguém para cobrar o aluguel. No entanto, eles precisavam de dinheiro para coisas básicas, como alimentos e os remédios que Antônio precisava. O homem, a contragosto de Maria, não foi a um médico para tentar entender qual era seu problema, mas sempre dizia para a filha que precisava de alguns analgésicos para suportar a dor.
Diante do impasse de como fariam para se manter, Antônio nunca cogitou que sua filha fosse enviada para um abrigo ou outro lugar onde pudesse ficar protegida. A solução encontrada pelo pai de Maria foi que a garota, que naquela fase tinha apenas 10 anos, mendigasse para conseguir o sustento dos dois. Ele explicou que ela deveria ir para lugares com grande circulação de pessoas na cidade, de preferência com o rosto sujo e uma expressão de fome, para pedir esmolas.
Maria pensou que a cara de fome não seria difícil, já que ela nunca tinha nada substancial para comer. A filha precisava conseguir dinheiro para comprar alimentos de qualidade para o pai, mantê-lo aquecido no inverno e custear esses medicamentos. O dinheiro dos remédios era deixado por Maria com o pai, e um vizinho ia até a casa deles enquanto a menina não estava e lhe aplicava o medicamento.
Como era muito nova quando foi colocada para pedir esmolas, Maria não fazia questionamentos simples, como quais remédios eram esses e como seu pai poderia ter acesso a medicamentos sem uma receita. Mesmo sempre tendo sido desprezada por seu pai, Maria o amava e não queria que nada de ruim acontecesse a ele. Então, diariamente, ela acordava muito cedo, jogava um pouco de água gelada no rosto e saía para pedir esmolas em esquinas com muito movimento.
Algumas vezes, quase foi atropelada por andar entre os carros suplicando. Porém, por ser muito magrinha, era também bem ágil. Já houve situações em que as pessoas pensaram que Maria iria assaltá-las e começaram a gritar com a menina de cabelo sujo e espetado.
Certa vez, a polícia quase levou Maria, mas então um guarda de uma loja que sempre via a menina esmolando esclareceu tudo com seus amigos policiais. Por ser uma menina divertida e que tenta animar todos à sua volta, Maria tem muitos amigos nas esquinas em que esmola, e isso garante que a menina tenha alguma proteção para ajudá-la a se ver livre de situações difíceis. Quando começou a pedir esmolas, seu pai lhe disse que ela deveria ir em regiões que tivessem pessoas com muito dinheiro que ficassem com pena dela, menos numa determinada rua em que havia um hotel muito chique.
Maria nunca foi de questionar nada, mas, por mera curiosidade, ela perguntou para. . .
seu pai, porque não deveria pedir esmolas na frente de um hotel de hóspedes ricos. Antônio ficou muito irritado e disse que as suas ordens não deveriam ser contrariadas; porém, mesmo muito bravo, ele disse que a recomendação se devia ao fato de ser um lugar com ostensivo policiamento. Maria poderia acabar sendo presa.
Para não incomodar mais os hóspedes, no decorrer dos anos, a menina nunca desobedeceu seu pai; ela jamais foi pedir na frente daquele hotel. No entanto, como estava difícil conseguir boas esmolas nas esquinas onde ela sempre pedia, Maria começou a considerar ir para outro ponto da cidade. O hotel em questão não ficava muito longe, mas ela ainda temia ser presa.
Depois do dia em que seu amigo, segurança de loja, ajudou-a, ela perguntou se ele conhecia os policiais da área em torno do hotel. Para sua surpresa, ele disse que sim e que poderia ajudá-la. Maria só deveria manter alguma distância da porta do hotel para que os funcionários não reclamassem dela.
No dia seguinte, Maria começou em seu novo ponto de atuação e logo descobriu que os hóspedes daquele hotel eram muito generosos. Em poucos dias, ela já tinha recebido mais moedas do que quando ficava nas outras esquinas. Em casa, Maria não disse nada ao pai.
Antônio estranhou quando a filha começou a aparecer em casa com mais dinheiro do que o habitual. Inicialmente, ele brigou com a filha, querendo saber se ela estava fazendo algo errado para conseguir aquele dinheiro. Maria então fez algo que não gostava: ela mentiu.
Maria acreditava que seu pai a queria longe do hotel para protegê-la da polícia, mas essa não era mais uma ameaça para ela. Contudo, se ela contasse que o contrariou, ainda que fosse para ganhar mais dinheiro, ele brigaria feio com ela. Para Antônio, Maria disse que apenas mudou de cruzamento e que, curiosamente, as pessoas pareciam mais generosas por lá; não era de todo mentira, porém não foi de cruzamento exatamente que ela mudou.
Os dias foram passando e Maria fez dos arredores do hotel o seu ponto fixo para pedir dinheiro. Agora, ela podia comprar, ir à feira e comprar alimentos de qualidade; não precisava mais se contentar com a chepa. Isso era bom para a saúde do seu pai.
Ela se esforçava para cozinhar quando chegava em casa, mesmo cansada e muitas vezes com frio; ela ainda ia para o fogão. Além de uma boca, preparava algo; a comida ficava em uma panelinha no fogão e um dos vizinhos, o mesmo que levava os medicamentos para o pai, ia até lá para servir Antônio enquanto Maria estava na rua pedindo dinheiro. Certo dia, quando a temperatura estava abaixo de zero, Maria foi surpreendida pela boa ação de uma garota que, saindo do hotel, estava tremendo de frio.
Olívia, de 13 anos, viu a pedinte que parecia ter quase a mesma idade que ela e sentiu um forte aperto no coração. Ela então tirou um dos casacos que usava e deu para a menina que esmolava e tremia de frio. Naquele momento, Maria estava encolhida, tremendo muito, com a mão esticada.
Com tanto frio, ela não conseguia nem ao menos levantar para fazer uma graça para tentar ganhar algumas moedas. Ao ver que a garota estava lhe dando um casaco com forro de pelos, Maria não pôde acreditar; porém, antes de aceitar, ela perguntou se Olívia tinha certeza, e a menina respondeu que sim. Maria ficou tão feliz ao pensar que ainda há pessoas boas no mundo, mas se preocupou que a garota pudesse ser punida por seus pais por ter dado um casaco que parecia caro.
Ao dizer isso para Olívia, ela riu e respondeu para Maria que sua mãe, Alessandra, era sempre a primeira a incentivar que ela fosse generosa e não se importasse; seu pai também não ligava em gastar dinheiro comprando casacos novos para ela. De repente, as duas garotas tiveram a sua conversa interrompida quando Alessandra, a mãe de Olívia, apareceu indo ao encontro da filha. Quando percebeu que a filha havia dado o casaco para a garota que esmolava, Alessandra olhou orgulhosa para Olívia.
A mulher, que parecia uma visão de tão bonita, perguntou se Maria já havia comido naquele dia. Com vergonha, a menina foi obrigada a confessar que fazia um dia e meio que ela não comia nada. Como havia pouca sopa em casa, ela achou melhor não comer para que o pai tivesse o suficiente para se alimentar bem.
O ronco que o estômago de Maria deu foi suficiente para que ficasse claro que ela estava faminta. Alessandra olhou para aquela menina com um olhar de pena, mas também com doçura; era um absurdo que crianças como aquela vivessem assim. Ela então se ofereceu para comprar um lanche para Maria.
Olívia e as duas meninas olharam com cumplicidade e Maria aceitou. Alessandra perguntou se a menina tinha preferência por algo, e a resposta surpreendeu a mulher: Maria disse que sempre quis saber qual era o sabor de uma empadinha de palmito. Alessandra achou curioso a resposta tão específica daquela criança e se lembrou que ela própria adorava comer empadinha de palmito com sua irmã mais nova quando era criança.
Percebendo a curiosidade de Alessandra, Maria disse que nunca pôde entrar em uma padaria para comer esse salgado, mas queria conhecer o sabor, pois soube que sua falecida mãe gostava muito. Alessandra, bastante comovida, disse que então levaria Maria e sua filha à melhor padaria da região. Ao chegarem ao estabelecimento, a atendente informou que Alessandra e Olívia poderiam entrar e se acomodar, mas Maria teria que ficar para fora.
Se Alessandra se comprometesse a pagar algo para que ela, mendiga, pudesse pegar o lanche e ir comer bem longe dali, Maria já estava pronta para aceitar as condições da atendente, desde que pudesse comer algo quando Alessandra disse que aquilo era um absurdo; a menina era uma cliente e, como tal, deveria ser bem tratada. A atendente argumentou que. .
. A presença de Maria poderia espantar outros clientes, mas Alessandra estava irredutível. A esse respeito, a menina achou admirável a forma como aquela mulher brigou para que ela fosse aceita, mas, com serenidade, disse para Alessandra que estava tudo bem; as coisas são como são.
Ela nunca seria uma garota bonita e bem recebida nos lugares como Olívia e estava bem com isso. Maria já havia se conformado que seu destino era ser uma pedinte para o resto da vida. Talvez, com o tempo, ela pudesse conseguir um trabalho de faxineira ou algo assim, mas a verdade é que ela nunca deixaria de ser uma menina suja e mal-quista.
Alessandra queria convencer a menina do contrário. Mas, então, Maria lhe disse que ficaria muito grata em poder finalmente experimentar a empadinha; ela pegaria o salgado e sumiria dali. Alessandra percebeu que comer aquela empadinha era muito importante para aquela criança, então entrou na padaria, enquanto Olívia ficou na companhia de Maria.
Depois de 5 minutos de olhares feios da atendente, Alessandra saiu de dentro do estabelecimento com um saquinho de pão com três empadas de palmito. Ela olhou para Maria e disse que comprou as três últimas empadas para ela. Maria sentia o quentinho da comida passando pelo papel e sentiu como se sua alma estivesse sendo abraçada; era indescritível o quanto ela se sentia confortada com aqueles salgados requentados.
Maria pegou o saco da mão de Alessandra, sorrindo, e agradeceu de coração. Aquele seria um dia diferente de todos os outros de sua vida; ela não estaria com fome por algum tempo. Observando que a atendente estava impaciente para que ela fosse embora, Maria saiu da frente da padaria, andando rápido.
Ela pensou que poderia comer tranquilamente na praça perto do hotel. Ela poderia comer uma das empadinhas e levar as outras duas para seu pai. A primeira empadinha foi devorada com a surpresa do sabor do palmito.
Quando percebeu, Maria já estava comendo a segunda empadinha. Com muita culpa, ela disse para si mesma que a terceira seria guardada para seu pai, que estava deitado naquela cama miserável à sua espera em casa. Porém, um pensamento passou pela sua cabeça de repente: se Antônio soubesse que Maria perdeu o tempo em que poderia estar esmolando para acompanhar aquela senhora refinada até uma padaria, ficaria muito bravo.
Ela então decidiu que seria melhor comer a terceira empadinha e voltar ao seu trabalho. Assim que terminou de comer o último salgado, que já não estava tão quente, Maria caminhou em direção à esquina do outro lado da rua do hotel. Muitos dos hóspedes precisavam passar por aquele cruzamento e, inevitavelmente, passariam por ela.
Maria estava sempre pronta para fazer uma graça para que as pessoas lhe dessem dinheiro. A menina acreditava que não podia ganhar dinheiro sem fazer nada para merecer o que estava recebendo. Então, ela tentava divertir quem passava por ela.
Geralmente, os estrangeiros que saíam daquele hotel riam e lhe davam moedas. Muitas vezes, aconteceu de Maria trocar as moedas em uma casa de câmbio. Ela nunca sabia se estava sendo enganada, mas precisava trocar o dinheiro de fora por reais para poder comprar comida e custear os remédios do pai.
Contudo, o que a menina não esperava era ver uma cena, no mínimo, curiosa do outro lado da rua. Olhando para a porta principal do hotel para ver se muitos turistas sairiam, Maria avistou alguém bastante familiar para ela. Não era possível que seus olhos estivessem enxergando direito: ela viu um homem que era igual a seu pai, exceto pelo fato de que ele estava caminhando sem nenhum problema, enquanto Antônio estava, ou pelo menos Maria pensava que estava, preso a uma cama.
Maria continuou olhando para aquela porta de hotel sem piscar e sem poder acreditar. Era incrível como aquele homem parecia com seu pai, mas o que seu pai estaria fazendo em pé e com um terno de qualidade razoável entrando no hotel? A menina começou a rir sozinha e imaginou que aquilo só podia ser alucinação causada por ter comido três empadinhas quentes de uma vez só.
Era estranho, pois ela só tinha ouvido falar de pessoas que tinham alucinação de fome, ou seja, por não comer; porém, ela comeu muito e estava vendo coisas que claramente não existiam. Com a certeza de que não viu o que pensava ter visto, Maria continuou pedindo esmolas ao longo da tarde. O homem que parecia seu pai não havia saído do hotel; isso fez com que ela concluísse que foi realmente uma alucinação.
No fim do dia, Maria tinha ganhado um casaco quentinho, conhecido pessoas muito legais, comido empadinha de palmito pela primeira vez e ganho um dinheiro razoável para comprar comida para seu pai. Isso era bom para que ela não se sentisse tão culpada por ter comido as três empadas. No entanto, ela sabia que, se levasse os salgados para o pai, ele reclamaria do tempo perdido e também por ser algo que lembrava Rita, sua mãe cansada, mas feliz.
Maria voltou para casa e encontrou seu pai deitado na cama, tal qual havia deixado quando saiu. Ao olhar para Antônio, Maria esboçou uma leve risada ao se lembrar do homem parecido com ele que viu entrando no hotel. Aquele riso foi o suficiente para que o homem ficasse muito irritado com a filha e gritasse com ela, perguntando se o fato de ele ser um inválido era engraçado para ela.
Com lágrimas brotando nos olhos, Maria respondeu que não; apenas se lembrou de algo engraçado que aconteceu durante o dia. Foi então que Antônio percebeu o casaco que a filha estava usando e, ainda mais bravo, perguntou onde ela havia conseguido aquilo. Com medo de levar uma bronca, Maria disse timidamente que uma mulher estava levando doações para uma igreja quando a viu e lhe deu aquela peça.
Se ela contasse sobre a interação com Olívia e Alessandra, o homem ficaria muito irritado. Antônio disse para a menina se. .
. aproximar e então examinou o casaco. Ao terminar de ver a blusa, lhe disse que era uma roupa de gente rica e que o ideal era que Maria conseguisse vender aquele casaco.
Ela poderia conseguir um bom dinheiro por aquele casaco. Maria então lhe disse que não podia vender porque foi um presente daquela senhora, tão gentil. Próximo o suficiente, Antônio deu um tapa forte no rosto de Maria; seus olhos se encheram de água, tanto pela dor física do tapa quanto pela tristeza de ser tão maltratada por seu pai.
Disse para Maria que a obrigação dele era fazer tudo o que ele mandava e que se ele estava dizendo para ela vender o casaco, era o que ela tinha que fazer. Antônio arrematou, dizendo que a filha era uma menina muito ingrata. Com muita dor no rosto, Maria respondeu que o pai estava certo e ela acharia um jeito de vender o casaco.
No dia seguinte, ela perguntou então se poderia só dormir com aquele casaco naquela noite; estava muito frio e ela temia estar ficando doente. Antônio respondeu para a filha que esmolar não era um trabalho de carteira assinada e que não adiantava ela tentar jogar um atestado nele para ficar em casa. Maria olhou com medo para o pai e disse que sabia que precisava sair para trabalhar de qualquer jeito; ela iria, independente de estar doente, como sempre fez, mas queria poder dormir com o casaco apenas naquela noite.
No dia seguinte, ela venderia a peça para conseguir mais dinheiro. Antônio disse que tudo bem; como ele era muito bonzinho com a filha, deixaria dormir com o casaco. Muito inocente, se contentando com um pouco, Maria sorriu para o pai e parecia ter esquecido a agressão que acabara de sofrer.
Ela então correu para o fogão preparar mais sopa com os vegetais frescos que comprou na feira; o restante do dinheiro ela entregou para o pai, assim ele poderia pagar pelos seus remédios. No dia seguinte, quando percebeu que a janta seria sopa novamente, o homem comentou desanimado que a filha precisava ser mais criativa ou mataria de tédio alimentar. Maria gostaria de poder preparar outros pratos para o pai, mas com o pouco que sobrava dos remédios dele era quase impossível.
Enquanto preparava a sopa, a menina começou a tossir muito; ela chegou a amarrar um pano em volta do rosto para conseguir cozinhar enquanto tossia. Antônio observava a menina tossindo muito e estava pensando se ela conseguiria levantar para pedir esmola no dia seguinte. Aquela menina que nem pensasse em fazer corpo mole para não trabalhar; ela tinha uma casa para sustentar.
No dia seguinte, mesmo com febre alta e muita tosse, Maria levantou cedo e, depois de alimentar o pai com um pouco de sopa, estava pronta para sair. O homem então pediu que Maria esperasse por um minuto. Ela pensou que ele diria para ela não ir pedir esmola naquele frio tão doente, mas ele só queria lembrá-la de que deveria tentar vender aquele casaco.
O ideal era que ela tirasse a blusa do corpo para oferecer a quem passasse pela rua; por ser uma boa peça, não seria difícil encontrar alguém que quisesse comprar, mas se ela estivesse vestindo o casaco, poderia causar nojo no possível comprador. Conformada que não poderia ficar com o casaco, a menina tirou a blusa antes de sair de casa e foi carregando a peça até o ponto de ônibus que pegava para ir aos melhores bairros de São Paulo. Uma vizinha chamada Amanda, ao ver a menina parada no ponto de ônibus, tremendo de frio, tossindo e com um casaco em mãos, chamou sua atenção e mandou vestir a peça.
Maria então disse que o pai queria que ela vendesse a blusa para poder comprar mais. Amanda respondeu para Maria que lá da sua cama o pai de Maria não poderia vê-la com o casaco e que se ela piorasse daquela gripe, não teria como pedir esmolas na rua. A menina era obrigada a concordar com Amanda e então vestiu a blusa.
A vizinha então disse para Maria que Antônio não merecia a joia da filha e que ela era. Prosseguiu aconselhando Maria a não vender a blusa; ela poderia dizer que não encontrou nenhum interessado, como o pai poderia saber que ela não fez o que ele mandou? Maria disse que concordava em vestir o casaco porque estava com muito frio e doente, mas que não mentiria para seu pai; mesmo com todos os defeitos dele, Antônio não mentia para ela.
Amanda então riu e disse que Maria era mesmo a pessoa mais inocente que ela conhecia. O ônibus chegou e Maria foi para o seu posto de trabalho. O dia transcorreu bem; Maria ficou parada no seu cantinho de sempre e conseguiu boas contribuições de quem passava.
No mesmo horário do dia anterior, ela viu aquele homem que parecia o seu pai entrando no hotel. Bem confusa, a menina começou a pensar que devia ser uma visão causada pela febre. Enquanto Maria olhava na direção da porta do hotel com expressão confusa, Alessandra e Olívia apareceram.
As duas cumprimentaram Maria e Alessandra perguntou se ela havia gostado das empadinhas. A menina respondeu que sim e que aquilo havia feito ela se sentir mais próxima de sua mãe. Alessandra sorriu, pois às vezes ela comia empadinhas de palmito para se lembrar de sua irmã, que havia falecido há muitos anos.
Curiosa para saber o que a menina olhava tão atentamente, Alessandra questionou Maria. Então, ficou sem graça e disse que achava ter visto alguém conhecido entrando no hotel, mas isso era impossível, pois a pessoa em questão era muito doente e não saía da cama. Além disso, essa pessoa não teria dinheiro para se hospedar num hotel caro como aquele.
Olívia então respondeu para Maria que realmente a parte de a pessoa ser muito doente era estranha, mas que pessoas que não são hóspedes sempre entram naquele hotel. Alessandra olhou com curiosidade para a filha e a garota. Disse que ouviu a conversa de duas camareiras.
As mulheres comentaram que havia um tipo de cassino naquele hotel. A mãe ficou sem acreditar no que a filha dizia e alertou Olívia que inventar histórias era algo muito feio. A menina, então, disse que não estava inventando; ela ouviu isso das camareiras.
O hotel era uma excelente fachada para pessoas que queriam jogar escondido. Maria parecia confusa, e Alessandra esclareceu que esse tipo de jogo é proibido por lei; logo, os cassinos que eventualmente funcionam são clandestinos. Maria já tinha ouvido pessoas da vizinhança comentarem que o pai tinha vício em jogos de azar e que isso contribuiu para que Rita desenvolvesse problemas de saúde.
Antes de ficar gravemente doente, o homem fazia as suas apostas, mas nada como um cassino clandestino como aquele. Alessandra entendeu que muitas coisas passavam pela cabeça daquela criança e, então, decidiu ajudá-la. A mulher disse que poderia colocá-la dentro do hotel e, então, ela poderia procurar pela pessoa que acreditava conhecer.
Olívia disse que ouviu das camareiras onde ficava o tal cassino. Maria, então, resolveu aceitar a ajuda das duas porque precisava ver que aquele homem não era seu pai e não seria ruim entrar no hotel quentinho naquele dia frio. Ela só não fazia ideia de como Alessandra convenceria o porteiro a deixá-la entrar, se na padaria havia sido aquela comoção pela sua presença.
Imaginem um hotel chique como aquele. Alessandra orientou que Maria ficasse atrás de Olívia para que o porteiro não conseguisse vê-la direito. Com o casaco que ganhou de Olívia e o cabelo preso, Maria quase poderia se passar por uma amiga da filha de Alessandra.
A mulher aproveitou um momento em que várias pessoas estavam entrando no hotel para entrar com a filha e Maria. Alessandra levou Maria para o seu quarto e lhe disse para tomar um banho e vestir roupas de Olívia; assim, ela poderia circular mais livremente pelo hotel como uma hóspede. Maria achou engraçada a ideia de que alguém a confundiria com uma hóspede daquele hotel chique, mas aceitou a sugestão da mulher.
Pouco tempo depois, já usando roupas limpas de Olívia, Maria seguiu as instruções da nova amiguinha para chegar ao local em que funcionava o cassino clandestino. Alessandra não queria se envolver nessa situação, mas não conseguia imaginar aquela menina tão novinha tentando descobrir a entrada de um cassino clandestino. Ela decidiu ir atrás de Maria, e Olívia não a deixou ir sozinha.
No fim, estavam as três em um corredor que dava para uma porta discreta. Não parecia ter nada acontecendo atrás daquela porta; contudo, bastou que elas se aproximassem um pouco mais para ouvir um som bem característico de roleta girando. Se havia um cassino naquele hotel, ele estava atrás daquela porta.
Olívia, então, viu que havia uma entrada de ar próxima ao piso e que Maria, sendo tão magra, poderia passar por ela e entrar no cassino. Alessandra não gostava da ideia, mas a garota estava decidida a verificar com seus próprios olhos quem estava jogando naquele cassino clandestino. Ela não conseguia pensar que era impossível que seu pai estivesse lá dentro; afinal, ele estava em casa, preso a uma cama.
Sem grande dificuldade, Maria conseguiu abrir a entrada de ar e passou pela abertura na parede. Era curioso como aquela parte do hotel não havia sido reformada e parecia deixada sem cuidados. Isso fazia sentido se realmente houvesse um cassino clandestino; assim, nenhum hóspede curioso chegaria perto.
Maria foi se arrastando pelo chão até o canto escuro daquela enorme sala. Ela estava encolhida, tentando observar o que acontecia, e especialmente quem eram as pessoas presentes. A escuridão daquele cantinho escondido tornava essa tarefa bem mais difícil do que parecia à princípio, porém, num dado momento, após a roleta parar de girar, um homem se levantou da mesa, aos pulos, gritando que havia ganhado novamente.
Naquele dia, ele quebraria a banca, segundo as próprias palavras dele. Maria não podia acreditar no que seus olhos estavam enxergando; aquele homem era ninguém mais, ninguém menos do que seu pai, porém em uma versão corada, que podia não só andar, como pular para comemorar a vitória na roleta. Muito confusa, Maria saltou da penumbra da sala para a luz em direção ao homem e gritou: "Papai!
" Naquele instante, um profundo silêncio se fez na sala e todos olharam para aquela menina que surgiu do nada. Antônio, que ainda estava pulando de alegria, quando ouviu o grito da menina, quase caiu ao se desequilibrar. Ele arregalou os olhos e parecia não entender como a filha poderia estar ali dentro, usando roupas tão elegantes.
Com lágrimas nos olhos, Maria começou a compreender o que estava acontecendo: seu pai mentia para ela, dizendo que estava doente e que não podia andar. Mas por que ele fez isso por todos esses anos? Necessitando de uma explicação, ela perguntou ao homem como ele poderia fingir que era deficiente, sabendo que ela saía a esmolar na chuva e no frio.
Muito nervosa, Maria começou a tossir; ela parecia engasgada e talvez estivesse mesmo pela descoberta terrível que havia acabado de fazer. Como seu pai podia ter sido tão cruel e mentiroso todo esse tempo? Era impossível acreditar que aquele homem foi tão implacável para mentir para ela.
Os outros ocupantes da mesa de jogo começaram a questionar o companheiro de apostas sobre quem era aquela garota. Ao perceber que ele aparentemente estava mudo, foi Maria quem respondeu. Ela disse que era a filha daquele homem que foi o responsável pela morte de sua mãe.
Rita, a mulher, o amava incondicionalmente, mas foi obrigada a conviver com as constantes bebedeiras dele e o seu vício por jogo. Maria sempre soube que o pai gostava de jogar, mas jamais imaginaria que ele frequentava um cassino como aquele. Um homem alto e muito forte disse que, embora gostasse de jogar e soubesse que isso era crime, não compactuava com atitudes como aquelas que Antônio teve.
Com a própria filha, ao ver que o companheiro de mesa se aproximava, muito indignado, Antônio lhe disse que podia explicar tudo. O homem respondeu que era para sua filha que ele deveria explicar o que estava acontecendo; era importante que ele dissesse para ela com todas as letras por que fez aquilo. Com medo de apanhar do companheiro de roleta, Antônio resolveu dizer a verdade: ele realmente ficou doente alguns anos atrás, mas nada demais.
Após alguns dias de cama, ele estava ótimo e já podia voltar à ativa. Porém, ele pensou que, se Maria pensasse que ele estava gravemente doente, isso poderia fazer com que ela trabalhasse para sustentá-lo. Logo, ele teve a ideia de que a filha pedisse esmolas; seria fácil para uma criança de 10 anos comover pessoas ricas que lhe dariam dinheiro.
No começo, ele pensava apenas em fazer Maria esmolar por um tempo, só para poder tirar umas férias. Porém, quando viu que a menina logo se adaptou à rotina pesada de pedir esmolas e cuidar da casa, ele começou a pensar que poderia se acostumar com a situação. Foi então que Jairo, um dos seus vizinhos, lhe contou sobre aquele cassino clandestino, e eles decidiram dizer para a menina que o pai precisava de medicamentos.
Convencida de que o pai estava muito doente, Maria passou a trabalhar ainda mais. Com o dinheiro que a menina levava para a casa, Antônio podia juntar o suficiente para entrar no cassino de tempos em tempos. Ele ganhava no cassino e podia continuar refinanciando a sua estadia entre os jogadores; porém, ele nunca ganhou nada significativo para sair daquela vida clandestina.
Maria, então, perguntou ao pai o que ele teria feito se tivesse ganhado um bom dinheiro, e ele disse que teria sumido no mundo. A menina caiu em prantos ao perceber que toda a sua vida foi uma mentira; o seu pai nunca a amou e, ainda por cima, era um grande mentiroso, viciado em jogo. Quando se virou para sair daquela sala clandestina, Maria foi surpreendida pela entrada da polícia.
Alessandra havia ficado muito preocupada com a garota e usou o seu celular para chamar a polícia. Afinal, aquele cassino era contra a lei. Porém, pela segunda vez naquele dia tão atribulado, Maria teve uma surpresa.
Quando Alessandra olhou para Antônio, sua expressão mudou; ela parecia muito raivosa, apontando o dedo para ele. Alessandra caminhou gritando que só podia ter reencontrado o homem responsável pela morte da sua irmã em meio a uma operação policial. Quando ouviu o que Alessandra disse, Maria ficou em choque.
Enquanto isso, um policial segurava Alessandra para que ela não chegasse perto de Antônio; ela estava pronta para bater naquele homem. O ódio nos olhos de Alessandra demonstrava a grande mágoa que ela sentia dele. Assim que ele foi algemado e retirado da sala, Maria foi até Alessandra e abraçou forte a mulher.
Imaginou que era o agradecimento da menina por ela ter chamado a polícia. Mas então Maria olhou nos olhos de Alessandra e lhe disse: "Eu sou filha daquele homem, dele, da sua irmã Rita. " Alessandra sentiu as pernas amolecerem; nunca soube que a irmã tinha tido uma filha.
Quando Rita se casou com Antônio, acabou se afastando de toda a família, pois todos tentaram alertá-la que ele não era um bom homem. Sem contato com a irmã, Alessandra soube pelo obituário do jornal que ela havia falecido. Foi um dos dias mais tristes de sua vida.
Ao comparecer ao velório, ela encontrou somente Antônio. Após uma briga entre eles, Alessandra compreendeu que foi o companheiro que levou sua irmã a falecer de tristeza. "Eu não sabia," lhe disse ela.
"Ela tinha uma sobrinha? " Com a descoberta da existência de uma tia, Maria não ficou mais desamparada. A partir daquele momento, ela passou a ser criada como irmã de Olívia.
A tristeza de ter descoberto todas as mentiras do seu pai foi substituída pela alegria de ter uma família amorosa para chamar de sua. Espero que você tenha gostado desta história cheia de reviravoltas e emoções. Se você curtiu e quer mais narrativas emocionantes como essa, não se esqueça de dar um like e se inscrever no canal Vivências Narradas.
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